RESUMO: O presente trabalho versa sobre o estudo do Inquérito Policial e o Ministério Público: limites constitucionais. O Inquérito Policial, peça de informação que serve de base para instauração da ação penal, é, em regra, de atribuição constitucional da Polícia Judiciária, porém, a mesma Carta Maior que estabelece tal atribuição versa sobre a possibilidade do Ministério Público, titular da ação penal Pública, praticar atos de investigação necessários para elucidação de ilícitos, surgindo, dessa forma, discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da possibilidade ou não da instauração de inquéritos por membros do Parquet. Esse tema é de grande relevância para o sistema processual penal pátrio, uma vez que após o acontecimento de um ilícito surge para o Estado a tutela penal, como forma de solução justa de conflitos, e o papel do Ministério Público na elucidação de atos delitógenos é de suma importância, por ser ele o titular da ação penal pública, ou seja, aquele que aciona a justiça para a persecutio criminis. Pode-se destacar sobre o tema específico a corrente favorável a instauração de inquéritos policiais por parte do Parquet, com o posicionamento dos principais doutrinadores e julgados favoráveis, bem como a corrente contrária a intervenção direta do Ministério Público na fase pré-processual, que se manifesta através da ampla discussão doutrinária sobre o tema, que merece destaque nesta obra, após pesquisa bibliográfica de vários autores. Por fim, ressalta-se os limites constitucionais a esses poderes investidos aos promotores na atuação da investigação preliminar.
PALAVRAS-CHAVE: Poderes investigatórios; Limites constitucionais; Ministério Público.
O presente trabalho trata do instituto do Direito Processual Penal (Inquérito Policial), contido nos arts. 4º a 23, do Código de Processo Penal brasileiro. Contudo, dar-se-á atenção especial ao tema específico da investigação preliminar feita diretamente pelo Ministério Público e quais são os limites constitucionais, constituindo tais discussões o cerne desta pesquisa.
Esse tema é de grande importância no cenário jurídico brasileiro uma vez que consagra a possibilidade do Ministério Público, instituição permanente, essencial a função jurisdicional do Estado, de forma direta, praticar todos os atos necessários a investigação de um ilícito, assegurando ao Estado, detentor da chamada tutela penal, a correta persecutio criminis. Além disso, esse trabalho pretende, expor todas as observações doutrinárias e legais do tema, sugerindo que tais poderes possam ser utilizados pelos membros do Parquet na elucidação de ilícitos.
Será analisado os principais aspectos relativos a investigação criminal e o Ministério Público, ou seja, os limites constitucionais aos poderes investigatórios do Órgão Ministerial, analisando-se todos os princípios que deverão ser aplicados aos membros do Parquet, quando da utilização daqueles poderes. Finalizando o presente trabalho serão discutidas as principais medidas diretas de investigação utilizadas pelo Ministério Público.
O trabalho foi feito com a utilização em maior parte de pesquisa bibliográfica, dos mais variados autores que tratam do assunto. Além disso, trar-se-á alguns julgados dos tribunais pátrios, que tratam sobre o tema.
Assim, este trabalho é fruto de uma enfática análise sobre os limites constitucionais dos agentes ministeriais quando da elucidações de crimes fazendo com que o tema possa ser didaticamente estudado, uma vez que apresenta o posicionamento de vários doutrinadores brasileiros.
Havendo compatibilidade entre a atividade investigatória e a atribuição de deflagração da ação penal pública, ambas inerentes a finalidade da persecutio criminis, o primeiro limite que se impõe ao Ministério Público como condutor de investigações é o da chamada reserva legal.
As cláusulas de reserva jurisdicional são aquelas que impedem a prática de determinadas medidas por autoridade diversa do juiz, não podendo ser praticadas, portanto, pelo agente ministerial. Este, conquanto possa investigar, não pode praticar determinados atos quer tenham finalidade informativa ou instrutória, quer tenham finalidade cautelar ou assecuratória.
