Analisando a história da humanidade percebe-se a submissão e a discriminação do ser feminino que deu origem aos diversos tipos de violência, muitas vezes disfarçada ou legitimada pela religião, contra as mulheres. É possível verificar que, ao longo da história, a luta das mulheres foi primordial para a conquista de direitos, embora muito ainda precise ser feito, pois a violência contra a mulher, no Brasil e no mundo, continua em níveis inaceitáveis, em pleno século XXI, apesar dos avanços da economia e de outros setores importantes. A comunicação de massa precisa contribuir de forma mais eficiente e eficaz para que a mulher conquiste definitivamente a igualdade de direitos, pois revela-se de fundamental importância sua atuação.
1. INTRODUÇÃO
Em seu processo de evolução, a humanidade cometeu (e ainda comete) uma série de falhas que só são corrigidas após muita luta e, na maioria das vezes, sofrimentos e mortes.
A mulher, ao longo da história, assim como outros grupos (a exemplo de negros, índios, deficientes físicos) sofreram (e sofrem) as mais variadas perseguições, preconceitos, discriminações, sendo considerada até como inferior ao sexo oposto.
Para agravar ainda mais a situação, os detentores do poder, em todas as suas nuances, sentem-se no direito de criar normas e regras que tendem a mascarar ou justificar todo tipo de perseguição, de acordo com os interesses dos grupos dominantes, pois afinal são eles os responsáveis pela criação e aplicação das leis, ou pela introdução de preceitos sociais, inclusive religiosos.
Já do outro lado, as vítimas precisam lutar de todas as formas para tentar conquistar direitos, muitas vezes elementares, como igualdade e liberdade. E nesse patamar, a união de forças tem sido a melhor alternativa na busca de resultados favoráveis. A coragem e a determinação tem sido um grande diferencial.
2. O MOVIMENTO FEMINISTA
O Feminismo, movimento em defesa da dignidade e de direitos e status igualitários entre a classe feminina e masculina, foi primordial para alcançar, concretizar e solidificar direitos outrora discriminados pela desigualdade sexual, essencialmente durante a década de 70.
Um dos grandes marcos foi a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, da militante Olympe de Gouges, dando origem a participação ativa das mulheres na política criando organizações para debater política, no fim do século XVIII.
No início do século XX, grande fato notório foi a intitulada “queima dos sutiãs” (CAVALCANTE, 2008) ocorrida nos Estados Unidos numa eleição de Miss América em 1968, ocasião em que as mulheres foram às ruas e queimaram artigos femininos, principalmente lingerie, mas que refletiu em outras partes do mundo.
No Brasil, quando o Movimento conseguiu a democratização das mulheres, elas passaram a atuar de forma expressiva no Congresso Nacional.
O Movimento Feminista foi, e continua a ser, essencial para revolucionar não só o pensamento do ser humano, como também fundamental para atiçar a encargo da mulher.
3. O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO
Observando o Judiciário como um todo ainda é uma instituição que permanece conservadora e que sempre sustentou certa discriminação nos liames concernentes aos sexos masculino e feminino, em face da mentalidade machista que permeia os magistrados, dos estereótipos que se veicularam em torno da classe feminina. Em virtude disso, persiste um tendencioso protecionismo nos seus julgados conferindo poder à hegemonia masculina existente no cotidiano.
Para Pimentel, Di Giorgi, Piovesan (1993, p.20) o Judiciário quando da sua motivação utiliza expressões que ao homem não são adjetivadas.
A mulher é julgada tomando por parâmetro o comportamento-padrão. Nas decisões judiciais, aparecem com extrema freqüência termos como inocência da mulher, conduta desregrada, perversidade, comportamento extravagante, vida dissoluta, situação moralmente irregular, expressões com carga ideológica.
A constitucionalização do princípio da igualdade, de per si, não se mostra eficaz no combate à desigualdade e discriminação feminina, no alcance da equidade entre os gêneros, posto que há uma relevante resistência em aceitar os novos papéis da mulher na sociedade.
Completando com o pensamento de Maria Berenice Dias (2007, p. 102) as “limitações que não estão na lei acabam sendo impostas às mulheres com acentuada conotação discriminatória, pois não são exigidas dos homens”.
4. MANIFESTAÇÕES DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
De acordo com pesquisas realizadas nos últimos anos verifica-se a que ponto chega a agressividade masculina que não escolhe cor, idade, raça ou etnia, convicção religiosa, condição social. Basta ser uma pessoa do sexo feminino.
A Anistia Internacional (AI) afirma que existem no mundo cerca aproximadamente 135 milhões de mulheres com os seus genitais mutilados e cada ano que passa mais 2 milhões sofrem o mesmo, o que significa um ritmo de quase 6 mil operações deste tipo por dia, uma a cada 15 segundos.
