1. Introdução: Cumprimento Interno e Execução Autônoma
Neste texto, acha-se por bem iniciá-lo se referindo a um ponto importante a ser registrado no que diz respeito às alterações advindas da Lei 10.444/02, ao consagrar o sistema de cumprimento para as sentenças envolvendo tutelas específicas, sem necessidade de processo de execução autônomo restando a ação de execução tão somente para as sentenças positivas de quantia e para os títulos executivos extrajudiciais, consoante a redação dos arts. 461, 461-A, 621, 632 e 644 todos do CPC. Com isso a referida reforma incentivou claro sincretismo processual permitindo que diante de única demanda, possam ser praticados atos de conhecimento e execução, abreviando a duração do litígio.
Após essas alterações legislativas, a preocupação dos juristas passou a ser deslocada para as sentenças impositivas de prestação pecuniária. Estas decisões foram atingidas pelas mudanças advindas da Lei 11.232/05 que passou a consagrar o sistema de cumprimento sem intervalo, com atividades executórias dependentes de provocação, de acordo com o art. 475-J do CPC.
Assim, o quadro que passou a ser desenhado após as reformas legislativas, segundo é o seguinte: nos casos envolvendo as sentenças de fazer, não fazer e entregar coisa distinta de quantia, a satisfação advém de aplicação da sistemática prevista nos arts. 461 e 461-A, inclusive com amplo poder ao magistrado de buscar a máxima identidade mediante a utilização das medidas de apoio, sem qualquer violação aos arts. 463 e mesmo ao art. 128 do CPC. Por outro lado, nas sentenças envolvendo quantia, o sistema de cumprimento está previsto nos arts. 475-L e seguintes do CPC.
Assim, a Lei 11.232/05 também alterou o próprio conceito de sentença, não mais mencionando qualquer extinção processual, tendo em vista que haverá o deslocamento para a fase de cumprimento do julgado.
Aliás, o sistema de cumprimento das decisões judiciais é estranho ao Livro II do CPC, deixando claro que não se trata de nova provocação da tutela jurisdicional, mas sim de outra fase do mesmo processo. Em uma só expressão, é possível resumir que as reformas do CPC desestimularam o instituto da autonomia da ação de execução, prestigiando verdadeiro sincretismo entre as várias fases do processo. Portanto, falar em autonomia da ação executiva é enfrentar tema complexo e que requer profunda atenção.
Assim, tem-se debatido neste novo século, diante das novas reformas do CPC, a necessidade de se consagrar processos sincréticos, em que atos de conhecimento e de execução possam ser vislumbrados numa única base procedimental, mediante única provocação da tutela jurisdicional. Portanto, a quebra da autonomia da execução advinda de título judicial foi um dos principais aspectos enfrentados pela Lei 11.232/05, com muitos reflexos. Nesse caso, mesmo ocorrendo também sincretismo nas sentenças de quantia, os atos propriamente executórios ainda dependem de provocação, consoante previsão do art. 475-J do CPC.
Dessa forma, ao fazer um quadro comparativo, percebe que o poder do juiz no cumprimento das decisões envolvendo obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa distinta de quantia, segundo os arts. 461 e 461-A, do CPC, são superiores aos verificados nas sentenças impositivas de quantia, tendo em vista que aqui a multa é limitada a 10% e os atos propriamente executórios dependem de provocação do interessado, sob pena de arquivamento.
Há, portanto, no sistema processual, execução como fase procedimental, ligada ao cumprimento de decisões judiciais e prestigiando o sincretismo processual, e também processo de execução autônomo, previsto para as hipóteses de títulos extrajudiciais e também para alguns títulos judiciais específicos.
Assim, não há como se confundir execução com processo de execução Esta atividade executiva interna pode ser provisória ou definitiva. Contudo, se antes das reformas a provisoriedade estava ligada ao título executivo judicial, atualmente tal afirmação não pode ser feita com absoluta certeza, diante da nova redação do art. 587, do CPC, como o autor passa a demonstrar.
