A legislação brasileira de proteção ao meio ambiente pode ser considerada moderna e até mesmo de vanguarda no cenário internacional. A propósito, cumpre ressaltar o pioneirismo do Brasil, quando em comparação com outros países, na produção legislativa destinada à proteção do meio ambiente.
Inicialmente, o legislador pátrio disciplinou a proteção ambiental de maneira setorial e esparsa. Na década de 1960, sobretudo, foram inseridas no ordenamento jurídico brasileiro normas destinadas a assegurar o resguardo das águas, da fauna, da flora, dos bens subterrâneos, das florestas, do solo urbano, do garimpo, bem como a regulamentar a utilização de pesticidas.
Entrementes, foi somente na década de 1980 que houve um maior avanço legislativo no que tange à tutela ambiental. Em 1981, houve a criação do sistema e da política nacional do meio ambiente, chegando-se, num passo seguinte, mais precisamente no ano de 1985, à introdução da ação civil pública, importante e idôneo instrumento jurídico de proteção ambiental, com posterior positivação da temática ambiental na Carta Magna de 1988, e recente sistematização da tutela administrativa e penal do meio ambiente (1998).
Realizada esta digressão, analisar-se-ão, doravante e de maneira breve, as tutelas constitucional, administrativa e civil do meio ambiente.
1 - TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE
1.1 - Histórico
Malgrado se tenha conhecimento de que desde as épocas mais remotas da história da humanidade existiam ordenações que tutelavam o meio ambiente, o objetivo do presente artigo cinge-se a tratar, especificamente, da tutela constitucional brasileira.
Não obstante, para que isso seja possível, faz-se mister realizar um breve escorço sobre a evolução histórica da legislação brasileira sobre o tema até o ponto culminante, qual seja, a Constituição de 1988.
A primeira fase da história brasileira, como não deveria deixar de ser, foi a época em que o Brasil era tão-somente uma colônia da metrópole portuguesa. Sendo assim, as legislações produzidas na metrópole também regiam o cotidiano da colônia.
Impende salientar que, muito embora existissem no período colonial leis que protegiam o meio ambiente, estas possuíam caráter estritamente privado, uma vez que o meio ambiente era tido como um direito particular da Coroa, e não como um bem coletivo.
Doutra banda, no período imperial foram introduzidas algumas inovações com o intuito de proteger as riquezas naturais do Brasil. À guisa de exemplo, o Código Criminal de 1830 trazia em seu bojo a penalização do corte ilegal de madeiras, assim como a Lei nº. 601, editada no ano de 1850, regulamentava a utilização do solo, visando evitar qualquer possibilidade de agressão a natureza com o simples pretexto de aproveitamento da terra.
Contudo, o real objetivo dos mencionados diplomas normativos era apenas o de punir aqueles que infringissem a propriedade da Coroa ou dos latifundiários, não existindo, destarte, a idéia de patrimônio ambiental coletivo.[1]
No período republicano, por sua vez, adveio o Código Civil de 1916 e, com ele, a tutela jurídica do meio ambiente. Porém, tal tutela possuía cunho essencialmente privatista, destinando-se especialmente à composição de conflitos de vizinhança.
Empós, destaca Edis Milaré[2] que foram estabelecidas algumas normas cujo conteúdo possuía certa preocupação com a tutela ambiental, podendo-se enumerar as seguintes: Regulamento de Saúde Pública (Decreto nº. 16.300/1923); Código Florestal (Decreto nº. 23.793/1934); Código de Águas (Decreto nº. 24.643/1934); Patrimônio Cultural (Decreto-lei nº. 25/1937); Código de Pesca (Decreto-lei nº. 794/1938); Código de Minas (Decreto-lei nº. 1.985/1940).
A partir de então, começou a se pensar numa defesa do meio ambiente de forma a tutelar uma verdadeira qualidade, de modo a preservá-lo de maneira macro, tendo sido adotadas as seguintes leis: Política Nacional de Saneamento Básico (Decreto-lei nº. 248/1967); Conselho Nacional de Controle da Poluição Ambiental (Decreto-lei nº. 303/1967).
