1- Introdução
Por intermédio do presente trabalho, será demonstrado o equívoco daqueles operadores do direito que pretendem obter, administrativa ou judicialmente, a anulação de autos de infração lavrados pelo IBAMA, alegando uma suposta violação do art. 71, II, da Lei 9.605/98. Este dispositivo prevê o prazo máximo de trinta dias para que a autoridade competente promova o julgamento do auto de infração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não defesa ou impugnação.
Consoante será demonstrado, esta tese representa uma tentativa desesperada dos infratores de invalidar um ato administrativo legitimamente produzido em seu desfavor. Diante de uma situação que não admite qualquer discordância acerca da norma de direito material violado, buscam os autuados desconstituir o Auto de Infração com base em tergiversações principiológicas. Sustentam, então, que teriam sido desrespeitados postulados de envergadura constitucional, tais como o princípio da eficiência, do devido processo legal e da razoável duração do processo.
2 – Desenvolvimento
Antes de se analisar qual a natureza jurídica da norma disposta no art. 71, II, da Lei 9.605/98, imprescindível se faz, previamente, discorrermos acerca dos princípios constitucionais apontados como violados. Neste diapasão, algumas linhas serão dedicadas ao tratamento do princípio hermenêutico da concordância prática ou harmonização e à ponderação de interesses - realizada à luz do princípio da proporcionalidade. Será descrito, brevemente, o procedimento disposto na IN 14/09 do IBAMA, relativo à apuração de infrações ambientais. A análise deste iter deixará às escancaras a total impossibilidade de conclusão de um procedimento administrativo de apuração de infração ambiental no prazo de 30 dias.
Para arrematar, será colacionado o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da celeuma em debate, para que seja posta uma pá de cal na discussão e reste incontroversa a natureza de prazo impróprio, de mera recomendação, do multicitado art. 71, II, da Lei de Crimes Ambientais.
2.1 - Dos princípios constitucionais da eficiência, duração razoável do processo e do devido processo legal.
Para alguns, o princípio da eficiência não é novidade no direito brasileiro. Isto porque, mesmo antes da Emenda Constitucional 19/98 (a qual positivou expressamente referido postulado constitucional, no caput do art. 37), ele já podia ser considerado como um consectário natural do princípio da legalidade, o qual impõe que na aplicação da lei seja observada a vertente que traga mais benefícios para a Administração Pública e para os administrados. Trata-se, em verdade, mais de um objetivo a ser atingido do que de um mandamento nuclear do sistema jurídico. Acerca deste princípio, mister se faz trazer à baila as lições do professor Alexandre de Moraes1. Vejamos.
Dessa forma, a EC 19/98, seguindo os passos de algumas legislações estrangeiras, no sentido de pretender garantir maior qualidade na atividade pública e na prestação dos serviços públicos, passou a proclamar que a administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverá obedecer, além dos tradicionais princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, também ao princípio da eficiência.
(...)
Assim, princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços sociais essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para satisfação do bem comum.
Não obstante a relevância do mencionado princípio, Maria Sylvia2 adverte:
A eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito.
O princípio da razoável duração do processo veio a lume com a Emenda Constitucional nº 45 de 2004. O legislador constituinte derivado se curvou aos reclamos da comunidade jurídica, que não suporta mais a eternização processual observada na justiça nacional. A introdução desse princípio foi uma das medidas do “pacote” tendente a racionalizar a tramitação dos processos no Brasil. Dentre as outras medidas, pode-se citar, por exemplo, a criação das súmulas vinculantes, de um novel requisito de admissibilidade para os recursos extraordinários - repercussão geral -, entre outros. Vale salientar que, por expressa disposição constitucional, referido postulado não está adstrito ao processo judicial, sendo aplicável, também, aos processos administrativos. No que concerne ao inciso LXXVIII do art. 5º da CF, destaca José Carvalho dos Santos3:
A Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004 (denominada de “Reforma do Judiciário”), acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição, estabelecendo: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O novo mandamento, cuja feição é a de direito fundamental, tem por conteúdo o princípio da eficiência no que se refere ao acesso à justiça e estampa inegável reação contra a insatisfação da sociedade pela excessiva demora dos processos, praticamente tornando inócuo o princípio do acesso à justiça para enfrentar lesões ou ameaças a direito (art. 5º, XXXV, CF). Note-se que a nova norma constitucional não se cinge aos processos judiciais, mas também àqueles que tramitam na via administrativa, muitos destes, da mesma forma, objeto de irritante lentidão. Não basta, porém, a inclusão do novo mandamento; urge que outras medidas sejam adotadas, em leis e regulamentos, para que a disposição possa vir a ter densa efetividade.
