ÍNDICE: 1.INTRODUÇÃO, 2.DIREITO À SAÚDE, 3.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, 3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS, 4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
1.INTRODUÇÃO
O direito à saúde está abarcado na Constituição Federal de 1988 como sendo um dos direitos sociais, fazendo parte dos direitos fundamentais. O direito à saúde possui dupla natureza, podendo ser considerado um direito difuso como também um direito subjetivo individual. Em se tratando de direito difuso, a saúde deve ser satisfeita através de atitudes positivas do Estado, assim como através de políticas públicas. Já quando é considerado um direito subjetivo individual, este pode ser exigido do Estado através de ação judicial.
Os constituintes, ao estabelecer que a saúde é um direito fundamental, entenderam que a vida é o bem maior de todo ser humano, devendo ser garantida pela Lei Maior do nosso país, com o fito de melhorar as condições de existência do indivíduo, mediante ações positivas do Estado. O direito à saúde significa, então, o acesso universal e eqüânime asaúde. serviços e ações de promoção, proteção e recuperação da
Várias iniciativas jurídico-institucionais têm sido criadas com o objetivo de viabilizar o acesso pleno ao direito à saúde. Podem ser destacadas a Lei nº 8.080/90 que organiza e estrutura o funcionamento dos serviços de saúde, a Portaria nº 3.916 que aprova a Política Nacional de Medicamentos, e a Norma Operacional da Assistência à Saúde, nº 01/2002 – NOAS-SUS 01/02, aprovada por Portaria do Ministério da Saúde e vem a suceder a Norma Operacional Básica do SUS, nº 01/96 – NOB-SUS 01/96.
A maioria da população brasileira não possui condições financeiras para custear os serviços de saúde essenciais à preservação da vida. Assim, o Estado deve agir em prol desses indivíduos, arcando com os tratamentos médicos-hospitalares para que possam ter uma vida mais digna.
Portanto, a responsabilidade civil do Estado está implícita na noção de Estado de Direito, uma vez que todas as pessoas jurídicas, sejam elas públicas ou privadas, estão subordinadas às regras do seu ordenamento jurídico, como também deve responder pelos comportamentos violadores do direito alheio.
Diante do exposto, merece ser analisada a responsabilidade do Estado quando do não fornecimento de medicamentos aos seus administrados, pois é um tema de bastante relevância para toda a sociedade
2.DIREITO À SAÚDE
A Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 196, estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Por estar entre os direitos sociais, mas especificamente no caput do art. 6º da Constituição Federal de 1988, o direito à saúde se configura como um direito indisponível, ou seja, é aquele em relação ao qual os seus titulares não têm qualquer poder de disposição, pois nascem, desenvolve-se e extinguem-se independentemente da vontade dos titulares. Por isso, deve ser obrigatoriamente observada a sua prestação pelo próprio poder que o institui, o Poder Público.
Portanto, os direitos fundamentais, por estarem em uma posição de destaque dentro da Constituição Federal de 1988, torna-se um tema bastante relevante para ser debatido, em especial, o direito à saúde, por ser um direito de cunho prestacional e social e pressuposto para a qualidade de vida e dignidade humana de qualquer pessoa[1].
Desta forma, o direito à saúde se consubstancia em um direito público subjetivo, exigindo do Estado atuação positiva para sua eficácia, já que toda pessoa tem o direito de exigir do ente estatal a proteção à sua saúde.
3.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Etimologicamente, Estado vem do latim status que significa “estar firme”, conceito que produz como consectário lógico o fato de que o indivíduo, como ser humano, deve esperar o mínimo de consistência na atuação da Administração Pública para a garantia dos direitos individuais indisponíveis.
De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, o conceito de Estado, como sendo sociedade política permanente, surgiu pela primeira vez nas páginas da obra ímpar “O Príncipe” do notório renascentista italiano Nicolau Maquiavel. A citada definição evoluiu para o que se denomina atualmente de Estado de Direito, noção segundo a qual o Estado que cria a lei a ela se submete.
A responsabilidade civil é também conhecida como responsabilidade extracontratual e fundamenta-se na obrigação de indenizar um dano patrimonial ou moral decorrente de um fato humano. No tocante ao Direito Público, a responsabilidade civil da Administração Pública consiste na obrigação que tem o Estado de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes públicos causem à esfera juridicamente tutelada dos particulares [2].
