RESUMO
A inovação legislativa é fundamental para que as normas vigentes sejam sempre compatíveis com os fins vislumbrados pelo Estado Democrático de Direito. Com vistas à efetividade da prestação jurisdicional, foram realizadas diversas reformas no Código de Processo Civil. A Lei nº 11.232/2005, responsável pela reforma do processo de execução, incluiu no texto do CPC o art. 475-J. Tal artigo dispõe sobre a aplicação de multa de 10% ao valor da condenação caso o devedor não satisfação a obrigação voluntariamente em 15 dias. Contudo, tal dispositivo não estabeleceu o termo inicial para a contagem desses 15 dias, o que gerou uma grande discussão doutrinário-jurisprudencial. Apesar de controvertida, a discussão está no caminho de encontrar uma solução uniforme. Respeitados processualistas nacionais e o Superior Tribunal de Justiça dão seus posicionamentos nos mais diversos sentidos.
PALAVRAS-CHAVE: Art. 475-J. Prazo. Cumprimento de sentença.
ABSTRACT
The legislative innovation is fundamental so that the effective norms are always compatible with the ends glimpsed by the Democratic State of Right. With views to the effectiveness of the installment jurisdiction, several reforms were accomplished in the Code of Civil Process. The Law no. 11.232/2005, responsible for the reform of the execution process, it included in the text of CPC the art. 475-J. Such article has about the fine application 10% to the value of the condemnation case the debtor no satisfaction the obligation voluntarily in 15 days. However, such a device didn't establish the initial term for the counting of those 15 days, what generated a great discussion doctrinaire-jurisprudencial. In spite of having controverted, the discussion is in the road of finding an uniform solution. Respected national processualist and the Superior Tribunal of Justice give their positionings in the most several senses.
KEYWORDS: Art. 475-J. Period. Sentence execution.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 APONTAMENTOS DOUTRINÁRIOS; 3 O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA; 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
A constante reformulação dos institutos legais é de grande valia para a efetivação dos fins vislumbrados pelo Estado Democrático de Direito. Com as normas processuais não poderia ser de outra forma. No intuito de se alcançar a efetividade da prestação jurisdicional, o legislador infraconstitucional realizou diversas reformas no diploma processual civil. Apesar de as reformas buscarem sempre o melhor funcionamento dos institutos processuais, comumente elas vêm acompanhadas de alguns vícios.
A Lei nº 11.232 do ano de 2005 foi responsável pela reforma do processo de execução, principalmente no que tange ao cumprimento de sentença.
Como fase de um novo sincretismo processual, a referida Lei acrescentou ao Código de Processo Civil o art. 475-J[1]. Este artigo dispõe em seu caput sobre a aplicação de multa de 10% (dez por cento) ao valor da condenação caso o devedor não satisfaça a obrigação voluntariamente no prazo de 15 (quinze) dias.
Contudo, tal dispositivo não fez referência ao termo inicial para a contagem desses quinze dias, o que gerou uma grande discussão doutrinário-jurisprudencial.
A doutrina e o Superior Tribunal de Justiça discutem sobre este termo inicial, dando cada qual a solução que entende prudente para o impasse criado pelo legislador pátrio.
2 APONTAMENTOS DOUTRINÁRIOS
A prestação jurisdicional é função do Estado. Sempre que os jurisdicionados sentem-se lesados ou ameaçados de o serem em seus direitos e garantias, devem valer-se dos instrumentos legais postos à disposição pelo legislador.
Nas palavras de Cretella Jr, “Função de soberania do Estado, jurisdição é o poder de declarar o direito aplicável ao fato, objeto de litígio. Mediante o exercício da função jurisdicional, o Estado tutela “o produto” da função legislativa – a lei.” (CRETELLA, 2000, p. 114).
Ainda Cretella Jr, complementando a afirmativa, diz que a jurisdição é
a função de julgar a pretensão, dando a cada um o que é seu. Jurisdição é o poder-dever do Estado de tutelar a ordem jurídica, restaurando as normas de direito objetivo, violadas ou ameaçadas, consistindo, nisso, a tutela jurisdicional.
