As recentes alterações trazidas pela Lei 12.322/2010 merecem uma acurada análise para que sejam evitadas perplexidades e incongruências ao se aplicar a norma processual.
Trata-se das novas regras acerca do processamento de uma espécie de recurso que, ao menos de forma preliminar, evitaremos denominar de agravo retido, posto que não se trata de recurso retido nos autos durante o feito para seu posterior conhecimento pelo juízo ad quem, seja em sede de apelação, seja em sede de recurso especial ou extraordinário.
A nova lei modifica o até então conhecido agravo de instrumento do art. 544 do CPC, cujo fito era o de levar ao conhecimento dos Tribunais Superiores (STF e STJ) o recurso (extraordinário ou especial, respectivamente) cujo seguimento não fora admitido na origem.
De acordo com a nova redação do caput do art. 544, não admitido o recurso extraordinário ou especial, caberá agravo nos próprios autos.
Ora, a decisão que se combate com o agravo do art. 544 não é interlocutória. Pelo contrário, trata-se de decisão que exaure a instância recorrida mediante confirmação do decisumad quem, sem possibilidade de sequer ser examinada a sua admissibilidade pelo juízo a quo. Com tal decisão, o juízo recorrido apenas reafirma a matéria de mérito já decidida, não resolve nenhuma questão incidente, portanto, não há que se falar em decisão interlocutória nos termos do art. 162, §2º do CPC. Destarte, é errôneo concluir que a nova figura se enquadra no conceito de agravo retido ou de instrumento. que originou o inconformismo. Tanto que o agravo interposto implica o seguimento do processo junto ao órgão
Nessa esteira, o próprio legislador dá nome ao instituto em questão: “agravo nos próprios autos”. É caso de espécie sui generis de agravo, albergada pela fórmula genérica do art. 496, II do CPC. Deveras, além dos já conhecidos agravos de instrumento, retido e interno (ou regimental) entendemos pela criação desta nova espécie: agravo nos próprios autos.
O agravo nos próprios autos acabou com o agravo por instrumento, para o fim específico até então normatizado pela regra do art. 544. Todavia, a interpretação sistemática da nova redação permite concluir, como ao final será demonstrado, que se mudou apenas a forma de processamento deste recurso: agora, ao invés da necessidade de se formar o instrumento, o agravo chega ao conhecimento do Tribunal ad quem através dos próprios autos, o que pode gerar facilidade no conhecimento das matérias combatidas. Em relação aos efeitos processuais pertinentes à impossibilidade de se atribuir juízo de admissibilidade ao agravo pelo órgão a quo, a situação permanece inalterada. Também continua valendo o prazo de 10 dias para interposição. E, se já não havia necessidade de preparo para a admissão do agravo por instrumento, muito menos necessária a exigência no caso de agravo nos próprios autos.
Situação distinta começa a se desenhar com a nova disposição do §1º do artigo 544. Ali, prevê a Lei a obrigatória interposição de um agravo para cada recurso não admitido. Prestigia-se a análise dos capítulos de sentença, conforme já defendia brilhantemente Cândido Rangel Dinamarco. Isto porque cada decisão inadmitida na origem gerará um inconformismo diferente do ponto de vista subjetivo, isto é, cada agravante será afetado de forma diferenciada pela decisão agravada. Dessa forma, consubstancia-se a tese, já em voga na jurisprudência do STJ, de que nesses casos, não se aplica a regra do art. 191 do CPC: não há prazo em dobro para os litisconsortes, ainda que com procuradores diferentes, pois, cada qual será atingido individualmente, razão pela qual, a nova disposição é clara ao exigir agravos diferentes para cada recurso não admitido.
É no parágrafo 4º do novo art. 544 que estão as regras sobre o processamento deste recurso. E, aqui, a análise deve ser feita de forma mais detida, diante da redação atécnica adotada, podendo causar confusão na interpretação e aplicação do instituto.
A decisão recorrida será apreciada pelo relator que poderá adotar as seguintes condutas:
I - não conhecer do agravo manifestamente inadmissível - manifestamente inadmissível é o agravo interposto que deixar de observar, de forma flagrante, os pressupostos de recorribilidade. Assim, por exemplo, no que diz respeito ao exercício do direito de recorrer, manifestamente inadmissível é o agravo intempestivo, interposto após o lapso de 10 dias previsto no caput do artigo. Ocorrerá a preclusão temporal. Da mesma forma, não será admitido o recurso que venha a apresentar irregularidade na petição de interposição, como um endereçamento incorreto ou a inexistência de procuração do advogado (Súmula 115 STJ: Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos).
