1- INTRODUÇÃO
O instituto do bem de família surgiu na República do Texas e posteriormente foi incorporado aos Estados Unidos da América, em 1990 foi incorporado no Brasil por meio de Medida Provisória e posteriormente foi transformada em lei. Adotado pelo Brasil inicialmente pelo Código Civil de 1916, sofrendo alterações com o Código Civil de 2002, ambos trataram do bem de família voluntário, e em 1990 sofreu uma relevante ampliação com o surgimento do bem de família legal, previsto pela lei 8.009/90.
O presente trabalho faz uma abordagem da origem do “Bem de Família” até a atualidade, em seguida enfatizou a conceituação legal e doutrinária atribuídas ao tema, destinou- se capítulos específicos sobre o bem de família voluntário, sobre o bem de família legal (que é a espécie de bem de família que mais interessa ao tema abordado).
Esse instituto tem como característica fundamental preservar o imóvel familiar destinado a moradia, garantindo assim a impenhorabilidade de um único imóvel familiar bem como dos bens móveis que guarnecem a casa.
A lei 8.009/90 ampliou significativamente a incidência do bem de família, baseada no interesse público e na preservação da dignidade do devedor. O ponto crucial dessa lei é a sua função social, cuja finalidade é de preservar a dignidade da pessoa humana e assegurar uma sobrevivência digna e descente a todos os cidadãos.
Mas a referida lei também foi objeto de muitas críticas, pois questionava-se a facilidade de se utilizar desnecessariamente a lei alegando ainda o incentivo a fraude e ao calote. Os críticos entenderam que a impenhorabilidade do bem de família protegia a má-fé, considerando um desrespeito ao senso comum de justiça.
A pesquisa em tela foi realizada através do método técnico-científico, com base na doutrina, por meio de livros, legislações, artigos científicos e da internet.
2- BEM DE FAMÍLIA
O Bem de Família foi escolhido como tema desse trabalho em razão da importância desse instituto para a sociedade na atualidade.
Sabemos que vivemos em um mundo de muitas desigualdades sociais, onde poucos têm recursos demais e muitos tem de menos ou quase nada. Por esse motivo o principal objetivo do Bem de Família é proteger a família daquele devedor que possui apenas o imóvel que reside com sua família, visto que o Bem de Família não é suscetível de penhora.
Nesse capítulo será feita uma abordagem geral do Bem de Família, desde a sua origem, conceito, entidades familiares que podem ser beneficiadas, até a expansão desse bem.
2.1 Lineamento Histórico
O instituto do bem de família surgiu no Texas, na figura da homestead (home: casa e stead: lugar), que juridicamente quer dizer “residência de família”, regulamentado pela lei de 26/01/1839. O governo da República do Texas promulgou o Homestead Exemption Act, a qual era cedido a todo chefe de família uma propriedade rural com a finalidade de fazê-la produzir e de proporcionar a família abrigo seguro.
Esse país tinha como objetivo fixar famílias em suas regiões, bem como o desenvolvimento de uma civilização onde os cidadãos tivessem uma vida decente e humana, garantindo-lhes determinada área de terra isenta de penhora.
Segundo Álvaro Villaça Azevedo (2002) essa lei
veio a proteger as famílias radicadas na República do Texas, livrando de qualquer execução judicial 50 acres de terra rural ou um lote de terreno na cidade, compreendendo a habitação e o melhoramento de valor não superior a 500 dólares, todos os móveis e utensílios de cozinha, desde que o valor não excedesse de 200 dólares, além das utilidades, instrumentos e livros destinados ao comércio ou ao exercício profissional do devedor, 5 vacas leiteiras, uma parelha de bois e um cavalo, 20 porcos e todas as provisões necessárias a um ano de consumo.
Percebe-se que a característica fundamental desse instituto é de garantir a impenhorabilidade do imóvel familiar, dos instrumentos utilizados no trabalho, bem como dos bens domésticos móveis, pois são de suma importância para a vida do ser humano. Ressaltando que o objeto centro do bem de família é a proteção dos bens imóveis.