2. Novas Perspectivas para a Execução Provisória e Definitiva
2.1- Provisoriedade e definitividade do título e não da execução - raciocínio antes da -Lei 11.382/06
Como já exposto, a Lei 11.382/06 alterou o art. 587, provocando novas reflexões sobre a temática ligada à execução provisória e definitiva. Antes de demonstrar que o dispositivo alterado caminhou em sentido contrário a entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, necessário é ressaltar que anteriormente a provisoriedade estava ligada ao título e não à execução. Afirmava-se, que o correto seria execução de título provisório e não execução provisória.
Por outro lado, durante a tramitação dos anteprojetos de reforma do CPC dos últimos anos, pretendia-se alteração profunda no art. 520 do CPC, principalmente visando a retirada do efeito suspensivo da apelação como regra, o que, em conseqüência, iria prestigiar e estimular o instituto da execução provisória. Contudo, a modificação advinda da Lei 10.352/01 foi tímida e incompleta, considerando que apenas foi introduzido o inciso VII ao art. 520 do CPC. Logo, permanece no sistema processual a regra do efeito suspensivo da apelação.
Assim, considerando que o recurso de apelação, em geral, obsta a geração de efeitos imediatos da sentença, o instituto da execução provisória acaba por ser observado apenas após o julgamento deste recurso pelo tribunal competente, o que pode demorar vários anos.
2.2. A nova definição da execução definitiva pela Lei 11.382/06 para os títulos extrajudiciais - a necessidade de análise sistemática
Como já mencionado anteriormente, o sistema atual convive com os atos de cumprimento e os atos de execução advindos de processo autônomo, o que reflete também na provisoriedade ou não do título e da própria execução. O art. 475-O, do CPC, consagra a execução provisória das decisões judiciais no Livro I do CPC, deixando para o Livro II o processo de execução dos títulos extrajudiciais. De uma leitura apressada do novo art. 587 do CPC, pode parecer que se encerrou qualquer menção ao sistema executivo para os títulos judiciais, eis que apenas indica execução de títulos extra judiciais.
Este último dispositivo, portanto, apenas consagra hipóteses em que a execução provisória ou definitiva advém de título extrajudicial. Contudo ocorrendo provisoriedade dos atos executórios, as diretrizes envolvendo caução, responsabilidade objetiva etc., são amparadas pelo art. 475-O do CPC. Há, portanto, a necessidade de o intérprete fazer análise comparativa complementar dos dois sistemas: o de cumprimento e o de execução autônoma. Realmente, observando tão somente o art. 587 do CPC, em sua nova redação, é razoável concluir que o legislador andou em contradição à doutrina e a jurisprudência no que respeita às situações envolvendo recursos pendentes interpostos contra sentenças proferidas em embargos do devedor.
Assim, era praticamente posição unânime em nível doutrinário e jurisprudencial a afirmativa de que, após o julgamento dos embargos, mesmo em caso de apelação, a execução era definitiva. Aliás, inclusive o Enunciado 317 da Súmula do STJ caminha neste sentido. Contudo, a nova redação do art. 587 passou a consagrar que é provisória a execução enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos pelo executado, enquanto recebidos com efeito suspensivo. Em relação a este dispositivor, deve-se fazer interpretação sistemática, tendo em vista que:
-realmente se está diante de execução provisória ou definitiva. O cumprimento (provisório ou definitivo) é tratado no art. 475-O;
-a execução provisória de título extrajudicial engloba a sistemática do art. 475-O inclusive no que respeita à caução e à responsabilidade objetiva;
-os embargos do devedor podem ter efeito •suspensivo judicial. Se antes da Lei 11.382/06 este efeito advinha de disposição legal, passa a ser poder de juiz recebê-los com efeito suspensivo, dependendo da situação concreta e da demonstração de urgência apresentada pelo embargante (art. 739-A, parágrafos 1º e 2º);
-o efeito suspensivo dos embargos está condicionado, também, a garantia da execução e pode ser modificado a qualquer tempo;
-os embargos, após as modificações processuais, podem ser opostos independentemente de garantia do juízo.