A própria Constituição Federal estabelece que, medidas cautelares como, a determinação de buscas e apreensões, interceptações telefônicas, prisões (exceto a de flagrante), dentre outras, são matérias reservadas ao Poder Judiciário, não podendo a autoridade policial e o Ministério Público praticarem tais atos.
Sobre o tema assevera Bruno Calabrich (2007, p.189):
O princípio da reserva jurisdicional, que se extrai das cláusulas de reserva jurisdicional, constitui, destarte, um limite constitucional aos poderes investigatórios do Ministério Público, certamente o mais nítido e talvez o mais importante. Dado que insculpidas as cláusulas de reserva de jurisdição no rol de direitos e garantias fundamentais do art. 5º da Constituição Federal de 1988, o limite abstrato ora delineado sequer por emenda constitucional poderia ser superado.
Portanto, ao Ministério Público, a quem são confiadas pela Constituição e pela Lei atribuições investigatórias, poderá, praticar todo e qualquer ato necessário a elucidação de um ilícito, exceto aqueles encerrados nas cláusulas de reserva legal como sendo atos privativos da autoridade judicial.
Conforme já analisado, o Ministério Público somente estará autorizado a investigar quando a apuração do ilícito por ele realizada diretamente atender a um interesse público associado a eficiência da persecução penal.
O princípio da Eficiência, disciplinado no art. 37 da Carta Maior, inserido pela Emenda Constitucional nº 19/2008, traduz, conforme Bruno Clabrich (2007, p.190), o senso comum de obtenção de resultados positivos no desempenho das atividades da Administração Publica, em contraposição ao modelo burocrático e tecnológico do Estado, que facilmente acoberta os equívocos, abusos e omissões praticados pelos seus agentes.
No que diz respeito a persecução criminal, na fase pré-processual, deficiência da atividade do Estado pode corresponder a erros, abusos e omissões tanto em detrimento do investigado, pelo desrespeito aos seus direitos fundamentais, quanto em prejuízo da coletividade, pela não obtenção dos resultados desejados da instrução preliminar.
Eventualmente, para evitar instruções mal feitas e prejudiciais as partes, podem as investigações conduzidas por outros órgãos, como a polícia, sofrer interferências externas, como as que devem ser realizadas pelo Ministério Público, quando este verificar risco a eficiência da atividade persecutória.
Verifica-se que, por vezes, o risco à eficiência da investigação conduzida por órgãos diversos do Ministério Público é apenas parcial, afetando somente parte dos fatos a serem apurados, ou mais especificamente, parte das pessoas investigadas. Nestes casos pode o Parquet complementar tal investigação assegurando com isso a total eficiência da investigação.
Do mesmo modo, nada impede que o Ministério Público realize investigações diretas paralelamente a investigações realizadas pela Polícia, evitando-se, com isso, que se percam as investigações produzidas por outros órgãos, observando-se o exercício da persecutio criminis em relação a todo o espectro de repercussões penais dos fatos.
Hoje parte significativa dos crimes realizados no Brasil que atingem de forma acentuada os interesses da coletividade demandam do Estado uma atuação concentrada e eficiente. Nestes casos, o Ministério Público pode encarregar-se de certos atos que melhor lhe competem, enquanto, demais órgãos especializados podem de forma integrada realizar outros atos que também possam elucidar crimes que incidem sobre o mesmo fato.
O princípio da fundamentação constitui um limite à atribuição investigatória do Ministério Público, por tornar indispensável, como requisito de validade de todos os atos praticados no curso da investigação, que sejam estes respaldados em motivação legal e fática.
A Constituição Federal exige de forma explícita a fundamentação de todas as manifestações processuais do órgão Ministerial, conforme inteligência do art. 129, inciso VIII, in verbis:
Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (VADE MECUM, 2008, p.129).
Tal princípio não incide apenas sobre as manifestações processuais do Ministério Público ou do Poder Judiciário, constitui requisito válido de qualquer ato administrativo, cuja inobservância poderá acarretar sua invalidade.
