1. INTRODUÇÃO
A construção do presente artigo examinará, através de análise doutrinária e jurisprudencial, a cognição a respeito de um assunto de elevada relevância no mundo jurídico contemporâneo, pois se trata de tutela de alguns dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil. Provenientes de conteúdos do Direito Constitucional, do Direito Penal, de conceitos médico-científicos, psicológicos serão abordadas questões relativas ao tipo penal aborto, especificamente o aborto anencefálico, cujo tema vem dividindo as camadas sociais sobre sua legalidade.
2. DESENVOLVIMENTO
A celeuma jurídica que se instala é o choque entre dois direitos humanos fundamentais e deve ser solucionada; de um lado o direito à vida que é a todos assegurados após a concepção e de outro o direito à dignidade a todos garantidos expressamente na Constituição e que protege a vida humana de qualquer dor e sofrimento e afirma que não é suficiente viver, deve-se viver com dignidade.
Tais direitos acima referidos são complementares e como estão em atrito devem ser analisados calmamente usando-se as técnicas de ponderação valendo-se dos princípios também constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de que possam conviver harmoniosamente e complementarem-se de acordo com cada caso.
Ademais, sabe-se que no Direito Penal Pátrio admite-se o aborto no caso de a gravidez resultar de estupro, conforme o artigo 128, inciso II do Código Penal. Assim seria uma desproporcionalidade e irracionalidade não admitir o aborto nos casos de anencefalia.
Note-se que existem diferenças entre os conceitos de aborto do ponto de vista médico e jurídico. Para este, a lei não estabelece limite mínimo e máximo para a idade gestacional.
“Entende-se por aborto a interrupção da gravidez com fim de morte fetal, quanto ao conceito médico, define-se o aborto como a interrupção da gravidez, voluntária ou não, antes de se completarem vinte semanas de idade gestacional, quando o peso for menor que 500g ou ainda quando o feto medir até 16,5 centímetros.”1
Nessas últimas situações não há que se falar em crime de aborto, pois não existe vida e sim formação incompleta ou deficiência na evolução da concepção.
Vale salientar que não se está fazendo uma apologia ao aborto e o Estado não deve obrigar nenhuma gestante a extrair do ventre materno o feto anencéfalo, no entanto é bastante digno que se permita tal escolha à mãe.
No entanto, deve-se evitar o abuso de autorizações judiciais para praticarem o aborto, pois não se pode cometê-lo tão-somente pela existência de fetos que darão origem a seres humanos com deformidades ou má formações. Percebe-se que algumas decisões autorizam o aborto a fim de evitarem sofrimento aos pais de terem em gestação um feto anormal, mas com possibilidade de vida.
Assim, vale o argumento que embasou uma sentença permitindo a interrupção da gravidez por anencefalia, na qual foi prolatada a seguinte decisão:
“[...] não se está admitindo por indicação eugênica com o propósito de melhorar a raça, ou evitar que o ser em gestação venha a nascer cego, aleijado ou mentalmente débil. Busca-se evitar o nascimento de um feto cientificamente sem vida, inteiramente desprovido de cérebro e incapaz de existir por si só.”2
Portanto, o direito não autoriza o aborto, pois abalos psicológicos não podem justificar a interrupção da gestação, mesmo porque a medicina evolui a cada dia e possibilita a cura de anomalias, aumentando a perspectiva de vida futura.
Nota-se, portanto, que o bem jurídico tutelado pelo direito é a vida, logo, não se pode decretar a sentença de morte de fetos com deformidades, ademais estaríamos tratando os fetos em desatenção ao princípio da igualdade tão fortemente defendido pelos juristas e pela sociedade.
Hodiernamente, tem-se procurado várias exegeses da lei penal que permitam a antecipação do parto do anencéfalo. Alguns falam em adicionar ao artigo 128 uma nova regra de exclusão da ilicitude, porém como não há tipicidade também não haverá comportamento ilícito. Outros interpretam o aborto anencefálico como sendo crime impossível, no entanto como não existe dolo na ação de retirada do feto não há que se falar em delito. Em 2004, uma decisão do Supremo Tribunal Federal derrubou liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio de Mello ao pedido de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental para retirada de feto anencefálico baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, legalidade, liberdade e autonomia da vontade e direito à saúde.
