Notas Introdutórias
A temática a ser abordada, isto é, as questões incidentes, concerne a fatos que podem acontecer no transcurso processual e que devem ser decididas pelo magistrado antes da análise meritória da causa principal. Em decorrência da necessidade lógica da apreciação em primeiro lugar, a questão incidente é denominada de “prejudicial”, pois o exame da lide, como regra, depende do decisum do respectivo incidente que vier a advir no decorrer do processo.
Tais questões incidentes serão apreciadas em autos apartados, normalmente apensos ao principal, com o intuito de não criar tumulto na lide. Assim, apresentam-se com caráter acessório em relação ao processo principal, em que, a extinção deste, acarreta a extinção do processo incidente.
Tais questões e processos incidentes instituem o debate contraditório acerca de questão pontual que corresponde a uma das peças que compõem a análise de mérito, sendo que poderá procrastinar o feito, havendo suspensão do processo principal, no entanto, tais procedimentos incidentais são imprescindíveis para o amadurecimento da causa, em razão da cognição dos meandros existente no curso do processo principal.
Assim, impende salientar que serão analisadas as questões prejudiciais em sentido genérico, bem como outras formas de incidente que ocorrem no transcurso processual, tais como as exceções, impedimentos, incompatibilidades, incidentes de insanidade ou falsidade, entre outros.
Questões prejudiciais
As questões prejudiciais constituem em empecilhos, isto é, um impedimento ao desenvolvimento normal e regular do processo penal. A questão prejudicial em si condiciona a solução da demanda, diante da dependência lógica existente entre o acessório e o principal. Destarte, trata-se de valoração jurídica ligada ao meritum causae, a qual, necessariamente, deverá ser analisada adrede pelo magistrado, indicando a provável decisão da causa.
Acerca do tema em estudo, cabe trazer o ensinamento de Joaquim de Sylos Cintra que
“o sobrestamento necessário do processo criminal só se verifica quando se questiona a respeito do estado das pessoas e a questão controvertida influi na apresentação dos elementos do crime e indispensáveis à sua existência. Se a questão influente na caracterização do crime for diversa da questão de estado, depara-se ao juiz da ação penal uma faculdade: ou poderá resolvê-la em linha de cognição ocasional, sem qualquer reflexo fora do âmbito do processo criminal, ou aguardará que o seu deslinde se faça no juízo competente se já houver sido proposta ação civil para deslindá-la. Mas essa faculdade de sobrestamento estreita-se em duas exigências: a questão controvertida deve ser de difícil solução e não se referir a direito cuja prova, no juízo cível, sofra limitação” (apud. JESUS, 2010, p.148).
As questões prejudiciais diferenciam-se das questões preliminares porque tratam de aspectos processuais, e uma vez reconhecidas, impedem a apreciação do mérito. As prejudiciais caracterizam-se também por sua autonomia e pela possibilidade ou não de serem julgadas pelo juízo criminal, enquanto que as preliminares são absolutamente dependentes e sempre serão julgadas pelo juízo criminal. Nesta toada, a validade do casamento anterior é prejudicial ao reconhecimento do crime de bigamia, pois está intrinsecamente ligada à seara do mérito, enquanto que a suspeição do juiz é mera preliminar a ser argüida no transcurso do processo penal, relacionada a um pressuposto processual.
As prejudiciais podem ser divididas em homogêneas e heterogêneas. As homogêneas (também próprias ou perfeitas) concernem à matéria da causa principal, que é penal (ex: decisão acerca da exceção da verdade em crime de calúnia). A suspensão do curso processual também é tida como questão prejudicial homogênea, no caso do crime de falso testemunho, em que o processo ficará suspenso até o julgamento definitivo da causa principal, onde o falso fora perpetrado.
As heterogêneas ( impróprias ou imperfeitas) vinculam-se a outras áreas do direito, devendo ser decidida por outro juízo, v.g., decisão sobre posse, na esfera cível, antes de decidir a respeito do crime de esbulho possessório Também, no caso da possibilidade de se alegar como defesa na ação penal por crime contra a propriedade imaterial, a nulidade da patente ou do registro em que se fundar a aludida demanda. Desta forma, o juiz poderá paralisar o processo penal até a resolução da prejudicial no outro juízo.
As prejudiciais também podem ser obrigatórias ou facultativas, ou seja, pode ser obrigatória a suspensão do processo ou mera faculdade do magistrado a suspensão do feito, segundo seu prudente arbítrio. A obrigatoriedade da suspensão decorre das hipóteses sobre o estado civil das pessoas, podendo as testemunhas e outras provas urgentes serem previamente produzidas.
Ademais, a prejudicial também pode se dividir em devolutiva e não devolutiva. Assim sendo, são devolutivas as questões prejudiciais que desbordem os limites da jurisdição da questão prejudicada, portanto, são enviadas para conhecimento e solução em outra esfera jurídica. Não devolutivas são aquelas que são conhecidas e solucionadas no mesmo ramo do Direito que trata a questão principal, a questão prejudicada. Verifica-se estreita similitude entre esta classificação e a homogênea e a heterogênea.
Não obstante à divergência doutrinária, há de se reconhecer que as prejudiciais são um forma de conexão. Mirabete aduz que a prejudicialidade é caracterizada por cuidar de uma relação entre duas figuras, a prejudicial e a prejudicada, ocorrendo uma dependência lógica e necessária desta em relação àquela. Existe “entre elas um nexo necessário. Uma está geneticamente ligada à outra. Esse vínculo entre as duas figuras, que representa prejudicialidade, é forma de conexão (apud. TÁVORA; ANTONNI. 2009, p.255)
Para Fernando Capez (CAPEZ, 2009, p.407), são quatro os elementos essenciais à prejudicialidade: A anterioridade lógica da questão prejudicada, que condiciona o julgamento do mérito da questão prejudicial, influindo diretamente no mérito. A necessariedade, em que sendo provada a questão prejudicial, a causa principal resta afetada, sendo comprometida a imputação do crime propriamente dito. A autonomia, que traz a possibilidade de a questão prejudicial ser objeto de processo autônomo, distinto daquele em que figura questão prejudicada. Por derradeiro, a competência na apreciação em que são julgadas pelo próprio juízo penal, geralmente, no entanto, podem ser heterogêneas, sendo aplicadas no âmbito cível.
