Introdução
As Empresas Estatais são de dois tipos: Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista.
A principal diferença entre elas está na formação do capital social.
No caso das Sociedades de Economia Mista, é subscrito tanto por entidades vinculadas à Administração Pública e quanto por particulares, devendo, no entanto, haver o controle acionário por aquelas. Desta forma, só será Sociedade de Economia Mista se a entidade vinculada à Administração detiver o controle acionário.
Já nas Empresas Públicas, a titularidade do capital é constituída unicamente por capital público. Ressalta-se que, desde que a maioria do capital com direito a voto permaneça de propriedade da União, é admitida a participação de outras pessoas de Direito Público interno, a exemplo de estados e municípios, bem como de entidades da Administração Indireta dos estados e municípios, inclusive de suas empresas públicas e sociedades de economia mista.
Outra distinção básica é que a Sociedade de Economia Mista só poderá ser sociedade anônima. Porém, o tema cerne deste artigo não está em salientar todas as diferenças existentes entre as Sociedades de Economia Mista e as Empresas Públicas, mas sim na classificação das Empresas Estatais quanto à sua finalidade.
Doutrinariamente, dividiram-se as Empresas Estatais em prestadoras de serviços públicos e de atividade econômica.
Essa dicotomia diferencia as Empresas Estatais de tal maneira que parece, a princípio, tratar-se de institutos completamente diferentes.
A responsabilidade civil, a possibilidade de falência, a prerrogativa de expedição de precatórios e a licitação são temas de grande divergência doutrinária quando o assunto é Empresas Estatais.
Da Responsabilidade Civil
O art. 37, §6º da CRFB/88 aplica-se somente às Empresas Estatais prestadoras de serviço público, isto é, respondem objetivamente. Já as prestadoras de atividade econômica respondem subjetivamente, ou seja, há a necessidade de demonstrar a culpa para que haja a reparação do dano, uma vez que o citado artigo faz menção apenas às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.
Da Falência
Segundo o entendimento jurisprudencial do STF, a Estatal prestadora de serviço público deve ter o mesmo tratamento do Poder Público, já a prestadora de atividade econômica será tratada como se uma empresa de iniciativa privada fosse.
Sob esse entendimento, a possibilidade de falência de uma empresa estatal dependerá da sua finalidade: serviço público ou atividade econômica.
Com a revogação do art. 242 da Lei nº 6.404/76 pela Lei 10.303/01, a doutrina posicionou-se afirmando que as Estatais que prestam serviço público não podem falir, segundo o princípio da Continuidade do Serviço Público. Já as estatais prestadoras de atividade econômica são passiveis de falência, uma vez que o art. 173, §1º, II da CRFB/88 manda trata-las da mesma forma da iniciativa privada, inclusive no aspecto comercial.
Esse é também o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho (2005) e Celso Antônio Bandeira de Melo (2007).
A Lei nº 11.101/05, Nova Lei de Falência, no seu art. 2º, afirma que ela não se aplica às Empresas Públicas e às Sociedades de Economia Mista.
Observa-se, então, uma inconstância legislativa, já que em 2001 revoga-se o art. 242 da Lei 6.404/76, o qual proibia as Sociedades de Economia Mista da falência e quatro anos depois o art. 2º da Lei nº 11.101/05 volta a protegê-las da falência.
Ressalta-se que Celso Antonio Bandeira de Mello (2007) afirma ser o art. 2º da Lei 11.101/05 inconstitucional, pois as Empresas Estatais prestadoras de atividade econômica devem ter o mesmo tratamento dado às empresas da iniciativa privada, na forma do art. 173, §1º, II da CRFB/88.
Data máxima venia, esse entendimento não é o mais adequado, pois o Estado não cria uma Empresa Estatal prestadora de atividade econômica visando ao lucro, ao dinheiro como as empresas privadas, mas a cria por imperativo de segurança nacional e relevante interesse coletivo, conforme o art. 173 da CRFB/88. Assim, deixar uma Empresa Estatal criada por imperativos de segurança nacional e relevante interesse coletivo falir é no mínimo absurdo.
