1. INTRODUÇÃO
Em 13 de julho de 2010 foi promulgada a Emenda Constitucional n.º 66, que modificou o §6º do art. 226 da Constituição Federal, eliminando de uma vez por todas o requisito da separação judicial e os pressupostos temporais para a obtenção do divórcio.
Além de promover muito mais celeridade para os consortes, haja vista que o divórcio direto pode ser intentado a qualquer tempo, o novo regramento propõe a redução do intervencionismo estatal no casamento, em prol da autonomia da vontade das partes, facilitando a sua dissolução.
Ao longo dos anos o legislador promoveu uma amenização paulatina dos rigores das normas que disciplinavam tanto a separação como o divórcio, em virtude da inegável existência de um clamor social nesse sentido.
Conforme será visto no presente trabalho, durante a evolução do direito brasileiro, o divórcio e a separação sofreram diversas mudanças. Das mais polêmicas às mais simples, todas as reformas legislativas no que diz respeito à dissolução da sociedade ou do vínculo matrimonial apontaram no sentido da retirada de obstáculos para a sua obtenção.
Portanto, o escopo do trabalho é analisar a evolução legislativa dos retrocitados institutos, a fim de contextualizar a recente alteração constitucional dentro de um panorama histórico de modificações que sempre buscaram a facilitação da dissolução do matrimônio e a redução do exacerbado intervencionismo estatal na vida conjugal dos cidadãos.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Fase pré-codificação civil
A evolução, regulamentação e instituição do divórcio e da separação, sejam judiciais ou administrativos, se deram de maneira tão lenta quanto polêmica, notadamente porque o tema sempre esteve intimamente ligado com a religião e seus dogmas. Por conseguinte, qualquer inovação relativa à extinção do casamento vinha acompanhada de discussões fervorosas e eram obtidas de forma bastante penosa.
“A história do divórcio no Brasil traduz uma árdua e calorosa batalha legislativa e social, decorrente de longa e histórica tradição antidivorcista, sustentada basicamente pela Igreja, que erige o casamento em sacramento”.[1]
Inicialmente, vale ressaltar que o casamento tal qual como fora introduzido no Brasil do tempo do Império era regido pelas normas da Igreja Católica, haja vista que o catolicismo era a religião oficial da nossa metrópole, qual seja, Portugal. Sendo assim, aplicavam-se as disposições estabelecidas no Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1553.
Com relação ao matrimônio, o maior dogma instituído referia-se à sua indissolubilidade. Até mesmo nas hipóteses em que se autorizava o divortium quoad thorum et habitationem, não havia rompimento do vínculo matrimonial. O que ocorria era apenas a separação de corpos.
“Mas, sòmente com o Concílio de Trento (1545 a 1553), a doutrina da Igreja se consolidou, repelindo-o (o divórcio) em definitivo, e proclamando que o matrimônio é um sacramento com caráter de indissolubilidade. O que se permite em face da Igreja Católica é a separação de corpos, denominada divortium quoad thorum et habitationem, que deixa intacto o vínculo matrimonial” [2].
Séculos se passaram e, mesmo com o advento da monarquia, o que torna o Brasil independente de Portugal, nada muda com relação à autoridade da normatização eclesiástica com relação ao matrimônio. Muito pelo contrário. Em 1827, um Decreto determinou a aplicação do Concílio de Trento e da Constituição do Arcebispado da Bahia a tudo que estivesse relacionado ao matrimônio. Apenas em 1861 surgiu um pequeno sinal que demonstrou progresso em direção à desvinculação entre Igreja Católica e o Estado: o Decreto n.º 1.144 passou a autorizar o casamento entre nubentes de outras seitas.
Não obstante o advento desse ínfimo passo, durante muitos anos o casamento continuou a ser regido pelas leis eclesiásticas, não havendo qualquer interferência do Estado no instituto. “Somente com a República, mercê da laicização do Estado através do Decreto 119-A, de 07.01.1890, veio o instituto a perder o caráter confessional”[3].
Nesse momento, surgiram as condições favoráveis para a implantação, com o Decreto 181/1890, do casamento civil no Brasil, em que pese ainda continuasse a existir o casamento religioso.