Exceções
As exceções são tidas como as defesas indiretas apresentadas por qualquer das partes, como o intuito de prolongar o trâmite processual, até que uma questão processual relevante seja resolvida, bem como com a finalidade de estancar, definitivamente, o seu curso, porque processualmente incabível o prosseguimento da ação.
A exceção, em sentido amplo, compreende o direito público subjetivo do acusado em se defender, ora combatendo diretamente a pretensão do autor, ora deduzindo matéria que impede o conhecimento do mérito, ou ao menos enseja a prorrogação do curso do processo. Em sentido estrito, a exceção pode ser conceituada como o meio pelo qual o acusado busca a extinção do processo sem o conhecimento do mérito, ou tampouco um atraso no seu andamento.
Quando reconhecida a exceção de ofício pelo juiz, trata-se simplesmente de um incidente processual, ou seja, uma questão que merece ser decidida antes de se analisar o mérito da causa. Justamente porque exceção seria apenas uma defesa interposta pela parte contra o processo, para que seja regularizado ou extinto, quando a exceção admite que o magistrado dela tome conhecimento de ofício, parte da doutrina costuma chamá-la de objeção. Todavia, mais comum é a invocação de tais instrumentos pelas partes, que se utilizam destes por razões diversas.
As exceções podem ser peremptórias, quando acolhidas, põem termo à causa, extinguindo o processo; dentre elas destacam-se as exceções de coisa julgada e litispendência. As dilatórias são aquelas que, quando acolhidas, acarretam única e exclusivamente a prorrogação no curso do processo, procrastinando-o, retardando-o ou transferindo o seu exercício, são exemplos a suspeição e a incompetência.
O rol das exceções está previsto no art.95 do Código de Processo Penal: a) suspeição; b) incompetência do juízo; c) litispendência; e) ilegitimidade de parte; f) coisa julgada. Tais exceções serão agora objeto de nossa apreciação, que são mecanismos que obstaculizam o transcurso normal do processo, paralisando-o provisoriamente ou encerrando-o por definitivo.
Exceção de suspeição
Os casos de suspeição do juiz diz respeito a fatos e circunstâncias subjetivas, que, de alguma forma, poderá afetar a imparcialidade do julgador na apreciação do caso concreto. O juiz pode afirmar sua suspeição por motivo íntimo, quando não declarará suas razões no processo, mas em separado, em ofício ao Conselho Superior da Magistratura ou órgão correicional.
Qualquer das partes também pode apor como óbice ao julgamento pelo magistrado a sua parcialidade. Tal exceção decorre das garantias constitucionais do juiz natural e do juiz imparcial. A finalidade é impedir que o Estado promova, de alguma forma, a eleição do magistrado para o julgamento da causa, desequilibrando a relação processual e promovendo a parcialidade do Poder Judiciário.
É dever da parte, sob pena de preclusão, levantar a suspeição tão logo tome conhecimento de sua existência. Não o fazendo, está, implicitamente, aceitando a imparcialidade do julgador.
O Código de Processo Penal pátrio, em seu art.254, define as hipóteses de suspeição, ocorrendo quando o excepto, isto é, o indivíduo cuja parcialidade é contestada, for amigo íntimo ou inimigo capital das partes; se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; tiver aconselhado qualquer das partes; se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.
Podem ser exceptos os magistrados, os membros do Parquet, os peritos, intérpretes, funcionários da justiça, serventuários e os jurados. A exceção deve preceder às demais, salvo se o motivo for superveniente.
A petição de exceção, quando for o caso, deve ser fundamentada, assinada pela própria parte ou por procurador com poderes especiais. Sendo imprescindível, deve vir acompanhada de prova documental e do rol de testemunhas..
Com o reconhecimento da suspeição pelo juiz singular, suspende-se a marcha processual e é remetido os autos ao seu substituto legal, intimando as partes da sua decisão. Não sendo aceita, o juiz ordena que seja autuada a exceção em petição em apartado, assim, até vinte e quatro horas depois será remetido ao tribunal competente.
Exceção de incompetência
Esta exceção é reconhecida como defesa indireta em que a parte pode interpor contra o juízo, alegando sua incompetência para julgar o feito, fundamentada no princípio constitucional do juiz natural. Embora todo magistrado possua jurisdição, a delimitação do seu exercício é dada pelas regras de competência, que devem ser respeitadas. Não fosse assim e qualquer juiz decidiria qualquer matéria, infringindo-se o espírito da Constituição, que garantiu expressamente a divisão dos órgãos judiciários, cada qual atuando na sua esfera de competência.
A competência penal é questão de ordem pública, pelo que deve ser reconhecida de ofício, inclusive a chamada incompetência relativa (territorial). Não sendo alegada, a incompetência relativa deve ser alegada no prazo da defesa inicial, ao passo que a incompetência absoluta poderá ser argüida a qualquer tempo. A exceção poderá ser oposta pelo réu, querelado e Ministério Público, quando este atue como fiscal da lei. Todavia, segundo a doutrina, não pode ser argüida pelo autor da ação.
O procedimento da exceção corre da seguinte forma: é oposta junto ao próprio juiz da causa; pode ser argüida verbalmente (reduzida a termo) ou por escrito; o juiz mandará autuar em apartado; o Parquet deve ser ouvido a respeito da exceção, contanto que não seja ele o proponente; ulteriormente, o magistrado julga a exceção. Sendo esta julgada procedente, os autos são remetidos ao juiz competente.
A aceitação da exceção, considerando-se incompetente o juiz, propicia qualquer das partes, a utilização de recurso em sentido estrito. A não aceitação faz com que o juiz seja mantido no processo, embora possa o interessado impetrar habeas corpus, pois configura constrangimento ilegal ao réu ser julgado por magistrado incompetente.
Como já mencionado anteriormente, caso o juiz acolha os argumentos do excipiente, remeterá os autos do juízo considerado competente. Se este não acolher os motivos do magistrado, que lhe encaminhou os autos, suscitará conflito negativo de competência. Todavia, se aceitar, deverá renovar os atos decisórios, porventura praticados, ratificando os demais e determinando o prosseguimento do feito. Logicamente, querendo, pode o juiz que recebeu os autos renovar todos os atos praticados anteriormente no juízo incompetente.
É possível, no entanto, que o Ministério Público provoque o outro juiz a se manifestar – aquele que entende competente para conhecer do feito – instaurando-se um conflito positivo de competência.
