O presente artigo aborda o estudo do litisconsórcio, mais especificamente da polêmica existente entre os doutrinadores, da possível existência do litisconsórcio necessário ativo e suas conseqüências. A pesquisa envolve a opinião de diversos doutrinadores, a favor e contra a existência do litisconsórcio necessário ativo no Direito brasileiro. A polêmica doutrinária retrata a importância dos princípios da liberdade de agir e a inafastabilidade da jurisdição, consagrados na Carta Magna de 1988.
Haverá litisconsórcio necessário quando existir lei determinando a sua formação ou quando a natureza da relação jurídica exigir a presença de todos os seus sujeitos. Muitos autores acreditam só existir litisconsórcio necessário passivo, enquanto outros entendem ser possível o litisconsórcio necessário ativo, desde que em situações excepcionais.
O litisconsórcio necessário representa restrição ao poder de agir em juízo, pois exige a legitimidade de dois ou mais sujeitos em conjunto para que o mérito possa ser julgado. Nesse toar, é que a necessariedade é admitida em casos excepcionais, tais como expressa autorização legal e incindibilidade da relação jurídica de direito material.
Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco (1996, p. 210):
[...] a necessariedade do litisconsórcio deriva, como se costuma dizer, do juízo prévio que o legislador faz da futura inutilidade do provimento a ser emitido sem a presença de todos; ele seria inutiliter datus, não sendo oponível aos que não participaram do processo e frustrando os desígnios do próprio autor da demanda, com desperdício das atividades jurisdicionais.
O nosso direito positivo, em seu art. 47, parágrafo único do Código de Processo Civil, revela o caráter excepcional do litisconsórcio necessário, na medida em que exige do juiz antes de julgar o mérito a regularização da demanda.
Deve-se atentar ainda mais para o caso de litisconsórcio necessário ativo, ao princípio da demanda ou da livre iniciativa das partes, o qual impõe aos magistrados o estado de inércia, mesmo que haja conhecimento de litígio, que só poderá ser quebrado quando houver declaração de pedido expresso pela parte interessada. Senão vejamos o que diz o art. 2º do Código de Processo Civil, in verbis: “Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais”.
Tal princípio é representado pela petição inicial no processo civil, pela denúncia ou queixa no processo penal e pela reclamação trabalhista no processo do trabalho. O art. 128 do Código de Processo Civil reforça a atenção do juiz para que este julgue a causa nos limites em que foi proposta, sem contrariar inclusive, os limites subjetivos, quais sejam, as partes. A cada pessoa é dado a livre iniciativa de demandar no momento em que escolher, pois só assim estará seguro do que apresentar e alegar em juízo.
Ora, se por um lado, há a preservação da incindibilidade da situação jurídica, por outro, há o respeito à garantia da ação e conseqüente livre apreciação da demanda pelo Poder Judiciário. Nesse sentido, é que Cândido Rangel Dinamarco (1996) sugere a ponderação entre a incindibilidade da situação partilhada pelos co-interessados e a garantia da ação apresentada pela Constituição, a cada um deles. Com efeito, admite a partir dessa ponderação judicial a existência do litisconsórcio necessário ativo, ainda que de forma bastante excepcional.
Já o doutrinador Fredie Didier Jr. (2008) entende não existir hipótese de litisconsórcio necessário ativo, pois a existência desse instituto afrontaria gravemente o direito fundamental de acesso a justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal.
Nesse toar, leciona:
Se unitário, o litisconsórcio deveria ser necessário, tendo em vista que, uma e indivisível relação jurídica discutida em juízo, a solução que se der a ela tem de ser também única, a mesma para todos os litisconsortes ou os possíveis litisconsortes. No entanto, o litisconsórcio unitário relaciona-se aos casos de co-legitimação, como visto; o Direito, por conta disso, autoriza, em diversas situações, que um sujeito esteja em juízo discutindo, em nome próprio, situação jurídica que ou não lhe diz respeito ou não lhe diz respeito somente-e que poderia estar sendo discutida por outro sujeito (co-legitimado).
Quando há vários legitimados autônomos e concorrentes, há legitimação extraordinária, porque qualquer um pode levar ao Judiciário o mesmo problema, que ou pertence a um dos co-legitimados, ou a ambos ou a terceiro. Se a co-legitimação é passiva, e há unitariedade, o litisconsórcio necessário impõe-se sem qualquer problema: como ninguém pode recusar-se a ser réu, o litisconsórcio formar-se-á independentemente da vontade dos litisconsortes. Se a co-legitimação é ativa, e há unitariedade, qualquer dos co-legitimados, isoladamente, pode propor a demanda, mesmo contra a vontade de um possível litisconsorte unitário, que ficará submetido à coisa julgada, como é a regra em casos de legitimação extraordinária, aceita por praticamente a totalidade da doutrina (DIDIER JÚNIOR, 2008, p. 311).
