RESUMO
A nova redação do artigo 461 do Código de Processo Civil é decorrente do surgimento do Estado Constitucional de Direito, e motivou a mitigação ao princípio da adstrição, permitindo ao magistrado buscar a efetividade de suas decisões além dos limites impostos pelos pedidos formulados.
PALAVRAS – CHAVE: princípios; adstrição; mitigação; efetividade.
ABSTRACT
The new writing of article 461 of the Code of Civil Procedure is decurrent of the sprouting of the Constitutional State of Right, and motivated the mitigation to the principle of the adstrictione , allowing the magistrate to search the effectiveness of its decisions beyond the limits imposed by the requests.
KEYWORD: principle; adstrictione; mitigation; effectiveness.
1. INTRODUÇÃO.
O processo civil brasileiro sempre pautou pela segurança jurídica, vinculando o juiz aos pedidos das partes, é o chamado princípio da adstrição ou da congruência objetiva, estando previsto nos artigos 128[1] e 460[2] do Código de Processo Civil que o juiz decidirá a lide nos limites propostos pelas partes e que não poderá proferir sentença de natureza diversa, ou que preste tutela do direito, distinta da pedida.
Entretanto, o sistema processual civil vem passando por diversas transformações em busca da tutela jurisdicional efetiva, não se restringindo apenas a garantir o direito de ação, mas, também, a um provimento jurisdicional justo, célere e efetivo.
Por esse motivo, viu-se a necessidade de aprofundar o estudo acerca do princípio da adstrição e a sua nova perspectiva, fazendo uma breve análise sobre a evolução do direito para o Estado Constitucional de Direito, e, a nova concepção do princípio da congruência objetiva.
2. MATERIAIS E MÉTODOS.
A realização do presente trabalho terá como base o método dedutivo a partir da análise da doutrina especializada no estudo do Direito Processual Civil e suas evoluções, da legislação vigente, bem como a análise de artigos jurídicos, visando mostrar o novo enfoque dado pelos doutrinadores ao princípio da adstrição.
O trabalho será divido em três etapas: na primeira, buscar-se-á conceituar o princípio da adstrição; na segunda, analisar-se-á a nova função do Estado Constitucional; por fim, na terceira etapa serão expostas as conclusões finais, apresentando a nova perspectiva dada ao princípio da adstrição.
3. O Princípio da Adstrição ou da Congruência Objetiva.
Inicialmente, se faz necessário tecermos alguns comentários acerca do princípio da segurança jurídica, princípio este que se encontra intensamente relacionado ao Estado Democrático de Direito, podendo ser considerado inerente e essencial ao mesmo, sendo um de seus princípios basilares que lhe dão sustentação.
O princípio da segurança jurídica possui conexão direta com os direitos fundamentais e ligação com determinados princípios que dão funcionalidade ao ordenamento jurídico brasileiro, tais como, a irretroatividade da lei, o devido processo legal, o direito adquirido, entre outros.
Em decorrência do princípio da segurança jurídica, e como forma de limitar a atuação estatal, o ordenamento jurídico estabeleceu o princípio da adstrição[3], segundo o qual o juiz não pode deixar de analisar a parte objetiva da demandada. Ou seja, não é lícito ao magistrado conceder bem maior ou estranho ao pedido. Não lhe cabe omitir-se quanto às questões fáticas suscitadas no momento apropriado nem se omitir de decidir com base na causa de pedir ou no pedido deduzido.
Assim, pelo princípio da correlação, concede-se liberdade ao julgador apenas dentro dos contornos da lide, cabendo-lhe, destarte, apreciar as questões arguidas e examinar o pedido veiculado na demanda.
Fredie Didier Júnior alerta que a decisão deve ser congruente não só com a matéria discutida, mas também com os sujeitos da ação e congruente em si mesma, dividindo o princípio da congruência em congruência externa, a qual se refere aos sujeitos da ação, chamada de congruência subjetiva, e aos elementos objetivos, chamada de congruência objetiva; e em congruência interna, a qual se refere à coerência da própria decisão, devendo a mesma conter os atributos da clareza, certeza e liquidez.