Exceção de Litispendência
É a situação que ocorre quando duas ações estão em curso ao mesmo tempo, tratando da mesma causa de pedir e tendo mesma parte ré. A litispendência é uma exceção peremptória, extinguindo o processo sem julgamento meritório ( absolvição de instância) e o ponto fundamental a ser indagado para seu reconhecimento são os fatos atribuídos ao réu, pouco importando a qualificação jurídica dada aos mesmos.
Assim, no processo penal a litispendência se verifica sempre que a imputação atribuir ao acusado, mais de uma vez, em processos diferentes, a mesma conduta delituosa. Fundamenta-se no princípio de que ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato: princípio do non bis in idem.
Destarte, não é cabível que o Estado deduza a pretensão punitiva contra o réu em duas ações penais de igual objeto, fundadas no mesmo fato criminoso. Leva-se em consideração, para verificar a hipótese de litispendência, se o acusado nas duas ou mais ações é o mesmo e se a imputação coincide, pouco importando quem incorpore a acusação.
Tendo em vista que a exceção é medida cuja finalidade é obstaculizar o andamento de determinado processo, não se pode utilizá-la para impedir o trâmite de um inquérito, que tenha por base exatamente o mesmo fato e idêntico réu, já denunciado. Para tanto, utiliza-se habeas corpus, trancando-se a investigação policial repetitiva.
Podem as partes impetrar a exceção a qualquer tempo, pois, como ocorre no caso de incompetência absoluta, a matéria não preclui, diante do interesse público envolvido. Há, também, possibilidade de declaração de ofício pelo juiz, evitando-se que o réu enfrente duas ações idênticas simultaneamente. Para a escolha de qual deve prevalecer, são levados em consideração os critérios da prevenção ou da distribuição. Assim, se um juiz tornou-se prevento em primeiro lugar, porque decretou uma preventiva ainda na fase de inquérito, ele é o competente para processar o réu. Caso não tenha havido motivo para a prevenção, utiliza-se o critério da distribuição, utiliza-se o critério da distribuição, prevalecendo o juízo que preceder o outro. Quando o magistrado, sem o ingresso da exceção, termina um processo, reconhecendo de ofício a litispendência, o recurso cabível é a apelação.
Em petição à parte, argui-se a exceção, podendo fazê-lo qualquer das partes, sempre determinando o juiz a oitiva da outra. Admite-se a suscitação verbalmente, também, embora seja raro. Cabe recurso em sentido estrito, quando o juiz a acolher, mas não quando julgá-la improcedente. Entretanto, por configurar nítido constrangimento ilegal, o andamento concomitante de duas ações penais, é cabível o habeas corpus para trancar uma delas.
Exceção de ilegitimidade da parte
Comumente, a parte legítima é a detentora da relação jurídica de direito material. Assim, via de regra, somente quem é titular de um direito pode estar em juízo para defendê-lo, quer no pólo ativo, quer no pólo passivo. A inobservância de tal requisito leva à ilegitimidade de parte, que abrande a ilegitimidade ad causam (condição da ação) e a ilegitimidade ad processum (pressuposto processual).
Assim, pode-se arguir a exceção quando a queixa é oferecida em caso de ação pública; quando a denúncia é oferecida em hipótese de ação privada; quando o querelante não é o representante legal do ofendido; quando, na ação privada personalíssima, a queixa é oferecida pelo sucessor da vítima.
Uma vez reconhecida a ilegitimidade ad causam, o processo é anulado ab initio. Reconhecida a ilegitimidade ad processum, a nulidade pode ser sanada a qualquer teempo, mediante ratificação dos atos processuais já praticados.
Podem as partes ingressar com a exceção de ilegitimidade de parte a qualquer tempo, posi a matéria não está sujeita à preclusão, diante do interesse público envolvido. O reconhecimento de ofício pelo juiz é cabível.
O procedimento é o mesmo da exceção de incompetência. Em petição à parte, argui-se a exceção, podendo fazê-lo qualquer das partes, sempre determinando o juiz a oitiva da outra. Admite-se a suscitação verbalmente, embora incomum. Cabe recurso em sentido estrito, quando o juiz a acolher, mas não quando julgá-la improcedente. Entretanto, por configurar nítido constrangimento ilegal o andamento de ação penal, com parte ilegítima, pode ser impetrado habeas corpus para fazer sobrestar o abuso.
O juiz pode, ainda, determinar a exclusão de certo réu, prosseguindo a ação contra os demais. Em todos esses casos, se anulado o processo desde o início, com relação a um ou mais réus, cabe recurso em sentido estrito, pois é o equivalente a ter sido rejeitada a denúncia ou queixa.
Destarte, a exceção de ilegitimidade da parte visa retirar do pólo ativo ou passivo aquele que não apresenta atribuição para tanto. Assim, seja o órgão ministerial ao atuar fora de sua funções adrede estabelecidas, ou o réu, ao ser-lhe imputado crime nas hipóteses não cabíveis, é aplicável a exceção de ilegitimidade de parte. Desta forma, cabe reiterar que em razão do vício que a aludida exceção visa expurgar, sendo impassível de preclusão, e por conseguinte, não se convalescendo com o transcurso do trâmite processual, podendo ser alegado a qualquer tempo.
Exceção de coisa julgada
É a defesa indireta contra o processo, visando a sua extinção, tendo em vista que idêntica causa já foi definitivamente julgada em outro foro. Ninguém pode ser punido ou processado duas vezes pelo mesmo fato, razão pela qual, havendo nova ação, tendo por base idêntica imputação de anterior já decidida, cabe a argüição de exceção de coisa julgada.
Como bem alerta Tornaghi, o fundamento da coisa julgada “não é a presunção ou a ficção de acerto do juiz, mas uma razão de pura conveniência” (apud. NUCCI, 2008, p.344). Assim, reconhece-se a imutabilidade de uma decisão para que a insegurança na solução de determinado conflito não se perpetue. O mal de uma injustiça imutável pode ser menor do que a busca incessante de uma justiça, no fundo, igualmente impalpável e sempre discutível. É bem verdade que, no processo penal, se abre a possibilidade de revisão da coisa julgada, quando se tratar de erro judiciário, em favor do réu. Isso em virtude dos valores que estão em confronto: segurança do julgado e direito à liberdade, prevalecendo este último.