No Estado de direito, juridicamente organizado, porque informado pelo princípio da legalidade, a razão de ser do Poder Judiciário, em última instância, é a guarda da Constituição, para que se mantenha a forma atribuída ao Estado. Quem guarda a Constituição guarda as leis, pelo que a função jurisdicional é a atividade permanente, embora provocada, para que reine a legalidade, em todos os graus. Eis a jurisdição.
No exercício da função jurisdicional, o Juiz, que vai decidir a pretensão, é estranho à lide, estando vinculado, tão-só, ao direito objetivo, cujos dispositivos, em abstrato, invoca, aplicando-os ao caso concreto. (CRETELLA, 2000, p. 115).
Assim, valendo-se do processo, o Estado diz o Direito ao jurisdicionado, tutelando os anseios deste.
Da mesma forma que a vida em sociedade não é estática, o Direito também não pode sê-lo. Dessa maneira, ao Estado, por meio de seu poderio legislativo, cabe a criação e atualização de normas que atendam aos interesses sempre mutáveis dos jurisdicionados.
Não há dúvida que não é interesse de jurisdicionado algum que o Poder Judiciário seja ineficiente no manejo de suas atribuições. Para tanto, deve o referido Poder ter em mãos armas que garantam uma atuação consistente e eficiente, atendendo da melhor maneira possível as expectativas de seus jurisdicionados.
No que tange a uma maior efetividade da tutela executiva, entende, como necessário, Marcelo Lima Guerra que
o direito fundamental à tutela executiva exige um sistema de tutela jurisdicional “capaz de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva”. Mais concretamente, significa: a) A interpretação das normas que regulamentam a tutela executiva tem de ser feita no sentido de se extrair a maior efetividade possível; b) O juiz tem o poder-dever de deixar de aplicar uma norma que imponha uma restrição a um meio executivo, sempre que essa restrição não se justificar à luz da proporcionalidade, como forma de proteção a outro direito fundamental; c) O juiz tem o poder-dever de adotar os meios executivos que se revelem necessários à prestação integral de tutela executiva. (GUERRA, 2003 apud DIDIER JR, 2009, p. 40)
Com vistas a promover melhores instrumentos processuais de que possa valer-se o juiz quando de sua atuação, o legislador criou, no ano de 2.005, a Lei nº 11.232. Esta Lei ao reformular a sistemática da execução, deu azo à instauração de um sincretismo processual. Assim, extinguiu-se o processo autônomo de execução, quando este estiver fundado em título executivo judicial, e criou-se a fase de cumprimento de sentença.
Com essa mudança tornou-se dispensável a propositura pelo credor de uma execução autônoma para excutir a obrigação já reconhecida nos títulos executivos judiciais previstos no art. 475-N do CPC[2].
Dessa maneira, proferido tal título judicial e sendo ele certo, líquido e exigível, promover-se-á desde logo sua execução. Esta se dará por meio do cumprimento de sentença, nos moldes do art. 475-J do CPC criado pela Lei nº 11.232/05.
Prevê este artigo 475-J que o devedor condenado ao pagamento de quantia certa terá quinze para cumprir tal obrigação. Caso não o faça, o montante dessa condenação será acrescido de dez por cento, sendo expedido contra si, a requerimento do credor, um mandado de penhora e avaliação.
Entretanto, considerando-se a omissão do legislador neste dispositivo, questiona-se o seguinte: qual o termo inicial para a contagem destes quinze dias?
Instaurou-se a discussão.
Conforme dispõe o autor Paulo Henrique dos Santos Lucon, os posicionamentos acerca do início do cômputo desse tempo são os mais variados:
I — uns entendem que o prazo de 15 dias do art. 475-J do CPC corre para o devedor, ou seja, ele que tem de cumprir voluntariamente a obrigação a partir do trânsito em julgado da sentença ou desde o momento em que o credor requeira a execução provisória do julgado; II — outros entendem que esse prazo começa do “cumpra-se o v.acórdão” ou da “ciência da devolução dos autos pela superior instância” ou ainda de qualquer outro despacho de similar; III — há ainda os que sustentam que a execução da sentença se dá em primeiro grau e que a execução não depende de iniciativa do credor, mas de ato voluntário do devedor após o retorno dos autos ao juízo de origem; IV — há também os que sustentam que a execução de sentença se dá em primeiro grau, depende da iniciativa do exeqüente por meio de requerimento e a intimação do executado se dá pessoalmente; V — há, por fim, os que defendem que a fase executiva da sentença se dá em primeiro grau, depende da iniciativa do exeqüente por meio de requerimento e a intimação do executado pode se realizar na pessoa do advogado. (LUCON, 2007, p.10)
Conclui-se dessa afirmativa de Paulo Lucon que há pelo menos 5 possíveis soluções para a discussão. Tais soluções imputam tanto ao credor-exequente, quanto ao devedor-executado a obrigação de tomar a iniciativa para extinguir a obrigação.