Em razão da delimitação do tema do presente trabalho, somente será analisado, ainda que brevemente, a classificação da congruência objetiva, que se refere exatamente ao tema proposto, ou seja, à vinculação do juiz ao pedido deduzido.
Na sentença, o juiz deverá analisar toda a lide com cautela para não julgar além dos pedidos do autor, deixar de julgar algum pedido, ou julgar pedido diverso sem apreciar a pretensão do demandante.
Na primeira situação, o órgão jurisdicional concede mais do que o reclamado. Decide o pedido, mas vai além dele, dando ao autor mais do que fora pleiteado, é a chamada sentença ultra petita.
A congruência compreende toda a demanda, por isso, também será ultra petita a sentença que acrescentar fatos essenciais que não foram alegados pelas partes e julgar com base naqueles.
Por sua vez, se o magistrado conceder bem diverso do pedido, sem apreciar a pretensão do demandante, ter-se-á uma sentença extra petita. Aqui o juiz concede algo que não foi pedido pelas partes, deixando de decidir quanto ao pedido e no lugar deste decide acerca de coisa diversa, não pretendida.
A sentença extra petita incide em nulidade porque soluciona causa diversa da que for proposta através do pedido.
Além disso, quando o juiz considerar outra causa de pedir, desprezando ou omitindo fatos suscitados pelas partes, a sentença também será extra petita, partindo-se do pressuposto de que o termo pedido, agora empregado, abrange também a causa de pedir.
Por fim, quando o magistrado deixar de apreciar alguma pretensão do demandante, neste sentido, Vallisney de Souza Oliveira:
“não aprecia toda a demanda objetiva, violando também o poder-dever de julgar, ter-se-á uma sentença citra petita. Na incongruência citra petita o juízo abstém-se de apreciar acerca de algum ou alguns dos pedidos e, portanto, concede menos do que postulado. Tal decisão sujeita-se à declaração de nulidade, especialmente pelo fato de, em princípio, não poder o órgão recursal analisar aquilo que não foi objeto de apreciação pelo juiz singular, sob pena de supressão de instância”.
Se a omissão for total, ocorrerá violação ao princípio da indeclinabilidade da jurisdição, por sua vez, se houver omissão parcial, haverá jurisdição deficiente e negação parcial do poder judicial de decidir.
Assim, o magistrado, não poderá deixar de apreciar o que foi pedido, nem julgar acima ou de modo diferente do pedido, pois, incumbe às partes indicar as matérias a serem julgadas.
Por fim, o ilustre professor Vallisney de Souza Oliveira assim conceitua o princípio da congruência objetiva:
“por princípio da adstrição entenda-se aquele ditame delimitador da atividade do órgão judiciário em relação ao pedido, compreendido este também como mérito, já que a sentença não pode descarrilar, nem parar no caminho, nem ir além da via traçada pela vontade do jurisdicionado”.
4. O Estado Constitucional de Direito e a efetividade processual.
O surgimento do Estado Constitucional de Direito, também chamado de Estado Democrático de Direito, trouxe alterações no papel desempenhado pelo Estado, que com a agregação do elemento social passou a realizar algumas prestações, bem como promoveu a busca de ampliação da participação do povo na coisa pública e, por conseguinte, na reconceitualização do principal mecanismo de atuação do Estado, ou seja, a lei.
O Estado democrático de direito modificou o conteúdo do princípio da legalidade adotado no Estado Liberal, no qual a lei estabelecia a igualdade por ter como característica a generalidade e a abstração, passando a requerer a conformação da lei com a Constituição e, sobretudo, com os direitos fundamentais, buscando adequar-se às situações concretas em busca da igualdade.
Com esta nova perspectiva o direito processual constitucional põe o estudo do procedimento e da relação jurídica processual sob o enfoque das garantias do devido processo legal, do contraditório, da igualdade, da liberdade etc. Com isso, percebe-se que o sistema processual é uma conjugação de meios técnicos para a efetividade do postulado democrático da participação em liberdade e com igualdade, e vai chegando-se à percepção das grandes balizas do que se chama justo processo.