A coisa julgada nada mais é do que uma qualidade dos efeitos da decisão final, marcada pela imutabilidade e irrecorribilidade. Podem ser diferenciadas a coisa julgada formal e a coisa julgada material. A coisa julgada formal reflete a imutabilidade da sentença no processo onde foi proferida; tem efeito preclusivo, impedindo nova discussão sobre o fato no mesmo processo; na coisa julgada material existe a imutabilidade da sentença que se projeta fora do processo, obrigando o juiz de outro processo a acatar tal decisão, ou seja, veda-se a discussão dentro e fora do processo em que foi proferida a decisão.
Tem cabimento a exceção de coisa julgada quando verificar-se a identidade da demanda entre a ação proposta e uma outra já decidida por sentença transitada em julgado. Para que se acolha a exceção de coisa julgada, é necessário que a mesma coisa seja novamente pedida pelo mesmo autor contra o mesmo réu e sob o mesmo fundamento jurídico do fato.
A exceção de coisa julgada pode ser argüida verbalmente ou por escrito, em qualquer fase do processo e em qualquer instância. O juiz deve ouvir a outra parte e o Ministério Público, caso este tenha sido o autor da alegação. A exceção deve ser autuada em separado. Se o juiz julga procedente, a ação principal será extinta, e desta decisão cabe recurso em sentido estrito. Se o juiz julga improcedente, a ação principal continua, e desta decisão não cabe recurso específico, mas o interessado pode impetrar habeas corpus. O procedimento da exceção de coisa julgada proceder-se-á da mesma forma como a exceção de incompetência.
Incompatibilidades e Impedimentos
Incompatibilidade é a falta de harmonização ou qualidade do que é inconciliável. Utiliza-se o termo no Código de Processo Penal, para designar a situação de suspeição, uma vez que o juiz, o promotor, o serventuário ou funcionário, o perito ou o intérprete suspeito torna-se incompatível com o processo, no qual funciona, baseado no princípio de imparcialidade e igualdade de tratamento, que deve reger o devido processo legal, mecanismo seguro de distribuição de justiça às partes.
Ao cuidar da incompatibilidade, o Código de Processo Penal nada mais faz do que ressaltar o dever do juiz, do membro do Ministério Público e de outros envolvidos com o processo de se retirarem do mesmo, tão logo constatem uma das situações de suspeição.
No entendimento de Guilherme de Souza Nucci, incompatibilidade é a afirmação, sem provocação da parte interessada, da suspeição. Quando o juiz por exemplo, se declara suspeito, retirando-se dos autos, está reconhecendo uma incompatibilidade (NUCCI, 2008, p.350). O Código de Processo Penal fornece ao termo incompatibilidade a força de declaração de ofício.
Impedimento é obstáculo ou embaraço ao exercício da função no processo. Não deixa de ser, em última análise, uma incompatibilidade, que torna o juiz, o promotor, o serventuário ou funcionário, o perito ou o intérprete suspeito de exercer sua atividade em determinado feito. Entretanto, trata-se de uma incompatibilidade mais grave, impeditiva do exercício da função, levando à inexistência do ato praticado.
A qualquer tempo, verificada a situação de impedimento, o processo pode ser integralmente refeito, a partir do momento em que a pessoa impedida funcionou. O impedimento pode – e deve – ser proclamado de ofício pelo impedido. Não sendo, prevê o art. 112 do CPP a possibilidade da parte interessada arguir a exceção de impedimento, cujo procedimento é idêntico ao da exceção de suspeição.
Deve o juiz, o órgão do Ministério Público, o serventuário ou funcionário, o perito ou intérprete afirmar, nos autos, qual o motivo da incompatibilidade (suspeição) ou do impedimento, que o faz retirar-se do processo. A parte tem o direito de saber a razão do afastamento de determinada pessoa das suas funções, até para se pode constatar possíveis condutas ilegais, desvios funcionais e até o crime de prevaricação. Ressalva-se a possibilidade do juiz manifestar-se suspeito por motivo de foro íntimo , cujas razões serão esclarecidas ao Conselho Superior da Magistratura, em caráter reservado. Entretanto, nos autos, deve afirmar que o motivo é de foro íntimo.
Parte da doutrina sustenta, a exemplo de Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2008, p.351), que o impedimento é causa grave de vício do ato praticado, maculando-o por completo, o que leva à constatação de sua inexistência. Na dicção de Frederico Marques: “ o impedimento priva o juiz da jurisdictio e torna inexistentes os atos que praticar; e isso, ainda que não haja oposição ou recusa das parte” (apud. NUCCI, 2008, p.351).
O impedimento não gera somente a incompetência do juiz, não lhe limita o exercício da jurisdição, mas como o nome está dizendo, impede-o completamente, tolhe-o por inteiro: “o juiz não poderá exercer jurisdição” diz o art.252 do CPP. Os atos praticados por ele não são apenas nulos, como seriam se fosse incompetente, mas são juridicamente inexistentes.
O juiz pode se averbar impedido ou afirmar a incompatibilidade, mediante despacho escrito nos autos, com a indicação do motivo legal, remetendo o processo a seu substituto e ordenando a intimação das partes. Todavia, caso não haja reconhecimento espontâneo por parte do magistrado, a parte poderá arguir a incompatibilidade ou o impedimento, por petiçãoassinada por ela própria ou procurador com poderes especiais, com suas razões acompanhadas de prova documental ou do rol de testemunhas.
Se o juiz não aceitar o impedimento ou a incompatibilidade, ordenará a autuação da petição em apartado e dará sua resposta no prazo de três dias. Nessa oportunidade, poderá instruir documentalmente suas informações e oferecer testemunhas, para, seguidamente, determinar a remessa dos autos da exceção ao juiz ou ao tribunal a quem competir o julgamento, no lapso de vinte e quatro horas.
As partes deverão ser intimadas da argüição. O juiz ou o tribunal, se reconhecer preliminarmente a relevância do incidente, marcará dia e hora para oitiva de testemunhas e, ato contínuo, julgará a exceção independentemente de outras alegações. Por outro lado, se a exceção de impedimento ou de incompatibilidade for manifestamente improcedente, o juiz ou o relator proferirá decisão liminar de rejeição. Quando a parte contrária reconhecer a procedência da argüição, poderá ser sustado, a seu requerimento, o processo principal, até que se julgue o incidente de impedimento ou de incompatibilidade.