Dessas soluções, a que traria mais celeridade ao cumprimento de sentença é a do item “I”, ou seja, a multa de dez por cento incidiria a partir do trânsito em julgado da sentença ou do requerimento pelo exequente da execução provisória.
O próprio professor Lucon defende a tese de que cabe ao exequente dar início à fase executiva para, após, o juiz determinar que o executado pague em 15 dias sob pena da incidência da multa de 10%:
O procedimento é o seguinte: o exeqüente deve, em primeiro grau, apresentar a memória de cálculo com o seu requerimento que dá início à fase executiva, podendo inclusive, desde logo, indicar os bens a serem objeto de constrição. Ato contínuo, deve ser intimado o executado, na pessoa de seu advogado, do requerimento apresentado pelo exeqüente com o cálculo, para pagar a quantia apontada no prazo de 15 dias sob pena de incidir a multa de 10%. Decorrido o tempus iudicati, sabe o executado que deverá pagar a multa. Sabe também que o exeqüente poderá dar início à penhora de seus bens. (LUCON, 2007, p. 11-12) (grifo nosso)
Assim, a provocação do juiz para que se dê início à fase executiva, segundo Lucon, deve:
I – Partir do exequente;
II – Em ato contínuo, deve haver a intimação do executado;
III – A intimação deve ser feita na pessoa do advogado.
Acrescentando a esta regra de Lucon, caso o executado não tenha advogado constituído, deverá a intimação para pagamento ser-lhe feita pessoalmente, tendo em vista o disposto na parte final do §1º do art. 475-J do CPC.
Como o exequente ao requerer ao juiz o pagamento pelo executado apresenta a descrição do montante devido, apenas a partir de tal momento teria o devedor ciência da exata monta da prestação, podendo este, assim, cumprir ou não voluntariamente a obrigação.
Consequentemente, apenas no caso de não haver o cumprimento voluntário e decorridos os quinze dias desse inadimplemento e que poderia ser aplicada a multa de dez por cento.
No mesmo sentido, diz Ronaldo Cramer que
[...] no meu entender, o termo inicial do prazo de 15 dias é a intimação do réu, por meio de seu advogado, pela imprensa oficial. A questão é ainda controversa, mas considero essa corrente a que melhor concilia o espírito da Reforma, que pretendeu criar um processo sincrético, sem ruptura procedimental entre a fase de conhecimento e a fase de execução, com o aspecto prático de aplicação da lei processual, que reclama soluções induvidosas, possíveis e adequadas para o dia-a-dia forense. (CRAMER, 2010, p. 10) (grifo nosso)
Seguindo os ensinamentos de Cramer, tem-se a nítida convicção da real intenção do legislador ao estabelecer o processo sincrético, isento de ruptura procedimental entre as fases de conhecimento e de execução. Com isso é estabelecido um processo mais célere e menos oneroso às partes e ao Judiciário.
Ainda nessa toada, Pedro Dinamarco diz que
Particularmente, entendo que obrigatoriamente deve haver a prévia intimação direta e pessoal do próprio devedor para pagar a dívida reconhecida por sentença suscetível de execução definitiva, para que só então, decorridos 15 (quinze) dias sem que ocorra o pagamento, seja possível a aplicação da multa de 10% prevista no novo art. 475-J. Afinal, qualquer intimação deve ser sempre dirigida diretamente àquela pessoa – física ou jurídica – responsável pelo cumprimento daquele ato específico (no caso, cumprir a obrigação), para que possa cogitar da incidência de alguma sanção. (DINAMARCO, 2010, p. 4) (grifo nosso)
Diverge dos demais posicionamentos acima elencados o ideal de Pedro Dinamarco em apenas um ponto: a intimação do devedor para cumprimento da obrigação deve ser prévia, direta e pessoal. Dessa maneira, segundo ele, a ciência para pagamento deve ser dada diretamente ao devido responsável pela obrigação.
