Resumo: A responsabilidade civil pela reparação do dano ambiental incide sobre todos aqueles que direta ou indiretamente causaram uma degradação ambiental e independe de prévio ajuste entre os poluidores, podendo-se demandar um, alguns ou todos, em litisconsórcio facultativo. A pretensão reparatória ambiental se reveste do manto da imprescritibilidade, independentemente de previsão legal explícita, por versar sobre um direito essencial e fundamental que pertence as presentes e futuras gerações.
Palavras-Chave: Reparação do dano ambiental. Solidariedade. Litisconsórcio facultativo. Imprescritibilidade. Ausência de previsão legal. Direito essencial.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento: 2.1 Da Solidariedade. 2.2 Da Imprescritibilidade. 3. Conclusão.
1. Introdução
A Constituição Federal de 1988 assegura em seu art. 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A prática de condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados[1].
A legislação infraconstitucional impõe ao poluidor e ao degradador o dever de reparação do bem ambiental como uma das diretrizes da política nacional do meio ambiente. Nestes termos, cita-se o art. 4º, inciso VII, da Lei 6.938/81, in verbis:
“Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
(...)
VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”
Nesse contexto, o art. 3º da Lei 6.938/81 traz o conceito de poluidor, como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.
Já o §1° do art. 14 da referida Lei 6.938/81 prevê que sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
2. Desenvolvimento
2.1. Da Solidariedade
A solidariedade no âmbito do Direito Ambiental faz com que a responsabilidade incida sobre todos aqueles que direta ou indiretamente causaram uma degradação ambiental, desde que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre a conduta ou atividade e o dano.
Tal solidariedade se dará mesmo que não tenha havido prévio ajuste entre os poluidores, nos termos do art. 942, caput, do Código Civil vigente, que prescreve que a solidariedade pela reparação do dano alcança a todos, independentemente de ação conjunta.
Cumpre destacar que uma vez caracterizada a solidariedade, cada poluidor/degradador é obrigado pelo todo. E o titular do direito da ação pode demandar o cumprimento da obrigação de determinados devedores, de todos conjuntamente ou daquele que tiver a melhor condição econômica.
Tem-se dado uma grande abrangência na definição do sujeito poluidor indireto, ampliando-se o rol dos responsáveis solidários.
Nesse sentido, destaque-se excerto de ementa do Superior Tribunal de Justiça-STJ:
“ (...) 13. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer[2], quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem.
14. Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das recorrentes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na forma do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/81. (...)”(destaque nosso)
(REsp 650728/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJe 02/12/2009)
Como consequência dessa responsabilidade solidária, cumpre destacar a não obrigatoriedade de todos os agente poluidores integrarem a lide numa ação de reparação do dano ambiental, não sendo, assim, imperiosa a formação de litisconsórcio.
Nesse sentido vejamos excerto da ementa do STJ, em decisão recente, de maio de 2010:
“(...) 2. Preliminar levantada pelo MPF em seu parecer - nulidade da sentença em razão da necessidade de integração da lide pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento - DNOS, extinto órgão federal, ou por quem lhe faça as vezes -, rejeitada, pois é pacífica a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que, mesmo na existência de múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio, uma vez que a responsabilidade entre eles é solidária pela reparação integral do dano ambiental (possibilidade se demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo). Precedente.
3. Também é remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pela impossibilidade de que qualquer dos envolvidos alegue, como forma de se isentar do dever de reparação, a não-contribuição direta e própria para o dano ambiental, considerando justamente que a degradação ambiental impõe, entre aqueles que para ela concorrem, a solidariedade da reparação integral do dano. (...)” [grifei] (REsp 880160 / RJ - JULGADO: 04/05/2010- SEGUNDA TURMA)
Vale trazer à baila o julgado abaixo, em que o STJ, de maneira emblemática, elucida essa questão do litisconsórcio passivo, quando vários agentes concorrem para o cometimento de um dano ambiental:
“(...) 2. Na hipótese examinada, não há falar em litisconsórcio passivo necessário, e, conseqüentemente, em nulidade do processo, mas tão-somente em litisconsórcio facultativo, pois os oleiros que exercem atividades na área degradada, embora, em princípio, também possam ser considerados poluidores, não devem figurar, obrigatoriamente, no pólo passivo na referida ação. Tal consideração decorre da análise do inciso IV do art. 3º da Lei 6.938/81, que considera "poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental" . Assim, a ação civil pública por dano causado ao meio ambiente pode ser proposta contra o responsável direto ou indireto, ou contra ambos, em face da responsabilidade solidária pelo dano ambiental.