Comunga com o mesmo pensamento de Fredie Didier, o doutrinador Alexandre Freitas Câmara (2007), o qual entende que a existência de litisconsórcio necessário ativo violaria a garantia constitucional de acesso ao judiciário e a inafastabilidade do controle jurisdicional.
Em sentido contrário, admitindo a existência de litisconsórcio necessário ativo, encontra-se a opinião dos doutrinadores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2008), os quais acreditam que é possível a formação de litisconsórcio necessário, tanto no pólo ativo, quanto no pólo passivo da relação processual, pois depois de iniciada a ação, haverá a citação do litisconsorte recusante, que poderá assumir qualquer dos pólos da relação processual, a seu critério. Dessa forma, todos os participantes necessários ao julgamento de mérito estarão presentes no processo.
Diante do exposto, compreende-se que o instituto do litisconsórcio está intimamente ligado à idéia de economia processual e harmonia de decisões. É certo que, o litisconsórcio necessário existe, pois o at. 47 do Código de Processo Civil é enfático ao afirmar que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.
Quanto à possibilidade da existência do litisconsórcio necessário ativo é que diverge a doutrina e as opiniões e soluções são as mais variadas. Diante de várias opiniões a respeito do tema, conclui-se que não há hipóteses de litisconsórcio necessário ativo. Ou seja, o litisconsórcio necessário ativo representa restrição ao poder de agir em juízo, pois exige a legitimidade conjunta de dois ou mais sujeitos. Como obrigar alguém a litigar contra a sua própria vontade?
Pensar positivo é desrespeitar o direito fundamental de acesso à justiça previsto no art. 5º da Constituição Federal. Ora, não é justo que uma pessoa não tenha a sua demanda apreciada e resolvida em definitivo por simples capricho ou negativa de seu litisconsorte. Por outro lado, não é possível obrigar alguém a litigar contra a sua vontade, pois o momento e a decisão de litigar pertencem a cada um.
Ocorre que o litisconsórcio necessário decorre da lei ou da natureza da relação jurídica. Observa-se no nosso ordenamento jurídico que não existe litisconsórcio necessário ativo decorrente de lei. Sendo assim, resta observar o litisconsórcio necessário ativo decorrente da relação jurídica incindível. Ou seja, todo litisconsórcio necessário decorrente de relação jurídica una e indivisível, este também será unitário, pois se tratando de relação jurídica incindível não há como decidir de modo diferente para os litisconsortes.
Nesse caso, existindo co-legitimação ativa e unitariedade, qualquer dos co-legitimados, isoladamente, poderão propor a demanda, mesmo sem o consenso dos demais legitimados, os quais ficarão submetidos à coisa julgada, pois se trata de legitimação extraordinária e essa é a regra a ser seguida.
Registre-se que a posição de nosso Supremo Tribunal Federal no julgamento do Agravo Regimental da Ação Cível Originária, nº 330-0 oriunda do Mato Grosso do Sul, comunga com o entendimento do doutrinador Cândido Rangel Dinamarco (1996), o qual admite a formação do litisconsórcio necessário ativo em situações excepcionais.
Inobstante a conclusão de que não existe litisconsórcio necessário ativo, há autores tais como Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2008), que entendem existir a figura do litisconsorte necessário ativo, bastando que o autor demande sozinho, isto é, sem ofender a liberdade de agir dos outros co-legitimados e enquadre aquele que deveria figurar como seu litisconsorte necessário ativo no pólo passivo da demanda, pois existe lide entre eles.
Observa-se que a solução apresentada pelos doutrinadores acima, configurar-se-á hipótese de litisconsórcio necessário passivo e não ativo.
Diante de todo o exposto, a única alternativa é inadmitir a existência de litisconsórcio necessário ativo face o direito fundamental de acesso à justiça previsto no art. 5º da Constituição Federal e o princípio da demanda consagrado no art. 2º do nosso Código de Processo Civil, nos seguintes termos: “Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais”.
REFERÊNCIAS
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Servidora Pública.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Aline Wiltshire Carvalho Rodrigues. Litisconsórcio necessário ativo e a liberdade de agir em juízo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 out 2010, 09:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21987/litisconsorcio-necessario-ativo-e-a-liberdade-de-agir-em-juizo. Acesso em: 23 dez 2024.
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