Outrossim, como a extração do feto anencefálico do organismo materno não constitui fato ilícito, as condutas acima referidas tornam-se desnecessárias, já que o fato é atípico e como tal não é punido.
Nesse diapasão, seguindo o raciocínio da morte cerebral do feto “o Direito Civil utiliza o critério do reconhecimento da vida para se adquirir personalidade”3, assim como bem jurídico principal a ser tutelado é a vida, o nascituro possui expectativa de direitos, e em se diagnosticando a morte cerebral do feto não há que se falar em bem jurídico a ser protegido.
Consoante o Ministro Marco Aurélio de Mello, “a interrupção da gravidez no caso de feto anencefálico não caracteriza aborto, porque não há expectativa de vida fora do útero”4. Já o Ministro Joaquim Barbosa diz que: “o feto anencefálico, mesmo estando biologicamente vivo (porque feito de células e tecidos), não tem proteção jurídica.”5
É de suma importância, para a compreensão do tema proposto, definir o objeto jurídico vida e o momento em que esta é cessada, ou seja, morte. Percebe-se que se trata de assunto bastante complexo, porém de relevante finalidade para o entendimento sobre a ilicitude da conduta de extração do feto anencefálico.
Analisando o direito, no tocante ao tema proposto, nos diversos países mundiais, observa-se que não é somente o Brasil que resiste à legalização do aborto dos casos de anencefalia. Conforme o jornal “O ESTADÃO” de São Paulo, “nações islâmicas, africanas e grande parte da América Latina dividem com o país a proibição e, por isso, lideram o ranking dos nascimentos com a má-formação. O Brasil ocupa a quarta posição.”6
Curiosamente, países desenvolvidos de tradição católica como Espanha, Itália, Portugal, Estados Unidos e Canadá não vêem problema algum em autorizar a interrupção da gravidez nos casos de anencéfalos. Logo, feito o diagnóstico da anencefalia, dá-se a mulher o direito de escolher entre continuar a gestação ou interrompê-la.
Com a finalidade de melhor entender quando começa o nascimento, vale-se do conceito sugerido pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a vida, entre outras acepções é “o período de um ser vivo compreendido entre o nascimento e a morte.”7
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela XXI sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, reza que: “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei, ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.”8
A Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º, caput, assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, o direito à vida, in verbis: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, a igualdade, e a propriedade.
Ainda segundo a Constituição Federal, para ser brasileiro é necessário que se tenha nascido com vida, conforme o artigo 12 que estabelece:
São brasileiros: I – natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; II – naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
Socorrendo-se do Direito Constitucional tem-se as seguintes abordagens. Segundo José Afonso da Silva apud Alfradique:
“[...] no texto constitucional (art. 5º, caput) não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que mude de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte.”9
Consoante Aurélio Buarque de Holanda Ferreira a definição de vida é a seguinte:
“Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução , e outras; existência; o estado ou condição dos organismos que se mantêm nessa atividade desde o nascimento até a morte; o espaço de tempo que decorre desde o nascimento até a morte.”10
Ante o exposto na Constituição Federal de 1988, observa-se o cuidado com o resguardo do bem-jurídico vida, também com a disposição do tema na legislação infraconstitucional, infere-se que o aborto é prática que afronta incisivamente o direito à vida. O desrespeito aos direitos do nascituro, as técnicas utilizadas para interromper a vida no ventre materno, os medicamentos abortivos, são práticas adotadas de forma errônea. É correto afirmar que o aborto, fora dos casos legais e morais, ferem o direito fundamental à vida.
Entendem-se os direitos fundamentais como sendo princípios constitucionais fundamentais, tendo em vista que estabelecem os pilares da Ordem Jurídica e de um Estado Democrático de Direito.
Vale salientar que a nossa legislação pátria protege a vida como direito fundamental, porém se faz imperioso que esta esteja em consonância com a dignidade da pessoa humana fundamento do Estado Democrático de Direito, sendo o princípio-valor fundamental segundo o qual devem ser interpretados todos os demais direitos, assim, antes de se falar em direito à vida, necessário se faz compreender a dignidade da pessoa humana.