A doutrina clássica entende que para a configuração do bem de família é necessário a existência de um direito sobre determinado imóvel, que o titular desse direito seja chefe de família e que esse imóvel seja ocupado pela família.
Importante salientar que a figura do homestead não era intocável, poderia ser atingido excepcionalmente pelos tributos, pelas dívidas de empréstimos relacionados às construções e consertos do imóvel gravado.
2.2 Conceito de Bem de Família
O ordenamento jurídico brasileiro não define expressamente o instituto do bem de família. Mas oferece todos os elementos necessários para a configuração deste, permitindo que diversos autores criem conceitos baseados nesses elementos.
Nas palavras de Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 345) “o bem de família constitui-se em uma porção de bens que a lei resguarda com características de inalienabilidade e impenhorabilidade, em benefício da constituição e permanência de uma moradia para o corpo familiar”.
A professora Maria Helena Diniz (2002, p. 192) o define como
um instituto originário dos Estados Unidos, que tem por escopo assegurar um lar à família ou meios para o seu sustento, pondo-a ao abrigo de penhora por débitos posteriores a instituição, salva as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas condominiais.
Também merece destaque o conceito de Álvaro Villaça (2002, p. 93) para quem o bem de família “é o meio de garantir um asilo a família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade”.
2.3 Natureza Jurídica do Bem de Família
Existe muitas controvérsias a respeito dos entendimentos sobre a natureza jurídica do bem de família.
Para Venosa (2003, p. 347-348): “Trata-se da destinação de afetação de um patrimônio em que opera a vontade do instituidor, amparada pela lei. É uma forma de tornar o bem como coisa fora do comércio, em que são combinadas a vontade da lei e a vontade humana”.
Nas palavras de Arnaldo Marmett (1995, p. 19):
A controvérsia em torno da natureza jurídica não oferece maior utilidade prática. O que efetivamente importa é a idéia central e básica, evidenciada pela própria natureza do instituto: a proteção da família, o ente mais importante do Estado, com acentuação do valor moradia familiar. É esta a idéia fundamental consistente no amparo da entidade familiar, com os interesses da prole e do lar acima dos valores creditícios. Ao imunizar determinados bens de penhora, quer o legislador integrá-los no conceito de dignidade familiar, preservando a família,,,
Por fim, Álvaro Villaça (2002, p. 141) enfatiza com brilhantismo que:
O bem de família é um patrimônio especial, que se institui por um ato jurídico de natureza especial, pelo qual o proprietário de determinado imóvel, nos termos da lei, cria um benefício de natureza econômica, com o escopo de garantir a sobrevivência da família, em seu mínimo existencial, como célula indispensável à realização da justiça social.
Desse modo, percebe que a natureza jurídica do Bem de Família não encontra- se pacificada na doutrina.
No entanto, não tem sentido discutir sobre esse tema, pois o que interessa para a sociedade são os benefícios garantidos pela Impenhorabilidade do Bem de Família. Visto que esse instituto preserva a dignidade familiar.
3- ESPÉCIES DE BEM DE FAMÍLIA
Existe duas espécies de Bem de Família, o Bem de Família Voluntário e o Bem de Família Legal.
Primeiramente foi regulamentado o Bem de Família Voluntário pelo Código Civil. Para a instituição desse bem é necessário que o chefe de família formalize a sua vontade de tornar impenhorável determinado bem, especificando-o. Desse modo, percebe-se que umas das características dessa espécie é a manifestação da vontade do proprietário em tornar o bem que reside com sua família em impenhorável.
O Bem de Família Legal foi criado pela Lei 8.009 de 1990, ela determinou a impenhorabilidade do único imóvel do casal ou da entidade familiar destinado a moradia da família, uma das principais características dessa espécie é que tal ato independe da vontade das partes, é uma proteção legal.
3.1 O Sistema Voluntário do Código Civil de 1916 e as Alterações do Novo Código Civil
O bem de família foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo Código Civil de 1916. De início, foi interposto na Parte Geral, no Livro das Pessoas do Código Civil de 1916, após várias críticas este foi transferido para o Livro dos Bens do mesmo Código.