À continuação, necessário se faz tecer breves comentários acerca do princípio do devido processo legal. A doutrina divide-o em dois subprincípios, quais sejam, o devido processo legal material e formal. Este postulado, sem dúvida, representa uma das mais importantes garantias no Estado de Direito. Com efeito, não é dado ao Estado, ou a quem quer que seja, privar um indivíduo de um bem, direito, propriedade ou liberdade, sem que lhe sejam assegurados o cumprimento de um iter previamente estabelecido em lei e o respeito a seus direitos fundamentais. Demais disso, deverão ser observados e garantidos, também, o contraditório e a ampla defesa (consectário lógico do due process of law), mesmo que, em algumas situações, necessitem ser postergados. Celso Antônio Bandeira de Melo4 define com maestria o significado e alcance do “devido processo legal”. In verbis:
Estão aí consagrados, pois, a exigência de um processo formal regular para que possam ser atingidas a liberdade e a propriedade de quem quer que seja e a necessidade de que a Administração Pública antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade de contraditório e ampla defesa, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas. Ou seja: a Administração Pública não poderá proceder contra alguém passando diretamente à decisão que repute cabível, pois terá, desde logo, o dever jurídico de atender ao contido nos mencionados versículos constitucionais.
(...)
Tal enquadramento da conduta estatal em pautas balizadoras, com se disse e é universalmente sabido, concerne tanto a aspectos materiais – pelo atrelamento do Estado a determinados fins antecipadamente propostos como os validamente perseguíveis – quanto a aspectos formais, ou seja, relativos ao preestabelecimento dos meios eleitos como as vias idôneas a serem percorridas para que – e somente através delas -, possa o Poder Público exprimir suas decisões. Estes últimos dizem com a prévia definição dos processos que canalizarão as manifestações estatais. A indicação das formas adequadas para aportar nos fins buscados define o modus procedendi obrigatório para o Poder Público, com o quê sua atuação fica inserida na intimidade de uma trilha cujo percurso correto é a maior garantia para o cumprimento dos bens jurídicos que o Estado de Direito visa a resguardar.
Finalizada esta exposição propedêutica dos princípios comumente apontados como violados - significado e alcance - nas hipóteses de não cumprimento do prazo disposto no art. 71, II, da Lei 9.605/98, passamos a demonstrar a existência de respeito aos mesmos, assim como a necessidade de seu cotejo com princípios outros, igualmente constitucionais.
2.2 - Da observância dos postulados constitucionais aplicáveis ao processo administrativo ambiental. Procedimento estabelecido pela IN 14/09 Do IBAMA.
Cumpre destacar que, diferentemente do quanto alegado pelos Autuados, a extrapolação do prazo previsto no art. 71, II, da Lei 9.605/98, não se deve à paralisação do processo administrativo, tampouco à inércia dos órgãos ambientais. Nenhum arranhão aos princípios da eficiência e razoável duração do processo pode ser identificada. Pelo contrário. A suposta demora na tramitação do procedimento se deve ao respeito das garantias constitucionais do Administrado, tais como o devido processo legal (formal e material), a ampla defesa e contraditório.
Para que se possa ter uma noção do tempo mínimo de tramitação do processo administrativo regularmente processado, imprescindível se faz a transcrição de algumas de suas etapas, previstas na Instrução Normativa nº 14/09 do IBAMA (ato regulador dos procedimentos para apuração de infrações administrativas ambientais, imposição de sanções, defesa ou impugnação, sistema recursal, entre outros). Vejamos:
Art.41 Será instaurado processo para apuração de infrações ambientais no prazo de cinco dias contados da entrega do auto de infração ou Termos Próprias ao Autuado.
Art.52 Verificado o pagamento, a equipe técnica elaborará o parecer instrutório sem dilação probatória, e remeterá os autos à autoridade julgadora para decisão, precedida da publicação de edital contendo a lista dos processos, com prazo de 10 (dez) dias para apresentação de alegações finais.
Parágrafo 1º Na hipótese de indicação de majoração ou agravamento, o autuado deverá ser intimado por meio de Aviso de Recebimento para manifestar-se no prazo de 10 (dez) dias.
Art.53 Verificada situação de agravamento nas situações em que o pagamento não tenha ocorrido, o autuado será intimado para manifestar-se no prazo de 10 (dez) dias, contados do recebimento do AR.