Interpretando-se a contrario sensu tal afirmativa, tem-se que seria inócua a intimação feita ao advogado do devedor. Conclui o jurista que é necessária a intimação direta do responsável pelo cumprimento da obrigação para que se cogite a incidência de sanção.
Por fim, coadunando com os posicionamentos acima elencados, Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery entendem que a “o devedor deve ser intimado para que, no prazo de quinze dias a contar da efetiva intimação, cumpra o julgado e efetue o pagamento da quantia devida” (NERY e NERY JR, 2008, p.733) (grifo nosso).
Portanto, vê-se que há diversas posições doutrinárias a respeito do termo inicial para a contagem dos quinze dias previstos no art. 475-J do CPC. A partir dos comentários dos doutrinadores supracitados conclui-se o seguinte:
I – O credor deve requerer o cumprimento da sentença;
II – Deve haver a intimação do devedor para cumprimento voluntário da obrigação;
III – Esta intimação deve ser feita ao advogado do devedor;
IV – Caso não tenha o devedor advogado constituído, a intimação deverá ser destinada pessoalmente àquele;
V – Realizada a intimação e decorrido o prazo de quinze dias sem o devido pagamento, irá incidir a multa de 10% sobre o valor da condenação.
3 O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou e continua se manifestando sobre o tema. Num dos primórdios entendimentos, no ano de 2007, o STJ, no Recurso Especial nº 954.859[3], manifestou-se no seguinte sentido:
LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE.
1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor.
2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la.
3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%.
Assim, neste julgado entendeu o STJ ser desnecessária a intimação pessoal da parte vencida, sendo que o prazo de 15 dias contar-se-ia a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, valendo a publicação da sentença pelos meios ordinários como meio suficiente para tanto.
Corroborando este entendimento do STJ, encontra-se o jurista Petrônio Calmon, o qual dispõe que
Assim é que o art. 475-J dispõe que o condenado a pagar quantia certa ou já fixada em liquidação deve pagá-la em até quinze dias após o trânsito em julgado da sentença. A própria sentença é a intimação para o pagamento e o prazo para pagar começa a contar do dia em que a sentença transita em julgado, seja em primeiro ou segundo grau ou nos tribunais superiores. O velho e inútil despacho “cumpra-se o venerando acórdão”, que nunca teve qualquer sentido, já que o acórdão deve ser cumprido por sua própria força e não porque o juiz de primeiro grau está determinando, deverá agora ser banido totalmente da prática judiciária, pois poderá gerar confusão na mente do jurisdicionado. Entender que esse antiquado e inútil despacho tem conteúdo decisório é desprezar todo o sistema judicial, a começar pela própria hierarquia processual dos seus órgãos. Não faz qualquer sentido que o juiz de primeiro grau tenha que determinar que se cumpra um acórdão do tribunal ao qual está vinculado, muito menos do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. (CALMON, 2006, p. 7) (grifo nosso)
Fica evidente a opinião de Calmon no sentido de que é dispensável (e até inútil) que haja um despacho com o intuito de determinar ao devedor que cumpra sua obrigação. De acordo com o nobre jurista, e com o STJ no Recurso Especial supracitado, a própria publicação sentença é meio idôneo para contagem do prazo de quinze dias de que dispõe o réu para quitar a obrigação reconhecida no título executivo judicial. Caso não o faça, deverá incidir a multa de 10%.
Em diversos outros julgados do STJ este entendimento foi confirmado. Verificou-se que um ponto é quase pacífico dentre os julgados das diversas Turmas do STJ: é dispensável a intimação pessoal do devedor para que haja imposição da multa do art. 475-J do CPC.
Dessa maneira, partindo do pressuposto de ser dispensável a intimação pessoal do devedor e de que a publicação da sentença é meio idôneo para contagem do prazo para aquele cumprir a obrigação reconhecida no título executivo judicial, conclui-se que é também dispensável, segundo este entendimento, de um requerimento expresso do credor no sentido de pleitear o cumprimento de sentença.
