Introdução
A captação de recursos é fundamental para que o Estado possa financiar seus projetos e atividades. E os instrumentos utilizados para essa arrecadação são vários, como, por exemplo, aluguéis ou taxas de ocupação, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, doações recebidas, imposição de multas e cobrança de tributos.
Sendo assim, é de extrema importância que o Estado cobre os seus créditos com a máxima eficiência e os aplique de forma adequada para melhor promover o bem comum.
Todavia, essa cobrança não pode mais ser feita de forma abusiva ou extorsiva como realizada na Idade Média. As leis e o devido processo legal devem ser observados e respeitados.
Sob o princípio da legalidade, há no Código Tributário Nacional algumas situações, nas quais a Fazenda Pública fica impedida de cobrar dos contribuintes os seus créditos, a saber: exclusão, extinção e suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Entretanto, não há previsão legal que trate da suspensão da exigibilidade dos créditos denominados de não-tributários.
E é acerca da possibilidade de utilizar as hipóteses de suspensão do crédito tributário analogicamente para os não-tributários que se ocupa este trabalho científico.
1. Do Art. 151 do CTN
Antes de adentrar nos créditos não-tributários, é fundamental tecer algumas considerações acerca do art. 151 do CTN, uma vez que neste artigo estão elencadas as hipóteses de suspensão do crédito tributário, as quais, segundo a tese defendida neste trabalho científico, são passíveis de analogia pelos créditos não-tributários.
O Capítulo III do Livro Segundo do Código Tributário Brasileiro apresenta-se como suspensão do crédito tributário. Entretanto, o art. 151 desse mesmo código assinala que os seus seis incisos são causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
CAPÍTULO III
Suspensão do Crédito Tributário
Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I - moratória;
II - o depósito do seu montante integral;
III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;
IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;
VI – o parcelamento.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.
Por esta dualidade, a doutrina pátria diverge acerca do tema. Sendo que para o posicionamento majoritário, o art. 151 do CTN suspende a exigibilidade do crédito tributário.
CARVALHO[1] corrobora tal entendimento ao afirmar que “ocorrendo alguma das hipóteses previstas no art. 151 da Lei nº 5172/66, aquilo que se opera, na verdade, é a suspensão do teor da exigibilidade do crédito, não do próprio crédito que continua existindo tal qual nascera”.
Já para o ilustre doutrinador Hugo de Brito Machado, tal artigo tem natureza híbrida, pois há tanto hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário – art. 151, I, II e VI – quanto de suspensão do crédito tributário propriamente dito – art. 151, I, IV e V –.
Ressalta-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não se posicionou acerca dessa temática. Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) tende a seguir o posicionamento doutrinário de Hugo de Brito Machado.
Além dessa celeuma, discute-se se as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário elencadas nos incisos do art. 151 do CTN são taxativas ou exemplificativas.
Para a doutrina não há dúvidas de que o rol do art. 151 do CTN é taxativo, sob o fundamento do inciso I do art. 111 do CTN que exige interpretação literal da legislação tributária que disponha sobre suspensão do crédito tributário.
Todavia, pragmaticamente, é fácil observar o caráter exemplificativo deste artigo, pois o próprio CTN tem institutos com efeitos equiparados, como, por exemplo, o art. 161, § 2º.
Por fim, é oportuno relembrar que mesmo suspenso o crédito tributário, o cumprimento de sua obrigação acessória não é dispensável (art. 151, parágrafo único do CTN) e que a obrigação tributária que o originou não será afetada, conforme o art. 140 do CTN. Possibilitando-se, assim, exigência imediata do crédito tributário quando extinta a causa da sua suspensão.
2. Dos Créditos Fazendários
Os créditos fazendários são importância em dinheiro devida à Fazenda Pública e classificam-se em tributários e não-tributários.
Detalhadamente, o art. 39, § 2° da Lei n° 4.320/64 define essas duas espécies de créditos fazendários que constituem a Dívida Ativa, in verbis:
Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.
§ 1º - (...)
§ 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.
2. Multas Administrativas e Tributos
Os conceitos de multa administrativa e tributo possuem características bastante próximas, já que este é toda prestação compulsória, instituída em lei, que não constitui sanção de ato ilícito, e aquela se define por sanção pecuniária, instituída em lei, ao violador de norma administrativa.