“E isto aconteceu com o Decreto 181, de 24.01.1890. Na oportunidade o Min. Campos Sales levara a Deodoro proposta relativa a adoção do divórcio no Brasil. Mas, ante a resistência, a nova lei limitou-se à implantação do casamento civil” [4].
Com o surgimento do referido diploma, também passou a existir a separação de corpos, denominada de divórcio, contrapondo-se ao divortium quoad thorum et habitationem, que era regido pelas leis da Igreja. As causas que a justificavam eram as mesmas que depois foram utilizadas para autorizar o desquite no Código de Beviláqua.
Além do adultério, admitia-se como causa para a separação de corpos a tentativa de morte, a sevícia ou injúria grave, o abandono voluntário do domicílio conjugal por dois anos contínuos e o mútuo consentimento dos cônjuges que fossem casados há mais de dois anos.
2.2. O Código Civil de 1916
Com o advento do Código Civil de 1916, surge no direito brasileiro o instituto do desquite, que era, nas palavras de Pontes de Miranda, “a separação sem quebra do vínculo”[5]. Percebe-se, por conseguinte, que a modificação efetuada pelo Código Beviláqua foi apenas terminológica. O novo instituto introduzido nada mais era do que o divórcio regido pelo pelo Decreto n. 181/1890, mas com outra nomenclatura. Segundo Sílvio Rodrigues,
“A palavra ‘desquite’ foi introduzida no direito brasileiro com o Código Civil de 1916. O Decreto n. 181/1890, que instituiu entre nós o casamento civil, ainda utilizava a expressão divórcio, embora não o admitisse com o efeito de romper o vínculo conjugal. De forma que o Código Civil, fora modificações menores, nada inovou ao direito anterior, a não ser o nome do instituto”[6].
Diante do enfrentamento desse tema, imperioso se faz colacionar as palavras do próprio Clóvis Beviláqua:
“O desquite põe termo à vida em comum, separa os cônjuges, restitui-lhes a liberdade, permite-lhes dirigir-se, como entenderem, na vida, sem que dependa um do outro, no que quer que seja; mas conserva íntegro o vínculo do matrimônio”[7].
Dessa forma, junto à morte de um dos cônjuges e a nulidade ou anulação do casamento, o desquite se estabeleceu como mais uma causa do fim da sociedade conjugal. Veja-se o que dispunha o art. 315 do referido Código:
“Art. 315. A sociedade conjugal termina:
I. Pela morte de um dos cônjuges.
II. Pela nulidade ou anulação do casamento.
III. Pelo desquite, amigável ou judicial.
Parágrafo único. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges, não se lhe aplicando a presunção estabelecida neste Código, art. 10, segunda parte”. (grifou-se)
2.2.1. Pressupostos do desquite judicial
O Código de Beviláqua, nos incisos contidos no art. 317, elencou os motivos que poderiam dar ensejo a uma ação de desquite. São eles o adultério, a tentativa de morte, a sevícia ou injúria grave e o abandono voluntário do lar conjugal por dois anos contínuos. Veja-se como se pronunciou o referido artigo:
“Art. 317. A ação de desquite só se pode fundar em algum dos seguintes motivos:
I. Adultério.
II. Tentativa de morte.
III. Sevicia, ou injuria grave.
IV. Abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos”.
Nos termos do art. 316 do Código Civil de 1916, competia a um dos cônjuges a propositura da ação de desquite. No caso em que algum deles fosse incapaz de exercê-la, seria representado por ascendente ou irmão. A ação proposta, então, seguia os trâmites do rito ordinário.
Ao analisar o desquite judicial, Caio Mário da Silva Pereira proferiu palavras irretocáveis acerca da matéria:
“Dá-se o desquite litigioso, a pedido de qualquer dos cônjuges e qualquer que seja o tempo de casamento, mediante processo contencioso. A ação de desquite será ordinária, e é privativa dos cônjuges, vale dizer, sòmente pode ser intentada por um dêles contra o outro, salvo o caso do incapaz, que para êste efeito será representado por ascendente ou irmão”[8].