Art.68 O pedido de conversão de multa de que trata os incisos I e II do art. 140 do Decreto nº 6.514/08 deverá ser formulado acompanhado de pré-projeto que será aprovado pela autoridade competente.
Parágrafo 2º Caso o autuado ainda não disponha de pré-projeto na data de apresentação do requerimento de conversão de multa, poderá requerer a concessão de prazo de até trinta dias para a apresentação do referido documento, a contar do protocolo do pedido.
Necessário, também, trazer a baila o teor do próprio art. 71, da Lei 9.605/98:
Art. 71 O processo administrativo para apuração da infração ambiental deve observar os seguintes prazos máximos:
I- vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, contados da data da ciência da autuação;
II- trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação;
Diante dos prazos estabelecidos nos dispositivos acima reproduzidos, quadra questionar: seria possível concluir um procedimento administrativo ambiental em 30 dias? Esse interregno pode ser considerado condizente com a razoável duração do processo?
Ora, somente para a apresentação da defesa administrativa, é fornecido ao administrado um prazo de 20 dias. Poderia alguém pretender que em 10 dias fosse percorrido o seguinte iter: instauração do procedimento administrativo, juntada da defesa, solicitação de informações do agente autuante, averiguação acerca da necessidade de agravamento da sanção pecuniária, elaboração de parecer jurídico, notificação para apresentação de alegações finais e prolação de decisão administrativa? Obviamente, não.
Os autuados se apegam sobremaneira ao princípio da eficiência, defendendo que a extrapolação do indigitado trintídio poderia engendrar a nulidade de todo o processo administrativo (indaga-se: como se pretender o reconhecimento de nulidade se não há comprovação do prejuízo?). Ocorre que, dentro das inúmeras perspectivas sob as quais o mencionado postulado deve ser analisado, os administrados somente se atém à vertente da celeridade, olvidando-se de aspectos como presteza, perfeição, atendimento aos anseios coletivos. Contudo, a exata compreensão do princípio constitucional da eficiência passa pela valoração de todas suas facetas, bem como pela realização de uma ponderação de princípios igualmente constitucionais, à luz da razoabilidade e proporcionalidade.
O anseio do Autuado pela rápida solução do litígio não pode sobrepor a necessidade de observância de outros princípios esculpidos na Lei Maior, como o contraditório, a legalidade, a publicidade, entre outros. Seria crível que a Administração Pública pudesse julgar todos os Autos de Infração lavrados no prazo máximo de 30 dias? É ilógico pretender que em um mês todo o procedimento administrativo referente a uma determinada infração ambiental (ou de qualquer outra natureza!) esteja concluído.
2.3 - Princípio Hermenêutico da Concordância Prática ou Harmonização. Ponderação de Interesses à Luz do Princípio da Proporcionalidade.
De qualquer forma, a situação em tela apresenta um aparente conflito de princípios constitucionais. De um lado estão os postulados da eficiência e razoável duração do processo. Do outro, o devido processo legal e o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Como dito, tem-se um aparente conflito de princípios constitucionais. Isto porque, dentro de um sistema jurídico harmônico, não se concebe a existência de antagonismos entre valores de igual envergadura. Não existe hierarquia entre princípios. Diante do caso concreto, deve ser buscada a solução que mais se coaduna com a convivência entre os postulados envolvidos, evitando-se o sacrifício total de qualquer deles.
É justamente esta idéia que consagrou o princípio hermenêutico da Concordância Prática ou Harmonização, claramente descrito por Pedro Lenza5.
“Partindo da idéia de unidade da Constituição, os bens jurídicos constitucionalizados deverão coexistir de forma harmônica na hipótese de eventual conflito ou concorrência entre eles, buscando-se, assim, evitar o sacrifício (total) de um princípio em relação a outro em choque. O Fundamento da idéia de concordância decorre da inexistência de hierarquia entre os princípios.
Nas palavras de Canotilho, ‘o campo da eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos). Subjacente a este princípio está a idéia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens’”
Para estes casos de aparente conflito entre princípios, ao lado do vetor hermenêutico suso explanado (Concordância Prática ou Harmonização), impõe-se, também, a utilização da técnica de decisão chamada Ponderação de Interesses – que se concretiza tendo como preceito norteador o princípio da proporcionalidade. Ninguém melhor do que Luis Roberto Barroso6 para dissertar acerca desta técnica.