No mesmo sentido, GASPARINI (2009) conceitua “responsabilidade civil do Estado como a obrigação que se lhe atribui de recompor os danos causados a terceiros em razão de comportamento unilateral comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, que lhe seja imputável”[3].
Tal responsabilidade passou, ao longo do tempo, por uma evolução, dando origem a várias fases, dentre elas: a irresponsabilidade do Estado, a responsabilidade com culpa civil comum do Estado (subjetiva), a teoria da culpa administrativa, a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral.
Primeiro, a teoria da não responsabilização do Estado, peculiar do regime absolutista, trata-se de doutrina ultrapassada, baseando-se na idéia de que os agentes públicos, como representantes do rei, não poderiam, portanto, ser responsabilizados por seus atos, ou seja, seus atos, na qualidade de atos do rei, não poderiam ser considerados lesivos aos súditos, firmando-se na célebre frase The King can do not Wrong (O rei não erra)[4].
No tocante à fase correspondente à responsabilidade subjetiva do Estado, a pessoa jurídica de Direito Público expressava a sua vontade pelos atos praticados por seus funcionários, devendo ser a sua responsabilidade imputada pela culpa do funcionário e nos princípios da responsabilidade por fato de terceiro. O prejudicado teria que provar o ilícito do agente público para que o Estado respondesse pelos danos[5].
Em relação à teoria da culpa, deve ser ressaltado que esta teoria tem como base a regra do direito privado no que diz respeito à responsabilização do Estado, devendo haver culpa do agente estatal para que se configurasse a responsabilidade do ente público. Logo, em princípio o funcionário responderia perante o lesado, ocorrendo a atuação do Estado somente de forma posterior[6].
A partir da Constituição Federal de 1937, em seu artigo 158, a responsabilidade do Estado passou a ser fundamentada com base na teoria do risco, de forma que o Estado passou a responder objetivamente pelos atos de seus funcionários, independentemente da existência ou não da culpa do Estado. Com o advento da atual Constituição de 1988 houve uma ampliação da responsabilidade estatal,tendo em vista que o preposto do Estado deixou de ser apenas o funcionário público para ser o agente público, englobando um número maior de pessoas[7].
Assim, ao analisar a responsabilidade do Estado tendo como base a teoria do risco administrativo, constata-se que é cabível a indenização do Estado não somente nos atos ilícitos, mas também nos atos lícitos, já que não era mais a culpa do serviço ou do servidor que gerava esta responsabilidade, e sim o risco que toda atividade estatal implicaria para o administrado, sendo conhecida como responsabilidade objetiva. Logo, o lesado somente precisa provar a conduta do agente estatal, o dano e o nexo de causalidade entre ambos [8].
Em última análise, deve ser abordado que, segundo Hely Lopes Meirelles, a diferença entre a teoria do risco administrativo e do risco integral reside que a primeira modalidade admite causas excludentes de responsabilidade, enquanto que a segunda não. Entretanto, a maioria da doutrina não faz essa distinção, considerando as duas expressões como sinônimas[9].
3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS
Em consonância com a previsão constitucional, os cuidados com a saúde é uma competência comum da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, podendo ser exercida por todos os entes da federação, separada ou simultaneamente, desde que respeitados os limites constitucionais.
Deste modo, o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça é que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de medicamentos, ou seja, qualquer um dos entes federativos podem e devem arcar com o tratamento medicamentoso de seus administrados, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Corte Especial firmou a orientação no sentido de que não é necessário o sobrestamento do recurso especial em razão da existência de repercussão geral sobre o tema perante o Supremo Tribunal Federal (REsp 1.143.677/RS, Min. Luiz Fux, DJe de 4.2.2010).
2. O entendimento majoritário desta Corte Superior é no sentido de que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de medicamentos às pessoas carentes que necessitam de tratamento médico, o que autoriza o reconhecimento da legitimidade passiva ad causam dos referidos entes para figurar nas demandas sobre o tema.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1159382/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 01/09/2010)
Portanto, não é cabível a alegação de nenhum ente federativo referente à ilegitimidade passiva ad causam nas demandas que versem sobre fornecimento de medicamentos para tentar se esquivar da obrigação de fazer, uma vez que está bem explicitado, constitucionalmente, o dever dos entes federativos em prestar atendimento médico à população, em sua totalidade, incluindo medicamentos e demais itens necessários a quem necessite e não possa adquiri-los por falta de condições financeiras.