Impende destacar, por oportuno, a realização, na cidade de Estocolmo no ano de 1972, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, importante marco internacional que influenciou sobremaneira as produções legislativas brasileiras que tutelavam o meio ambiente.
Nessa reunião, organizada pela ONU, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), cujo teor estabelecia parâmetros de que o mundo estava evoluindo e culminaria em vários desastres ecológicos.
Entretanto, os países “em desenvolvimento”, entre eles o Brasil, não aceitavam qualquer tipo de limitação ao seu crescimento industrial, acusando os países ricos de quererem frear o crescimento dos países pobres. Com base nesse pensamento, vários foram os slogans defendidos pelo Brasil, a propósito: “A maior poluição é a pobreza” e “a industrialização suja é melhor do que a pobreza limpa”. Tais ensinamentos, sublinhe-se, eram tidos pelos governantes locais como diretrizes de suas políticas, de molde que chegaram a gerar o II Plano Nacional de Desenvolvimento, no qual estava oficialmente instituído o brocardo “crescer a qualquer custo” e, como consectário lógico, relegado ao segundo plano a preservação ambiental.[3]
Até então, a proteção ambiental era exercida de forma casual. Com efeito, não havia uma visão global da tutela do meio ambiente. Assim, foi nesse cenário que nasceram o que Milaré chama de “os quatro marcos” mais importantes na busca de respostas ao clamor social pela imperiosa tutela do ambiente:
O primeiro marco é a edição da Lei 6.938, 31.08.1981, conhecida como Lei da Política Nacional do meio ambiente.
(...)
O segundo marco coincide com a edição da Lei 7.347, de 24.07.1985, que disciplinou a ação civil pública
(...)
O terceiro marco pontifica em 1988, com a promulgação da atual Constituição Federal
(...)
O quarto marco é representado pela edição da Lei 9.605, de 12.02.1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.[4]
E, atualmente, existem inúmeros doutrinadores e parlamentares cogitando a possibilidade de um código ambiental, que viria em boa hora, tendo em vista da aviltante degradação ambiental que vem sendo perpetrada.
1.2 - Referências ao meio ambiente na Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo vários artigos que versam, de maneira explícita e implícita, sobre a questão ambiental.
Consoante registra José Afonso da Silva, na obra de sua lavra Direito Ambiental Constitucional, as referências à questão ambiental estão consignadas de maneira explícita nos seguintes artigos: artigo 5º, LXXIII[5]; artigo 20, II[6]; artigo 23, I, III, IV, VI, VII, XI[7]; artigo 24, VI, VII e VIII[8]; artigo 91, § 1º, III[9]; artigo 129, III[10]; artigo 170, VI[11]; artigo 174, § 3º[12]; artigo 200, VIII[13]; artigo 216, V[14]; artigo 220, § 3º, II[15]; e artigo 231, § 1º[16].
Entrementes, é no artigo 225 da Carta Magna que se encontra o cerne do conteúdo normativo referente ao meio ambiente, cuja redação se transcreve a seguir, ipsis litteris:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
Sobreleve-se que, antes da promulgação da vigente Carta Constitucional, não havia referência tão patente de que um dos objetivos da política brasileira, no que diz respeito ao meio ambiente, era preservá-lo da melhor forma possível.
A partir de então, é que foi instituída uma forma de pensar no meio ambiente de maneira associada à qualidade de vida, além de ter trazido várias outras inovações e estabelecido vários princípios de Direito Ambiental.
Aliás, diga-se de passagem, o referido artigo é uma das mais brilhantes das construções normativas sobre o meio ambiente, tanto no âmbito nacional como no internacional, servindo de base para leis posteriores a ela, bem como para a pacificação de entendimentos, como o da responsabilização penal da pessoa jurídica.
3 – TUTELA ADMINISTRATIVA DO MEIO AMBIENTE
Os agentes do poder público, diante do agravamento da degradação ambiental, se vêem impelidos a enfrentar os problemas ambientais, demonstrando interesse e disposição para resolvê-los, o que se concretiza através do exercício do poder de polícia administrativa.