A instauração do procedimento investigatório pelo Ministério Público, bem como todos os atos praticados no interesse deste procedimento pré-processual, por serem atos tipicamente administrativos, devem ser motivados de forma específica, ou seja, para cada ato praticado será necessária a observância de motivação.
Na fundamentação do próprio ato de instauração da investigação criminal que, como já exposto deverá respaldar-se no princípio da eficiência, devem ser expostas as razões concretamente aferidas, pelas quais é necessária a realização dessa investigação pelo Parquet. Portanto, as investigações diretas pelo Ministério Público somente serão legítimas quando fundamentadas, concretamente, no princípio da eficiência.
No ordenamento jurídico brasileiro a correlação dos princípios da eficiência e da fundamentação faz desnecessária a previsão legal de casos específicos em que o Ministério Público poderia investigar. Considerando sua própria natureza e suas funções institucionais asseguradas constitucionalmente o Órgão Ministerial é legitimado para conduzir investigações sobre qualquer ato delitógeno, porém, como já exposto, só poderá assim agir quando tal investigação direta tornar-se o meio mais eficaz para a realização da persecutio criminis.
Caso existisse tal previsão legal seria esta totalmente ineficaz, em virtude da própria previsão genérica disciplinada pela própria Carta Magna. Ademais, a estipulação legal de um rol taxativo incorreria fatalmente no erro de não prever o legislador todas as hipóteses em que seria necessária a atuação do Ministério Público violando com isso o princípio da eficiência que norteia suas funções institucionais.
Sobre o tema manifesta-se Bruno Calabrich (2007, p.194):
Com efeito é impossível ao legislador prever todas as hipóteses em que uma investigação deverá ser realizada pelo Ministério Público. A necessidade de uma investigação direta pelo Parquet provirá de uma série de fatores, verificados no caso concreto, cuja total previsão pelo legislador é simplesmente irrealizável.
Portanto, somente os dados do fato delitógeno apresentados concretamente poderão permitir uma decisão fundamentada quanto à necessidade de que uma investigação, total ou parcialmente, realizada pelo Ministério Público. A fundamentação dessa decisão, por seu turno, inexoravelmente deverá aludir ao princípio da eficiência como cerne dos motivos para a instauração do procedimento investigatório ministerial.
As divergências em torno de direitos fundamentais devem ser resolvidas de acordo com máxima da proporcionalidade que, além de um princípio é considerado por muitos doutrinadores como um critério superior de ponderação entre outros princípios.
Segundo Robert Alexy (2002, p.115):
A máxima da proporcionalidade costuma ser chamada de princípio da proporcionalidade. Sem embargo, não se trata de um princípio no sentido aqui exposto. A adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito não são ponderadas frente algo diferente. Não é que umas vezes tenham precedência outras não. O que se pergunta, melhor, é se as máximas parciais são satisfeitas ou não, e sua não satisfação tem como conseqüência a ilegalidade. Portanto, as três máximas parciais têm que ser catalogadas como regras.
A máxima da proporcionalidade, com suas três parciais, a saber, adequação ao fim público, necessidade de utilização do meio menos gravoso e proporcionalidade em sentido estrito, alinham-se a lei fundamental, conforme a qual a solução de um conflito entre princípios deve estabelecer uma relação de prevalência condicionada.
De acordo com este princípio para cada medida investigatória a ser executada, há que ser considerado o interesse público que, no caso concreto, deverá ser confrontado com os interesses do investigado, ou seja, de um lado, deverá ser considerado a vinculação das investigações criminais aos princípios de proteção da segurança pública e de satisfação de interesse público por meio da efetivação do jus puniendi estatal, de outro lado, os interesses do possível autor do ilícito vinculados ao sistema de garantias, constitucionalmente consagrado.
Portanto, para que se possa afirmar o cabimento de determinada medida de investigação, sempre devem ser postos em cotejo o interesse público de justa aplicação da lei penal com os princípios constitucionais de proteção do investigado.