“Princípios contêm, normalmente, uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante e indicam uma determinada direção a seguir. Ocorre que, em uma ordem pluralista, existem outros princípios que abrigam decisões, valores ou fundamentos diversos, por vezes contrapostos. A colisão de princípios, portanto, não só é possível, como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. Por isso, a sua incidência não pode ser posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. Deve-se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância. À vista dos elementos do caso concreto, o intérprete deverá fazer escolhas fundamentadas, quando se defronte com antagonismos inevitáveis, como os que existem entre a liberdade de expressão e o direito de privacidade, a livre iniciativa e a intervenção estatal, o direito de propriedade e sua função social. A aplicação dos princípios se dá, predominantemente, mediante ponderação. (...). A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas.”
Dessa forma, à luz do princípio da Concordância Prática e da Ponderação de Interesses, é indubitável que a ordem jurídica vigente privilegia a preservação ambiental em detrimento da anulação de um procedimento administrativo (regular!) não concluído no prazo de 30 dias. Em verdade, sequer existe o aparente conflito de princípios. Isto porque a correta compreensão do significado de eficiência, razoável duração de processo e devido processo legal jamais conduziriam a conclusão referente à necessidade de exaurimento da via administrativa em um mês!
Infelizmente, o que tem ocorrido é a distorção destes postulados para viabilizar uma construção doutrinária hábil a confundir o intérprete desavisado. Porém, mesmo a leitura distorcida dos referidos princípios constitucionais não é capaz de infirmar a prevalência do princípio da preservação ambiental, quando realizada a ponderação de interesses à luz da proporcionalidade.
Outrossim, por qualquer ângulo que se analise, uma conclusão é inarredável: o descumprimento do prazo de 30 dias (previsto no art. 71, II, da Lei 9.605/98) não tem o condão de invalidar um Auto de Infração legitimamente lavrado.
2.4 - Natureza jurídica do prazo estabelecido no art. 72, I, da Lei 9.605/98. Posição da doutrina e jurisprudência.
A doutrina e jurisprudência são uníssonas no sentido de que referido prazo é impróprio, não implicando nenhuma nulidade a sua inobservância, mormente quando justificada pela realização de diligências tendentes a melhor apurar a infração praticada. Trata-se mais de uma recomendação do que de uma imposição legal.
Na mesma linha, é cediço que, no que concerne às nulidades, vige o princípio francês pas nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo). Percebe-se que a mera inobservância do trintídio, sem a efetiva comprovação de prejuízo experimentado pelo administrado, não tem o condão de gerar a nulidade de todo o procedimento administrativo realizado.
Mesmo que assim não se entenda, o prazo de 30 dias para julgamento do auto de infração se revela igualmente inaplicável. Isto porque a Lei 9.873/99 - que é posterior à Lei 9.605/98 – estabeleceu, em seu art. 1º:
Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
Parágrafo 1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração de responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
Parágrafo 2º Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
É cediço que o art. 71, II, da Lei 9.605/98, não estava a tratar da prescrição. Contudo, cotejando ambos os diplomas legais, é possível inferir o absurdo da interpretação que sugere a invalidação do auto de infração não julgado em 30 dias, contados de sua lavratura. Ora, se a prescrição da ação que objetiva apurar a prática de infração ambiental ocorre em 5 anos, não é lógico, muito menos razoável pretender que o não julgamento do AI em 30 dias possa afetar sua validade.
Outrossim, tampouco se pode falar em prescrição por conta do julgamento do auto de infração ter se dado em prazo superior a trinta dias.
Cumpre esclarecer que o inciso II do art. 71 da Lei 9.605/98 não traz prazo de natureza prescricional ou decadencial (como inacreditavelmente pretendem alguns!), mas, tão-somente, de natureza procedimental e impróprio, sendo que a sua inobservância não acarreta a nulidade do processo administrativo.
Nesta senda, imprescindível se faz a citação do magistrado federal Flávio Dino de Castro Costa, na Obra Crimes e Infrações Administrativas Ambientais7, ao comentar o art. 71 da Lei 9.605/98:
“A inobservância do prazo para julgamento não torna nulo o veredicto expedido pelo julgador, como, aliás, expressamente prevê o art. 169, §1°, da Lei n° 8.112/90 em face de situação similar: ‘ O julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo”.
Mutatis mutandis, vale lembrar o quanto disposto no art. 189 do Código de Processo Civil, que prescreve prazo de 10 (dez) dias para os magistrados proferirem sentença. Será que se não observado este prazo, o processo deverá ser tido como nulo?