Entendeu dessa forma a 1ª e a 4ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça no AgRg no REsp nº 1.139.949/RJ[4] e AgRg no AI nº 1.055.770/RJ[5], respectivamente.
Foram tantos os precedentes nesse sentido que o STJ enumerou alguns deles no Informativo 423[6], oriundo de 15 a 19 de fevereiro do ano de 2010. Dentre os precedentes, o REsp 1.136.370/RS[7], proferido pela 3ª Turma, bem exemplifica esse posicionamento:
RECURSO ESPECIAL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – IMPUGNAÇÃO - VALOR PATRIMONIAL DA AÇÃO (VPA) – IMUTABILIDADE DA COISA JULGADA – DIVIDENDOS – PAGAMENTO A PARTIR DA INTEGRALIZAÇÃO – MULTA DO ART. 475-J, DO CPC – INCIDÊNCIA INDEPENDEMENTE DE INTIMAÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS –CABÍVEIS TAMBÉM NO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(...)III - No cumprimento de sentença, não há necessidade de ser o devedor intimado para, então, se iniciar a contagem dos 15 (quinze) dias para o pagamento, tendo em vista que o prazo flui do trânsito em julgado da sentença na qual o devedor já foi intimado, quando de sua publicação, na pessoa de seu advogado. Isso é o que determina o art. 475-J do CPC, para caso em que se trata de quantia certa, que não requer liquidação de sentença, perícia ou outro trabalho técnico de elevada complexidade. Correta a aplicação da multa. Precedentes.
Doutra maneira, num julgado do dia 19 de agosto do ano de 2010, o Ministro João Otávio de Noronha, relator desse julgado, entendeu que a fase de cumprimento de sentença não se efetiva de forma automática. Este posicionamento, oriundo da 4ª Turma do STJ, deu-se no AgRg no AI nº 1.307.106/RS[8]:
AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. COISA JULGADA. ART. 475-J, CPC. MULTA. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. ART. 557, § 2º, CPC.
1. Uma vez transitada em julgado a decisão condenatória, as questões ali definidas não comportam novas discussões na fase de execução.
2. A fase de cumprimento de sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada.
3. Concedida a oportunidade para o adimplemento voluntário do crédito exequendo, o não pagamento no prazo de quinze dias importará na incidência sobre o montante da condenação de multa no percentual de dez por cento (art. 475-J do CPC), compreendendo-se o termo inicial do referido prazo o primeiro dia útil posterior à data da publicação de intimação do devedor na pessoa de seu advogado. (grifo nosso)
Logo, partindo do citado julgado, tem-se que a fase de cumprimento de sentença depende de requerimento do credor ao juízo para ser iniciada. Este o faz mediante apresentação de memória de cálculo discriminada e atualizada da dívida.
Após tal apresentação, intima-se o devedor, por intermédio de seu advogado, para satisfazer voluntariamente a obrigação no prazo de quinze. Tão somente decorrido em branco este prazo, tem-se a incidência da multa de 10% sobre o valor da dívida.
Observa-se neste julgado que houve uma combinação das regras de três artigos do diploma processual civil para se chegar a uma conclusão. Partindo do art. 475-J, combinado aos artigos 475-B, caput[9], e 614, II[10], todos do CPC, quis a 4ª Turma estabelecer a seguinte regra: cabe ao credor efetuar o cálculo da dívida, requerer, por simples petição, o cumprimento de sentença e instruí-la com o demonstrativo atualizado do débito, quando se tratar de execução por quantia certa.
Apesar do disposto no art. 614, II estar previsto no Livro II do CPC, sob o título “Do Processo de Execução”, tal regra é perfeitamente aplicável ao cumprimento de sentença, em virtude do disposto no art. 475-R[11] do referido diploma legal.
Assim, mesmo havendo o Informativo 423 e diversos julgados dispondo sobre o termo inicial da contagem do prazo de quinze dias, vê-se que a jurisprudência do Tribunal Superior ainda não está uniformizada.