Enfim, o princípio da proporcionalidade serve como uma limitação concreta à atribuição investigatória do Ministério Público, servindo para apartá-lo da limitação abstrata das cláusulas de reserva jurisdicional, que vedam, a priori, ou seja, em qualquer hipótese, a prática de determinados atos.
O princípio do Promotor Natural surgiu pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro de forma implícita, no art. 153, § 1º da CF/69, e, posteriormente, na Lei Complementar n.º 40/81, que em seu art. 7º conferia ao Procurador Geral de Justiça o poder de designação do Promotor de Justiça, na forma da lei.
Atualmente, o princípio do Promotor Natural encontra-se expressamente consagrado na Constituição Federal de 1988, que, no seu art. 128, § 5º, I, "b", estabelece, dentre outras garantias, a inamovibilidade, salvo por interesse público, regra que é repetida no art. 38, II da Lei Orgânica do Ministério Público.
A necessidade de reconhecimento do Promotor Natural surge para garantir a vedação à alguém ser processado senão pela autoridade competente.Isto porque, o Promotor, entendido em sua acepção latu sensu, é parte integrante e necessária ao Processo Penal, pois é dele a titularidade para ajuizamento da ação penal e ação civil pública.
Tal princípio surge também para vedar a designação casuística efetuada pela chefia da Instituição, a figura do Acusador de Exceção. A garantia do Promotor Natural decorre de sua independência jurisdicional, consagrada no bojo da Constituição, em seu artigo 127 § 1º, in verbis:
Art. 127 – O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional (VADE MECUM, 2008, p.1990)
Bem como pela garantia da inamovibilidade, assegurada no art. 128, § 5º, I, b, in verbis:
Art. 128 – O Ministério Público abrange:
(...)
§ 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:
I - as seguintes garantias:
(...)
b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa (VADE MECUM, 2008, p.1990).
Portanto, pelo princípio do promotor natural, entende-se que somente pode se fazer presente a instituição de um membro do Ministério Público que, para determinado caso concreto, tenha sua atribuição fixada conforme critérios previamente estabelecidos.
Com base nesse princípio, é vedada a designação casuística de membros e do Parquet para atuarem na persecução sobre certos fatos delituosos. Segundo Eugênio Pacceli de Oliveira (2005, p.378): “a escolha do promotor para atuação em determinado caso penal há de ser feita segundo regras previamente estabelecidas para a distribuição de serviços naquele órgão.”
Tal princípio constitui mais um limite ao exercício dos poderes investigatórios do Ministério Público, porquanto, exige que a condução da instrução preliminar seja realizada por um agente com atribuição para o caso, segundo normas previamente estabelecidas.
Como ordinariamente sabido o princípio da legalidade norteia todo e qualquer ato proveniente de autoridades administrativas constituindo limite à atuação do Estado, ou seja, ao contrário do cidadão que não será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, a autoridade somente pode e deve agir quando legalmente assim determinado.
Em matéria de atos investigatórios o raciocínio não é diferente. A lei traça traça suas formas e requisitos e o Ministério Público, assim como as demais autoridades, deve obediência aos parâmetros dispostos em lei para a prática de cada um deles considerados em espécie, sob pena de serem estes tidos como inválidos, além de sanções que a autoridade poderá sofrer caso age de forma abusiva de irresponsável.
O que significa que não poderá o Ministério Público investigar fatos supostamente ilícitos, caso estes fatos não estejam disciplinados em lei. Tampouco poderá o agente ministerial investigar fatos em relação aos quais, embora típicos, antijurídicos e culpáveis, carece o estado de pretensão punitiva.
Será ilegal e abusiva qualquer investigação promovida pelo Parquet que, conforme previsão do direito objetivo penal material, não pode ser fundamento para nenhuma espécie de sanção penal.
O princípio da legalidade entendido como limitação ao poder de investigação realizada pelo Ministério Público pode ser analisado sob dois primas, o de direito penal material e o de direito processual penal.