Então, essas Estatais não devem ter, rigorosamente, o mesmo tratamento dado às da iniciativa privada, sob uma interpretação sistemática da Constituição Federal.
Da Prerrogativa de Expedição de Precatórios
Outro ponto relevante é possibilidade de algumas empresas pública prestadoras de serviço público, como, por exemplo, a Empresa de Correios e Telégrafos, pagarem suas dívidas judiciais por meio de precatório.
Observa-se que mesmo sendo uma empresa estatal, ou seja, pessoa jurídica de direito privado, fora da expressão Fazenda Pública, a execução contra a ECT promove-se mediante precatório, a teor do art. 100 da CRFB/88, tendo em vista que o art. 12 do Decreto-lei nº 509/69, o qual a equipara à Fazenda Pública no tocante à impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, foi plenamente recepcionado pelo texto constitucional em vigor, segundo o Supremo Tribunal Federal.
Da Aplicação das Regras do art. 173 da CRFB/88
É importante trazer o posicionamento do Ministro do STF Eros Roberto Grau (2008) que afirma ser o serviço público espécie do gênero atividade econômica.
Analisando com mais cuidado tal posicionamento, chega-se a conclusão de que o mesmo está correto, pois há serviço público lucrativo, por exemplo, telecomunicações e energia elétrica, e se visa ao lucro, é atividade econômica. Além disso, o principal artigo da CRFB/88 que regula serviço público e delegação de serviço público, art. 175, está inserido no Título VII, que trata “Da Ordem Econômica e Financeira”. Corroborando, assim, a tese de que serviço público é espécie do gênero atividade econômica.
Sob esse entendimento, pode-se ampliar a incidência do art. 173 da CRFB/88 para as Empresas Estatais prestadoras de serviço público. No entanto, a corrente majoritária entende que tal artigo aplica-se apenas às prestadoras de atividade econômica.
Afirmar que as regras do art. 173 da CRFB/88 aplicam-se apenas às Empresar Estatais prestadoras de atividade econômica é incoerente, pois todos os doutrinadores assinalam que o regime de contratação de pessoal nas Empresas Estatais, seja qual for a sua finalidade, é o Celetista, com base no art. 173, II da CRFB/88.
Da Licitação
Com a EC nº 19, a redação do art. 22, XXVII da CRFB/88 trouxe nova divergência doutrinária fundamentada na aplicação do seu art. 173 às Empresas Estatais prestadoras de serviço público, isto é, aplicação ou não da Lei nº 8.666/93.
Segundo a atual redação do art. 22, XXVII da CRFB/88:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecendo o disposto no art. 37, XXI e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, §1º, III.
Para a posição minoritária, haveria no Brasil duas leis de licitação, a Lei nº 8.666/93 com aplicação às pessoas jurídicas de direito público e uma outra para as Empresas Estatais (Estatuto das Estatais).
Já para a corrente majoritária, o art. 22, XXVII da CRFB/88 faz referência ao seu art. 173, o qual se aplica apenas às Empresas Estatais prestadoras de atividade econômica. Assim, as Empresas Estatais que prestam serviço público estariam submetidas à Lei nº 8.666/93.
Como ainda o Estatuto da Estatal não existe, cada Empresa Estatal prestadora de atividade econômica deverá elaborar um decreto licitatório simplificado, pois a Lei nº 8.666/93 estaria afastada para essas Estatais.
Conclusão
Observa-se que há uma radicalização quanto às diferenças existentes entre as Empresas Estatais prestadoras de serviço público e as de atividade econômica.
Tratá-las de forma tão distinta acarreta celeuma entre doutrinadores. Trazendo, assim, grandes dificuldades no estudo das Empresas Estatais.
Racional mesmo seria não diferencia-las quanto às suas finalidades e vislumbrar serviços públicos como espécie do gênero atividade econômica talvez fosse uma solução para este problema.
Bibliografia
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SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do Direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
Advogado, Bacharel em Letras (português-alemão). Pós-graduando em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense - UFF e em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Vagner Rangel. A dicotomia das empresas estatais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jan 2011, 08:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23169/a-dicotomia-das-empresas-estatais. Acesso em: 23 dez 2024.
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