Assim, é fácil observar que a diferença existente entre multa administrativa e tributo está, essencialmente, na natureza jurídica de sanção daquela.
3. Do Crédito Não-tributário
3.2. Conceito
Os créditos não-tributários, como o próprio nome assinala, são todos aqueles créditos não provenientes da atividade tributária do Ente federativo, tais como, multas administrativas e custas processuais.
3.2. Do Nascimento dos Créditos Não-Tributários
Como o crédito não-tributário é qualquer crédito não proveniente de obrigações tributárias, seria bastante exaustivo, quiçá inviável definir o momento exato do nascimento de tais créditos fazendários.
Ao se tratar, porém, daqueles oriundos de imposição de multa administrativa, não há dúvidas de que esses créditos nascem do descumprimento voluntário de uma norma administrativa.
Ilustra-se, então, com a seguinte situação: quando um condutor de um automóvel é multado pelo guarda de trânsito por dirigir veículo com carteira de habilitação vencida há mais de trinta dias - art. 162, V, do Código de Trânsito Brasileiro - nasce, neste momento, para o Estado um crédito não-tributário decorrente de multa administrativa.
3.3. Suspensão dos Créditos não-tributários
Não há previsão expressa no ordenamento jurídico pátrio acerca da suspensão de exigibilidade dos créditos não-tributários. A própria Lei de Execução Fiscal não faz qualquer distinção entre a dívida ativa tributária e a não-tributária quanto à forma de sua cobrança.
Art. 2° - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária e não-tributária na Lei n°4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Contudo, vislumbra-se que a aplicação analógica do art. 151 do CTN e seus incisos a esses créditos é perfeitamente possível.
PRADO[2] aduz que:
por analogia, costuma-se fazer referência a um raciocínio que permite transferir a solução prevista para determinado caso a outro não regulado expressamente pelo ordenamento jurídico, mas que comparte com o primeiro certos caracteres essenciais ou a mesma ou suficiente razão, isto é, vincula-se por uma matéria relevante simili ou a pari.
O festejado doutrinador MEIRELLES[3] defende a possibilidade do uso de analogia no Direito Público:
A analogia admissível no campo do Direito Público é a que permite aplicar o teto da norma administrativa à espécie não prevista, mas compreendida no seu espírito; a interpretação extensiva, que negamos possa ser aplicada ao Direito Administrativo, é a que estende um entendimento do Direito Privado, não expresso no texto administrativo, nem compreendido no seu espírito, criando norma administrativamente nova.
Alguns tribunais já entendem que o CTN poderá ser aplicado analogicamente aos créditos não-tributários quanto às questões de prescrição e decadência:
EMBARGOS À EXECUÇÃO. MULTA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. DECADÊNCIA. 1- A dívida de natureza não tributária está equiparada à tributária para efeito de execução (Lei n° 6.830/80, art. 2°. II. 2- À ausência de norma específica dispondo sobre decadência e a prescrição, avulta-se legítima a equiparação também para tais efeitos, apropriando-se, desde aí, a aplicação analógica dos artigos 173 e 174 do CTN, para integração do sistema jurídico (...). (Apelação Cível n° 01000248434, TRF 1ª Região. REl. Juiz Carlos Alberto Simões de Tomaz, D.J. 05/09/02).
O próprio STJ[4] entende que “inexistindo regra específica [de prescrição de crédito não-tributário] deverá o operador jurídico valer-se da analogia e dos princípios gerais de direito”.
Além disso, conforme já exposto neste trabalho científico, o tributo diferencia-se da multa administrativa tão-somente pela natureza jurídica dele de sanção.
Verifica-se, então, a possibilidade de analogia do art. 151 do CTN é juridicamente possível.
Entretanto, na prática, o devedor não conseguirá que créditos não-tributários sejam suspensos por meio da moratória e do parcelamento sem a aquiescência do Gestor Público, uma vez que essas hipóteses necessitam de lei para a sua concessão ou autorização.