A todo o momento surgem técnicas médicas que permitem uma melhor definição do que seja morte e quais os critérios definidores desse instante. O critério respiratório já foi determinante para constatação da morte, porém descobriu-se falho, pois com o avanço da medicina criaram-se aparelhos que possibilitam a respiração de organismos vegetativos.
“A medição dos batimentos cardíacos passou a ser a forma utilizada para detectar a presença da vida, assim quem não tivesse seu sangue circulando no corpo estaria morto, entretanto a evolução da ciência permitiu o advento de aparelhos que possibilitem massagens cardíacas e o uso de desfibriladores derrubou a crença em tal critério.”11
O critério acima citado permitiu que inúmeros corpos em estado vegetativo ficassem vivos apenas pelos aparelhos e, com isso surge o problema dos transplantes, pois não era possível deixar pessoas esperando pela parada cardíaca desses seres, a fim de que pudesse ser realizado o transplante. Diante de tal necessidade a medicina criou o conceito de morte cerebral ou encefálica para solucionar o problema.
“O conceito de morte encefálica foi introduzido na legislação brasileira por meio da Lei n° 9.434 de 04 de fevereiro de 1997 que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo para consecução de transplantes e tratamento médico. O art. 3° da referida Lei estabelece: a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.”12
Do artigo supramencionado e dos conceitos acima referidos infere-se que todo aquele ser humano que perde irreversivelmente as funções do encéfalo, não possui condição de vida extra-uterina, não se constituindo ilícita a conduta da retirada do feto.
Como esteio da afirmação anteriormente citada, encontra-se a proteção do princípio jurídico da dignidade da pessoa humana, o qual encontra sua atual concepção na filosofia grega. A Grécia antiga deixou de dar explicações mitológicas aos fenômenos da natureza e utilizou-se da razão para explicar os fenômenos naturais criando várias leis e princípios universais.
Convém salientar que, para os gregos, a dignidade não se manifestava de forma linear, ou seja, para todos igualmente e sim, verticalmente, pois levava em consideração a posição social ocupada pelo indivíduo.
No entanto o pensamento estóico defendia que todos os homens eram iguais e livres, posto que todos possuíam idêntica capacidade de pensar, dessa forma eram contrários à escravidão. Diante disso, percebe-se que coexistiam duas noções de dignidade: para os estóicos, dignidade moral e para os demais, dignidade sócio-política.
Com o surgimento do cristianismo, espalhou-se a idéia de que o homem foi concebido a imagem e semelhança de Deus, por isso todos são iguais e de valor próprio inerente a cada um. Logo, a visão da dignidade perdeu a dimensão da acepção sócio-política e adquiriu uma dimensão qualitativa, isto é, não importa a posição social do indivíduo, não existe homem mais digno ou menos digno a depender da condição social.
Segundo Tomás de Aquino:
“que chegou a se referir expressamente à dignitas humana, procurou conjugar a doutrina cristã e a acepção estóica da dignidade clássica. Para o pensador, quando Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, dotou-o de razão qualidade peculiar que lhe permite construir sua vida de forma livre e independente. Esta capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana, para Tomás de Aquino, é o fundamento da dignidade da pessoa humana.”13
Ou seja, a idéia de dignidade mescla a concepção estóica e cristã, pois o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus e é possuidor de razão, qualidade que permite ao mesmo utilizar do livre arbítrio, a fim de que cada um construa sua vida de maneira livre e independente ao que se chama autodeterminação, fundamento da dignidade da pessoa humana.
Para Immanuel Kant:
“a natureza racional do ser humano lhe confere autonomia da vontade, ou seja, a faculdade de determinar a si mesmo e agir (ou não) em conformidade com as normas. Esta característica, apenas encontrada no homem, constitui-se fundamento da dignidade da pessoa humana.”14
Logo, o ser humano é dotado de dignidade e nunca pode ser meio para os outros, mas fim em si mesmo, assim a dignidade se baseia na própria autonomia do indivíduo, ou seja, na capacidade que cada indivíduo tem de se submeter às leis que constituem o Estado exercendo a autonomia de vontade.
