RESUMO: Este trabalho tem por objetivo principal investigar os efeitos jurídicos do contrato de trabalho com objeto proibido e do contrato de trabalho com objeto ilícito. Ambos são maculados no elemento objeto do negócio jurídico, ou seja, há irregularidade na obrigação que é acordada entre as partes. Assim, apresenta os conceitos legais e doutrinários, natureza jurídica e elementos essenciais do contrato de trabalho. Também, analisa a teoria das nulidades no pacto de trabalho, sua aplicação e os efeitos que são gerados com o reconhecimento das nulidades no contrato de labor. Dessa forma, expõe o contrato de trabalho com objeto proibido com todas suas peculiaridades, e também os efeitos jurídicos que são gerados a partir da prestação de serviços dentro dessa avença. Por fim, apresenta da mesma forma o acordo de labor ilícito e os efeitos jurídicos dessa relação de trabalho, e propõe que sempre sejam observados pelos operadores do direito os escopos sociais e tutelar do Direito do Trabalho na aplicação dos efeitos das nulidades no pacto laboral.
PALAVRAS-CHAVE: Contrato de trabalho; Objeto Proibido; Objeto Ilícito; Nulidades.
1 INTRODUÇÃO
O homem, enquanto ser social, busca se relacionar com o seu semelhante para que assim possa suprir suas necessidades.
Dentre estas relações humanas está a trabalhista.
Trabalho é um termo que deriva do latim trapalium, que expressa uma idéia de sofrimento. A própria Bíblia faz uma correlação entre trabalho e castigo, quando no capítulo 3 do livro de gênesis, Deus determina que Adão apenas comeria daquilo que “proviesse do suor do seu rosto”.
As filósofas Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins asseveram que:
O trabalho humano é a ação dirigida por finalidades conscientes, a resposta aos desafios da natureza, na luta pela sobrevivência. Ao reproduzir técnicas que outros homens já usaram e ao inventar outras novas, a ação humana se torna fonte de idéias e ao mesmo tempo uma experiência propriamente dita.[1]
O homem procura, portanto, trabalhar para que através do seu trabalho possa ser retribuído, pois é desta retribuição que em regra ele sobrevive.
Mas para trabalhar, o homem necessita encontrar outrem que precise de sua força laborativa. Deste modo, surge o encontro de vontades que normalmente dá origem ao contrato de trabalho.
Entretanto, nem sempre na formação desse contrato os seus pactuantes observam todos os requisitos legais estipulados pelo ordenamento jurídico, dando assim azo ao surgimento de nulidades.
Dentre os tipos de nulidade que podem macular o contrato de labor, existem as espécies que dão origem ao trabalho ilícito e ao trabalho proibido, que causam efeitos jurídicos diversos na relação de trabalho.
São essas diferentes nulidades e efeitos que são gerados pelo trabalho ilícito e pelo trabalho proibido que serão objetos de estudo e abordagem no presente estudo.
2 CONCEITOS E ASPECTOS BÁSICOS DO CONTRATO DE TRABALHO
2.1 CONCEITO
Primordialmente, se faz necessário conceituar e conhecer o negócio jurídico que tem por objeto principal a relação de trabalho, para que depois possa ser entendido os efeitos jurídicos desses negócios quando ilícitos e proibidos.
Denomina-se contrato de trabalho o acordo de vontades de que deriva a relação de trabalho. A Consolidação das Leis do Trabalho nos trás um conceito impreciso no art. 442, vejamos:
“ Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.”
A doutrina pátria procura dar ao pacto laboral um conceito mais claro e completo. Arnaldo Sussekind revela:
No Brasil, tendo em conta o disposto nos arts. 2º e 3º da CLT, o contrato individual de trabalho pode ser definido como o negócio jurídico em virtude do qual um trabalhador obriga-se a prestar pessoalmente serviços não eventuais a uma pessoa física ou jurídica, subordinando ao seu poder de comando, dele recebendo os salários ajustados.[2]
O trabalho constitui a principal obrigação desse vínculo contratual e que corresponde ao esforço físico ou mental despendido por um ser humano em favor de outrem.