Os Tribunais Regionais Federais já tiveram a oportunidade de se manifestar sobre o tema ora em debate:
AÇÃO DE ANULAÇÃO DE AUTO DE INFRAÇÃO. COMPETÊNCIA DA POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL PARA A LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO. PRECEDENTES. A DESCRIÇÃO DA PRÁTICA DE INFRAÇÃO AMBIENTAL É MOTIVAÇÃO SUFICIENTE PARA A LAVRATURA DO AUTO. A INOBSERVÂNCIA DO PRAZO DO ART. 71, INCISO II, DA LEI 9.605/98 NÃO INVALIDA O AUTO. INAPLICABILIDADE DO ART. 60, § 3º, DO DECRETO 3.179/99. VALIDADE DO AUTO.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.72.12.000153-0/SC, Relator(a) CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4, TERCEIRA TURMA, D.E. 23/09/2009)
MANDADO DE SEGURANÇA. APURAÇÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA COMPETENTE EMITIR JULGAMENTO - REGULARIDADE PROCESSUAL.
(...)
Efetivamente, o fato de ter havido excesso de prazo não enseja nulidade ou irregularidade procedimental apta para produzir a invalidade dos atos processuais porventura praticados.
É que o prazo legal de 30 (trinta) dias previsto no inciso II do artigo 71 da Lei nº 9.605/98, para que a autoridade julgue o auto de infração, contados da sua lavratura, não é peremptório. Dirigido à autoridade administrativa competente para o julgamento do processo, pode-se enquadrá-lo dentre os denominados prazos impróprios, fixados como parâmetro para a prática do ato, de cuja inobservância não implica preclusividade. Vale dizer, o descumprimento do ônus processual de proferir a decisão administrativa no prazo estabelecido não gera conseqüências processuais, sendo válido e eficaz o ato realizado ao depois." (Apelação em mandado de segurança n. 2004.72.00.010434-6/SC, rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, D.J.U. de 22/11/2006).
Ora, qualquer extraneus que tenha um mínimo conhecimento acerca do funcionamento da “máquina administrativa” sabe que opinião diversa inviabilizaria o exercício do poder de polícia não só pelo IBAMA, senão por todas as demais autarquias e órgãos de fiscalização. A observância dos prazos prescricionais aplicáveis à espécie, por si só, já têm o condão de garantir a razoável duração do processo administrativo, bem como o princípio da eficiência.
3 - Conclusão
Dessa forma, com fulcro em todos os argumentos expendidos ao longo deste trabalho, é possível concluir que o prazo preconizado no art. 71, II, da Lei 9.605/98, tem natureza jurídica de prazo impróprio, de mera recomendação, cuja inobservância não acarreta qualquer vício. Não há falar-se em prazo peremptório, decadencial ou prescricional.
Referências Bibliográficas:
1- MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19.ed. – São Paulo: Atlas, 2006. p. 300-302.
2- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 73-74.
3- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.23.
4- BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 15.ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2002. p. 105-108.
5- LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
6- Luis Roberto Barroso – Interpretação e Aplicação da Constituição, fls. 356.
7- COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro; BELLO FILHO, Ney de Barros e COSTA, Flávio Dino de Castro e. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais: comentários à Lei nº 9.605/98. 2º ed. rev. e atual. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, pg. 393.
Promotor de Justiça no estado da Bahia. Professor de Direito Constitucional no Programa de Pós-Doutorado na Mediterranea International Centre for Human Rights Research (MICHR), Italy. Realizou pesquisa de Pós-Doutorado na Mediterranea International Centre for Human Rights Research (MICHR), Reggio Calabria (Italy) e no Programa de Pós-Graduação em Direito na Universidade Federal da Bahia. Doutor em Políticas Sociais e Cidadania (UCSAL). Mestre em Segurança Pública, Justiça e Cidadania (UFBA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMADO, Marco Aurelio Nascimento. Natureza jurídica do art. 71, II, da Lei 9.605/98: prazo decadencial, prescricional ou impróprio? Necessidade de ponderação e convivência entre os princípios da razoável duração do processo, eficiência e devido processo legal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 fev 2011, 08:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23416/natureza-juridica-do-art-71-ii-da-lei-9-605-98-prazo-decadencial-prescricional-ou-improprio-necessidade-de-ponderacao-e-convivencia-entre-os-principios-da-razoavel-duracao-do-processo-eficiencia-e-devido-processo-legal. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
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