Leonardo José Carneiro da Cunha, Fredie Didier Jr et al mesmo entendendo de forma diversa do STJ – dispõem que é necessária a intimação do devedor –, acertadamente dão a melhor solução para a questão apresentada: “A Turma agiria de maneira mais correta se, ao invés de julgar o recurso especial, remetesse a questão à Seção a que pertence, prevenindo, portanto, eventual divergência jurisprudencial com outra Turma”. (CUNHA, DIDIER JR et al, 2009, p. 516-518)
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Valendo-se da função jurisdicional deve o Estado, por meio da análise entorno de uma melhor aplicabilidade de suas normas, estabelecer as soluções para os impasses criados pelas omissões legislativas.
Um desses impasses surgiu com advento da Lei nº 11.232 no ano de 2005. Tal Lei deu nova sistemática à execução, com ênfase no cumprimento de sentença. Estabelecendo um sincretismo processual, foi criado o art. 475-J do Código de Processo Civil.
Buscando uma punição para o devedor que não salda suas obrigações de maneira voluntária, o referido artigo atribuiu uma multa de 10% ao valor da condenação em caso de inércia de 15 dias no pagamento da dívida pelo devedor.
Desde logo se verificou um impasse acerca de quando seria o termo inicial para a contagem deste prazo quinzenal.
Apesar de controvertida, a discussão está no caminho de encontrar uma solução uniforme. Ficaram evidenciados os posicionamentos da doutrina pátria e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Verificou-se que mesmo diante do pronunciamento de diversas Turmas do STJ, a discussão está aberta. Face às dúvidas que possam surgir sobre a questão, entende-se que a melhor solução para o dissenso consiste na regra que combine os seguintes elementos:
O credor deve tomar a iniciativa de requerer o cumprimento de sentença. Tal fundamento, e não a o início automático do cumprimento de sentença, mostra-se evidente diante do §5º do art. 475-J, tendo em vista tratar-se de disposição expressa no sentido de ser necessário que seja “requerida a execução” no prazo de seis meses, sob pena de o juiz arquivar o processo.
Ao requerer o cumprimento de sentença de quantia que independa de liquidação, deve o credor realizar o devido cálculo aritmético, instruindo a petição com a memória discriminada e atualizada do débito, nos moldes do art. 475-B do CPC. Isso é de fundamental importância para que o devedor saiba exatamente a quantia que lhe é atribuída para que voluntariamente promova seu adimplemento.
Apresentada a petição pelo credor com o pedido de cumprimento de sentença, acompanhada do cálculo do valor da dívida, o juiz irá determinar, por simples despacho, que o devedor promova voluntariamente o efetivo pagamento. Para tanto, ser-lhe-á atribuído um prazo de quinze dias, contados da publicação da intimação do advogado do executado pelos meios ordinários (diário de justiça ou pessoalmente).
Caso o devedor não tenha constituído advogado, a referida intimação deverá ser pessoalmente destinada ao responsável pelo adimplemento da dívida. Averigua-se, assim, que a intimação pessoal do devedor apenas deverá ocorrer no caso de este não ser representado por advogado.
Decorridos os quinze dias para o pagamento voluntário da dívida, contados da intimação do advogado ou, não havendo este, do devedor, e verificando-se que este não ocorreu, incidirá a multa de 10% sobre o valor condenação. Neste momento será expedido, caso haja requerimento do credor, mandado de penhora e avaliação de bens pertencentes ao executado.
Enfim, verificados os requisitos acima elencados tem-se a melhor interpretação à devida aplicação do art. 475-J do CPC. Observados tais elementos, garantir-se-á o contraditório e a segurança dos pronunciamentos jurisdicionais.
Outrossim, assegura-se a devida aplicação da lei pelo órgão jurisdicional e promove-se a satisfação da quantia devida ao credor, sem maiores impasses, ônus ou imprevistos ao devedor.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA PREVISTA NO ART. 475-J DO CPC. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. MULTA ART. 557, §2º. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. Agravo Regimental no Recuso Especial nº 1.139.949/RJ. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em: 28/09/2010. Publicado no DJe em: 08/10/2010.
_________. 3ª Turma. EMENTA: LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE. Recurso Especial 954.859/RS. Rel. Min. Jorge Scartezzini. Julgado em: 16/08/2007. Publicado no DJe de 27/08/2007.