A CLT no referido artigo 442, usa impropriamente a expressão “relação de emprego”, consoante bem explica e diferencia em sua obra o mestre Sérgio Pinto Martins:
Contrato de trabalho é gênero, e compreende o contrato de emprego. Contrato de trabalho poderia envolver qualquer trabalho, como o do autônomo, do eventual, do avulso, do empresário etc. Contrato de emprego diz respeito à relação entre empregado e empregador e não a outro tipo de trabalhador.[3]
Portanto, na realidade, o termo que mais apropriado e que deveria ter sido empregado no enunciado do artigo era o de “relação de trabalho”.
2.2 NATUREZA JURÍDICA
Diversas são as teorias que buscam definir a natureza jurídica do contrato de trabalho. Porém, a doutrina dominante afirma que o contrato de labor tem natureza contratual de Direito Privado (Teoria Contratualista).
Nesse diapasão, o elemento volitivo é primordial para a formação do vinculo de trabalho, existindo assim, liberdade para constituição de obrigações recíprocas.
O Estado intervém apenas para preservar direitos mínimos dos trabalhadores, isso é o que se chama de intervencionismo estatal básico, o qual busca coibir abusos do contratante que geralmente é a parte mais forte neste negócio, conforme reza o art. 444 da CLT, transcrito a seguir:
“ Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.”
2.3 ELEMENTOS ESSENCIAIS PARA A VALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
Como espécie do gênero negócio jurídico, a avença de trabalho exige para a sua realização a presença de elementos essenciais, também previstos no direito comum que são: agente capaz, objeto lícito, possível, determinável e forma prescrita ou não defesa em lei, ex-vi do disposto no art. 104 do Código Civil:
“ Art. 104 - A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.”
2.3.1 Agente Capaz
Para que o pacto laboral tenha validade, é necessário que as partes possuam capacidade jurídica, para que assim possam expressar validamente sua vontade.
2.3.2 Forma prescrita ou não defesa em lei
Em regra, o contrato de trabalho prescinde de qualquer formalidade para a sua regular validade, segundo o disposto no art. 107 do Código Civil:
“ Art. 107 - A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”
2.3.3 Objeto lícito, possível, determinado ou determinável
O objeto do contrato de trabalho, ou seja, as obrigações que dele decorrem, não podem contrariar a lei, a moral e os bons costumes.
Em relação à licitude do objeto, é que podemos identificar o trabalho proibido e o trabalho ilícito, cada um com efeitos jurídicos diferentes.
3 A TEORIA DAS NULIDADES NO CONTRATO DE TRABALHO
O contrato de trabalho, espécie de ato jurídico, precisa observar aos preceitos da lei, caso contrário, deixará de surtir os efeitos almejados pelos contratantes, podendo ser declarado como inexistente, invalidado, ou ainda ser reconhecido como ineficaz.
Em primeiro lugar, deve-se examinar o contrato de trabalho no plano da existência, se ele existe ou se apenas aparente ser um negócio, ou seja, um ato inexistente. Se se reconhece que existe, passa-se para o plano da validade, onde poderá ser válido ou inválido. Se é válido, observa-se por fim o plano da eficácia. Nesse último plano, esse contrato, existente e válido, poderá ser eficaz ou ineficaz.
Dentro do plano da validade, para serem válidos, necessitam dos requisitos essenciais no art. 104 do Código Civil: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.
A invalidade do ato jurídico pode assumir duas formas, com causa e efeitos diferentes. Tanto os negócios jurídicos de direito civil, quanto os do direito laboral poderão ser nulos ou anuláveis.
O reconhecimento da anulabilidade do ato jurídico tem por objetivo a proteção de interesses privados. Este é tido como um ato eivado de nulidade relativa, é imperfeito mas não ofende o interesse público, apenas mera conveniência das partes, que por isso podem ou não alegar sua invalidade.
Já a verificação da nulidade tem um alcance mais amplo, pois nessa vislumbra-se resguardar o interesse público. O ato é tão defeituoso que não pode ser convalidado de nenhuma forma, sendo nulo absolutamente, é impossível sua retificação e ou ratificação.
