O Tribunal do Júri, consoante é sabido, desperta os mais variados sentimentos em seus estudiosos, razão pela qual é observado pelos mais diversos enfoques. Assim, no presente caso, a evolução histórica da aludida Instituição merece realce.
Destarte, com relação aos primórdios do Tribunal Popular, isto é, do julgamento de cidadãos pelos pares, diversas possibilidades acerca de seu surgimento são levantadas. A esse respeito leciona a obra Tribunal do Júri - Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, cuja coordenação pertence a Rogério Laura Tucci:
Há quem afirme, com respeitáveis argumentos, que os mais remotos antecedentes do Tribunal do Júri se encontram na lei mosaica, nos dikastas, na Heliéia (tribunal dito popular) ou no Areópago gregos; nos centeni comites, dos primitivos germanos; ou, ainda, em solo britânico, de onde passou para os Estados Unidos e, depois, de ambos para os continentes europeu e americano.1
Sendo assim, infere-se da transcrição acima que incertezas pairam acerca da exata origem do Tribunal do Júri. Nesse sentido, cumpre salientar que determinados autores acreditam, ainda, que, um primeiro esboço do tribunal popular reside em Roma, no momento em que o processo penal alcançava seu segundo estágio, qual seja, o de sistema acusatório, haja vista que, por mais arcaico que se mostre o tribunal formado por populares, verifica-se, para a sua realização, a exigência de certa estruturação, ainda que rudimentar, o que, à época, apenas era encontrado na civilização romana.
No entanto, em que pese as inclinações supra descritas acerca da origem do Tribunal do Júri, a doutrina predominante se posiciona no sentido de que a referida Instituição teve como berço a Inglaterra e seu sistema da comon law, sendo que o Júri, em suas raízes, possuía o escopo de combater os julgadores oriundos das monarquias absolutistas, o que evidencia seu nítido caráter político. Porém, com a decadência das monarquias, bem como, ante a tripartição de poderes, com a autonomia do Poder Judiciário em relação ao Poder Executivo, tal Instituição perdeu, por assim dizer, sua finalidade primitiva, o que ocasionou o surgimento de críticas. A esse respeito, comenta o doutrinador James Tubenchlak:
Com efeito, tendo por berço a Inglaterra, depois que o Concílio de Latrão aboliu as ordálias e os juízos de Deus, em 1215, espargiu-se o Júri, pelas mãos da Revolução Francesa, por numerosos países, notadamente da Europa, simbolizando vigorosa forma de reação ao absolutismo monárquico, vale dizer, um mecanismo político por excelência, malgrado com supedâneos místicos e religiosos, ainda presentes na fórmula do juramento do Júri inglês, onde há a expressa invocação de Deus.2
Assim, deixando de lado eventuais críticas à Instituição do Tribunal do Júri, seja em virtude da perda de seu objeto inicial, seja em decorrência de interferência religiosa, é sabido que o Júri, no Brasil, foi introduzido em 18 de junho de 1822, sob a denominação de Juízo dos Jurados, oportunidade em que seu âmbito de atuação foi restringido aos delitos de imprensa. Nesse momento, compunham tal tribunal 24 (vinte e quatro) homens bons, honrados, inteligentes e patriotas, cujas decisões somente eram recorríveis por meio de recurso de apelo diretamente ao Príncipe Regente Dom Pedro. Em Decreto datado de 22 de novembro de 1823, o restrito âmbito de atuação do Júri fora preservado.
Já em 1824, fora promulgada a Constituição do Império que, em seus artigos 151 e 152, manteve a Instituição do Júri, todavia, desta feita, ampliando-lhe a abrangência, alcançando, agora, todas as questões, penais e cíveis. Entretanto, observa o doutrinador Firmino Whitaker que o Júri não realizou julgamentos de questões cíveis, considerando-se o fato de que, com a integridade moral e consciência, os jurados estariam aptos a decidirem demandas criminais, sendo que tal aptidão não se vislumbrava nas demandas cíveis, haja vista tratarem de questões essencialmente técnicas, concernentes a conhecimentos específicos de Direito.
Infere-se, ainda, da Lei datada de 20 de setembro de 1830 que o Júri fora organizado de maneira mais especializada, com a previsão legal do Júri de Acusação e do Júri de Julgação.
Em 16 de dezembro de 1830, nasceu o Código Criminal do Império e, em 29 de novembro de 1832, o Código de Processo Criminal do Império, sendo que este, de autoria do então Senador Alves Branco, previu o número de 23 (vinte e três) jurados para o Júri de Acusação e o número de 12 (doze) para o Júri de Sentença. Outrossim, vislumbra-se no Código de Processo Criminal do Império verdadeiro avanço na participação da sociedade na administração da justiça, por meio do juízo de admissibilidade, atualmente realizado pelo juiz de direito que, por sua vez, determinaria se o réu seria ou não enviado a julgamento. Não obstante tal avanço, reflexo de uma maior participação popular na administração da justiça, com o advento de intensos movimentos revolucionários, à época, em busca da instalação da República, iniciou-se reação monárquico-conservadora que culminou com a Lei nº 261, datada de 3 de dezembro de 1841, que findou por alterar consideravelmente a Instituição do Júri, de modo a restringi-lo. Dessa maneira, passou o Tribunal Popular a ser elitista e censitário, portanto, antidemocrático.