O Novo Código (lei 10.406, 10.01.02) disciplina esse instituto no Livro IV, do Direito de Família, no Título II, Subtítulo IV, entre os artigos 1711 ao 1722. Trazendo poucas alterações com relação ao CC anterior.
O Art. 70 do Código Civil de 1916 estabelece que apenas o chefe de família pode instituir o bem de família. Ressaltando que esse artigo foi revogado pelo art. 226, § 5º CF/88, que reconhece a união estável e a família monoparental como entidade familiar, igualando o homem e a mulher como já foi mencionado no início desse trabalho.
O Código Civil de 2002 em seu art. 1711 prevê a legitimidade para instituir o bem de família dos cônjuges, à entidade familiar e à terceiros.
A grande novidade do Código Civil de 2002 é que ele permite a instituição do bem de família por terceiros, no § único do Art. 1711. Ocorre que, a instituição deverá ser feita por doação ou testamento e só terá eficácia quando houver a anuência de ambos os cônjuges.
Quanto à forma de instituição, o Art. 73 do Código Civil de 1916 exige que o ato seja formalizado em escritura pública para que seja dotado de validade e ainda deverá ser transcrito no registro de imóveis e publicado na imprensa local.
O art. 1714 do Código Civil atual dispõe que “o bem de família constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis, registro é o ato constitutivo do bem de família, ou seja, é ato necessário para se atribuir eficácia ao bem de família voluntário. No caso de bem de família instituído por terceiro este deverá ser feito por doação ou testamento.
Esse procedimento de constituir o bem de família também é previsto pela lei n.º 6.015/73 em seus arts. 260 a 265, conhecida como Lei dos Registros Públicos.
O art. 261 da citada lei estabelece a “necessidade de inscrição do bem de família no Registro de Imóveis, apresentando o instituidor ao oficial desse Registro a escritura pública de instituição, para a publicação devida, na imprensa local e, não a havendo, na capital do Estado ou do Território”.
Portanto, é inevitável concluir que além da escritura pública também é necessário a publicidade de tal ato através de edital, essa publicidade tem o objetivo de proteger possíveis credores, pois este ao tomar ciência do ato pode impedir a sua constituição.
O Professor Álvaro Villaça de Azevedo em sua obra sobre a Impenhorabilidade do Bem de Família (2002, p. 107), salienta que:
É de observar-se que a publicidade pelo edital, pela publicação em jornal, é de verdadeiro alerta para que os possíveis credores interessados na execução do patrimônio de seu devedor não vejam frustradas as perspectivas de recebimento de seus créditos, com a saída do que se vai constituir em bem de família do acervo patrimonial do instituidor-devedor. Esta forma de publicidade possibilita ao interessado a devida impugnação, impedindo o nascimento do bem de família.
3.1.1 Objeto, extensão e valor do bem de família voluntário
De acordo com o art. 70 do Código Civil de 1916 só poderia ser objeto do instituto bem de família imóvel urbano ou rural destinado ao domicílio da família.
O novo Código Civil em seu art. 1712 inova com relação ao Código Civil anterior, visto que este permite a possibilidade de instituição de bem de família para os imóveis urbanos ou rurais, com suas pertenças e acessórios, como também nos casos de “valores imobiliários”, determinando que a renda destes deve ser aplicada na conservação e manutenção do imóvel e no sustento da família.
É importante ressaltar que, os valores mobiliários estão vinculados a existência de um imóvel instituído como bem de família, pois ele não pode existir isoladamente. O art. 1713 entende que os valores mobiliários não poderão exceder o valor do imóvel que visa resguardar, à época de sua instituição.
Ademais, enfatiza-se que não pode ser objeto de instituição de bem de família o condomínio de casa comum indivisa em face a pluralidade de proprietários. Excetuando-se o condomínio de edifícios, pois estes são considerados unidades autônomas predeterminadas.
O Código Civil de 1916 não fixa o valor nem a extensão para a instituição do bem de família, essa omissão foi veementemente criticada pelos doutrinadores da época.