Já sob o fundamento do Poder Geral de Cautela, os créditos não-tributários poderão ser suspensos por medida liminar ou antecipação de tutela, conforme jurisprudência abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE CONHECIMENTO. NULIDADE DE AUTO DE INFRAÇÃO. TRANSPORTE IRREGULAR DE PASSAGEIROS. VEÍCULO DE PASSEIO. NÃO SUBSUNÇÃO À LEI DISTRITAL Nº 239/92.
I. Por se tratar de automóvel de passeio, o veículo apreendido não possui as características para subsumir a conduta àquela prevista no art. 28 da Lei Distrital nº 239/92. Com efeito, impõe-se a manutenção da decisão que antecipou os efeitos da tutela para determinar a imediata liberação do veículo de passeio, bem como a suspensão da exigibilidade da multa pecuniária decorrente do auto de infração por transporte remunerado não autorizado e das despesas de depósito.
II. Negou-se provimento ao recurso.
(Agravo de Instrumento nº 20100020039267AGI, TJDF, REL. Desembargador José Divino de Oliveira, 6ª Turma Cível, Acórdão nº 423.024, D.J. 20/05/2010.)
Outra possibilidade do devedor é depositar integralmente o valor exigido pela Fazenda Pública para que haja a suspensão do crédito por ela exigido, por analogia do art. 151, II do CTN e pelo aresto do TRF 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DE MULTA E INSCRIÇÃO NO CADIN.
- Embora o pedido liminar deduzido na ação anulatória seja dirigido apenas à suspensão da exigibilidade da multa e da inscrição no CADIN, é certo que a verificação do fumus boni juris implica em análise perfunctória da própria legalidade do procedimento que culminou na aplicação daquela, tangenciando-se, ademais, a relação jurídica de direito material subjacente - questões não devolvidas ao conhecimento do Tribunal, uma vez que a Agravante cingiu-se a sustentar tese segundo a qual, havendo discussão judicial do débito, é de ser sobrestada a exigência da multa e a inscrição no CADIN.
- De qualquer sorte, andou bem o Juízo a quo ao ressaltar que a Autora, a fim de ver suspensa a exigibilidade da multa, pode depositar judicialmente o seu valor, mesma providência que leva à exclusão de seu nome do CADIN, a teor do art. 7º, I, da Lei n.º 10.522/02.
- Revogada, a partir da publicação do acórdão, a antecipação de tutela recursal concedida, uma vez que a interposição de recurso às Cortes de sobreposição não detêm, de regra, efeito suspensivo.
(Agravo de Instrumento n° 2008.04.00.002485-4/SC, TRF 4ª Região, REL. EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN JÚNIOR, D.E. 07/04/2008.)
Desta forma, são aplicáveis, por analogia, aos créditos não-tributários todos os artigos do CTN referentes à suspensão dos créditos tributários.
Conclusão
Os créditos fazendários são importância em dinheiro devida à Fazenda Pública e classificam-se em tributários e não-tributários. A sua cobrança é de grande importância, pois o montante arrecadado nessa atividade será utilizado para a manutenção do Estado e para a promoção do bem comum.
Os créditos não-tributários, aqueles não provenientes da atividade tributária do Ente federativo, não possuem expressamente a possibilidade de suspensão de sua exigibilidade.
No entanto, considerando que tais créditos integram a Divida Ativa e são executados da mesma forma que os créditos tributários, segundo a Lei de Execução Fiscal; que a multa administrativa, exemplo de crédito não-tributário, tem seu conceito bastante próximo do de tributo, diferenciando-se apenas na sua natureza sancionadora; e que é viável a analogia no Direito Público, entende-se aplicáveis aos créditos não-tributários todos os artigos do CTN referentes à suspensão dos créditos tributários.
Bibliografia
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TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 15. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009. pág. 475.
[2] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro – Parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 97.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 40.
[4] REsp. n° 102675/PE. 2ª Turma. Rel. Ministro Castro Meira, D.J. 28/05/08.
Advogado, Bacharel em Letras (português-alemão). Pós-graduando em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense - UFF e em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Vagner Rangel. Suspensão da exigibilidade dos créditos não-tributários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2010, 09:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22798/suspensao-da-exigibilidade-dos-creditos-nao-tributarios. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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