2.3. A indissolubilidade como preceito constitucional
Frente ao crescimento do movimento divorcista, que aos poucos vinha ganhando força principalmente entre os congressistas, o legislador constitucional se antecipou a uma possível regulamentação infraconstitucional da separação e do divórcio e inseriu a indissolubilidade do casamento na Constituição de 1934, o que conferiu status constitucional a esse preceito. O art. 144 da então Constituição era claro:
“Art 144 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.
Parágrafo único - A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo”.
A posição ímpar adotada pelo legislador brasileiro foi comentada por Yussef Said Cahali em sua obra Separação e Divórcio:
“Enquanto os demais países que não admitem o divórcio a vínculo consideram a matéria no âmbito do direito civil, o Brasil, em posição singular, havia erigido, a partir da Constituição de 1934 (art. 144), a indissolubilidade do vínculo à condição de preceito constitucional”[9].
Não obstante o número de defensores da dissolubilidade do vínculo matrimonial estivesse crescendo em progressões geométricas, as Constituições de 1937, 1946 e 1967 mantiveram-se fiéis à indissolubilidade, frustrando as expectativas de boa parte da sociedade e não permitindo a regulamentação de um fato que já vinha ocorrendo na prática, qual seja, a formação de novas famílias pelos ex-cônjuges desquitados.
Imperioso se faz transcrever os dispositivos que determinavam a indissolubilidade do vínculo conjugal nas mencionadas constituições. Comecemos pelo art. 124 da Constituição de 1937:
“Art. 124. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção do seu encargo”. (Grifo nosso).
A Constituição de 1946, mantendo a mesma linha, fincou o princípio da indissolubilidade do vínculo no art. 163:
“Art. 163. A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado.
§º1 - O casamento será civil, e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público.
§2º - O casamento religioso, celebrado sem as formalidades deste artigo, terá efeitos civis, se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro Público, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente”. (Grifou-se).
Bem assim fez a Constituição de 1967. O diploma reservou o §1º do art. 167 para dispor sobre a indissolubilidade do casamento:
“Art. 167. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos.
§1º - O casamento é indissolúvel.
§2º - O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público.
§3º - O casamento religioso celebrado sem as formalidades deste artigo terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro Público mediante prévia habilitação perante, a autoridade competente”. (Grifo nosso).
2.4. A Emenda Constitucional N.º 09 DE 1977 e a Lei do Divórcio
Conquanto tenha havido a constitucionalização da indissolubilidade do matrimônio, a luta dos divorcistas não se deu por terminada. Após anos de intensos debates, em meados de 1977 houve a promulgação da Emenda Constitucional n.º 9, que alterou o §1º do art. 175 da Constituição de 1967. A partir de então, o Brasil eliminava de uma vez por todas o caráter indissolúvel do casamento e a perpetuidade do vínculo matrimonial mesmo após o desquite.
Segundo Yussef Said Cahali, “Referida emenda foi aprovada, em primeira sessão, por 219 votos (15 de junho de 1977), e em sessão final, por 226 votos (23.06.1977), sendo promulgada em 28.06.1977”[10].
O §1º do art. 175 da Constituição de 1967 passou a vigorar com uma nova redação, que afirmava que “o casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos".
Após esse marco normativo, não demorou muito para que, em 26 de dezembro de 1977, fosse promulgada a Lei 6.515/77. Conhecida como Lei do Divórcio, esse diploma revogou os arts. 315 a 328 do Código Civil de 1916, inserindo o divórcio definitivamente no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, passou a chamar de separação judicial o que até então era conhecido como desquite.
O art. 2º da Lei do Divórcio foi claro ao elencar a separação judicial e o divórcio como causas terminativas da sociedade conjugal:
“Art 2º - A Sociedade Conjugal termina:
I - pela morte de um dos cônjuges;
Il - pela nulidade ou anulação do casamento;
III - pela separação judicial;
IV - pelo divórcio.
Parágrafo único - O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio”.