Nesse sentido Álvaro Villaça cita em sua obra (2002, p. 108) a opinião de Eduardo Espínola:
O art. 70 devera ver que a preocupação do legislador fora instituir o bem de família, tendo em vista unicamente garantir contra a execução forçada o prédio de residência do chefe e demais membros da família. Assim, por mais valioso que seja ele, poderá aproveitar-lhe o privilégio. Claro é que participam da mesma natureza os acessórios naturais do prédio e suas pertenças. Se, todavia, as benfeitorias necessárias e úteis se devem compreender na proteção ao bem de família, o mesmo não acontece às benfeitorias voluptuárias ou suntuosas. Sem essa reserva, muito mais graves poderiam ser os abusos, já de fácil ocorrência ante a indeterminação da lei.
Entretanto, após a publicação do Código Civil de 1916, houve várias tentativas de fixação do valor de bem de família, entre elas se encontram: o Decreto-lei 3.200, de 1941, que em seu art. 19 fixou limite de cem mil cruzeiros para a instituição do bem de família; a lei 2.514 de 1955 elevou esse valor para um milhão de cruzeiros; depois surgiu a lei 5.653 que fixou o valo ao equivalente a 500 vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Salienta-se que válidas foram as tentativas de limitar o valor do bem de família, porém estas logo se viram frustradas em virtude do alto índice de inflação e das regulares mudanças de moeda.
O novo Código Civil determinou que o bem de família não deveria ultrapassar um terço do patrimônio do instituidor. Assim dispõe o art. 1711 do CC atual:
Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regiões sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
Por fim, Silvio Venosa (2003, p. 352), enfatiza sobre a limitação do bem de família estabelecida pelo novo Código Civil:
Afigura-se inconveniente a prefixação de valor. Melhor que seja fixada uma porcentagem sobre o patrimônio líquido da família, como pretendeu o Novo Código, o qual, no entanto, limitou a um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição.
3.1.2 Solvabilidade do instituidor
A solvabilidade do instituidor no momento da instituição do bem de família é considerada um requisito essencial para a realização desse ato, pois sabemos que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas.
Os arts. 70 e 71 do Código Civil de 1916 diz que a instituição do bem de família voluntário não pode prejudicar os credores existentes a época da instituição. Estabelecendo que estão isentas da execução apenas as dívidas constituídas posteriores a instituição do bem, objetivando assim prevenir a fraude contra credores.
O art. 1715 do Código Civil de 2002 confirma o que foi regulamentado pelo Código Civil anterior; dispõe que “o bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio”.
De acordo com esse raciocínio, comprovando-se a insolvência do instituidor com relação a dívidas já existentes à época do ato, o bem de família voluntário não terá validade e deverá ser anulada.
3.1.3 Efeitos do Bem de Família Voluntário
3.1.3.1 Impenhorabilidade
Os arts. 70 e 71 do Código Civil de 1916 e o art. 1715 do Código Civil de 2002 dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, estabelecendo a isenção deste por dívidas posteriores ao ato de constituição, excetuando as dívidas decorrentes de impostos relacionados ao próprio imóvel e as decorrentes de taxas de condomínio.
A impenhorabilidade é considerada por muitos doutrinadores como uma característica fundamental desse instituto. Protegendo assim o asilo familiar.
Álvaro Villaça cita a esse respeito o entendimento de Clóvis Beviláqua (2002, p. 116):
O efeito da constituição do bem de família é isentar de penhora o prédio destinado a ser o lar doméstico. Os credores não terão, no domicílio da família, garantia de seus direitos. Abriam-se, porém, duas exceções a esta regra: a primeira em favor dos impostos relativos ao mesmo prédio (Art. 70); a segunda, em relação às dívidas anteriores a instituição (Art. 71).
É importante frisar que a impenhorabilidade do bem de família voluntário é desconsiderada se a época da sua instituição o proprietário era insolvente, como foi mencionado anteriormente.
Essa impenhorabilidade é considerada relativa, tendo em vista que persistirá até a extinção do bem de família. E também por conseqüência das exceções que a lei lhe impõe com relação aos tributos relativos ao prédio e suas taxas de condomínio.
3.1.3.2 Inalienabilidade
O outro efeito decorrente da instituição do bem de família voluntário é a inalienabilidade, esse é um efeito exclusivo desse tipo de instituição, pois o bem de família legal pode ser alienado a qualquer tempo.