No Brasil, rituais de mutilação vêm sendo praticados principalmente nas zonas rurais e nas vilas, e de modo geral são realizados com lâminas de barbear, sem nenhum cuidado com a assepsia dos materiais usados. (...) Já de pronto morrem cerca de 19% das mulheres mutiladas. (SAFFIOTI, 2004, p.49).
Conforme Heleieth Iara Bongiovani Saffioti (2004, p. 48) observa-se que na “Índia, país no qual se leva a sério o regime dotal de casamento, constitui-se costume de o homem matar sua esposa dando ao femicídio a aparência acidente, para em seguida, casar-se com outra, e assim, receber outro dote”.
A violência doméstica contra a mulher se manifesta das mais diversas formas seja psicológica (conduta que enseje dano emocional, diminuindo-lhe a auto-estima), patrimonial (reter ou subtrair objetos pessoais ou instrumentos de trabalho), moral (comportamento que configure calúnia, injúria ou difamação) ou sexual (constranger a fim de obter relação sexual não desejada ou fazê-la presenciar).
Compreende também humilhação, ameaça, tortura, até homicídio. No caso dos homicídios se está diante do intitulado crime passional que vem crescendo, com a desculpa de ter sido movido, o parceiro que sente proprietário de um objeto de prazer, pela paixão ou pelo amor.
Pesquisas mostram, em âmbito universal, que nos Estados Unidos cerca de 1.500 mulheres são, anualmente, vítimas de homicídios pelos maridos ou companheiros; em Bangladesh, no Canadá, no Quênia e na Tailândia estima-se que 50% das vítimas assassinadas são causadas por membros da família; na França, em torno de 95% das vítimas de violência são mulheres, sendo que em 51% dos casos os agressores foram os maridos ou os amantes; no Brasil, de cada 100 brasileiras assassinadas, 70% são cometidos por seus companheiros. A violência é, em geral, praticada pelo marido, namorado ou ex-companheiro, conforme a Fundação Perseu Abramo (2009) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
5. A MULHER COMO VÍTIMA
A violência contra a mulher é uma manifestação de reações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e discriminação, conforme a “Declaração para Eliminação da Violência Doméstica contra as Mulheres”.
Foram condicionadas as meninas até mesmo a tolerar e compreender a traição do gênero masculino como algo natural, criando estereótipos de que o adultério é inerente à genética do homem e o inverso não ocorre. Os meninos, nessa diapasão, foram educados também sob esse enfoque, transmitido pelo pai, figura masculina em que se espelha. Logo, havendo uma alteração (no que acredita ser) no padrão de comportamento a reação é de intolerância, em face dos traços culturais.
Tem como principal causa de ser a mulher a vítima a formação cultural de aceitação, submissão a qual estiveram sempre condicionadas e educadas, pois a violência é um traço característico do homem, educado sempre para guerrear, para a virilidade, para o machismo. Acredita que deve haver uma hierarquia dentro de um lar, que ele está no topo da pirâmide, imaginária, devendo todos serem subservientes e não permitindo ser contrariado, nem contestado. Reflete traços históricos e culturais muito fincados no interior humano.
5. CONCLUSÃO
Apesar de todas as mudanças significativas ao longo de séculos de lutas e sacrifícios do sexo feminino a fim de extirpar a diferença entre os sexos e de tudo o que foi almejado e alcançado, a sociedade permanece a mercê da masculinidade, a diferença salarial entre os homens e mulheres persiste, há preconceito no ingresso ao mercado de trabalho em determinadas profissões e, principalmente, a violência doméstica contra a mulher vêm aumento, em virtude da submissão que é sentida por seus parceiros que ainda sentem-se proprietários de um objeto de prazer e procriação, isso devida a uma construção histórica, cultural e politicamente machista que insiste em permear a sociedade atual, mesmo com a criação da Lei Maria da Penha.
A violência contra o gênero feminino é uma questão de saúde pública e são necessárias políticas públicas urgentes e em curto prazo, pois apesar da Lei Maria da Penha ter introduzidos grandes benefícios à mulher, ela ainda encontra dificuldades na aplicação de alguns dispositivos e o índice de crimes passionais vem aumentando na sociedade brasileira, apesar da impunidade estar diminuindo.
6. REFERÊNCIAS
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Técnica do Ministério Público do Estado de Sergipe - Pós-graduada em Direito Público pelo Instituto Leonardo da Vinci (Uniasselvi), em 2009 - Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes (UNIT), em 2008.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Mara Camila de. Crime passional: a mulher como vítima Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2010, 09:02. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21965/crime-passional-a-mulher-como-vitima. Acesso em: 23 dez 2024.
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