Se a incompatibilidade ou impedimento for acolhido haverá a nulidade dos atos do processo principal dependentes do falso, com a imposição de pagamento das custas ao juiz. Se houver rejeição do pleito, evidenciando-se a malícia do excipiente, a este será imposta multa, que por falta de atualização da moeda prevista na legislação, encontra-se sem eficácia.
Conflito de Jurisdição
Tem-se denominado conflito de jurisdição toda vez que, em qualquer fase do processo, um ou mais juízes, contemporaneamente, tomam ou recusam tomar conhecimento do mesmo fato delituoso. Destarte, há o conflito positivo de jurisdição quando dois ou mais juízes se julgam competentes para o conhecimento e julgamento do mesmo fato delituoso. No entanto, haverá o conflito negativo de jurisdição quando dois ou mais juízes se julgam incompetentes para o conhecimento e julgamento do mesmo fato delituoso. Verifica-se ainda o conflito de jurisdição toda vez que houver controvérsia sobre unidade de juízo, junção ou separação de processos.
Não há que se falar no aludido conflito quando um dos processos já se encontra com sentença transitada em julgado, conforme a Súmula 59 do Superior Tribunal de Justiça.
Outrossim, cabe a análise do conflito de atribuição, reputado como o conflito existente entre autoridades administrativas ou entre estas e autoridades judiciárias. Quando se trata de autoridades do mesmo Estado, envolvendo juízes, cabe ao Tribunal de Justiça dirimi-los (ex.: entre delegado de polícia e juiz de direito). Não havendo magistrado incluído, cabe à própria instituição à qual pertencem as autoridades que entram em conflito resolver a controvérsia (ex.: entre promotores de justiça, dirime o conflito o Procurador Geral de Justiça)
Se o conflito de atribuição disser respeito a autoridades administrativas diversas (ex.: entre delegado de polícia e promotor de justiça), espera-se que haja provocação do Judiciário, quando então será dirimido, por força de decisão jurisdicional (ex.: delegado instaura inquérito policial e promotor instaura procedimento investigatório sobre o mesmo fato; aguarda-se que o investigado ingresse com habeas corpus para buscar o trancamento de um deles, quando houver constrangimento ilegal, por abuso na atividade investigatória do Estado). Entretanto, quando envolver autoridades administrativas e judiciárias da União (ex.: delegado federal e juiz federal), ou autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro (ex.: juiz estadual e delegado federal) ou do Distrito Federal, ou entre as deste e a da União, cabe ao Superior Tribunal de Justiça.
Retomando o estudo acerca da verificação do conflito de jurisdição, que pode ser suscitado pela parte interessada, pelos órgãos do Ministério Público e por qualquer dos juízes ou tribunais da causa
Qualquer das partes envolvidas no litígio tem interesse em provocar a instauração de um conflito de jurisdição, até por que, havendo dois processos, que merecem ser unidos por conexão, por exemplo, sem interesse dos magistrados em fazê-lo, é preciso que o tribunal seja chamado a resolver a divergência. No ensinamento de Espínola Filho, “é do maior interesse, tanto particular das partes na causa, quanto público, que a apuração dos fatos se faça perante autoridade judiciária competente, a qual efetive a sua subsunção à norma jurídica que os disciplina”.(NUCCI, 2008, p.356).
O Ministério Público, atuando como parte, inclui-se na hipótese do inciso I do art.115, mas, caso oficie como fiscal da lei, pode, igualmente, provocar o conflito, pois sua função é indicativa de que a vontade da lei deve ser fielmente seguida.
É válido que qualquer magistrado ou tribunal, na trilha do interesse público que domina o tema, suscite o conflito, a fim de ser dirimido pelo órgão competente.
A parte interessada apresenta o conflito por petição, na forma de requerimento fundamentado, que será devidamente autuado, instruído com documentos e dirigido ao Presidente do tribunal competente. Em seguida, obedece-se à lei, normalmente de organização judiciária, que prevê o órgão competente interno do tribunal para julgar os conflitos de competência.
Sobre a suspensão do processo em caso de conflito, cabe salientar que é natural que, havendo conflito negativo de competência ( não há juiz interessado em julgar a causa), fique o processo paralisado, até que se decida quem deve dele cuidar. Para as providências urgentes pode o relator designar o juízo competente provisoriamente.
Em situação de conflito positivo de competência (existe mais de um juiz apto para a causa), deve-se ressaltar que o processo continua em andamento, conduzido pelo magistrado que se considerou competente a tanto e tem os autos em mãos.
Entretanto, conforme o caso, pode o relator, para evitar prejuízo maior e até por economia processual, determinar a suspensão do andamento. Nada impede que haja expresso pedido da parte interessada para essa providência.
É possível que o conflito seja resolvido ainda em primeiro grau, pelo reconhecimento da incompetência por um dos magistrados envolvidos, que pode se dar de ofício, ou através do julgamento da exceção específica. Desta forma, contra a decisão que concluir pela incompetência do juízo, em primeiro grau de jurisdição, é cabível o recurso em sentido estrito. Se a decisão rejeitar a exceção de incompetência, não cabe recurso, sem prejuízo da possibilidade de impetração de habeas corpus.
Restituição das coisas apreendidas
Para instruir o inquérito policial, a autoridade policial deve apreender os instrumentos do crime e objetos outros que tenham relação com o fato criminoso. A apreensão pode ocorrer durante a busca pessoal ou domiciliar, que, por seu turno, de regra, depende de mandado judicial. As coisas apreendidas, enquanto interessarem ao processo, não poderão ser devolvidas antes de transitar em julgado a sentença final.
A apreensão poderá ocorrer quando forem encontrados instrumentos ou meios de prova utilizados na prática do fato criminoso, que possam auxiliar no levantamento da autoria. Nesse caso, lavra-se um auto de apreensão e os instrumentos e demais objetos ficam sob custódia da polícia.
As autoridades que poderão deliberar acerca da restituição são o delegado ou o juiz. A deliberação do delegado de polícia está circunscrita aos casos de direito induvidoso e quando a coisa não for apreendida em poder de terceiro de boa-fé.
No que tange ao crime de reprodução de obra com violação de direito autoral, o juiz determina, na sentença, a destruição dos bens ilicitamente produzidos ou reproduzidos, bem como o perdimento em favor da Fazenda Nacional dos equipamentos que se destinem à prática do ilícito.