Somem-se a isso o rompimento das premissas adotadas pelo Estado Liberal, segundo o qual ninguém poderia ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, em nome da liberdade do indivíduo, e a possibilidade de conversão em dinheiro de toda prestação. Pois a resolução da prestação em perdas e danos, além de favorecer a parte mais rica da relação, nem sempre alcançava a tutela pretendida, principalmente as relacionadas aos direitos personalíssimos.
Assim, visando atender aos princípios constitucionais os doutrinadores começaram a preocupar-se com o acesso à justiça, com a celeridade processual e prestação de uma tutela efetiva.
Uma das preocupações do movimento de acesso à justiça, é propiciar às classes menos favorecidas, assistência judiciária gratuita. O acesso ao Poder Judiciário, ou melhor, a possibilidade de se obter a tutela jurisdicional, não pode ser prerrogativa tão-somente dos indivíduos mais abastados. Medidas como o barateamento das custas judiciais e a instituição de Defensorias Públicas em todos os Estados da federação, contribuiriam para uma justiça mais acessível aos mais pobres.
Justiça esta que deve ser célere, pois é dever do Estado conduzir o processo em tempo razoável[4], sem entraves de caráter meramente protelatórios.
A demora na prestação jurisdicional sempre foi um entrave para a efetividade do direito de acesso à justiça, pois não tem sentido que o Estado, tendo proibido a autotutela, não confira ao cidadão um meio adequado e tempestivo para a solução de seus conflitos. Se o tempo do processo, por si só, determina um prejuízo à parte que tem razão, é certo que quanto mais demorado for o processo civil mais ele prejudicará alguns e beneficiará a outros, geralmente aqueles que não têm interesse no cumprimento das normas legais.
Mas de nada adianta acesso a uma justiça célere se a tutela pretendida não for efetiva, neste sentido Luiz Guilherme Marinoni:
“direito de ação – visto como contrapartida da proibição da autotutela e da reserva do poder de dirimir conflitos ao Estado – foi concebido, já há bastante tempo, como direito a uma sentença de mérito. Acontece que a sentença que reconhece a existência de um direito, mas não é suficiente para satisfaze-lo, não é capaz de expressar uma prestação jurisdicional efetiva, uma vez que não tutela o direito”.
Para Cândido Rangel Dinamarco, a efetividade do processo “constitui expressão resumida da idéia de que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sociopolítico-jurídica, atingindo em toda a plenitude todos os seus escopos institucionais”.
Assim, o processo deve mostrar-se capaz de produzir precisamente a providência solicitada.
É nesta medida que a doutrina brasileira, atenta à existência do direito a uma resposta jurisdicional efetiva, vem procurando discutir e elaborar procedimentos e meios processuais capazes de imprimir maior efetividade às normas processuais.
Neste sentido, o legislador passou a elaborar normas que possibilitassem uma maior efetividade à tutela pretendida, até que em 13/12/1994 editou a Lei n.º 8.952 que reproduziu o teor do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor no Código de Processo Civil, alterando a redação do artigo 461, inserindo mecanismos para que o juiz possa, no próprio processo de conhecimento, conceder precisamente aquilo que o demandante obteria na hipótese de cumprimento espontâneo da obrigação. A conversão da obrigação em perdas e danos, até então uma constante, passa a ser exceção, tendo o juiz maiores poderes para compelir o demandado a cumprir o pactuado. Vejamos:
Art. 461. Na ação que tenha por objetivo o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1o A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2o A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
Barbosa Moreira, apud Antônio Cláudio da Costa Machado, assim conceituou a tutela específica e tutela inespecífica, ou o resultado prático equivalente:
“Por tutela específica entenda-se a tutela direta, aquela que busca proporcionar ao credor o mesmo resultado prático que ele obteria caso tivesse havido o adimplemento da obrigação; inespecífica, ou indireta, é aquela providência que ou elimina as consequências da violação ou compensa pecuniariamente o credor em razão dela.”