Consoante Sartre:
“rejeita a idéia de natureza humana intrínseca. Para ele, o homem primeiro existe, para depois ter sua essência, pelo que, o seu futuro está inteiramente por construir e sob sua responsabilidade. O homem, então, nada mais é que o que ele faz de sua própria vida, só existindo na medida em que se realiza. Assim, para Sartre, a dignidade da pessoa humana não é inata, ao contrário, reside justamente no fato de sua existência estar toda por construir. Ao contrário das coisas, que já possuem uma existência predeterminada, o homem tem plena liberdade para fazer-se. Aí reside sua dignidade.”15
Então, repele a idéia de dignidade interior, porque primeiro o homem existe para depois ter a sua essência, dessa maneira a dignidade da pessoa humana não é inata e se sustenta exatamente no fato da vida que se vai construir para existir.
Para Hannah Arendt:
“por fim, a dignidade da pessoa humana representa um conjunto de direitos inerentes ao homem que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. A autora, ao analisar o fenômeno totalitário, percebeu que, neste tipo de Estado, criam-se as condições para que se considerem os homens supérfluos, subtraindo sua condição humana. Para evitar a formação desse tipo de Estado e a conseqüente coisificação do homem, sugere a autora o pleno exercício da liberdade e da palavra, de forma a possibilitar o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas.”16
É da acepção da autora supracitada que decorre o fenômeno de constitucionalização do valor dignidade da pessoa humana sob forma de princípio em várias constituições mundiais.
Especificamente, na Constituição de 88, a noção de dignidade da pessoa humana funde-se à definição material de constituição, posto que tal preocupação consagrou-se como uma das finalidades constitucionais, assim um dos objetivos da Carta Magna é a proteção da dignidade humana e a sua promoção.
Importante destacar que tais objetivos representam a vontade da Constituição tão defendida por Konrad Hesse face a sua força normativa. Desse modo, a preservação da dignidade da pessoa humana é princípio estruturante do Estado brasileiro.
Maria Celina Bodin de Moraes explica que:
“[...] a "raiz da palavra ‘dignidade’ é derivada do latim dignus - aquele que merece estima e honra, a quem se deve respeito, aquele que é importante", acentuando: "Foi o Cristianismo que, pela primeira vez, concebeu a idéia de que a cada ser humano era preciso atribuir a deferência devida à dignidade de Deus, porque somos todos seus filhos e, em conseqüência, todos irmãos" (pág. 125). Adiante, acrescenta (op. cit., p. 126): "Ressalte-se que o princípio constitucional não garante o respeito e a proteção da dignidade humana apenas no sentido de assegurar um tratamento humano e não degradante, nem tampouco traduz somente o oferecimento de garantias de integridade física, psíquica e moral do ser humano. A Constituição Federal considera esta dignidade ‘fundamento da República’. Dados o caráter normativo dos princípios constitucionais e a unidade do ordenamento jurídico, para o que nos interessa nesta sede, para o Direito Civil, isto vem a significar uma completa transformação, uma verdadeira transmutação.”17
Conforme o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal constitui fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio de Estado e Nação sobre o indivíduo e unifica os direitos e as garantias fundamentais, posto que são ambos inatos às personalidades humanas.
3.CONCLUSÃO
Pelos argumentos acima, pode-se observar que o tema discutido é por demais complexo devido ao envolvimento de questões de cunho religioso, moral, social, cultural, científico, jurídico, filosófico e, acima de tudo, ético. À medida que se pesquisa acerca do trabalho em tela percebe-se que a discussão a respeito do aborto ganha vulto, fato que demonstra que a sociedade preocupa-se e deseja buscar solução adequada para o referido problema. No entanto, como não poderia deixar de ser os interesses individuais ainda preponderam sobre os coletivos.
É sabido que não existem argumentos que justifiquem a morte, porém o presente trabalho visa esclarecer que a prática da retirada do feto anencefálico do ventre materno não constitui a conduta típica, ilícita descrita na legislação penal pátria, pois como já fora visto anteriormente o anencéfalo só permanece vivo no interior do organismo da gestante e dele depende para continuar vivo, assim não possui vida autônoma e não pode ser sujeito passivo do crime de aborto.