Uma vez encontrado o que se procura, procede-se à apreensão da pessoa ou coisa visada, de modo que os instrumentos e, enfim, todos os objetos que tiverem relação com o fato, acompanharão os autos de inquérito.
Os objetos sobre os quais pode incidir a diligência de busca e apreensão, isto é, aqueles que podem ser apreendidos são: as coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; objetos destinados à prova da infração ou à defesa do réu/ cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; qualquer elemento de convicção.
Não podem ser apreendidos as coisas ou os valores que constituam proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, mediante sucessiva especificação (jóias feitas com ouro roubado) ou adquiridos mediante alienação (dinheiro da venda do objeto furtado). Também não podem ser apreendidos o bem ou o valor dado ao criminoso como pagamento ou recompensa pela prática do crime.
O pedido de restituição poderá ser acolhido de imediato, mediante termo nos autos do inquérito policial ou do processo penal. A restituição, nesse caso, será efetivada pela autoridade policial ou pelo juiz sem necessidade de instauração do incidente.
Contudo, se duvidoso o direito alegado pelo reclamante, o pedido de restituição autuar-se-á em apartado, assinando-se ao requerente o prazo de cinco dias para a prova. Em tal caso, só o juiz criminal poderá decidir o incidente. A autuação do incidente também ocorrerá em apartado e só a autoridade judicial o resolverá, se as coisas forem apreendidas em poder de terceiro de boa-fé, que será intimado para alegar e porvar o seu direito, em prazo igual e sucessivo ao do reclamante, tendo um e outro dois dias para arrazoar.
Havendo dúvida sobre quem seja o verdadeiro dono – que dependa de dilação probatória não comportável perante o juízo criminal, o magistrado remeterá as partes para o juízo cível, ordenando o depósito das coisas em mãos de depositário ou do próprio terceiro que as detinhas, se for pessoa idônea.
Em se tratando de coisas facilmente deterioráveis, elas serão avaliadas e levadas a leilão público, depositando-se o dinheiro apurado, ou entregues ao terceiro que as detinha, se este for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade.
Ao proferir sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, proveito, veículo, máquina ou instrumento do crime, apreendidos, seqüestrado ou declarado indisponível. Não se trata, portanto, de efeito automático de perdimento de bens somente ocorre em relação àqueles cujo fabrico, alienação, porte ou detenção constituam fato ilícito.
Na hipótese de apreensão recair sobre dinheiro ou cheques, o Ministério Público, intimado, deverá requerer, em caráter cautelar, ao juízo a conversão do numerário apreendido em moeda nacional, se for o caso, a compensação dos cheques emitidos após a instrução do inquérito com cópias autênticas dos respectivos títulos e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial, juntando-se aos autos o recibo.
O juiz poderá determinar a liberação do produto, bem ou valor, quando comprovada a origem lícita dos mesmos. Convém notar que a restituição do bem somente será possível se o acusado comparecer pessoalmente. Ademais, o juiz poderá determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores.
Da decisão acerca do pedido de restituição, cabe apelação, além da possibilidade de impetração de mandado de segurança.
Medidas Assecuratórias
As medidas assecuratórias visam garantir o ressarcimento pecuniário da vítima em face do ilícito ocorrido, além de obstar o locupletamento ilícito do infrator. Servem também para pagamento de custas e de eventual multa. Tem caráter de instrumentalidade e se destinam a evitar o prejuízo que adviria da demora na conclusão da ação penal.
Dividem-se em sequestro, arresto e especialização de hipoteca legal. Fazem parte dos procedimentos incidentes, merecedores de decisão em separado, na pendência do processo principal, onde se apura a responsabilidade do réu pela infração penal.
O sequestro é a medida assecuratória consistente em reter os bens imóveis e móveis do indiciado ou acusado, ainda que em poder de terceiros, quando adquiridos com proveito da infração penal, para que deles não se desfaça, durante o curso da ação penal, a fim de se viabilizar a indenização da vítima ou impossibilitar ao agente que tenha lucro com a atividade criminosa.
Para a tomada da medida assecuratória do sequestro, deve ser demonstrada nos autos, a existência de indícios veementes da procedência ilícita dos bens
No procedimento do sequestro podem provocá-lo o representante do Ministério Público, ao ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros, à autoridade policial condutora das investigações e ao próprio magistrado, ex officio.
Decretado o sequestro nos autos do procedimento incidente é suficiente que determine o juiz a expedição de mandado para a sua inscrição ao Registro de Imóveis. Assimm fazendo, não é possível que o imóvel seja vendido a terceiros de boa-fé, uma vez que qualquer certidão extraída do Registro de Imóveis, o que é essencial para a garantia da boa transação, acusará a indisponibilidade do bem.
O arresto é feito sobre bens móveis para a garantia de indenização e despesas, isto é, para que ao final do processo possa ser ressarcido o prejuízo oriundo do dano deflagrado pelo réu ou por outrem.
A regra geral imposta a todo processo incidente é que sejam formados autos apartados, ou seja, deve o juiz determinar a formação de autos distintos do processo principal, a fim de que este não se conturbe com o andamento dos atos processuais do arresto.
Nos termos do art. 139 do Código de Processo Penal, o depósito e a administração dos bens móveis arrestados ficarão sujeitos às regras do processo civil. Assim, o depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada; mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo.
O arresto deve ser requerido pela parte interessada. Tem cabimento na forma como é facultada a hipoteca legal, mormente quando tiver o objetivo de garantir a satisfação de indenização futura; se o acusado não dispuser de imóveis suficientes para garantir a indenização, razão pela qual este arresto é subsidiário e complementar, sendo prioridade a hipoteca legal (sobre bens imóveis); e haja prova do crime e indícios de autoria.
Sem embargo, caso esses bens imóveis sejam coisas fungíveis e facilmente deterioráveis, podem ser de pronto vendidos em leilão, depositando-se o valor apurado à disposição do juízo, ou podem ser restituídos a quem os detinha mediante lavratura de termo nos autos, sendo este pessoa idônea e assumindo a responsabilidade.
O arresto será levantado quando por sentença irrecorrível, o réu for absolvido ou julgada extinta a punibilidade.