Como se vê, no artigo acima descrito, o legislador buscando dar maior liberdade de atuação ao magistrado na busca da efetividade da tutela, permitiu: a conversão em perdas e danos ex officio, caso reconheça que a tutela específica desejada torne-se impossível (§ 1º); a cumulação da ação cominatória com a indenização, que também poderá ser ex officio (§§ 2º e 4º); a antecipação dos efeitos da tutela (§ 3º); a imposição ao devedor de multa diária pelo inadimplemento da obrigação, tanto na medida liminar quanto na sentença (§ 4º); a possibilidade de o magistrado adotar, ex officio, outras medidas que se façam necessárias para assegurar a efetividade da tutela específica ou o resultado prático equivalente (§ 5º, vale ressaltar que rol de medidas contido no parágrafo é meramente exemplificativo)[5], e, por fim, a possibilidade do magistrado modificar as medidas impostas caso verifique a sua insuficiência ou excessividade (§ 6º).
Com isso, pode-se dizer, em síntese, que a ação não pode mais se limitar ao julgamento do mérito. O direito de ação, além de exigir o julgamento do mérito, requer uma espécie de sentença que, ao reconhecer o direito material, deve permitir, ao lado de modalidades executivas adequadas, a efetividade da tutela jurisdicional, ou seja, a realização concreta da proteção estatal por meio do juiz, concedendo o equivalente àquilo que o autor pediu, é a chamada tutela equivalente.
Neste sentido tem decido o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO n.º 2008.04.00.012836-2. Desembargadora Marga Inge Barth Tessler. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. MULTA POR DESCUMPRIMENTO. ARTIGO 461 DO CPC. 1. O objetivo da fixação de multa é coagir a parte a satisfazer com presteza a prestação de uma obrigação fixada em decisão judicial. Não se trata de medida reparatória ou compensatória, mais sim coercitiva, com o intuito único do forçar o cumprimento da obrigação. 2. Muito embora o parágrafo quarto do parágrafo 4º do artigo 461 do CPC expresse que o Juiz poderá impor multa ao réu, não se trata de um ato discricionário do Juiz. Mesmo que o verbo poderá revele uma faculdade, não será em todos os casos que o Juiz terá a discricionariedade de fixar ou não a multa. 3. O fato concreto, considerados os aspectos e circunstâncias que envolvem a lide, é que determinará se deve ou não a multa ser fixada. Presentes as circunstâncias descritas no artigo 461 do CPC, o juiz deverá estabelecer a medida executiva que entender adequada. 4. A relação subjacente debatida na ação civil pública retrata hipótese, no meu entender, da necessidade absoluta da fixação de multa. Uma das finalidades postas na ação civil pública, entre outras, é o de responsabilizar os causadores de danos ao meio ambiente. 5. O princípio da precaução, cujo centro de gravidade, como ressalta Nicolao Dino De Castro e Costa Neto, é a aversão ao risco, recomenda que a incerteza quanto à ofensividade ou inofensividade ambiental de determinada atividade deve levar a tomada de cautelas. Deve ser agregada a ordem judicial, por este motivo, multa por eventual descumprimento.
Aduz Luiz Guilherme Marinoni que, hoje, o legislador está consciente de que deve dar maior poder aos jurisdicionados e ao juiz para a utilização do processo. É por isso que instituiu normas processuais abertas (como a do art. 461 do Código de Processo Civil), ou seja, normas que oferecem um leque de instrumentos processuais, dando ao cidadão o poder de construir o modelo processual adequado e ao juiz o poder de utilizar a técnica processual idônea à tutela da situação concreta.
Conforme já decido pelo Superior Tribunal de Justiça:
REsp 912247 / RS. Ministro CASTRO MEIRA. EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO. MOLÉSTIA GRAVE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. VIABILIDADE. ARTIGO 461, § 5º, DO CPC. 1. As medidas previstas no § 5º do artigo 461 do CPC foram antecedidas da expressão "tais como", o que denota o caráter não exauriente da enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistrado a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de cada caso. 2. Não obstante o seqüestro de valores seja medida de natureza excepcional, a efetivação da tutela concedida no caso está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, devendo ser privilegiada a proteção do bem maior, que é a vida. 3. Recurso especial provido.