O supramencionado poder, como é sabido, é a faculdade inerente à Administração Pública, particularmente ao Poder Executivo, de limitar o exercício dos direitos individuais, com o fito de assegurar o bem-estar da coletividade, tendo sempre arrimo legal, não podendo, portanto, ser arbitrária, tampouco ampla e indefinida.
Como decorrência da aplicação desse poder de polícia, nasce “o poder de polícia ambiental”, que é assim definido por Paulo Affonso de Leme Machado:
poder de polícia ambiental é a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividade econômica ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/ permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.[17]
Contudo, o poder de polícia administrativa ambiental, utilizado a serviço da população como um todo, como também na defesa do patrimônio público ambiental, nunca será eficaz sem uma busca pela educação ambiental.
Com efeito, é notório que muitas atitudes nocivas ao meio ambiente provêm de velhos vícios culturais, sendo indene de dúvidas que educar é mais nobre do que punir. Há casos, porém, em que a punição integra o processo pedagógico. Desse modo, o poder de polícia ambiental deve ser exercido pela administração tendo em mira, antes de tudo, a adequação da conduta sem, no entanto, descartar a possibilidade de punição do infrator.
A tutela administrativa se subdivide em dois tipos, quais sejam: o preventivo e o repressivo.
O primeiro é aquele que, em caso de ameaça ou risco de danos ambientais significativos ou irreversíveis, a falta de certeza científica recomenda a adoção de providências concretas que evitem possível degradação do meio ambiente, imperando assim o brocardo in dubio pro natura.
Com esteio no referido tipo de tutela administrativa, a doutrina vem classificando o princípio da prevenção como um dos princípios basilares na defesa do meio ambiente. Acerca de tal princípio, consigna Celso Antônio Pacheco Fiorillo:
Trata-se de um dos princípios mais importantes que norteiam o direito ambiental.
De fato, a prevenção é preceito fundamental, uma vez que os danos ambientais, na maioria das vezes, são irreversíveis e irreparáveis. Para tanto, basta pensar: como recuperar uma espécie extinta? Como erradicar os efeitos de Chernobyl? OU, de que forma restituir uma floresta milenar que fora devastada e abrigava milhares de ecossistemas diferentes, cada um com o seu essencial papel na natureza?.[18]
A tutela administrativa pode ser subdividida, ainda, da seguinte maneira:
a) Limitações administrativas: são imposições de caráter geral, por meio das quais o Poder Público comina obrigações de fazer, não fazer e deixar fazer aos proprietários de bens, com o escopo de adequar suas propriedades ao atendimento da função social e, no caso ora em estudo, ao bem-estar ambiental;
b) Desapropriação: trata-se de um mecanismo de transferência compulsória da propriedade que tenha importância social, removendo os entraves à sua adequada proteção e conservação, evidentemente mediante prévia e justa indenização;
c) Estudos de impacto ambiental: comumente conhecidos pela sigla EIA, são exigidos quando da instalação de empreendimentos causadores de significativa degradação ambiental, sendo sempre realizados por uma equipe necessariamente especializada e multidisciplinar, a qual, ao final do estudo, elaborará um relatório de impacto ao meio ambiente (RIMA). Destaque-se, ainda, a necessidade de, em alguns casos, serem realizados debates em audiências públicas;
d) Licença ambiental: é um ato administrativo por meio do qual o órgão ambiental responsável estabelece as condições que devem ser observadas pelo empreendedor para uma correta instalação da atividade deste, a qual é potencialmente poluidora, de molde a evitar que a mesma degrade o meio ambiente;
e) Tombamento: é a modalidade de intervenção na propriedade pelo Poder Público, que tem como objetivo a proteção do patrimônio histórico, natural, arqueológico, cultural, científico, paisagístico e, principalmente, ambiental. O bem protegido, que pode ser imóvel ou móvel, será submetido a um regime especial de conservação e cuidados, com o conseguinte limite ao exercício do direito de propriedade;
f) Inquérito civil: é concebido como um procedimento investigatório inquisitivo, de natureza administrativa e extrajudicial, exclusivamente instaurado e presidido pelo Ministério Público, com a finalidade de buscar fundamentos para o ajuizamento de ação civil pública. A respeito da definição de inquérito civil, leciona Hugo Nigro Mazzilli:
O inquérito civil é uma investigação administrativa prévia a cargo do Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública ou coletiva.[19]
g) Zoneamento ambiental: trata-se de instrumento utilizado para uma eficaz política urbana que visa o controle do uso do solo, de maneira a evitar a sua inadequada utilização e, conseqüentemente, de empreendimentos ou atividades que produzam poluição ou degradação em áreas ou espaços urbanos de relevância ambiental.