Essa inalienabilidade também é considerada relativa, pois o art. 72 Código Civil de 1916 e o art. 1717 do Código Civil de 2002 dispõe que ela pode ocorrer, mas será necessário a autorização judicial. E para que essa autorização seja concedida é imprescindível a concordância de todos os interessados, que são o cônjuge, o companheiro e os filhos menores. Nesse caso o feito necessitará da participação do Ministério Público e o juiz deverá designar curador especial para representar o menor pois o interesse dos pais podem colidir com o dos filhos menores.
Nesse sentido Silvio de Sávio Venosa (2003, p. 355) diz que:
O prédio não poderá ser alienado sem o consentimento dos interessados e de seus representantes legais. O dispositivo não está bem redigido. Para se conseguir autorização dos menores à liberação do bem há necessidade de intervenção judicial. Dificilmente, na prática, tal autorização é concedida, pois o pater familias precisa provar a necessidade da alienação e que os menores continuarão garantidos até a maioridade. Contudo, só o caso poderá dar a solução.
O Art. 1692 do Código Civil atual é claro ao dispor que: “Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial”.
Entretanto, o Art. 1º do Dec.-lei 6.777 de 1944 permite a substituição de um imóvel gravado por outro, ocorrendo a sub-rogação. Ainda assim é necessário a autorização do Poder Judiciário.
3.1.4 Extinção do Bem de Família Voluntário
O art. 70 do Código Civil de 1916 em seu parágrafo único estabelece que o bem de família durará “enquanto viverem os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade”.
No Código Civil de 2002 o art. 1722 não limitou-se ao que foi estabelecido pelo Código Civil de 1916. Ele inovou ao determinar que se houver filhos interditos, com incapacidade permanente, não haverá a extinção desse benefício.
Poderá ainda ocorrer a extinção por ato voluntário do instituidor, e a requerimento de qualquer interessado no caso do prédio deixar de servir como domicílio familiar.
O art. 1721 do CC atual determina que “a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família”. Ademais é importante enfatizar que o divórcio extingue a sociedade conjugal e consequentemente extinguirá o bem de família. Este só irá persistir se dessa união resultar filhos menores do casal.
3.2 A Lei 8.009/90 e o Bem de Família Legal
O bem de família legal é proveniente da Medida Provisória n.º 143, de 1990 que foi aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada na Lei 8.009/90, durante o mandato presidencial do Presidente José Sarney. Essa lei regulamenta o bem de família legal em oito artigos.
A instituição dessa espécie de bem de família independe de qualquer ato de vontade do instituidor, ele decorre simplesmente por vontade da lei, por esse motivo também é chamado de bem de família involuntário.
A esse respeito importante é o entendimento do professor Álvaro Villaça Azevedo (2002, p. 167):
Como resta evidente, (...), o instituidor é o próprio Estado, que impõe o bem de família, por norma de ordem pública, em defesa da célula familial. Nessa lei emergencial, não fica a família à mercê de proteção, por seus integrantes, mas é defendida pelo próprio Estado, de que é fundamento.
Ainda o mesmo doutrinador (2002, p. 165) reitera que:
Embora incompleta, como disse, essa Lei 8.009/90 surgiu em boa hora, em que a Nação brasileira atravessava séria crise, principalmente de ordem econômica, e da qual ainda não se livrou.
A lei 8.009/90 ampliou significativamente a incidência do bem de família, baseado no interesse público da dignidade do devedor e de sua família. Ela não revogou o instituto regulamentado pelo Código Civil. O bem de família legal (que é instituído pela lei 8.009/90) e o voluntário (instituído pelo Código Civil) coexistem paralelamente.
A lei 8.009/90 mesmo regulando relações e interesses privados é caracterizada como lei de ordem pública.
Todavia nas palavras de Venosa (2003, p. 361):
A lei n.º 8.009/90, com todas as suas falhas, foi evidentemente muito mais avançada, fazendo com que a impenhorabilidade do imóvel de moradia decorra imperativamente da lei, independendo da vontade do titular do direito. o tempo de sua vigência já demonstra que a lei foi incorporada ao mundo negocial e ao espírito da sociedade. Como visto, essa lei, que institui o bem de família por imperativo legal, desestimula e suprime utilidade para a instituição voluntária, custosa e procedimental.