II – não conhecer do agravo que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada – aqui a lei retrata um caso específico de inadmissibilidade que recai sobre vício formal da demanda. A apresentação das razões recursais deve ocorrer de forma exaustiva, de modo a não deixar sem atacar nenhum ponto do inconformismo. Nesse sentido, existe a disposição da Súmula 182 do STJ: É inviável o agravo do Art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.
Superado os óbices relativos ao não conhecimento do recurso, o relator entrará no exame do seu mérito. São as situações previstas no art. 544, §4º, II, a,b e c. Todavia, e aqui está o cerne da crítica que se faz à redação empregada na formulação da letra desta norma, há de se entender que as hipóteses ali referenciadas dizem respeito ao exame do mérito do agravo. Tal esclarecimento se faz necessário diante da possibilidade de se concluir que trata a lei de exame do mérito do recurso extraordinário ou especial, cujo conhecimento foi negado em decisão que originou o inconformismo combatido pelo presente agravo.
Dito isto, o relator poderá conhecer do agravo para:
I - negar-lhe provimento, se correta a decisão que não admitiu o recurso – eis o mérito do agravo. De fato, o relator, ao negar provimento, adentra ao exame do mérito do recurso de agravo nos próprios autos, cuja finalidade é exatamente fazer com que o órgão ad quem tome conhecimento de que houve a interposição de um recurso especial ou extraordinário. Este juízo é merital, posto que já se encontra superada a fase de exame que poderia levar à prolação de um juízo negativo de admissibilidade do recurso, acarretando o seu não conhecimento.
II - negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal – a expressão “negar seguimento ao recurso” indica que o relator superou o exame do agravo e adentrará no exame de admissibilidade do recurso (extraordinário ou especial) que traz a matéria combatida. Ainda aqui, o recurso será submetido a um primeiro exame de admissibilidade e, caso ocorra alguma das situações previstas na alínea, o relator deverá emitir juízo negativo de admissibilidade, posto que as situações referidas dizem respeito à impossibilidade do exercício do direito de recorrer, uma vez que, como frisado anteriormente, recurso manifestamente inadmissível, v.g., apresenta flagrante falha relativa à tempestividade, ou por falta de recolhimento do preparo; além do óbice que se convencionou chamar de súmula impeditiva de recurso, que consubstancia um fato impeditivo do direito ao recurso, haja vista a própria redação utilizada na Lei 11.276/2006 ao acrescentar o parágrafo 1º ao art. 518 do CPC: “o juiz não receberá o recurso”. Conclui-se, portanto, que se trata de exame de requisito de admissibilidade e não de mérito. Expediente que, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, prima pela compatibilização vertical das decisões judiciais[[1]].
III - dar provimento ao recurso, se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal – aqui o relator tendo conhecido o agravo dará provimento ao recurso especial ou extraordinário, adentrando no mérito. Tal situação somente será possível caso o acórdão recorrido esteja em contraste com súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal ad quem. Aqui, a Lei inova ao dar tratamento igualitário ao processamento tanto do recurso especial quanto do extraordinário. Explique-se: antes da alteração, a regra do art. 544, §3º do CPC (que permanece em vigor durante o prazo da vacatio legis da Lei 12.322/2010) era aplicada ao recurso extraordinário, salvo nos casos de interposição simultânea de recursos especial e extraordinário, quando aquele teria de ser julgado antes deste. Portanto, diante da norma do novo §1º já tratado nas linhas anteriores, a necessidade de um agravo para cada recurso permitirá o conhecimento independente por parte do STF e do STJ. A nova disposição confere ao relator o exame do mérito do recurso no próprio agravo, dando-lhe provimento e modificando o acórdão que esteja em contraposição à Súmula ou jurisprudência predominante na corte responsável pelo julgamento do recurso.
E quando o agravo tiver por objetivo levar ao conhecimento do STF ou do STJ acórdão combatido por outro fundamento que não o seu contraste com Súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal ad quem?
Nesse caso, a tramitação deverá obedecer às regras normais sobre processo nos Tribunais, devendo, via de regra, após a manifestação do relator, ocorrer a revisão e a inclusão do recurso na pauta de julgamento, tudo a depender das normas previstas nos regimentos de cada uma das Cortes.
De qualquer forma, caso haja não conhecimento do agravo ou lhe seja negado provimento, ou ainda, decisão do relator acerca do mérito do recurso não admitido na origem, de acordo com a nova disposição do art. 545 do CPC, caberá, em 5 dias, a interposição de agravo regimental.
Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes. Analista do Ministério Público de Sergipe
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Sandro de Rezende. O novo agravo do art. 544 do CPC: breves comentários à Lei 12.322/2010 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 out 2010, 08:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22016/o-novo-agravo-do-art-544-do-cpc-breves-comentarios-a-lei-12-322-2010. Acesso em: 23 dez 2024.
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