3. Sobre o tema, a lição de Hugo Nigro Mazzilli ("A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo", 19ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2006, p. 148), ao afirmar que, "quando presente a responsabilidade solidária, podem os litisconsortes ser acionados em litisconsórcio facultativo (CPC, art. 46, I); não se trata, pois, de litisconsórcio necessário (CPC, art. 47), de forma que não se exige que o autor da ação civil pública acione a todos os responsáveis, ainda que o pudesse fazer".
4. Nesse sentido, os precedentes desta Corte Superior: REsp 1.060.653/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 20.10.2008; REsp 884.150/MT, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 7.8.2008; REsp 604.725/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 22.8.2005. (...) [destaque nosso] (REsp 771619 / RR - JULGADO: 16/12/2008 - PRIMEIRA TURMA,)
2.2. Da imprescritibilidade
No que tange a prescritibilidade da pretensão reparatória em sede de ação civil publica ambiental, cumpre destacar que a Lei de Ação Civil Pública não dispõe sobre a existência de um prazo prescricional.
Há quem sustente que se deve seguir o prazo prescricional constante do código civil ou valer-se da prescrição quinqüenária constante no art. 21 da Lei da Ação Popular, por analogia, ante o silêncio da Lei da Ação Civil Pública, uma vez que se trata de pretensões que se identificam.
Contudo, em face da natureza especial atribuída por nossa Magna Carta ao meio ambiente, a responsabilidade civil em matéria ambiental submete-se a um regime jurídico próprio, diferente, em muitos aspectos, do regime de direito civil e de direito administrativo.
Explicitando esse regime jurídico próprio, cumpre destacar a lição de Jeanne da Silva Machado[3]:
“Nesse ponto, cumpre observar que a solidariedade que se impõe, originada da legislação civil, pouco socorro traz às questões relacionadas ao Direito ambiental, cujo espectro no contexto social das relações modernas é de difusão de credores, de devedores e de fontes, cuja relação causal é complexa e distribuída.
Na responsabilidade por dano ambiental, não se perquire a culpa, pois o dano provocado não permite a liberação da sua reparação; o meio ambiente, uma vez degradado, permanecerá prejudicando injustamente a vida presente e, principalmente, a vida futura, sendo indispensável encontrar soluções atuais e adequadas para promover a justiça e a equidade.” [destaquei]
Nesse sentido, o informativo de jurisprudência do STJ de n° 415, informa no julgamento do REsp 1.120.117-AC, ocorrido em 10/11/2009, que a imprescritibilidade do direito à reparação do dano ambiental independe de previsão legal explícita por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, senão vejamos:
“A prescrição tutela interesse privado, podendo ser compreendida como mecanismo de segurança jurídica e estabilidade. O dano ambiental refere-se àquele que oferece grande risco a toda humanidade e à coletividade, que é a titular do bem ambiental que constitui direito difuso. Destacou a Min. Relatora que a reparação civil do dano ambiental assumiu grande amplitude no Brasil, com profundas implicações, na espécie, de responsabilidade do degradador do meio ambiente, inclusive imputando-lhe responsabilidade objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, também está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de estar expresso ou não em texto legal. No conflito entre estabelecer um prazo prescricional em favor do causador do dano ambiental, a fim de lhe atribuir segurança jurídica e estabilidade com natureza eminentemente privada, e tutelar de forma mais benéfica bem jurídico coletivo, indisponível, fundamental, que antecede todos os demais direitos – pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer – o último prevalece, por óbvio, concluindo pela imprescritibilidade do direito à reparação do dano ambiental.”(destaquei)
Hugo Nigro Mazzili[4], em tópico que analisa especificamente a prescrição e decadência, em questões que envolvem o meio ambiente, da mesma forma, afirma que é imprescritível a pretensão reparatória de caráter coletivo, em matéria ambiental, considerando-se que não se pode dar à reparação da natureza o regime de prescrição patrimonial do direito privado e que a geração atual não pode assegurar o seu direito de poluir em detrimento de gerações que ainda nem nasceram, senão vejamos:
“Em questões transindividuais que envolvam direitos fundamentais da coletividade, é impróprio invocar as regras de prescrição próprias do Direito Privado. O direito de todos a um meio ambiente sadio não é patrimonial, muito embora seja passível de valoração, para efeito indenizatório; o valor da eventual indenização não reverte para o patrimônio dos lesados nem do Estado: será destinado ao fundo de que cuida o art. 13 da LACP, para ser utilizado na reparação direta do dano. Tratando-se de direito fundamental, indisponível, comum a toda a humanidade, não se submete à prescrição, pois uma geração não pode impor às seguintes o eterno ônus de suportar a prática de comportamentos que podem destruir o próprio habitat do ser humano.