Sob o prisma penal material, pode-se afirmar, em síntese, que conforme acima analisado, o Ministério Público somente pode investigar fatos puníveis, em relação aos quais o Estado ostente uma pretensão. De igual forma, a legalidade é analisada no processo penal. Sobre o tema Bruno Calabrich (2007, p.201), assevera:
Desatende o princípio da legalidade uma investigação por crime de ação penal pública condicionada sem que haja representação por parte do ofendido. A representação, nesse caso, é condição de procedibilidade para a promoção da ação penal. Será também ilegal o prosseguimento de uma investigação penal sobre o ilícito fadado á prescrição em perspectiva ou virtual-ausente, nesse caso, o interesse de agir, exigido pela lei processual penal.
Portanto, a existência ou não de pretensão punitiva estatal, fundada em normas de direito penal material e o preenchimento ou não das condições da ação e dos pressupostos processuais, previstos pela legislação processual penal, dependem, sempre, de uma aferição voltada ao caso concreto. Sendo considerada a legalidade um limite concreto à investigação criminal pelo Ministério Público.
Conforme já analisado durante a exploração do presente trabalho à exceção de medidas que dizem respeito a direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, tais como, a interceptação de comunicações telefônicas, captação ambiental, infiltração de agentes, que dependem de autorização judicial e que somente podem ser decretadas no interesse da elucidação de ilícitos criminais, todos os demais atos de investigação podem ser praticados pelo órgão agente do Ministério Público em quaisquer procedimentos de sua atribuição, tenham ou não tais procedimentos escopo criminal.
Como medida de investigação direta pode-se citar os chamados depoimentos pessoais. A lei 8.625/93, em seu art. 26, inciso I, alínea “a”, estabelece que o Ministério Público dos Estados, ao instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes, poderá, para instruí-los expedir notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar a condução coercitiva, inclusive pela polícia civil ou militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei.
Portanto, resta claro que dentre as atribuições legalmente disciplinadas cabe ao Ministério Público a possibilidade de inquirição de pessoas diretamente, estando incluídas todos que direta ou indiretamente envolvidos no ilícito, tais como testemunhas, vítimas e investigados.
A inquirição de pessoas pelo Parquet possui significativo relevo, interessando a apuração dos fatos e, para o investigado, poderá representar uma oportunidade de apresentação de sua versão e de seus argumentos, bem como de outros elementos de informação que entenda relevante para o desfecho de tal investigação. Como assevera Bruno Calabrich (2007, p.206): “a inquirição do investigado, mais do que prestigiar a efetividade da instrução preliminar a cargo do Ministério Público, prestigia os interesses do próprio investigado a quem, ademais, deve ser sempre assegurado o direito de permanecer calado”.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, assim se pronunciou:
CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL INVESTIGAÇÃO. NOTIFICAÇÃO DE POLICIAL PARA PRESTAR DEPOIMENTO PESSOAL. LEGIMITIMIDADE. RECURSO PROVIDO.I -Validade dos atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, na medida em que a atividade de investigação é consentânea com a sua finalidade constitucional(art.129,IX, da Constituição Federal), a quem cabe exercer, inclusive, o controle externo da atividade policial.II – Entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a vedação dirigida ao Ministério Público é quanto a presidir e realizar inquérito policial, na inteligência de que não cabe ao Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial. III – Esta Corte mantém posição no sentido da legitimidade de atuação pararela do Ministério Público à atividade da polícia judiciária, na medida em que, conforme preceitua o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal, sua competência não exclui a de outras autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.IV – Entender diferente seria o mesmo que criar um absurdo jurídico em que a polícia teria o controle sobre as ações do Ministério Público. V – Hipótese em que a notificação do recorrido policial federal, foi realizada com fundamento no art. 8º, I, da Lei Complementar 75/93, que permite a notificação de testemunhas e requisição de sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada.VI – Recurso provido (STJ,5ªT,REsp761.938/SP,rel.Min.Gilson Dipp.j 04.04.2006).