Ademais, o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à saúde da gestante e a legalidade, liberdade e autonomia da vontade são justificativas suficientes que robustecem a tese do parágrafo anterior. Tais argumentos encontram validade na Constituição da República Federativa do Brasil e, a princípio, podem parecer contraditórios com o direito à vida, contudo fazendo uma análise compassada e racional nota-se que são princípios ou direitos fundamentais que serão sopesados mediante o princípio da proporcionalidade e da lesividade, a fim de que a gestante e o feto não necessitem sofrer além do que o peso da própria doença anencefalia já traz.
Não se deseja, em momento algum, neste trabalho, a legalidade do aborto, mas tão somente proporcionar debates que possibilitem, o mais rápido possível, a solução para os casos dos portadores de anencefalia, com a finalidade de atender aos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade, porque não é suficiente estar vivo, todavia é preciso viver com o mínimo de condições dignas e, acima de tudo, é imperioso que estas sejam oferecidas a todos eqüitativamente.
O intuito maior deste artigo é esclarecer o que acontece quando a gestante possui em seu ventre um feto que não terá diminuto tempo de sobrevivência fora do corpo materno e, caso tenha sobrevida esta se dará em poucos minutos, horas ou dias. Afora isso, o estado emocional em que a mesma se encontra por saber que carrega consigo um ser que está fadado a morte, pois não se pode obrigar alguém a se submeter a tal constrangimento.
Vê-se que não se está defendendo a eugenia, pois esta tem o objetivo de extirpar da sociedade seres humanos defeituosos e feios, entretanto assegurar ao feto moribundo e a sua mãe os direitos tutelados pela Carta Magna.
5. REFERÊNCIAS
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2006.
Notas:
1 MARTINS, Guylene Vasques Moreira. A polêmica (i) legalidade do aborto de feto anencefálico. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9190&p=1. Acesso em: 09 jan 2008.
2 FRANÇA, Genival Veloso de. Alvará emitido pela Comarca de Londrina, 2ª Vara Criminal. Diagnóstico: Anencefalia; em 1/12/1992, 7 ed., Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 2004. p. 266.
3 LARA, André Martins e WILHEMS, Fernando Rigobello, FREITAS, Ana Clélia de, FAYET, Fábio Agne. Existe aborto de anencéfalos? Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6467. Acesso em: 09 jan 2008.
4 Idem.
5 Idem.
6 CORDEIRO, Letícia Gomes. A antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9875&p=3. Acesso em: 09 jan 2008.
7 HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
8 PONTES, Manuel Sabino. A anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por ausência de lesividade. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7538&p=2. Acesso em: 09 jan 2008.
9 ALFRADIQUE, Eliane. Direito à vida: aborto - estupro - feto anencefálico. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=448.
Acesso em: 09 jan 2008.
10 HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2 ed., rev. e ampl. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1994.
11 CORDEIRO, Letícia Gomes. A antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9875&p=3. Acesso em: 09 jan 2008.
12 CORDEIRO, Letícia Gomes. A antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9875&p=3. Acesso em: 09 jan 2008.
13 PONTES, Manuel Sabino. A anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por ausência de lesividade. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7538&p=2. Acesso em: 09 jan 2008.
14 Idem.
15 Idem.
16 Idem.
17 MORAES, Maria Celina Bodin de. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. (Org.). "O Direito Civil Constitucional", na coletânea "1988 - 1998 - uma década de Constituição". Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999.
Graduada em Pedagogia, em 2003, pela Faculdade Pio Décimo. Graduada em Direito, em 2008, pela Universidade Tiradentes. Técnica do Ministério Público do Estado de Sergipe. Pós-graduanda em Direito Civil e Direito Processual Civil, pela Universidade Tiradentes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, Luciana Bastos. Princípio da dignidade da pessoa humana e a constitucionalidade do aborto eugênico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2010, 16:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21953/principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-e-a-constitucionalidade-do-aborto-eugenico. Acesso em: 23 dez 2024.
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