Acerca da hipoteca legal, esta incide sobre os bens imóveis do indiciado ou acusado, devendo ser requerido pelo ofendido, em qualquer fase, o procedimento denominado de especialização de autoria. Conforme ensina Pitombo: “hipoteca legal é instrumento protetivo. Emerge como favor legal, outorgado certas pessoas, em dada situação jurídica, merecedoras do amparo. Na lei, pois, lhe nasce o direito real de garantia” (apud. NUCCI, 2008, p. 369)
A hipoteca legal não é confisco, nem se destina o apurado pela eventual venda do imóvel à União. É uma medida cautelar, prevista em lei, não dependente de requerimento para existir, cujo procedimento para sua utilização baseia-se na especialização, logo, sujeito ao pedido da parte interessada, podendo ser o imóvel arrestado ou tornado indisponível. Assim, a lei confere hipoteca ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinquente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais.
A especialização da hipoteca legal ocorre mediante requerimento, em que a parte estimará o valor da responsabilidade civil, e designará e estimará o imóvel ou imóveis que terão de ficar especialmente hipotecados. Recebido o pedido, o juiz mandará logo proceder ao arbitramento do valor da responsabilidade e à avaliação do imóvel ou imóveis.
O juiz ouvirá as partes em dois dias, e em que pese a previsão de que o curso do mesmo ocorrerá em cartório. Ao final, será proferida decisão, autorizando somente a inscrição da hipoteca do imóvel ou imóveis necessários à garantia da responsabilidade. Da decisão denegatória ou concessiva, cabe apelação.
Incidente de Falsidade
Trata-se de procedimento incidente, voltado à constatação da autenticidade de um documento, inserido nos autos do processo criminal principal, sobre o qual há controvérsia. A importância desse procedimento é nítida, pois visa a garantia da formação legítima das provas produzidas no processo penal, onde prevalece o princípio da verdade real, impedindo, pois, que esta seja obscurecida pela falsidade trazida aos autos por uma das partes.
Espera-se que, instaurado o procedimento incidente de apuração de falsidade documental, uma vez julgado procedente, possa-se afastar do conjunto das provas elemento nocivo, porque não verdadeiro, impedindo-se que gere efeitos negativos, tal como a decretação de medidas drásticas contra o acusado (prisão, indisponibilidade de bens, busca e apreensão, etc.)
Argüida a falsidade documental, o juiz ou relator determinará a autuação em apartado, com suspensão do processo principal e prazo de quarenta e oito horas para o oferecimento de resposta da parte contrária.
Logo em seguida, abre-se o prazo sucessivo de três dias para as partes produzirem provas, após o que o juiz ordenará as diligências necessárias, normalmente perícia, e depois sentenciará sobre a falsidade argüida. O Ministério Público é sempre ouvido, ainda, ainda que atue como custos legis.
A falsidade pode ser levantada de ofício pelo juiz ou a requerimento das partes. Quando feita por procurador, depende de poderes especiais. Tal necessidade é evidenciada, especialmente, porque o incidente pode apresentar indícios de crime de quem apresentou o documento e a contrario senso, se improcedente, pode indicar delito cometido pelo arguente. Nestor Távora e Rosmar Antonni entendem que também o assistente de acusação tem legitimidade para ingressar com a argüição de falsidade (TÁVORA; ANTONNI. 2009, p.281).
Caberá ao juiz declarar, na sentença que julgar o incidente de falsidade, se o documento é falso ou verdadeiro. Caso declare a falsidade do documento, esta decisão somente fará coisa julgada no próprio processo, não vinculando o juiz no processo-crime pelo crime de falso. Contra qualquer dessas decisões, é cabível recurso em sentido estrito.
A decisão que reconhecer a falsidade documental não fará coisa julgada em prejuízo de ulterior processo penal ou civil. Por conseguinte, um documento pode ser reconhecido falso em incidente de falsidade, e o réu restar absolvido no processo que se instaurar em razão do crime de falsidade material ou ideológica.
Anote-se, ademais, que o processo incidente de falsidade guarda algumas peculiaridades. Com efeito, em face do interesse que permeia a argüição, a confissão da parte contrária não é capaz de impedir que o juiz determine diligências de ofício, se entender necessário. É que pode estar em jogo a presença de crime de falso ideológico ou material, a compelir o magistrado a enviar cópia dos autos ao Parquet.
Os documentos são classificados segundo duas espécies, a saber: originário ou instrumental e eventual. É originário o documento gerado com o propósito de provar, a exemplo do contrato. Eventual é aquele que, embora possa servir como prova, não foi produzido para tal fim. De todo modo, a característica essencial do documento, ainda é a relevância jurídica do escrito, ou seja, é necessário que a expressão do pensamento nele contido tenha possibilidade de gerar consequências no plano jurídico.
A seu turno, é importante destacar que o documento reconhecidamente falso não deixa de ser enquadrado no conceito de prova ilícita, e o seu desentranhamento, com posterior remessa ao Ministério Público para apurar eventual infração perpetrada, é de todo salutar. Na dicção de Magalhães Noronha, pode-se dizer que, em essência, “o único efeito da decisão, no processo incidente, é manter o processo o documento nos autos principais ou deles desentranhá-los” (apud. TÁVORA; ANTONNI. 2009, p.282)
Corretamente, a norma processual penal estabelece que a decisão tomada nos autos do incidente de falsidade, declarando ser o documento não autêntico, é limitada às estreitas fronteiras do procedimento incidente. A sua existência é justificada apenas para haver a deliberação sobre a legitimidade de uma prova, formadora do convencimento do magistrado, sem envolver ampla dilação probatória, típica de uma instrução de conhecimento.
Assim, reconhecida a falta de autenticidade da prova, desentranha-se esta e determina-se a apuração do falso, em outro processo. É possível que, ao final, seja na esfera criminal, seja na cível, verifique-se a inadequação da primeira decisão, entendendo-se ser verdadeiro o que antes foi acoimado de falso. Se tal ocorrer, nada impede futura revisão criminal, caso tenha havido prejuízo para o réu. Entretanto, se o prejuízo tive sido da acusação, tendo havido o trânsito em julgado da decisão proferida no processo de onde se extraiu o documento, nada mais se pode fazer, pois não há revisão em favor da sociedade.
Em suma, a decisão interlocutória do incidente de falsidade, busca, em linhas gerais, tão somente resolver quanto à veracidade ou falsidade de documento trazido à cena processual, que apresente relevância jurídica.