Interessante observar, que, como os embargos em regra não possuem o efeito suspensivo, a execução de título extrajudicial deve prosseguir da mesma forma que se iniciou: definitiva mesmo diante da responsabilidade objetiva do credor. Por outro lado, estando presentes os requisitos objetivo (garantia do juízo) e subjetivo (demonstração da urgência), é possível a concessão do efeito suspensivo judicial total aos embargos, pelo menos até seu julgamento.
Logo, analisando os arts. 475-O, 587 e 739-A, todos do CPC, possível é vislumbrar três situações distintas: (a) embargos recebidos sem efeito suspensivo, a execução continua sendo definitiva, mesmo diante da responsabilidade objetiva do credor; (b) embargos recebidos com efeito suspensivo judicial, ocorrendo a suspensão total da execução, pelo menos até seu julgamento, o que não prejudicará atos de penhora e avaliação de bens (art. 739-A, parágrafo 6º); (c) após o julgamento dos embargos recebidos com efeito suspensivo e durante a tramitação da apelação, a execução passa a ser provisória.
Assim, se de um lado o diploma legal passou a consagrar o efeito suspensivo judicial aos embargos, de outro passou a permitir a continuidade dos atos executórios após o julgamento desta demanda incidental, mas sob a roupagem de provisória. Aliás, se o intérprete pretende analisar atualmente os institutos da execução provisória e definitiva por certo irá encontrar mais pontos de contato do que de diferenciação. A rigor, o único aspecto a diferenciá-las é a necessidade de caução.
Em ambas há a responsabilidade objetiva do credor, está resguardada, apenas no que tange à execução provisória, pela caução prevista no art. 475 do CPC. A execução provisória bem como a definitiva permitem atos de disposição patrimonial. Logo, pela leitura do art. 587 do CPC é possível concluir que, após o julgamento dos embargos recebidos com efeito suspensivo, é possível dar continuidade da execução, inclusive com alienação judicial do bem penhorado.
Contudo, tratando-se de execução provisória, há a necessidade de prestação de caução como garantia do adversário em caso de reversão da situação atual com o provimento do apelo. Portanto, em que pese este dispositivo estar em contradição com o posicionamento firmado antes da Lei 11.382/06, o fato é que apresenta perfeita consonância com novos dispositivos do CPC, ao permitir a continuidade da execução nos casos de embargos recebidos com efeito suspensivo, inclusive com alienação patrimonial, desde que prestada caução.
Há, em síntese, possibilidade de execução provisória de título judicial, desde que a situação concreta se enquadre na previsão contida no do CPC, assunto que merece ratificação e aprofundamento no próximo item inclusive sua interpretação nas demandas envolvendo a fazenda pública.
2.3. Execução provisória de título definitivo - inaplicabilidade do dispositivo nos casos envolvendo a Fazenda Pública
Após os temas tratados anteriormente, acha-se importante observar a ocorrência de situações específicas: a possibilidade de execução provisória de título definitivo e a inaplicabilidade do dispositivo aos casos envolvendo execução de quantia para a Fazenda Pública. Já foi observado que a suspensão do processo de execução deixou de extrajudicial para ser judicial e dividida em dois momentos. Caso sejam recebidos com efeito suspensivo, os embargos suspendem totalmente o processamento da execução, pelo menos até o seu julgamento. Em seguida, a execução pode prosseguir mesmo sendo interposta apelação, mas será na modalidade provisória.
Portanto, a suspensão da execução que era total até o julgamento dos embargos passa a transformá-la em provisória. A rigor, não há mais qualquer suspensão durante o processamento e julgamento da apelação; contudo, a fim de evitar maiores transtornos, preferiu o legislador transformá-la em provisória, com todos os requisitos estabelecidos para tal modalidade executiva.
De fato, o título extrajudicial é definitivo, mas a execução cujo processamento é autorizado pelo art. 587 do CPC transforma-se em provisória. Assim, os dias atuais convivem com duas hipóteses de execução provisória, a saber: aquela anteriormente existente, envolvendo título provisório (ex.: sentença executada pendendo análise de agravo de instrumento interposto contra negativa de seguimento de recurso excepcional), e também no caso de título definitivo (ex.: execução de título extrajudicial, na hipótese prevista no art. 587 do CPC).