O art. 24 da Lei 6.515/77 também não deixou dúvidas acerca de sua intenção, ou seja, conferir ao divórcio o condão de romper definitivamente o vínculo conjugal entre os cônjuges, possibilitando a contração de novas núpcias, na medida em que se eliminava o impedimento legal.
“Art 24. O divórcio põe termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso”.
2.4.1. Separação judicial
Conforme já mencionado, o escopo da separação judicial, inaugurada pela Lei 6.515/77, era o mesmo do desquite regulamentado Código Civil de 1916. Tanto que o art. 3º da Lei do Divórcio praticamente repetia a idéia do art. 322 do Código Beviláqua. Interessante comparar os dois dispositivos:
Art. 322, Código Civil de 1916: “a sentença do desquite autoriza a separação dos conjuges, e põe termo ao regime matrimonial dos bens, como se o casamento fosse dissolvido (art. 267)”.
Art. 3º, Lei 6.515/77: “a separação judicial põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido”.
Assim como a ação de desquite, que poderia ser intentada na forma amigável ou litigiosa, o mesmo ocorreu com a separação judicial. A forma consensual foi insculpida no art. 4º e a forma litigiosa no art. 5º da Lei do Divórcio.
2.5. A Constituição de 1988 e as Leis n.º 7.841/89 e 8.408/92
Após a Lei do Divórcio, uma nova, porém pequena modificação nos institutos do divórcio e da separação só veio ocorrer com a Constituição de 1988. Além de manter o caráter dissolúvel do vínculo conjugal como preceito constitucional, a Carta Magna trouxe de forma expressa os casos em que esse vínculo pode ser dissolvido (art. 226, §6º).
“§6. o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, comprovada a separação de fato por mais de dois anos”.
Ao analisar o impacto que a Constituição Federal de 1988 causou no ordenamento jurídico então vigente, Carlos Roberto Gonçalves assevera:
“A Constituição de 1988 modificou, no entanto, esse panorama, reduzindo o prazo da separação de fato para um ano, no divórcio-conversão, e criando uma modalidade permanente e ordinária de divórcio direto, desde que comprovada a separação de fato por mais de dois anos”.
Já em 1989 houve a edição da Lei 7.841, que teve como escopo amoldar a Lei do Divórcio aos novos ditames encravados no ordenamento jurídico pela então recente Constituição de 1988.
“A Lei 7.841, de 17.10.1989, cuidou de adaptar a Lei 6.515/77, quanto ao tempo exigido para o divórcio-conversão e para o divórcio-direto, mas igualmente revogou o art. 38 da Lei do Divórcio, eliminando a restrição à possibilidade de divórcios sucessivos”[11].
Alterou, portanto, os arts. 36 e 40 da Lei 6.515/77 e revogou o art. 38 e o §1º do art. 40. A modificação no art. 36 da Lei do Divórcio serviu para instituir o prazo de um ano após prévia separação judicial para obtenção do divórcio-conversão. O referido dispositivo passou a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 36. Do pedido referido no artigo anterior, será citado o outro cônjuge, em cuja resposta não caberá reconvenção.
Parágrafo único – A contestação só pode fundar-se em:
I - falta do decurso de 1 (um) ano da separação judicial
II - descumprimento das obrigações assumidas pelo requerente da separação”. (destacou-se)
Já a alteração do art. 40 referiu-se aos dois anos decorridos de casamento para que fosse alcançado o divórcio-direto:
“Art. 40. No caso de separação de fato, e desde que completados 2 (dois) anos, consecutivos, poderá ser promovida a ação de divórcio, na qual deverá ser comprovada decurso do tempo para a separação”.
Serve como conclusão os imprescindíveis ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves, proferidos no momento em que o autor faz uma síntese acerca das modificações implementadas nos institutos do divórcio e da separação quando do advento da Constituição de 1988 e da Lei 7.841/89.
“A Constituição de 1988 e a Lei 7.841/89 possibilitaram a escolha pelos cônjuges da via de separação judicial e sua conversão em divórcio após um ano, ou o divórcio direto após dois anos de separação de fato, iniciada a qualquer tempo”[12].