Assim, se a demanda envolver obrigação de fazer ou de não fazer, ou ainda de entrega de coisa, o julgador poderá valer-se, no mesmo processo, de medidas cautelares, se o objetivo for garantir a pretensão deduzida, ou mesmo de meios executivos, se o intuito for realizar o que foi reconhecido na sentença. Tudo isso sem a necessidade de outros processos, permitindo que a tutela jurisdicional seja concedida de forma mais econômica e rápida.
5. Considerações Finais acerca da nova perspectiva do Princípio da Congruência Objetiva
Alguns doutrinadores, ainda presos à doutrina tradicionalista, defendem a impossibilidade da mitigação ao princípio da congruência, alegando que mitigar o referido princípio ofende os princípios da segurança jurídica e do contraditório.
Ora, o princípio da segurança jurídica não pode servir como obstáculo à efetivação do acesso à justiça, garantido constitucionalmente (art. 5, XXXV, Constituição Federal). Deve-se buscar uma forma de possibilitar que esta segurança seja garantida em grau mínimo suficiente, de forma que não impeça a garantia do acesso à justiça, deve-se utilizar a técnica da ponderação de princípios tanto defendida por Robert Alexy[6].
Além disso, a mitigação do princípio da congruência objetiva não ofende o princípio do contraditório, vez que o réu poderá se defender da mesma forma como antes garantido, o que altera é a possibilidade do magistrado conceder uma tutela equivalente à pedida com a finalidade de garantir o, também constitucional, direito a uma prestação jurisdicional efetiva, devendo o magistrado sempre conciliar o direito fundamental de ação com o direito fundamental de defesa.
Vejamos a brilhante decisão do Ministro Teori Albino Zavascki:
REsp 1079776 / PE. Ministro Teori Albino Zavascki. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA EXECUTIVA LATO SENSU (CPC, ART. 461). EMBARGOS À EXECUÇÃO. CABIMENTO. 1. A ausência de debate, na instância recorrida, sobre os dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai, por analogia, a incidência da Súmula 282 do STF. 2. No atual regime do CPC, em se tratando de obrigações de prestação pessoal (fazer ou não fazer) ou de entrega de coisa, as sentenças correspondentes são executivas lato sensu, a significar que o seu cumprimento se opera na própria relação processual original, nos termos dos artigos 461 e 461-A do CPC. Afasta-se, nesses casos, o cabimento de ação autônoma de execução, bem como, conseqüentemente, de oposição do devedor por ação de embargos. 3. Todavia, isso não significa que o sistema processual esteja negando ao executado o direito de se defender em face de atos executivos ilegítimos, o que importaria ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Ao contrário de negar o direito de defesa, o atual sistema o facilita: ocorrendo impropriedades ou excessos na prática dos atos executivos previstos no artigo 461 do CPC, a defesa do devedor se fará por simples petição, no âmbito da própria relação processual em que for determinada a medida executiva, ou pela via recursal ordinária, se for o caso. 4. Tendo o devedor ajuizado embargos à execução, ao invés de se defender por simples petição, cumpre ao juiz, atendendo aos princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas, promover o aproveitamento desse ato, autuando, processando e decidindo o pedido como incidente, nos próprios autos. (grifos nosso)
Chiovenda, apud Luiz Guilherme Marinoni, defendia que: “quando se pensa em congruência, afirma-se que sua finalidade é evitar que a jurisdição atue de ofício”.
Assim, o artigo 461 do Código de Processo Civil estabelece que o autor, ao constituir a ação, tem o direito de requerer a forma e a modalidade executiva à tutela do direito, mas o juiz, enquanto representante do Estado em busca da proteção aos direitos fundamentais, tem o poder de determinar forma e meios diversos ao requerido se julgar necessários à efetiva prestação jurisdicional.
Por exemplo, em matéria ambiental, prevenir é mais importante que reconstituir e obter futura indenização por dano já ocorrido. Os prejuízos ao meio ambiente nem sempre são mensurados, uma vez que têm repercussão em vários campos da atividade humana. A rigor, muitas vezes as lesões ao meio ambiente, conforme o recurso atingido, são irreversíveis, a despeito da possibilidade de condenação do agressor ao ressarcimento do dano causado. Por isso, nas ações que visam proteção ao meio ambiente o juiz deverá sempre buscar a melhor forma de prevenir, ou mesmo, de reparar o dano, não ficando adstrito aos pedidos.