Por fim, Rainer Czajkowski (1997, p. 14) enfatiza:
A nova lei de impenhorabilidade surge para ampliar o conjunto de normas que, por via direta ou indireta, protege o devedor, resguardadas as particularidades de cada um destes regramentos.
Tal proteção é fundada, quase sempre, em razões de ordem sociológica e moral, garantindo às familias daqueles em dificuldades econômicas para saldar suas dívidas, condições mínimas de sobrevivência digna, como também a salutar continuidade do exercício profissional. Procura-se evitar que o credor, usando da lei e da estrutura judiciária para a satisfação de um crédito, chegue ao extremo ético de condenar o devedor com sua família à fome, ao desabrigo e à miséria.
3.2.1 Objeto e extensão do bem de família legal
De acordo com o art. 1 da lei 8.009/90 são objetos do bem de família legal os imóveis urbanos ou rurais e os móveis que guarnecem a residência do seu proprietário ou locatário. Observa-se uma diferença com relação ao bem de família voluntário, pois os bens de família móveis estabelecidos por essa lei não são os valores mobiliários e sim os bens que guarnecem a casa, a exemplo da geladeira e da televisão.
O parágrafo único desse artigo abrange ainda as construções, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional.
Na lei 8.009/90 diferentemente da limitação com relação ao valor do bem de família que impõe o CC/2002, onde este não pode ultrapassar um terço do patrimônio do instituidor, não faz nenhuma limitação a esse respeito. Exige apenas que o bem seja destinado a moradia da família.
O bem de família cessa automaticamente, essa hipótese ocorre quando o seu instituidor deixar de exercer a moradia permanente nesse imóvel.
3.2.2 Efeitos do bem de família legal
A impenhorabilidade é considerada como o principal e único efeito do bem de família legal. Ocorre que essa impenhorabilidade não é absoluta, existe algumas exceções que iremos analisar posteriormente.
Ademais, vale frisar que essa impenhorabilidade não implica inalienabilidade, o bem do proprietário não fica excluído de sua livre disposição, não perdendo assim a disponibilidade do bem.
3.2.3 A extensão da impenhorabilidade legal (art. 1º, parágrafo único da lei 8.009/90)
A lei 8.009/90 em seu Art. 1º, parágrafo único, tornou impenhorável além do imóvel residencial “o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”.
Quando o legislador entendo como impenhorável as benfeitorias de qualquer natureza, entende-se as benfeitorias necessárias, as úteis e as voluptuárias.
Considera impenhorável ainda, todos os equipamentos utilizados no imóvel rural e os utilizados para fins profissionais, que já eram impenhoráveis de acordo com o Art. 649, VI do Código de Processo Civil que dispõe:
São absolutamente impenhoráveis:
VI – os livros, as máquinas, os utensílio e os instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão.
Por fim esse parágrafo também entende ser impenhorável os “móveis que guarnecem a casa desde que quitados”.
Face a ausência de critérios para estabelecer quais os móveis considerados impenhoráveis, a própria jurisprudência decide subjetivamente de acordo com as peculiaridades de cada caso.
Rainer Czajkowski (1997, p. 75) entende que: “Melhor teria sido o texto legal se dissesse serem impenhoráveis os móveis que guarnecem a casa, necessários a uma vida digna ou de expressão econômica irrelevante, porque é somente a estes que se deve estender a impenhorabilidade”.
A esse respeito Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos (2002, p. 53) ressalta em seu trabalho: “Parece claro que o legislador não pretendeu dar ao executado unicamente condições de sobrevivência. Procurou, sim, garantir ao devedor e à sua família uma vida digna, que permita seja mantida a convivência no meio social a que pertencem”.
A maioria dos julgados tem considerado impenhoráveis os eletrodomésticos, as camas, cadeiras, computadores, aparelho de som e televisão, pois são essenciais para a vida do ser humano.