Aplicam-se, pois, aos investigados, testemunhas e ofendidos o regime jurídico dos art. 185 a 225 do Código de Processo Penal, da mesma forma que se aplicam aos depoimentos pessoais colhidos em sede policial.
São também consideradas medidas investigativas realizadas pelo Ministério Público as chamadas acareações e reconhecimento de coisas e pessoas. Estas são consideradas procedimentos especiais de colheita de depoimento pessoais, estando, portanto, compreendidos na atribuição legal do Parquet.
Nas acareações, tem-se a inquirição concomitante de dois os mais sujeitos, com a possibilidade de confrontação imediata de suas declarações.Já no reconhecimento de coisas e pessoas, há a inquirição de alguém sobre um objeto ou sobre uma outra pessoa que é posta a sua mostra.
As acareações e o reconhecimento de pessoas e coisas realizados no interesse de procedimentos investigatórios do Ministério Público devem seguir os mesmos parâmetros traçados pelos arts. 226 a 230 do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 226 - Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único - O disposto no nº III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
Art. 227 - No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no artigo anterior, no que for aplicável.
Art. 228 - Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas.
Art. 229 - A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.
Parágrafo único - Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.
Art. 230 - Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demora prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente (VADE MECUM, 20008, p.638).
Também como medida de investigação direta utilizada pelo Ministério Público pode-se citar a chamada delação ou colaboração premiada, instrumento de fundamental importância para a investigação de crimes de alta periculosidade e complexidade, além de ilícitos cometidos por organizações criminosas.
Por meio da delação premiada, o investigado ou acusado oferece informações sobre crimes dos quais tem conhecimento e, em troca, recebe determinados benefícios previstos em lei, que vão desde a redução da pena de um a dois terços até o chamado perdão judicial, conforme o exemplo do art. 159, § 4º do Código Penal, in verbis:
Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
(...)
§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços (VADE MECUM, 2008, p.565).
Conforme assevera Bruno Calabrich (2007, p.208), a delação premiada poder ser documentada em acordo firmado entre o investigado ou acusado e o Ministério Público. No acordo devem constar cláusulas minudentes sobre os benefícios aplicáveis na situação concreta, providência que constitui verdadeira garantia para o depoente.
O acordo de delação premiada deverá ser posteriormente submetida a apreciação do Judiciário para a homologação, mediante decisão específica ou própria na sentença penal condenatória do processo, ou seja, o interessado deve confirmar suas declarações perante a autoridade judiciária, de modo a oportunizar o exercício do contraditório pelos demais envolvidos no ilícito.
Embora tal instituto ainda seja utilizado de forma tímida no nosso país, é inegável a sua importância para o deslinde dos ilícitos que foram investigados utilizando-se de tal artifício legal.
Além das medidas diretas de investigação ora expostas pode-se citar ainda, a requisição de informações e perícias a qual o Ministério Público utilizando-se de sua competência funcional poderá futilizar.
Conforme disposto no art.26, inciso I, alínea “b”, da Lei 8.625/93, para instruir os procedimentos investigatórios de sua competência o Ministério Público poderá requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Essa requisição de informações ou documentos, essa atribuição do Ministério Público não se limita a entidades públicas, podendo ser dirigida, também , a particulares. Para as autoridades públicas, o não atendimento à requisição do Ministério Público de encaminhamento, no prazo por ele fixado, de uma ou documento, sujeita o destinatário da ordem a sancionamento pelo crime de desobediência ou prevaricação, além de caracterizar ato de improbidade.
Para os particulares o retardamento ou a omissão no cumprimento de uma requisição pelo Parquet caracterizará o crime de desobediência, se outro mais grave não for verificado.
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Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe - especialidade Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Sandra Elizabeth de Almeida. Limites constitucionais aos poderes investigatórios do Ministério Público e suas principais medidas investigativas diretas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 out 2010, 08:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21931/limites-constitucionais-aos-poderes-investigatorios-do-ministerio-publico-e-suas-principais-medidas-investigativas-diretas. Acesso em: 23 dez 2024.
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