Porém, nem sempre no direito do trabalho, as situações de vícios de validade, ora demonstradas, se apresenta da forma que é verifica no âmbito civilista. Em certas situações, o contrato laboral mesmo apresentando vícios que, de acordo com princípios do direito comum, deveriam culminar na nulidade absoluta do pacto, pode ser convalidado como se todos os requisitos nele estivessem presentes.
Tal diferenciação em relação ao contrato de labor é devida principalmente a impossibilidade de retorno ao status quo ante do trabalhador, como estabelece a legislação civil para os contratantes quando o acordo for tido como nulo, haja vista que não se tem como desfazer o trabalho já prestado e retribuído como se deve. A teoria trabalhista das nulidades tende a acatar a irretroação da nulidade decretada. Destarte, os efeitos gerados pela declaração da nulidade em regra são ex nunc.
Maurício Godinho Delgado nos leciona:
O Direito do trabalho é distinto, nesse aspecto. Aqui vigora em contra- partida, como regra geral, o critério da irretroação da nulidade decretada, a regra do efeito ex nunc da decretação judicial da nulidade percebida. Verificada a nulidade comprometedora do conjunto do contrato, este, apenas a partir de então, é que deverá ser suprimido do mundo sócio-jurídico; respeita-se, portanto, a situação fático-jurídica já vivenciada. Segundo a diretriz trabalhista, o contrato tido como nulo ensejará todos os efeitos jurídicos até o instante de decretação da nulidade – que terá, desse modo, o condão apenas de inviabilizar a produção de novas repercussões jurídicas, em face da anulação do pacto viciado.[4]
Contudo, não é sempre que devemos aplicar a teoria das nulidades trabalhistas. Em certas situações, mesmo em relação ao contrato de trabalho, principalmente em casos onde houver afronta ao interesse público, existirá uma aplicação mais restrita pelo operador jurídico dessa teoria, ou até mesmo será totalmente inaplicada, devendo ser observada por completo a teoria clássica do direito civil.
Portanto, é a observância do caso concreto que mostrará se a decretação de nulidade num contrato laboral deverá ter efeitos retroativos ou não.
4 O CONTRATO DE TRABALHO COM OBJETO PROIBIDO
O trabalho proibido, também denominado pela doutrina de trabalho juridicamente impossível, é o labor cujo exercício é proibido apenas para determinada categoria de trabalhadores.
Nesse tipo de trabalho irregular, a prestação de serviço se desenvolve desrespeitando norma imperativa proibitiva em certas circunstâncias ou envolvendo determinadas classes de trabalhadores, sem que essa proibição decorra da moral ou dos bons costumes.
É aquele em que o objeto do contrato, em si mesmo, não contém qualquer ilicitude, pois a atividade laborativa executada é intrinsecamente incensurável. Nada obstante, circunstâncias extrínsecas ao próprio trabalho têm o condão de torná-lo vedado pela legislação, prevalecendo neste caso o interesse do trabalhador.
São exemplos de labor com objeto proibido:
- O trabalho exercido por menor de 14 anos, bem como o do menor entre 16 a 18 anos em trabalho noturno ou em condições insalubre. O trabalho infantil além de proibido, envolve questões humanitárias e sociais.
- O trabalho da mulher em serviço que demande emprego de força superior a 20 quilos para o trabalho contínuo, ou 25 quilos para o trabalho realizado ocasionalmente. A Consolidação das Leis do Trabalho trata em vários artigos sobre o trabalho da mulher, assegurando tratamento especial em função de suas “condições físicas e psíquicas”.
Maria Valéria J. Pena afirma que:
A peculiaridade das condições da mulher referia-se simplesmente a como garantir que ela, apesar de uma trabalhadora assalariada, continuasse a desempenhar adequadamente suas tarefas domésticas e não pagas, em outras palavras como inscrever na lei, suas peculiares condições de exploração.[5]
A peculiaridade das condições da mulher referia-se simplesmente a como garantir que ela, apesar de uma trabalhadora assalariada, continuasse a desempenhar adequadamente suas tarefas domésticas e não pagas, em outras palavras como inscrever na lei, suas peculiares condições de exploração (PENA, 1981, p. 150).
- O serviço de segurança que o policial militar presta a empresas privadas.
- O labor exercido por imigrante ilegal.
- A contratação de servidor público sem prévio concurso público, exceto dos casos permitidos em lei.