3.2.4 A constitucionalidade da lei 8.009/90
Após a edição da Lei 8.009/90 e por conseqüência dos efeitos sociais e do impacto que dela resultou, estabeleceu uma verdadeira controvérsia a respeito de sua constitucionalidade.
Em primeiro plano, foi objeto de discussão a facilidade com que é possível utilizar desnecessariamente a lei, concluindo alguns doutrinadores que ela incentiva a fraude e o calote. Questiona-se ainda se essa lei não contrariou o Princípio da Isonomia, pois numa interpretação da lei entende-se que só estão protegidas pela mesma as pessoas casadas, ou que vivam em união estável, ou com filhos. As pessoas solteiras não estão incluídas nesse rol, atingindo consequentemente o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
O questionamento mais relevante, acerca da constitucionalidade da lei 8.009/90, está relacionado a regra que estabelece que o patrimônio do devedor deve garantir suas dívidas e em contrapartida essa lei isenta de execução por dívidas o único bem móvel do devedor.
Álvaro Villaça de Azevedo (2002, p. 166) ao mencionar seu ponto de vista a esse respeito diz:
Não entendo que a lei sob exame viole o princípio da sujeição do patrimônio do devedor ao pagamento de seus débitos, pois o legislador de emergência estabeleceu, como mínimo à proteção de uma família, sua residência e os bens móveis, que isenta de penhora.
Destaca-se a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua 11ª Câmara Cível, em votação unânime, em que foi Relator o Desembargador Itamar Gaino: “Não é considerada inconstitucional a ampliação do instituto do bem de família pela Lei Federal 8.009, de 1990, uma vez que objetiva garantir um abrigo para a família, em condições de habitabilidade”.
3.2.5 A interpretação do art. 6º da lei 8.009/90
A Medida Provisória 143 suspendeu as execuções em curso que tivessem por objeto de penhora bens considerados de família, com a conseqüente conversão da Medida Provisória em lei surge uma problemática quanto a sua eficácia imediata.
A aplicação da lei 8.009/90 aos processos pendentes gerou uma enorme polemica com relação à garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional previsto no Art. 5º, XXXV da CF que dispõe: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”.
O art. 6º da lei, objeto desse estudo, estabelece que: “São canceladas as execuções suspensas pela Medida Provisória 143, de 08 de março de 1990, que deu origem a esta lei”.
Esse artigo cancelou as penhoras efetivadas nas execuções, essas seriam transferidas para bens que não fossem beneficiados pela impenhorabilidade legal do bem de família.
A grande polêmica com relação a esse dispositivo legal seria o fato de atribuir efeitos retroativos a essa lei, que violou profundamente o Art. 5º, XXXVI da CF que prevê: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
O ilustre doutrinador Rainer Czajkowski (1997, p. 27) entende que, a insubsistência da penhora dos bens atingidos por essa lei, pode ser defendida em 3 linhas diferentes de argumentos:
Pela primeira, a lei simplesmente tem efeitos retroativos em face de seus objetivos sociais e por expressamente assim consignar. A conjunção destes dois fatores afasta eventual direito adquirido, inoponível pelo particular contra o interesse público. Em suma, o direito adquirido ou o ato jurídico perfeito são irrelevantes porque a lei, movida por premente finalidade social pode retroagir, sobrepondo-se aos interesses particulares. É sem dúvida, a explicação que mais se coaduna com o texto do art. 6º e com o espírito da lei, mas é também o entendimento mais discutido.
Pela segunda, a lei processual nova pode ter efeito retroativo sempre que assim ela expressamente dispuser mas ressalvado o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. A Constituição, na realidade, não veda a retroatividade da lei, mas veda a retroatividade com ofensa ao art. 5º, XXXVI. As normas processuais, por serem de ordem pública e protegerem interesses fundamentais do Estado, podem ser retroativas quando não violam aquelas garantias (...).
Por fim, enfatiza que:
Pela terceira linha de argumento, é desnecessário até justificar qualquer efeito retroativo da Lei 8.009, bastando afirmar a sua aplicabilidade imediata aos processos pendentes em combinação com o caráter acessório, preliminar da expropriação como é a penhora, conforme já analisado (CZAJKOWSKI, 1997, p. 27).