Outro ponto que merece ser destacado é que apesar do remédio não fazer parte da relação disponibilizada pelo sistema único de saúde (SUS), não isenta a Administração Pública do dever de fornecê-lo à população quando requerido para que possa aliviar seu sofrimento e prolongar sua vida, conforme entendimento uníssono do Tribunal de Justiça de Minas Gerais :
EMBARGOS INFRINGENTES - DIREITO À SAÚDE - MOLÉSTIA GRAVE - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - DEVER DO ESTADO - SENTENÇA CONFIRMADA. Dispõe o art. 196 da Constituição Federal que a saúde é direito de todos e dever do Estado que deverá garanti-lo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco à doença e outros agravos. O fato de o medicamento não fazer parte das especialidades disponíveis pela rotina do SUS não exime o Município de fornecê-lo ao usuário que não dispõe de recursos para custeá-lo e necessita urgentemente do tratamento. Embargos Infringentes acolhidos. V.V. (Embargos Infringentes 1.0024.04.518445-4/002, Des. Albergaria Costa, Câmaras Cíveis Isoladas / 3ª CÂMARA CÍVEL, DJ 07/08/2008)
Assim, o direito à saúde, que está relacionado ao princípio maior, que é o direito à vida, sobrepõe-se a qualquer direito patrimonial que possa estar envolvido na lide.
Dessa forma, verifica-se que o Administrador Público não possui a faculdade de se eximir do cumprimento de um dever que dele minimamente se espera. Mesmo porque, os impostos pagos pela população necessitam de uma contraprestação estatal. Ainda mais quando se trata de educação, segurança pública e saúde. Se o Estado é ineficaz na providência de tais direitos, obrigando aos trabalhadores sobrecarregados pelos impostos a procurar obtê-los na esfera da prestação dos serviços particulares, que pelo menos assegure aos desamparados financeiramente a observância dos direitos fundamentais garantidos pela Carta Magna de 1988.
Logo, tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.
Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Poder Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, é dever da administração Pública garantir aos administrados a concessão de todos os direitos constitucionais existentes, principalmente os mais basilares, como é caso do direito à saúde. Desta forma, qualquer um dos entes federativos tem a obrigação de fornecer medicamentos à população, principalmente àquela que possui baixo poder aquisitivo, de forma a preservar o bem maior de todo ser humano que é a sua vida.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 17. ed.. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Direito Administrativo. 3ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2004.
GANDINI, João Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4365.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo:Saraiva, 2009.
HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4839
LIMA NETO, José Guerra de Andrade. A Responsabilidade do Estado diante do Não Fornecimento de Medicamentos de Alto Custo. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13411.
MARTINEZ, Camille Montaury Monteiro de Barros. A Responsabilidade Civil do Estado no Fornecimento de Medicamentos. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2009/trabalhos_22009/CamilleMontauryMonteirodeBarrosMartinez.pdf
[1] HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4839
[2] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 17. ed.. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.
[3] GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo:Saraiva, 2009.
[4] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 17. ed.. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.
[5] MARTINEZ, Camille Montaury Monteiro de Barros. A Responsabilidade Civil do Estado no Fornecimento de Medicamentos. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2009/trabalhos_22009/CamilleMontauryMonteirodeBarrosMartinez.pdf
[6] LIMA NETO, José Guerra de Andrade. A Responsabilidade do Estado diante do Não Fornecimento de Medicamentos de Alto Custo. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13411.
[7] GANDINI, João Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4365.
[8] LIMA NETO, José Guerra de Andrade. A Responsabilidade do Estado diante do Não Fornecimento de Medicamentos de Alto Custo. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13411.
[9] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Direito Administrativo. 3ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2004.
Técnica do Ministério Público do Estado de Sergipe; Acadêmica de Direito da Universidade Tiradentes - UNIT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Kristiane Ferreira da Silva. Responsabilidade civil do Estado no fornecimento de medicamentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2010, 09:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21840/responsabilidade-civil-do-estado-no-fornecimento-de-medicamentos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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