A Lei 8.408/92 veio, tardiamente, atualizar, de acordo com a nova Constituição, alguns dispositivos da Lei 6.515/77 que foram esquecidos pela Lei 7.841/89. Foram eles o §1º do art. 5º e todo o art. 25 da Lei do Divórcio.
No §1º do art. 5º foi inserido apenas um novo lapso temporal como pressuposto para a propositura da ação de separação judicial com base na ruptura da vida conjugal. A exigência de cinco anos da Lei 6.515/77 foi substituída pelo exíguo prazo de um ano de ruptura da vida em comum. Ficou assim o referido parágrafo:
“§1°. A separação judicial pode, também, ser pedida se um dos cônjuges provar a ruptura da vida em comum há mais de um ano consecutivo, e a impossibilidade de sua reconstituição”.
O art. 25 da Lei do Divórcio, por sua vez, sofreu muitas modificações. Além da alteração do prazo requerido para o divórcio conversão de três para um ano no caput, foram incluídos no dispositivo o seu parágrafo único e três incisos:
"Art. 25. A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges existente há mais de um ano, contada da data da decisão ou da que concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8°), será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.
Parágrafo único. A sentença de conversão determinará que a mulher volte a usar o nome que tinha antes de contrair matrimônio, só conservando o nome de família do ex-marido se alteração prevista neste artigo acarretar:
I - evidente prejuízo para a sua identificação;
II - manifesta distinção entre o seu nome de família e dos filhos havidos da união dissolvida;
III - dano grave reconhecido em decisão judicial".
2.6. O CÓDIGO CIVIL DE 2002
Com a entrada em vigor, no ano de 2002, do novo Código Civil, o disciplinamento da separação e do divórcio teve seu devido lugar dentro do diploma. Sendo assim, as disposições contidas na Lei do Divórcio referentes ao direito material foram revogadas, restando em vigor as normas de direito processual e as que não foram mencionadas no Código Civil.
É o que asseveram em uníssono os nossos doutrinadores. Elucidativas são as palavras de Silvio de Salvo Venosa:
“Em princípio, há que se entender que a Lei n.º 6.515/77 está derrogada pelo vigente Código Civil em tudo que disser respeito ao direito material da separação e do divórcio, persistindo seus dispositivos de natureza processual, até que sejam devidamente adaptados ou substituídos por nova lei”[13].
O tema não deixou de ser abordado pelo saudoso Washington Monteiro de Barros:
“Assim, foi ab-rogada, em sua maior parte, a Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, conhecida como Lei do Divórcio, que tratava da matéria, conservando-se vigentes nessa lei apenas algumas das disposições, cujas matérias não foram tratadas no novo Código Civil, como aquelas constantes de seus arts. 3º, §§2º e 3º, e 8º e outras regras previstas nos arts. 34 e segs., de ordem processual”[14].
Yussef Said Cahali, em sua esplêndida obra acerca da separação e do divórcio, expõe com maestria:
“Nesse emaranhado, permite-se afirmar, que sendo a Lei do Divórcio um diploma legal híbrido, em tese estariam derrogadas todas as disposições de direito material que nela se contém, continuando em vigor, porém, as disposições de direito processual ali contidas”[15].
Repetindo o art. 2º da Lei do Divórcio[16], o atual Código Civil dispõe em seu art. 1.571 as causas que implicam o fim da sociedade conjugal. Dentre elas estão a separação judicial e o divórcio.
A maior novidade, porém, está no §1º do dispositivo, onde o legislador, ao elencar o divórcio e a morte de um dos cônjuges como motivos ensejadores do fim da extinção do casamento, inclui nesse rol a morte presumida de um dos consortes. Veja-se o referido artigo:
“Art. 1571. A sociedade conjugal termina:
I – pela morte de um dos cônjuges;
II – pela nulidade ou anulação do casamento;
III – pela separação judicial;
IV – pelo divórcio.
§1º O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida nesse Código quanto ao ausente”.
Como na Lei do Divórcio, permaneceu no novo Código Civil a separação por mútuo consentimento e a separação litigiosa, bem como o divórcio conversão e o direto.