Para esse exemplo se subdivide em pelo menos três hipóteses, que são:
a) a contratação para investidura em cargos, empregos ou funções públicas, por tempo indeterminado, sem aprovação prévia em concurso público, ressalvados os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração;
b) a contratação sem concurso público a pretexto de ocupação de cargos declarados em lei de livre nomeação e exoneração, em funções cujas características técnicas ou estratégicas não envolvem direção, chefia ou assessoramento;
c) e a contratação por prazo determinado, sem concurso público, a pretexto de atender necessidade temporária de excepcional interesse público, em desacordo com os preceitos da norma legal.
Nos termos do artigo 37 da CF/88, todos esses contratos de servidores públicos acima expostos são nulos.
5 OS EFEITOS JURÍDICOS DO CONTRATO DE TRABALHO COM OBJETO PROIBIDO
Os contratos que possuem como objeto o trabalho proibido ou irregular são inválidos, mas produzem efeitos jurídicos enquanto existirem. No Direito Laboral, a doutrina e a jurisprudência de regra conferem plenos direitos a este tipo de prestação de trabalho.
Nessas situações, a teoria trabalhista das nulidades é aplicada diretamente. No trabalho irregular em seu objeto, até que a nulidade seja declarada, o pacto deve surtir todos os efeitos legais, exatamente porque é impossível restituir-se ao trabalhador o "status quo" conforme preceitua o artigo 182 do Código Civil Brasileiro. Caso contrário, o trabalhador acabaria sendo prejudicado.
Ou seja, nesses casos o contrato de trabalho será extinto com efeitos ex nunc, sendo deferido ao trabalhador os direitos a que faz jus durante todo o período em que laborou, já que como ofereceu sua força de trabalho, mesmo que de forma irregular, não deve ser gerado o enriquecimento ilícito do empregador, caso contrário este iria se locupletar com os serviços prestados por aquele.
Em regra, o trabalhador receberá o que lhe for devido, como por exemplo, salários devidos, férias vencidas, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço etc.
Em nosso país, dados estatísticos do IBGE do ano 2006 estimavam que mais de 5,1 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhavam em atividades como lavouras de cana-de-açúcar, laranjais, plantações de fumo e de sisal, em carvoarias, cerâmicas, olarias e pedreiras; em tecelagens, moagem de sal e lixões; no trabalho informal, como camelôs ou empregados domésticos.
Em casos como esses acima citados, em que crianças e adolescentes efetivamente prestam serviços, esses podem reclamar o que lhes cabe pelos serviços prestados, ainda que seja nulo o contrato de trabalho.
Quanto às hipóteses de contratação nula de servidores pelos órgãos da Administração Pública, também alguns direitos consectários do contrato de trabalho são devidos ao trabalhador, até que se reconhecida a nulidade, pois a boa-fé do trabalhador deve ser sempre presumida.
A nova redação da Súmula 363 do TST dispõe sobre esse trabalho que:
“ S. 363/TST - Res. 97/2000, DJ 18.09.2000 - Republicação - DJ 13.10.2000 - Republicação DJ 10.11.2000 - Nova Redação - Res. 111/2002, DJ 11.04.2002 - Nova redação - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003. Contratação de Servidor Público sem Concurso - Efeitos e Direitos
A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS ”.
Também em relação a outro tipo de contrato de trabalho proibido, o labor prestado pelo policial militar a firma de segurança privada, o Tribunal Superior do Trabalho confirmou que são devidos todos direitos trabalhistas, conforme se observa na ementa de julgado transcrita a seguir:
POLICIAL MILITAR. CONTRATO DE TRABALHO FIRMADO COM EMPRESA PRIVADA. TRABALHO PROIBIDO. EFEITOS. Conquanto seja proibido o contrato de emprego entre o policial militar e a empresa privada, sua celebração gera efeitos válidos assim como em qualquer outro contrato de trabalho, sendo legítimo o reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes, conforme entendimento da OJ 167 da SDI-1/TST. Recurso conhecido e provido.
Acordão da 5ª Turma do TST no RR nº 714350/2000 de 01 Outubro 2003.