_________. 3ª Turma. EMENTA: RECURSO ESPECIAL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – IMPUGNAÇÃO - VALOR PATRIMONIAL DA AÇÃO (VPA) – IMUTABILIDADE DA COISA JULGADA – DIVIDENDOS – PAGAMENTO A PARTIR DA INTEGRALIZAÇÃO – MULTA DO ART. 475-J, DO CPC – INCIDÊNCIA INDEPENDEMENTE DE INTIMAÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS –CABÍVEIS TAMBÉM NO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Recurso Especial n º 1.136.370. Rel. Min. Massami Uyeda. Julgado em: 18/02/2010. Publicado no DJe em: 03/032010.
_________. 4ª Turma. EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 165, 458 E 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR PARA IMPOSIÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ARTIGO 475-J DO CPC. PRECEDENTES. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE. INAPLICÁVEL AO CASO EM DEBATE. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1.055.770/RJ. Rel. Min. Raul Araújo Filho. Julgado em: 19/08/2010. Publicado no DJe em: 28/09/2010.
_________. 4ª Turma. EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. COISA JULGADA. ART. 475-J, CPC. MULTA. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. ART. 557, § 2º, CPC. AgRg no AI nº 1.307.106/RS. Rel. Min. João Otávio de Noronha. Julgado em: 19/08/2010. Publicado no DJe em: 31/08/2010.
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DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento, Vol. 11. 11ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009.
DINAMARCO, Pedro. Meios de defesa na fase de cumprimento da sentença. Material da 10ª aula da Disciplina Cumprimento das Decisões e Processo de Execução, ministrada no curso de especialização televirtual em Direito Processual Civil – UNIDERP/IBDP/REDE LFG.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Títulos Executivos e Multa de 10%. In: Execução civil – Estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Coordenação: Ernane Fidélis dos Santos... (et al). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. Material da 3ª aula da disciplina Cumprimento das Decisões e Processo de Execução, ministrada no curso de especialização televirtual em Direito Processual Civil – UNIDERP/IBDP/REDE LFG.
NERY, Rosa Maria de Andrade. NERY JR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. E Legislação Extravagante. 10 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
[1] Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
§ 1o Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.
§ 2o Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.
§ 3o O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados.
§ 4o Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante.
§ 5o Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte.
[2] Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:
I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;
II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;
III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo;
V – o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente;
VI – a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
VII – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal.
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial 954.859/RS. Rel. Min. Jorge Scartezzini. Julgado em: 16/08/2007. Publicado no DJe de 27/08/2007.
[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA PREVISTA NO ART. 475-J DO CPC. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. MULTA ART. 557, §2º. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. Agravo Regimental no Recuso Especial nº 1.139.949/RJ. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em: 28/09/2010. Publicado no DJe em: 08/10/2010.
[5] Idem. 4ª Turma. EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 165, 458 E 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR PARA IMPOSIÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ARTIGO 475-J DO CPC. PRECEDENTES. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE. INAPLICÁVEL AO CASO EM DEBATE. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1.055.770/RJ. Rel. Min. Raul Araújo Filho. Julgado em: 19/08/2010. Publicado no DJe em: 28/09/2010.
[6] Idem. Informativo n. 423. Publicado no DJe em 03 de março de 2010. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/infojur/doc.jsp?livre=@cod=0423. Acesso em: 30 de outubro de 2010.
[7] Idem. 3ª Turma. Recurso Especial n º 1.136.370. Rel. Min. Massami Uyeda. Julgado em: 18/02/2010. Publicado no DJe em: 03/032010.
[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. AgRg no AI nº 1.307.106/RS. Rel. Min. João Otávio de Noronha. Julgado em: 19/08/2010. Publicado no DJe em: 31/08/2010.
[9] Art. 475-B. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo.
[10] Art. 614. Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial:
I – (…)
II - com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa;
[11] Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial.
Pós-graduando em Direito Processual Civil Lato Sensu pela UNIDERP/IBDP/LFG; Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; professor colaborador de Direito Processual Civil da UFMS campus de Três Lagoas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILIAR, Rodrigo José. O Art. 475-J do CPC e as discussões acerca do termo inicial de contagem do prazo para o cumprimento de sentença Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2010, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22092/o-art-475-j-do-cpc-e-as-discussoes-acerca-do-termo-inicial-de-contagem-do-prazo-para-o-cumprimento-de-sentenca. Acesso em: 23 dez 2024.
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