Segundo Marinoni:
“a ruptura da regra da tipicidade dos meios de execução, isto é, da regra de que o autor e o juiz apenas poderiam se valer dos meios executivos expressamente definidos em lei, não implicou apenas na possibilidade de uso de meio executivo não previamente estabelecido, mas também na mitigação da regra da adstrição da sentença ao pedido”.
No mesmo sentido ensina Fredie Didier:
“Além de poder conceder o resultado prático equivalente ao do adimplemento, nos casos em que isso é mais conveniente que a concessão da tutela específica, o magistrado também não se adstringe ao pedido formulado pelo autor quanto à escolha da medida coercitiva que tenha por escopo dar efetividade ao comando decisório.”
Há uma ruptura com o princípio da inércia da jurisdição, pois o magistrado atuará de ofício em busca da melhor forma para a efetivação da decisão.
Para Eduardo Talamini apud Fredie Didier, não haveria uma mitigação ao princípio da adstrição, pois as medidas coercitivas aplicadas pelo juiz são medidas relativas aos pedidos acessórios.
Mas, com o advento do artigo 461 do Código de Processo Civil o magistrado poderá não só aplicar meios coercitivos distintos dos requeridos, mas também poderá conceder prestação distinta da pedida em busca do resultado prático equivalente.
Havendo obrigação sem sanção por seu descumprimento, sem o poder de coerção do destinatário do provimento judicial, o que resta é uma obrigação natural, inexigível judicialmente, com a possibilidade de malferimento de princípios, como do acesso à justiça e da utilidade das decisões.
Portanto, ante ao exposto, tem-se que a mitigação do princípio da congruência objetiva é uma conseqüência lógica da nova concepção do Estado Constitucional, no qual os direitos fundamentais assumem papel de relevo conferindo à sociedade meios imprescindíveis para o seu justo desenvolvimento. Neste caso, destaca-se o direito fundamental à tutela jurisdicional como forma de buscar maior efetividade aos provimentos jurisdicionais.
Passa a importar, nessa perspectiva, a maneira como a jurisdição deve se comportar para realizar os direito ou implementar a sua atividade executiva. Ou melhor, o modo como a legislação e o juiz devem se portar para que os direitos sejam efetivamente tutelados.
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[1] Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa das partes.
[2] Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.
[3] Também chamado de princípio da congruência ou da correlação.
[4] Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni advertiu: “O tempo não pode servir de empeço à realização o direito. Ora, se o Estado proibiu a autotutela, adquiriu o poder e dever de tutelar de forma efetiva todas as situações conflitivas concretas. O cidadão comum, assim, tem o direito à tutela hábil à realização de seu direito, e não somente um direito abstrato de ação. Em outras palavras, tem o direito à adequada tutela jurisdicional”.
[5] REsp 912247 / RS. Ministro Castro Meira. Ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO. MOLÉSTIA GRAVE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. VIABILIDADE. ARTIGO 461, § 5º, DO CPC. 1. As medidas previstas no § 5º do artigo 461 do CPC foram antecedidas da expressão "tais como", o que denota o caráter não exauriente da enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistrado a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de cada caso. 2. Não obstante o seqüestro de valores seja medida de natureza excepcional, a efetivação da tutela concedida no caso está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, devendo ser privilegiada a proteção do bem maior, que é a vida. 3. Recurso especial provido.
[6] Para Robert Alexy apud Luiz Guilherme Marinoni, “A realização dos princípios depende das possibilidades jurídicas e fáticas, que são condicionadas pelos princípios opostos, e assim exigem a consideração dos pesos dos princípios em colisão segundo as circunstâncias do caso concreto”.
Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes. Analista do Ministério Público de Sergipe
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Sandro de Rezende. A nova perspectiva do princípio da adstrição no Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 out 2010, 10:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22025/a-nova-perspectiva-do-principio-da-adstricao-no-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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