Por seu turno, a tutela administrativa repressiva, também denominada de punitiva, nada mais é do que atos decorrentes de infrações administrativas. A propósito do tema, de suma importância é a lição de Hely Lopes Meirelles:
Atos administrativos punitivos são os que contêm uma sanção imposta pela Administração àqueles que infringem disposições legais, regulamentares ou ordinatórias dos bens ou serviços públicos. Visam a punir e reprimir as infrações administrativas ou a conduta irregular dos servidores ou dos particulares perante a Administração[20].
No que diz respeito à tutela ambiental, podem ser enumerados as seguintes espécies de tutela administrativa repressiva:
a) Multa: consiste na imposição de montantes pecuniários, de forma a recompensar o dano perpetrado pela infração;
b) Interdição temporária ou definitiva de atividade nociva ao meio ambiente;
c) Perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público;
d) Perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento oficiais de crédito;
e) Prestação de serviços à comunidade.
Em que pese as medidas enumeradas em linhas pretéritas, faz-se urgente que o legislador implante nova sistemática na matéria. Deveras, é o que se espera e o que se requer para a salvaguarda dos recursos naturais, de modo a conter a ganância dos poderosos depredadores da natureza.
Isso porque, como é cediço, o dano ambiental caracteriza-se pela pulverização de vítimas, pelo fato de ser de difícil reparação e valoração. Via de regra, o dano ao meio ambiente não atinge apenas uma pessoa ou um grupo individualizado de vítimas, mas afeta, normalmente, uma pluralidade difusa de vítimas.
Por outro lado, como é de difícil reparação, sua indenização é, no mais das vezes, insuficiente, o que recomenda a prevenção, a par da precaução.
Nessa senda, é a tutela administrativa a mais adequada para a correta observância do princípio da prevenção, que seria a chave para o sucesso da efetividade do Direito Ambiental, mas tudo isso só seria possível se existisse uma organização de eficientes instrumentos de vigilância. Efetivo diz respeito a algo que funcione, dê resultado positivo, eduque, de tal modo que a efetividade dos mecanismos da educação e da reparação ambiental, numa visão holística, deverá contar, ademais, com a intervenção de órgãos bem aparelhados de aplicação, de execução e de fiscalização da política de proteção desse patrimônio da humanidade.
Atento a tal necessidade, o legislador deu importante passo ao inserir na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), nos artigos 70, 71 e 72, as infrações administrativas, reforçando a tutela administrativa.
3 – TUTELA CIVIL DO MEIO AMBIENTE
3.1 - Pontos relevantes
O primeiro ponto interessante posto pela tutela civil ambiental diz respeito à adoção pelo Direito Brasileiro da responsabilidade objetiva pelo dano ecológico. Segundo ela, basta apenas a existência do nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a atividade danosa ao meio ambiente para que esteja configurada a responsabilidade civil. Logo, prescinde da caracterização de dolo ou culpa.
Todavia, o ônus de provar esse nexo causalidade no Direito Ambiental é, por vezes, uma tarefa delicada. Isso ocorre porque o estabelecimento do liame de causalidade é de grande dificuldade, haja vista que a relação entre o responsável e a vítima, raramente direta e imediata, passa por intermediários do ambiente, receptores e transmissores da poluição.