Dessa forma, o art. 587 do CPC parece ser inaplicável nos casos envolvendo execução de quantia contra a Fazenda Pública e nos casos em que a Fazenda é a própria exeqüente, eis que vedada é a obrigatoriedade de caução pelo ente público. Contudo, se de um lado é possível afirmar a possibilidade desta modalidade executiva contra a Fazenda Pública, de outro também é razoável indicar o incabimento de expedição de precatório antes do transito em julgado da sentença, de acordo com o art. 730 do CPC c/c art. 100 da CF/88.
Nesse ponto, registra-se a possibilidade, de discussão quanto ao cabimento de cumprimento de decisão judicial provisória contra a Fazenda em situações específicas, como aquelas previstas nos arts. 461 e 461-A ou mesmo em demandas alimentares que impõem um fazer. A propósito, é importante destacar, para evitar confusão, as duas sistemáticas envolvendo decisões judiciais contra a Fazenda Pública: de um lado, aquelas que indicam o cumprimento de fazer, não fazer ou entrega de coisa, em que é possível a provisoriedade dos atos satisfativos, e de outro o pagamento de quantia, em que apenas será admitida a expedição de precatório após trânsito em julgado da sentença de embargos.
Assim, nas execuções de quantia propriamente ditas, a restrição executiva tende a prevalecer, inclusive por força da sistemática indicada na Constituição Federal (art. 100) e no próprio CPC (art. 730). Dessa forma, na execução de título extrajudicial promovida contra a Fazenda Pública, os embargos sempre terão efeito suspensivo, e não apenas nas situações indicadas no art. 739-A do CPC, bem como a apelação interposta afastará qualquer transformação da execução em provisória, como faz crer o art. 587 do cpc.
A lógica interpretativa, portanto, indica a existência de dois procedimentos executivos de quantia bem distintos, um dirigido ao devedor privado e outro ao devedor pessoa de direito público. Neste último, as prerrogativas da Fazenda Pública consagram a impossibilidade de expedição de precatório enquanto pendente controvérsia acerca do valor discutido, bem como está vedada à expedição pela sistemática da execução provisória.
Nesse caso, não só a apelação interposta nos embargos, mas também todos os recursos posteriores são impeditivos de processamento da execução promovida contra a Fazenda Pública, pelo que impossível a transformação indicada no art. 587. Ainda nesse aspecto, possível aduzir a possibilidade de expedição de precatório em caso de incontroversia parcial, que pode ocorrer em algumas situações distintas, a saber: (a) apresentação, pela Fazenda, de embargos parciais; (b) reconhecimento parcial da dúvida e oposição de embargos em relação à parcela controvertida. Nestas hipóteses, a execução pode prosseguir no que respeita à parte incontroversa, inclusive com expedição de precatório parcial.
Portanto, é possível concluir que nos casos envolvendo crédito pecuniário contra a Fazenda Pública, a nova sistemática da execução provisória de título definitivo encontra guarida, considerando a existência de restrições constitucionais e infraconstitucionais. Da mesma forma, na hipótese de execução de quantia promovida pela Fazenda Pública de título executivo comum, também há restrição interpretativa, como a desnecessidade de prestação de caução (como quer o art. 587 do CPC), por força da presunção de solvência. Trata-se, em apertada síntese, de execução provisória sem caução.
Formado pelo Centro Universitário do Pará - Cesupa/2010. ós-Graduado (Especialista) em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Assessor de Juiz, Vinculado à 7a Vara de Família da Capital no Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Twitter: http://twitter.com/@Nando_Vianna09 . blog: http://veritas-descomplicandoavida.blogspot.com/ <br>e-mail: [email protected]<br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Fernando José Vianna. Contornos Novos da Execução Provisória Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2010, 09:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22314/contornos-novos-da-execucao-provisoria. Acesso em: 23 dez 2024.
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