Vale frisar que a polêmica causada sobre a aplicação imediata da lei 8.009/90 terá apenas valor histórico, perdeu o sentido prático. Pois na jurisprudência esse entendimento encontra-se pacificado. O STJ editou a Súmula 205 que diz que: “A lei 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de usa vigência”.
3.2.6 O art. 1º e os elementos configuradores do bem de família
3.2.6.1 Imóvel próprio do casal ou da entidade familiar
O caput do Art. 1º da lei 8.009/90 estabelece com um dos requisitos para a constituição do bem de família, que o imóvel seja de propriedade do casal ou da entidade familiar, ou seja, é necessário a propriedade do bem.
No entanto, não é obrigatório que essa propriedade seja de ambos os cônjuges, ela pode ser de apenas um dos integrantes do lar e ainda assim será configurado como bem de família.
3.2.6.2 Residência
O mesmo artigo também estabelece que o imóvel deve ser utilizado como residência familiar para que seja considerado como bem de família.
O imóvel é considerado residencial quando a família mora nele em caráter definitivo, habitualmente.
Existe muitas controvérsias a respeito da impenhorabilidade de único imóvel residencial do devedor ser alugado a terceiro.
A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, por votação unânime, em 16.02.1993, em que foi Relator o Juiz Aricê Amaral julgou pela impossibilidade de imóvel objeto de bem de família ser alugado a terceiro.
Não habitando o executado o imóvel de sua propriedade e tendo-o destinado à locação residencial, exsurge sua descaracterização como bem de família.
E ainda, diante da ausência de requisito indispensável a configuração da impenhorabilidade a benefício do executado, era de rigor se manter subsistente a penhora incidente sobre o imóvel.
Todavia, há posicionamentos que entende que quando o imóvel for alugado por questões financeiras deve prevalecer a sensibilidade social da lei.
3.2.7 Aquisição de má-fé de imóvel mais valioso
O art. 4º da lei dispõe: “Não se beneficiará do disposto nesta Lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga”.
Quando um devedor adquire imóvel mais valioso, para nele estabelecer nova residência familiar, e estando de má-fé por ser insolvente ele será punido de acordo com o Art. 4º, caput e § 1º.
Nesse caso o § 1º fala que “o juiz poderá transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso”, conforme a hipótese.
Para ser configurado esse Art. 4º é necessário a insolvência do devedor e que este tenha plena consciência de sua situação quando da aquisição de imóvel mais valioso.
Necessário também que haja má-fé na conduta do devedor, e para isso é essencial que haja significativa diferença de valores entre a residência antiga e a nova.
4- CONCLUSÃO
O instituto do bem de família surgiu com o objetivo de assegurar a impenhorabilidade do bem de família do devedor, desde que o mesmo seja destinado a moradia familiar. Para a configuração desse instituto é imprescindível que o imóvel seja próprio do casal ou da entidade familiar e ainda que o mesmo seja utilizado como residência da família.
É importante salientar que a Constituição Federal de 1988 reconheceu o surgimento de novas formas de entidades familiares, garantindo a proteção do Estado não apenas as famílias oriundas do casamento, mas também as aquelas que são denominadas de uniões informais, a exemplo da união estável.
O instituto do bem de família legal veio como uma forma de ampliar a proteção que foi facultada pelo Código Civil, àqueles que de livre e espontânea vontade instituíram um imóvel do seu patrimônio como forma de proteção de sua família. A instituição do bem de família legal independe de qualquer ato de vontade, ele decorre simplesmente por vontade da lei e por esse motivo é conhecido como bem de família involuntário.
Assim, esse trabalho, teve a finalidade de analisar a respeito da constitucionalidade da lei 8.009/90. Sabemos que ao elaborar essa lei, o legislador teve a intenção de solucionar um grave problema social, ocorre que a mesma não teve a amplitude desejada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Fernanda Tenório Ribeiro. Impenhrorabilidade do bem de família Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 nov 2010, 09:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22088/impenhrorabilidade-do-bem-de-familia. Acesso em: 23 dez 2024.
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