Devido às dificuldades legislativas no Brasil e os reclames sociais, o Poder Judiciário, com os crescentes litígios envolvendo as relações homoafetivas, se vêem obrigados a se posicionarem para solucionar o caso concreto, firmando posicionamentos diferenciados, posicionamentos vanguardistas e outros que ainda resistem às novas mudanças sociais.
As parcerias homossexuais, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência majoritárias são reconhecidas como meras sociedades de fato, produzindo efeitos jurídicos no campo do Direito das Obrigações e do Direito das Sucessões. Esse cenário jurídico ocorre à semelhança do que ocorria com as uniões estáveis anteriores a Constituição Federal de 1.988.
Em decorrência do grande conservadorismo da maioria dos magistrados, à União Estável entre pessoas do mesmo sexo não é reconhecida. As decisões são no sentido de alegar que a matéria ainda não foi reconhecida constitucionalmente, não podendo julgar favoráveis à União Homoafetiva com base no art. 226 da CF, pois tal artigo é claro ao dizer que o reconhecimento se dá quando exista união estável entre homem e mulher, sendo inconstitucional decisão em contrário.
Para Paulo Lôbo (2008), as uniões homossexuais devem ser consideradas entidades familiares constitucionalmente protegidas, desde que preenchidos os requisitos de afetividade, estabilidade e ostentabilidade, com finalidade de constituição de família, aplicando-se analogicamente as regras jurídicas que disciplinam as uniões estáveis, conforme art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.
No tocante ao conservadorismo dos Tribunais esclarece Paulo Lôbo (2008)
“Porém ainda é forte na jurisprudência dos tribunais o entendimento que nem as normas constitucionais nem as infraconstitucionais, incluindo o Código Civil, tutelam a união homossexual como entidade familiar. Os tribunais demonstram maior receptividade para atribuição de efeitos às ‘uniões homossexuais no plano do Direito das Obrigações, como ‘sociedade de fato’, relativamente às matérias patrimoniais, para o que a competência de julgamento e da Vara Cível Comum e não da Vara de Família. Mas a realidade da vida e a complexidade das situações têm feito com que a jurisprudência também se pronuncie sobre os efeitos pessoais dessas uniões”[1].
A 3ª Turma do STJ, no REsp 238.715/RS, 2006 decidiu pela inclusão do parceiro dependente em plano de assistência médica, admitindo a analogia da união homossexual com a união estável. Já no REsp 395.904/RS, 2001, o STJ foi incisivo na equiparação da união homossexual como entidade familiar, entendendo com referência na Constituição e na Lei nº 8.213/91 (referente a planos da previdência social) que não há exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do Direito Previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida por outras fontes de direito.
Ainda, em relação as decisões envolvendo uniões homoafetivas, o TSE, em Recurso Especial Eleitoral 24.564 PA, decidiu “que os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com as de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se às regras de inelegibilidade prevista no art. 14, §7º da Constituição”, o que demonstra o reconhecimento implícito de entidade familiar ao menos para fins eleitorais.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já se manifestou em sede de apelação sobre a relação homoafetiva, firmando entendimento que a competência para julgamento das lides envolvendo pedido de alimentos entre parceiros homossexuais é da Vara de Família, porém entende que estas não podem ser consideradas entidades familiares, vez que o texto constitucional somente considera entidade familiar a união estável formada pelo homem e pela mulher:
Relação homoafetiva. Ação de alimentos. Competência. Vara de família. Analogia com a união estável. Impossibilidade. 1. As ações de alimentos cuja causa de pedir seja a relação homoafetiva, pretendendo equiparação por analogia com a união estável entre um homem e uma mulher, devem ser analisadas pelo juízo de família, considerando que não se está discutindo sociedade de fato. 2. No mérito, a equiparação da relação homoafetiva com a instituição da família não se mostra admissível enquanto o texto constitucional, bem como o direito infraconstitucional (art. 1.723 do C. Civil), referirem expressamente que a entidade familiar é formada por um homem e uma mulher. 3. A única semelhança que de princípio se pode apontar da relação homossexual com a família nascida do relacionamento entre pessoas de sexos diferentes, é o afeto. Mas o afeto, ainda que seja reconhecido pela doutrina moderna do direito de família como o elemento mais importante da relação familiar, ainda não é fonte por si só de obrigações. 4. Ainda assim, se a relação chegou ao fim, e portanto não há mais afeto, é impossível julgar a ação reconhecendo obrigação alimentar cuja fonte seria exatamente o afeto, inexistente a esta altura. Quando se desfaz um vínculo afetivo que resultou em família reconhecida pela ordem jurídica, como a decorrente do casamento ou da união estável, o que gera a continuidade do devedor de solidariedade é o vínculo jurídico, inexistente na relação homoafetiva. 5. Portanto, ainda que a relação entre as partes tenha se formado com base na liberdade e no afeto, hoje estão elas desavindas, sendo certo que não pode existir vínculo obrigacional sem fonte, que se resumem, na lição de Caio Mário, a duas: a vontade e a lei. (TJ/RJ. Ap. Civ. 2007.001.04634 Rel Des. Marcos Alcino a Torres. Dj 24/04/2007).
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, através de interpretação do julgado transcrito, já deu grande passo no sentido de reconhecer a competência da Vara de Família para solucionar as lides que envolvem as uniões homoafetivas. No entanto, não as reconhecem como entidades familiares, sob o fundamento de não terem sido reconhecidas pela Constituição Federal de 1988. Este argumento é facilmente atacado, uma vez que a CF/88 não proibiu o reconhecimento de outras modalidades de família, além da existência dos princípios da Dignidade da Pessoa Humana, Liberdade e Igualdade.
Na frente dos demais Tribunais, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conhecido por suas decisões de vanguarda, tem reconhecido efeitos jurídicos às relações homoafetivas como entidade familiar, equiparando-se às uniões estáveis entre homens e mulheres:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente à união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo (Tribunal de Justiça/RS. Apelação Cível número 70006844153, Relator: Catarina Rita Krieger Martins julgado em 18.12.2003).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE.É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo (Tribunal de Justiça/RS. Apelação Cível número 70012836755, Relatora: Maria Berenice Dias. Julgado em 21.12.2005).
A Quarta Turma do STJ, em sua decisão mais recente sobre o tema, inovou no campo do direito de família. Por unanimidade, os ministros negaram recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul e mantiveram a decisão que permitiu a adoção de duas crianças por um casal de mulheres. Seguindo o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Turma reafirmou um entendimento já consolidado pelo STJ: nos casos de adoção, deve prevalecer sempre o melhor interesse da criança." Esse julgamento é muito importante para dar dignidade ao ser humano, para o casal e para as crianças", afirmou.
Assim, ainda que pesem opiniões atrasadas e preconceituosas em contrário, já existem várias vitórias com relação as uniões homoafetivas, no que se refere as decisões de alguns tribunais, que suprem a omissão do legislador, que permanece inerte aos anseios sociais.
REFERÊNCIAS
LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008.
TJ/RJ. Ap. Civ. 2007.001.04634 Rel Des. Marcos Alcino a Torres. Dj 24/04/2007).
Tribunal de Justiça/RS. Apelação Cível número 70006844153, Relator: Catarina Rita Krieger Martins julgado em 18.12.2003).
Tribunal de Justiça/RS. Apelação Cível número 70012836755, Relatora: Maria Berenice Dias. Julgado em 21.12.2005).
TSE consulta em: http://www.tse.jus.br/internet/jurisprudencia/index.htm
STJ consulta em: http://www.stj.jus.br/SCON/
Técnica do Ministério Público de Sergipe. Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Raissa Lemos. União homoafetiva e os Tribunais brasileiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 out 2010, 08:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22011/uniao-homoafetiva-e-os-tribunais-brasileiros. Acesso em: 23 dez 2024.
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