Também a atividade degradadora contínua não se sujeita a prescrição: a permanência da causação do dano também elide a prescrição, pois o dano da véspera é acrescido diuturnamente.
Em matéria ambiental, de ordem pública, por um lado, pode o legislador dar novo tratamento jurídico a efeitos que ainda não se produziram; de outro lado, o Poder Judiciário pode coibir as violações a qualquer tempo. A consciência jurídica indica que não existe o direito adquirido de degradar a natureza. É imprescritível a pretensão reparatória de caráter coletivo, em matéria ambiental. Afinal, não se pode formar direito adquirido de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como futuras.
Como poderia a geração atual assegurar o seu direito de poluir em detrimento de gerações que ainda nem nasceram?! Não se pode dar à reparação da natureza o regime de prescrição patrimonial do direito privado.
A luta por um meio ambiente hígido é um metadireito, suposto que antecede à própria ordem constitucional. O direito ao meio ambiente hígido é indisponível e imprescritível, embora seja patrimonialmente aferível para fim de indenização.” (grifei)
E a lição de Álvaro Luiz Valery Mirra[5], alinha-se a esse entendimento, assim vejamos:
“Toda espécie de ação está sujeira à prescrição, desde que a pretensão por ela veiculada envolva direitos patrimoniais e alienáveis; do contrário, não se sujeita a ação à disciplina prescricional. Nesse sentido – é uma vez mais a lição de Clóvis Beviláqua – não estão sujeitas à prescrição, entre outras, as pretensões relacionadas a direitos que são emanações imediatas ou modo de ser da personalidade (direito à vida, liberdade, honra) e as concernentes à tutela de bens públicos de uso comum.”
3. Conclusão
Desse modo, a responsabilidade civil em matéria ambiental submete-se a um regime jurídico próprio, em que se caracteriza por ser solidária e imprescritível.
Assim, todos aqueles que direta ou indiretamente causaram uma degradação ambiental podem ser demandados a essa reparação, desde que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre a conduta/atividade e o dano, podendo-se demandar um, alguns ou todos os poluidores, em litisconsórcio facultativo.
Outrossim, a pretensão reparatória ambiental se reveste do manto da imprescritibilidade, o que independe de previsão legal explícita, por versar sobre um direito essencial e fundamental que pertence as presentes e futuras gerações.
[1] §3° do art. 225 da CF/88.
[2] Quanto a esse ponto, no mesmo sentido, vide REsp 1.071.741-SP.
[3] MACHADO, Jeanne da Silva, A Solidariedade na Responsabilidade Ambiental, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. pg. 108.
[4] MAZZILI, Hugo Nigro, A Defesa dos Direitos Difusos em Juízo, 17ª ed., rev. e ampli. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2004, págs. 514-515.
[5] MIRRA, Álvaro Luiz Valery, Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, pg.245.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Público pela Unifacs-Universidade Salvador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Caroline Menezes. A solidariedade e imprescritibilidade na reparação do dano ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2010, 08:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22759/a-solidariedade-e-imprescritibilidade-na-reparacao-do-dano-ambiental. Acesso em: 23 dez 2024.
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