Nesses termos, antes da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, outras leis surgiram com a finalidade de adequar o Tribunal do Júri ao momento político pelo qual o Brasil atravessava. Dando-se prosseguimento ao período histórico vivido, em 24 de fevereiro de 1891, houve a promulgação da primeira Carta Magna Republicana que, por sua vez, manteve a Instituição do Júri, em que pese divergências terem surgido no seguinte sentido: teria a Constituição se referido apenas ao Júri Federal, uma vez que competia aos Estados legislar sobre direito processual?
Com vistas a solucionar eventuais controvérsias, decidiu o Supremo Tribunal Federal, por meio de Acórdão datado de 7 de outubro de 1899, nos dizeres do renomado escritor Angelo Ansanelli Junior:
Em vista disso, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão de 7 de outubro de 1899, decidiu os contornos do Júri, definindo, em síntese, que o procedimento deveria observar as recusas peremptórias, a incomunicabilidade, que os jurados fossem retirados de todas as classes sociais, a oralidade e o julgamento segundo a consciência dos juízes leigos.3
Por meio da Constituição de 16 de julho de 1934, seguindo a mesma direção da Carta Magna de 1891, o Júri fora deslocado do capítulo inerente aos direitos e inserido no capítulo do Poder Judiciário.
Continuando nesta trajetória histórica, a Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937 não previra a Instituição do Júri, ensejando, por parte de alguns, o entendimento de que o julgamento pelos pares não havia sido mantido no ordenamento jurídico. Ocorre que, com fulcro no artigo 183 da referida Constituição, que preconizava que ainda possuíam vigência as leis não revogadas, desde que não contrariassem as novas disposições constantes no rosto da Lei Maior de 1937, estava mantida a Instituição do Júri, mesmo que de forma não expressa no texto constitucional.
Através do Decreto- Lei nº 3.931, de 11 de dezembro de 1941, entrou em vigor novo Código de Processo Penal que, seguindo orientação anterior, afastou a soberania das decisões emanadas pelo Tribunal do Júri.
Mais uma vez, ainda que tenha havido a edição de novas leis que alteraram o tratamento legal dispensado ao Tribunal do Júri, com o fim do Estado Ditatorial, no ano de 1945, por meio da queda de Getúlio Vargas, adveio a Constituição de 1946, momento este de revigoramento democrático das instituições brasileiras, dentre elas o Tribunal do Júri. Como demonstração do referido realce, cita-se o fato de ter a retro mencionada Carta Magna inserido em seu rol de direitos e garantias o Tribunal do Júri que, por sua vez, quando da Constituição anterior, sequer constava no texto constitucional, bem como pelo fato de ter restabelecido a soberania dos veredictos oriundos da referida instituição, outrora extinta.
Com a chegada da Constituição de 24 de janeiro de 1967, a Instituição do Júri, bem como a soberania inerente às suas decisões e a competência para julgar crimes dolosos contra a vida foram mantidas, entretanto, com a Emenda Constitucional de nº 01, de 1969, fora retirado do texto constitucional a expressão “soberania dos veredictos”, fato este que trouxe abalo e retrocesso ao Tribunal Popular.
Finalmente, com o fim do Estado Ditatorial Militar, e a entrada em vigor do Estado Democrático de Direito, por meio da Constituição Federal de 1988, denominada de Constituição Cidadã, símbolo maior da participação popular, reflexo e materialização da democracia, houve a consagração da Instituição do Júri, bem como de sua soberania, possuindo proteção constitucional no artigo 5º que, por seu turno, trata dos direitos e garantias fundamentais.
Dessa maneira, ao analisar-se, ainda que superficialmente, as Constituições até o momento mencionadas, visualiza-se que o Tribunal do Júri, sendo entendido como Tribunal Popular, com vistas a permitir o julgamento de cidadãos pelos próprios pares, viu-se refém, em todos os momentos, do período histórico pelo qual atravessava, sempre à mercê das inclinações políticas dominantes, oscilando todo o tempo, ora a fim de ampliar a participação popular na administração da justiça, como forma de maior exercício de controle popular sobre os demais poderes, ora como forma, quase invisível, de participação do povo, com o intuito de reduzir cada vez mais a sua interferência no julgamento das lides, deixando tudo a cargo dos governos autoritários e despóticos, que, verdadeiramente, constituíam ameaças à Democracia vigente.
Logo, como forma de sintetizar as considerações aqui tecidas, vislumbra-se, nitidamente, que o Tribunal do Júri, como forma maior de expressão popular, teve suas origens em momento ainda incerto, todavia, encontrou espaço para sua propagação e fortalecimento, sobrevivendo, no Brasil, aos altos e baixos proporcionados pela oscilação de governantes, uns ora munidos de inclinações conservadoras, destinadas a coibir e verdadeiramente extinguir essa forma de administração popular da justiça, ora como forma de materializar e efetivar a democracia, por meio do julgamento de cidadãos por seus pares.
REFERÊNCIAS:
ANSANELLI JUNIOR, Angelo. O tribunal do júri e a soberania dos veredictos. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005.
TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri – contradições e soluções. São Paulo: Saraiva, 1997.
TUCCI, Rogério Laura (coord.) et al. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
WHITAKER, Firmino. Jury. 6. ed. São Paulo: Saraiva & C, 1930.
1TUCCI, Rogério Laura (coord.) et al. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.12.
2TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri – contradições e soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, p.3-4.
3ANSANELLI JUNIOR, Angelo. O tribunal do júri e a soberania dos veredictos. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p.25.
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe - especialidade Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALVIANO, Helen Martha Dias. Breve Panorama sobre a evolução histórica do Tribunal do Júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2010, 08:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21858/breve-panorama-sobre-a-evolucao-historica-do-tribunal-do-juri. Acesso em: 23 dez 2024.
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