Diante dessa constatação, o ordenamento jurídico pátrio adota a teoria da responsabilidade civil objetiva derivada de risco integral, na qual as tradicionais cláusulas excludentes da obrigação de reparar o dano ecológico não devem ser aplicadas[21], tendo os seguintes consectários lógicos[22]: irrelevância da intenção danosa; irrelevância da mensuração do subjetivismo; inversão do ônus da prova; irrelevância da licitude da atividade; e atenuação do relevo do nexo causal.
Por sua vez, o segundo maior atrativo da tutela civil, especificamente quando esta é feita por meio das ações, é a isenção do autor das custas judiciais e dos ônus da sucumbência. É o que dispõe o artigo 5º, inciso LXXIII, do Texto Maior:
Art. 5, LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.[23](sem grifo no original)
Trata-se de importante incentivo que o legislador pátrio conferiu ao cidadão mais altivo que, com a sua coragem e poder de iniciativa, não mede esforços para participar de um embate jurídico em defesa do meio ambiente e dos demais interesses públicos, buscando um amparo a um direito que não é apenas seu, mas de toda a coletividade.
3.2 - Formas
a) Ações Coletivas
As principais formas de tutela civil são as ações coletivas, mais especificamente as ações civis públicas e as ações populares ambientais.
A ação popular possui, num panorama geral, as mesmas características da ação civil pública, de molde que todos os substratos utilizados para fundamentar esta podem ser aproveitados naquela. A esse respeito, pontifica Edis Milaré que,
De um ponto de vista amplo, a ação popular é também considerada uma ação civil pública, apenas com rótulo e agente diferentes, na medida em que, como esta, tem em mira, precipuamente, a defesa de um interesse público, e não a satisfação de um direito subjetivo.[24]
As supramencionadas ações coletivas nasceram da necessidade de se melhorar a defesa do interesse público e da moral administrativa, possuindo como inspiração a intenção de fazer de todos os cidadãos, assim como dos entes públicos e privados, fiscais do bem comum.
Esse tipo de construção faz parte do que a doutrina chama de “Teoria da Implementação”. De acordo com esta, a vários segmentos da sociedade é atribuída a possibilidade de efetiva participação na construção de uma grande democracia, com a real observância dos princípios fundamentais e com a busca pelo princípio da preservação da vida humana.
A primeira vez em que se estabeleceu uma ação coletiva de forma a tutelar o meio ambiente, foi com o advento da Lei nº. 6.938/1981. Com esta, o legislador estabelecia uma ação civil pública ambiental e, por conseguinte, mais específica, ao menos no que atine à esfera processual civil, para o meio ambiente. A título de ilustração, colaciona-se o artigo 14 do referido diploma normativo:
Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
[...]
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.[25]
Uma das falhas da tutela processual cível é justamente a caducidade do Código de Processo Civil Brasileiro, principalmente no que atine a respeito do processo coletivo.
A preocupação de tornar mais efetivo o processo vem sendo ultimamente, em nosso país e no estrangeiro, nota constante na produção doutrinária e no pensamento de quantos participam da atividade forense. Congressos nacionais e internacionais têm feito dela tópico de temários. [26]
Mas este não é um mal que atinge apenas o direito ambiental. Muito simplório é considerar que as pressões sociais exercidas pelos grandes escritórios de advocacia ou pelas multinacionais é que dão uma vida tão longa as ações cíveis. Na verdade, o próprio legislador entende que o processo coletivo no Brasil deve ser revisto, posto que muitos institutos presentes na tutela individual não se mostram eficazes para a tutela processual coletiva.
