A lei 9099/95 (juizado especial criminal), no que trata especificamente das infrações penais de menor potencial ofensivo, tem por objetivo atingir, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
Na audiência preliminar, superada a fase da composição civil dos danos sem conciliação das partes, segue-se a transação penal. Assim, “havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificado na proposta” (art. 76, caput).
Em relação à aplicação da pena não privativa de liberdade (multa ou pena restritiva de direitos), convém asseverar que não se pode eliminar a possibilidade de se impor ao réu processado por crime de pequeno potencial ofensivo uma pena privativa de liberdade (basta que o suposto autor do fato não aceite a proposta ofertada pelo Ministério Público, devendo, assim, ser denunciado). Doutra forma, é de asseverar que a aplicação de uma “medida penal” (transação penal) pelo Ministério Público, e, homologada pelo juiz produz efeitos diferentes em relação à sentença condenatória propriamente dita. Aliás, é salutar dizer que a sentença não é condenatória, muito menos absolutória. Trata-se de mera sentença homologatória da transação penal.
O suposto autor do fato (denominação dada pela lei 9099/95) procura, com a transação penal, evitar assim que seja criminalmente processado. Vê-se assim, que o Ministério Público e o suposto autor do fato procuram, na verdade, evitar o processo. Nesse sentido, esclarece Rogério Schietti: “Intui-se, portanto, que ambos os protagonistas dessa transação penal buscam, com o acerto de vontades, evitar o processo. O ministério Público abdica da persecução penal, obviando a formulação da denúncia e toda a atividade processual que decorreria do exercício do ius acusationis; o Autuado também evita o processo... preferindo sujeitar-se a uma pena que, em sendo cumprida, permitirá a extinção da punibilidade” (Revista do TRF – 1ª região, vol. 8, nº 2, p. 30 – sem grifo).
No mais, como já dito acima, a sentença que aplica a pena restritiva de direito ou multa, não tem caráter condenatório ou absolutório, não gerando a reincidência, registro criminal ou responsabilidade civil (art. 76 §§ 4º e 6º). Daí infere-se que por não se tratar de sentença condenatória, ela não pode ser executada nos moldes dos artigos 84-86 da lei 9099/95, muito menos, pode ela transformar-se em restritiva de liberdade.
No código penal, existe a condenação a pena privativa de liberdade, substituindo-se, em seguida, nos casos permitidos pela lei, pela pena restritiva de direitos. Nesse caso, o descumprimento da pena restritiva de direitos traria a conversão dela, na restritiva de liberdade. Primeiro, existe a condenação, depois, a conversão da pena em restritiva de direitos.
Doutra forma, na lei 9.099, diante do descumprimento da pena restritiva de direitos, não cabe falar em conversão na pena restritiva de liberdade. Não existe condenação, muito menos denunciado. Existe, sim, um acordo firmado entre o ministério Público e o suposto autor do fato para evitar todo o desgaste do processo. Se fosse permitida essa conversão, estaria, dessa forma, violando o princípio do devido processo legal e da inocência.
Dessa forma, o que fazer nos casos de descumprimento da transação penal, ora que o código foi omisso em relação a isso?
As partes (ministério Público e suposto autor do fato), como já dito acima, procuram, com a celebração do acordo, evitar a instauração da ação penal. Na visão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, diante do descumprimento injustificado do acordo ofertado pelo representante do Parquet, se a sentença não foi homologada, a única alternativa que resta ao Ministério Público é o oferecimento da denúncia ou requisitar as diligências necessárias.
Doutra forma é o procedimento para as sentenças que são homologadas, antes do cumprimento da transação penal, pelo juiz.
Nesse caso, é pacífico o entendimento no STJ, que, diante do descumprimento da transação penal, em razão dos efeitos da coisa julgada material e formal do acordo já feito, não é permitido o oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público.
O posicionamento do STJ poder trazer a inefetividade dos objetivos traçados pela lei dos Juizados Criminais. Imagine-se o descumprimento de uma pena pecuniária (multa) de pequeno valor. Pelo posicionamento adotado no STJ, deve-se inscrever a pena (pecuniária) não paga na dívida ativa e executá-la. Acontece que, sendo essa multa de pequeno valor, ela nunca seria executada, ficando assim, o suposto autor do fato “impune”.
O Aliás, diferente é o entendimento do Superior Tribunal Federal - STF. A sentença homologatória não faz coisa julgada material e, descumprido o acordo feito em juízo, retorna-se ao status quo anterior ao oferecimento da transação, viabilizando-se assim ao Ministério Público a continuação da persecução penal.
Para tentar minimizar as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, foi elaborado o projeto de lei nº 7.308/06, de autoria do deputado Ronaldo Cunha Lima, atualmente na Câmara, incluindo o §8º ao artigo 76 da lei 9.099. Esse novo dispositivo prevê que “o não integral cumprimento dos termos da transação penal implicará o imediato prosseguimento do procedimento criminal com o oferecimento da denúncia.”.
Do exposto, vislumbra-se, que, o melhor entendimento, inclusive, ratificado pelo STF, até futura modificação legislativa, é o oferecimento da denúncia pelo órgão ministerial, nos casos de descumprimento de transação penal, independente se a sentença foi homologada ou não pelo juiz.
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