2.7. A Lei 11.441/2007
O último disciplinamento referente à separação e ao divórcio tinha ocorrido em 2007, com a entrada em vigor da Lei 11.441/07. Nessa oportunidade, foram inseridas no direito brasileiro as espécies administrativas dos institutos.
O art. 3º da lei inseriu no Código de Processo Civil o art. 1.124-A. Eis o teor do dispositivo:
“Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.
§ 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
§ 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 3o A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei”.
Neste diapasão, para que os consortes pudessem se valer da separação ou do divórcio administrativos exigia-se que não tivessem nenhum filho menor ou incapaz; que dispusessem sobre partilha de bens comuns, pensão alimentar e manutenção ou não do nome de casado; que estivessem assistidos por advogado; e que fossem respeitados os prazos legais.
2.8. A EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 66/2010
A Emenda Constitucional n.º 66, promulgada em 13 de julho de 2010, modificou o §6º do art. 226 da Constituição Federal. O antigo dispositivo asseverava que o casamento podia ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
Indispensável colacionarmos in totum o novo §6º do art. 226 da Constituição Federal, a fim de verificarmos sua atual redação:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.
Dessa forma, como conseqüência lógica, a alteração legislativa possuiu o escopo de eliminar de uma vez por todas não só o requisito da separação judicial, como também os pressupostos temporais para a obtenção do divórcio.
3. CONCLUSÃO
Não há dúvidas que andou bem o legislador ao inserir no ordenamento jurídico, por meio da Lei 11.441/2007, o divórcio e a separação promovidos pela via extrajudicial, atendendo, assim, a antigos anseios de boa parte da doutrina e do jurisdicionado em geral.
Tal reforma, como ficou claro no presente trabalho, foi fruto de um movimento legislativo que há anos vem reduzindo o intervencionismo estatal da vida privada dos cônjuges, notadamente no que se refere à dissolução do matrimônio, sempre buscando promover alterações que implicam na facilitação de sua obtenção.
4. REFERÊNCIAS
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis Beviláqua, v. 2. 12ª ed. atualizada por Achilles Bevilaqua. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda, 1960.
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 10. ed. rev. e atual. de acordo com o novo código civil. São Paulo: RT, 2002.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, v. 8: direito de família: dissolução da sociedade conjugal e eficácia jurídica do casamento. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v. 2: direito de família. 37 ed., rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2004.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 5: direito de família. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972.
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, v. 6: direito de família. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1985.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 187.
[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do direito civil, v. 5: direito de família. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 147.
[3] CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 10. ed. rev. e atual. de acordo com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 40.
[4] Idem.
[5] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, vol. 8: direito de família: dissolução da sociedade conjugal e eficácia jurídica do casamento. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 36.
[6] RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: direito de família: v. 6. 12. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 1985, p. 213.
[7] BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis Beviláqua, v. 2. 12ª ed. atualizada por Achilles Bevilaqua. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda, 1960, p. 208.
[8] PEREIRA, Caio Mário da Silva, p. 149.
[9] CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação, p. 41.
[10] Idem, p. 42.
[11] Idem.
[12] GONÇALVES, Carlos Roberto, p. 192.
[13] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 151.
[14] MONTEIRO, Washington de Barros, p. 238.
[15] CAHALI, Said Cahali. Divórcio e Separação, p. 46.
[16] “Art 2º - A Sociedade Conjugal termina: I - pela morte de um dos cônjuges; II - pela nulidade ou anulação do casamento; III - pela separação judicial; IV - pelo divórcio. Parágrafo único. O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio”.
Graduado pela Universidade Federal de Sergipe em 2008. Pós Graduado em Processo Civil na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Eduardo Pereira de. Evolução histórica dos institutos da separação e do divórcio no direito brasileiro e a Emenda Constitucional n.º 66/2010 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2010, 16:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21925/evolucao-historica-dos-institutos-da-separacao-e-do-divorcio-no-direito-brasileiro-e-a-emenda-constitucional-n-o-66-2010. Acesso em: 23 dez 2024.
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