Isso faz crer e desejar que a tutela dos direitos e interesses transindividuais transformem nosso País em algo muito melhor do que foi concebido, ou seja, numa sociedade aberta, consciente, progressista e verdadeira justa. Para tanto, é preciso enxergar mais além e caminhar com determinação rumo a um Sistema Único de Ações Coletivas Brasileiras, como aquele projetado pelas mãos cuidadosas de Ada Pellegrini Grinover e tantos outros juristas brasileiros, já em avançado estágio de discussão.[27]
b) Política Nacional do Meio Ambiente
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, promulgada em 31 de agosto de 1981 sob o número 6.938, consubstanciou um grande avanço legislativo na tutela ambiental e, como grande inovação, consagrou a responsabilidade civil objetiva de indenizar do poluidor que causa dano ao meio ambiente, adotando a teoria do risco integral. Restou abandonado, assim, o sistema clássico do direito civil de tratar a responsabilidade como sendo subjetiva.
Tal Lei Federal cuidou de definir o meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influência e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”[28]
Mas não foi só isso. Este diploma legal também trouxe para o campo legislativo vários conceitos que eram apenas doutrinários, tentando, dessa forma, pacificar entendimentos, tais como a conceituação e classificação do que era poluição.
Entretanto, é necessário reconhecer que tanto o ordenamento jurídico nacional tem muito caminho por fazer, como também o sistema político inspirado no ideal democrático ainda é frágil. Sobre o assunto, pondera Edis Milaré:
Não se pode esquecer que, por entre os inúmeros e variados segmentos da sociedade civil, sempre haverá a defesa de interesses oligárquicos e escusos que, por definição, opõem-se frontalmente, embora de forma sub-reptícia, aos interesses da comunidade ou da coletividade. Isso acontece, de maneira teimosa e desafiadora, as investidas contra o patrimônio ambiental nacional.[29]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVARENGA, Paulo. Proteção Jurídica do Meio Ambiente. São Paulo: Lemos e Cruz, 2005.
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial 2 dos crimes contra a pessoa. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial 2 dos crimes contra a pessoa. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1995.
COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio ambiente. Campinas: Millennium, 2002.
DEMETERCO NETO, Antenor. Desenvolvimento Sustentável e Aquecimento Global. In: SOUZA, Rafael Pereira de (coord.). Aquecimento Global e Créditos de Carbono. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2007.
DRUMMOND, Gláucia Moreira (org.); PAGLIA, Adriano Pereira (org.); MACHADO, Ângelo Barbosa Moreira (org.). Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção. Brasília: MMA; Belo Horizonte: Fundação Biodiversitas, 2008.
Evaluacion de los ecosistemas del milênio. UNEP.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
FREITAS, Gilberto Passos de; FREITAS, Vladimir Passos de. Crimes contra a natureza. 8 ed. São Paulo: RT, 2005.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.
Iniciativa Latino-americana e caribenha para o desenvolvimento sustentável – ILAC: indicadores de acompanhamento. Brasília: UNESCO, PNUMA, 2007.
LANFREDI, Geraldo Ferreira. Política Ambiental: busca de efetividade de seus instrumentos. São Paulo: RT, 2002.
MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e Direito Penal. São Paulo: IBCrim, 2005.
MACHADO, Paulo Affonso de Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva, 1990.
MCMULLEN, Catherine P. (org.); JABBOUR, Jason (org.). Climate Change Science Compendium 2009. UNEP – United Nations Environment Programme. Nairóbi: Earthprint, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 6ª ed. São Paulo: RT, 2008
MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 2008
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação Civil Pública Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1993.
PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal: parte geral. 5ª ed. São Paulo: RT, 2004
PRADO, Luiz Regis. Crimes contra o Ambiente. 2ª ed. São Paulo: RT, 2001.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
[24] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 556.
[25] Lei Federal 6.938/1981.
[26] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação Civil Pública Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1993.
[27] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1154.
[28] Artigo 3º, inciso I, da Lei 6.938/1981.
[29] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1154.
Técnico Ministério Público do Estado de Sergipe - Formado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe - UFS; Pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: IVAN VIEIRA DE ARAúJO, . Breve reflexão acerca das tutelas constitucional, administrativa e civil do meio ambiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2010, 01:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21818/breve-reflexao-acerca-das-tutelas-constitucional-administrativa-e-civil-do-meio-ambiente. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
Precisa estar logado para fazer comentários.