Incidente de insanidade mental
O incidente de insanidade mental é instaurado quando há dúvidas acerca da integridade mental do autor de um crime. Pode ser instaurado em qualquer fase da persecução, seja durante a ação penal, seja no inquérito policial.
É procedimento incidente deflagrado para a apuração da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do acusado, levando-se em conta a sua capacidade de compreensão do ilícito ou de determinação de acordo com esse entendimento à época da infração penal. Tal medida justifica-se, uma vez que não é possível a condenação, com a conseqüente aplicação de pena ao inimputável, devendo ser absolvido impropriamente., recebendo medida de segurança, que é uma espécie de sanção penal, embora nitidamente voltada ao tratamento e cura do enfermo.
Quanto ao semi-imputável, apurado o estado de perturbação da saúde mental, que lhe retira parcialmente o entendimento do ilícito ou da determinação de agir, de acordo com esse entendimento, poderá haver condenação, devendo, no entanto, o juiz reduzir a pena. Eventualmente, também ao semi-imputável, pode ser aplicada medida de segurança, se for o melhor caminho para tratá-lo.
Cabe salientar que não cabe a alegação de inimputabilidade durante a fase recursal, quando inexistam indícios de que o acusado sofra de moléstia mental, nos autos da ação.
Não é demais registrar que, segundo entendimento majoritário da doutrina, a culpabilidade é um dos elementos do crime, composto analiticamente de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Assim, para que se reconheça a existência de uma infração penal, torna-se indispensável que , além da tipicidade e da ilicitude, verifique-se a culpabilidade, um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, pessoa imputável, com conhecimento potencial da ilicitude e possibilidade e exigibilidade de ter atuado conforme o Direito.
Acerca do aludido incidente, constatando situação de dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.
A instauração do incidente pode ter lugar também em virtude de representação da autoridade policial, além dos legitimados acima, desde que haja fundada dúvida sobre a sanidade mental de um acusado (ou indiciado). Se o juiz determinar a instauração do incidente na fase do inquérito, este não é suspenso. Por outro lado, na fase processual, o juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento.
A relevância do incidente de insanidade mental recai especialmente sobre a culpabilidade do agente, afetando a fase de aplicação da pena, notadamente pela possibilidade de prolação de sentença absolutória imprópria tendente a não impor pena, mas medida curativa, isto é, medida de segurança. Na prática, o acusado é submetido à perícia psiquiátrica. O reconhecimento da irresponsabilidade do imputável é exigência de estrita justiça, mercê de não dispor de capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de querê-lo.
O procedimento do incidente de sanidade mental ocorre primeiramente com a determinação pelo juiz da instauração do incidente através de uma portaria, oportunidade em que o magistrado nomeará um curador ao réu ou indiciado.
Na forma do art.149, § 2º, do Código de Processo Penal, o juiz ordenará a suspensão da ação principal, ressalvada a possibilidade de realização de atos processuais que possam ser eventualmente prejudicados. Durante esta suspensão, o prazo prescricional flui normalmente. Se o incidente é instaurado durante o inquérito policial, face à ausência de previsão legal, o mesmo não terá o seu curso suspenso.
As partes serão, obrigatoriamente intimadas para que apresentem quesitos ao perito; porém, seu oferecimento é facultativo. Os peritos médicos realizam os exames. O prazo para a realização destes é de quarenta e cinco dias, prorrogável pelo juiz a pedido dos peritos.
Com a juntada do laudo, com as conclusões dos peritos, se os peritos concluírem que o réu era inimputável ou semi-imputável em razão de doença mental, ao tempo da omissão, o processo principal retomará o seu curso normal, só que com a presença do curador. Se os peritos concluírem que o réu adquiriu a doença mental após a prática do crime, o processo ficará suspenso, retomando a sua marcha caso o réu ou indiciado se restabeleça antes do prazo prescricional
O incidente será processado em apartado, e, após a juntada do laudo conclusivo dos peritos, seja apensado aos autos principais.
A decisão que determina a instauração do incidente é irrecorrível, podendo ser aplicado mandado de segurança ou habeas corpus, dependendo da procedência ou não.
Considerações Finais
As questões e processos incidentes se acoplam ao processo principal no intuito de aclarar razões fáticas ou jurídicas advindas no decurso da causa principal, alguns deles obstam o prosseguimento do feito, todavia, com razão de ser, isto é, com o desiderato de evidenciar situações não resolvidas durante a discussão principal.
O surgimento de tais incidentes processuais são analisados à parte, em virtude de obviar uma tormentosa miscelânea que possa vir a ensejar no processo, ao embaralhar os atos processuais de um e outro processo, mesmo que intrinsecamente ligados, pelo fato da existência do processo principal ser pressuposto para a subsistência do processo incidente.
Cabe asseverar que as questões e processos incidentes são instrumentos indispensáveis para o intento da busca da verdade real, ao intencionar o deslinde de situações controversas que, necessariamente, devem ser objeto de análise em processo incidente ou mesmo completamente distinto, como ocorre nas hipóteses de questões prejudiciais heterogêneas, em que surge a dependência da resolução de questões de natureza cível.
Assim, para a aplicação de uma pena ou a absolvição do réu, são percorridas trilhas variadas, que podem obstar o prosseguimento processual ou direcioná-lo para novas situações antes não existentes. Destarte, até a prolação da sentença, tais questões e processos incidentes traçam o rumo processual a ser colimado para que a jurisdição seja plena e expurgada de vícios que contrariem os princípios processuais penais e constitucionais.
Referências Bibliográficas
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16ª edição. São Paulo – SP. Editora Saraiva, 2009.
JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal Anotado. 24ª edição. São Paulo – SP. Editora Saraiva, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5ª edição. São Paulo – SP. Editora Revista dos Tribunais, 2008.
SABATOVSKI, Emílio(org.); FONTOURA, Iara P. (org.). Código de Processo Penal. 3ª edição. Curitiba – PR. Editora Juruá, 2009.
TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 3ª edição. Salvador – BA. Editora Jus Podivm, 2009.
Advogado Especialista e Consultor Jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Marco Túlio Rios. Uma abordagem doutrinária sobre questões e processos incidentes da sistemática Processual Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jan 2011, 09:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23285/uma-abordagem-doutrinaria-sobre-questoes-e-processos-incidentes-da-sistematica-processual-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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