Asseverou o juiz convocado do Tribunal Superior do Trabalho Luiz Philippe Vieira de Mello Filho nessa decisão que o serviço de segurança que o policial executa para empresas privadas pode revelar-se proibido, por não ser permitido o exercício de outra atividade profissional fora do regime que vincula o militar ao Estado, mas não se equipara à execução de trabalho ilícito. O juiz-relator fundamentou seu entendimento na Orientação Jurisprudencial 167 da SDI-1/TST
6 O CONTRATO DE TRABALHO COM OBJETO ILÍCITO
O pacto laboral, sendo uma espécie do gênero negócio jurídico, precisa observar à lei em todos os seus aspectos sob pena de se tornar ilícito, e assim ser declarado inválido e ineficaz, deixando de produzir todos os efeitos almejados pelos contratantes.
A doutrina de Maria Helena Diniz nos ensina sobre a invalidade do contrato ilícito em geral.
A validade e eficácia do contrato, como um direito creditório, dependem da:
a) licitude do seu objeto, que não pode ser contrário à lei, à moral, aos princípios da ordem pública e aos bons costumes. Ilícitos e inválidos serão os negócios que ajustem pagamento pelo assassinato de alguém, que favoreçam a exploração do lenocínio (p. ex., a venda de licença para uma casa de tolerância), a usura, o concubinato, os jogos de azar, o exercício ilegal de uma profissão (p. ex., o empréstimo do nome profissional à uma pessoa), ou que excluam os direitos de família (p. ex., casamento por contrato em que homem e mulher combinem viver juntos, por tempo indeterminado, em troca de certas vantagens). [6]
O contrato de trabalho ilícito é aquele em que a ilicitude do objeto contratual é caracterizado por violar norma jurídica vigente. É reconhecido como ilícito, pois a atividade laborativa desenvolvida é considerada como crime ou contravenção penal pelo ordenamento jurídico, ao contrário do labor proibido.
Nos diz em suas lições a mestre Alice Monteiro de Barros:
Outro requisito ou elemento essencial de validade do contrato de trabalho é a licitude do objeto. Exige-se que a prestação de serviços esteja em consonância com a lei, com a ordem pública e com os bons costumes, independente de a atividade empresarial ser lícita ou ilícita. Se o objeto for ilícito, o contrato não produz nenhum efeito, sequer alusivo à retribuição pelos serviços prestados. [7]
Podemos citar alguns exemplos de trabalho com objeto ilícito:
- O vendedor de drogas e entorpecentes.
- A meretriz que exerce suas atividades em um prostíbulo, já que esse trabalho atenta contra os bons costumes.
- O médico que é contratado por clínica de aborto para praticar aborto não permitido.
- O apontador de jogo do bicho contratado para tal atividade por bicheiro.
Por fim, é pontual expor a diferença entre contrato de trabalho lícito para empregador que exerce atividade ilícita e trabalho ilícito.
Deve-se saber que o objeto do contrato de trabalho é o conjunto de atos de atividades que o trabalhador se compromete a praticar mediante remuneração para o seu empregador, sendo que esses atos em sua individualidade não se confundem com a atividade econômica desenvolvida por este, independentemente dessa atividade ser lícita ou não.
Os apontamentos de Francisco Meton Marques de Lima nos ajudam a compreender essa diferença:
O jogo do bicho é ilícito, mas o trabalhador que presta serviço de zelador, copeiro, vigia, não pode ser acusado de praticar ato ilícito. Já o que trabalha vendendo apostas, sim, está diretamente ligado a ilicitude. Os que prestam serviço lícito têm, indubitavelmente, a proteção legal. [8]
Para ser ilícito, o trabalho deve estar diretamente ligado com a atividade ilícita desenvolvida. O desconhecimento por parte do trabalhador do fim ilícito da atividade desenvolvida também exclui a ilicitude do trabalho.
7 OS EFEITOS JURÍDICOS DO CONTRATO DE TRABALHO COM OBJETO ILÍCITO
A regra geral é que os contratos de trabalho com objeto ilícito não geram efeitos jurídicos, pois são nulos de pleno direito, são inválidos.
A nulidade desse negócio jurídico tem efeitos retroativos, ex tunc, assim, o pacto laboral ilícito reconhecido como nulo não produz qualquer efeito, sendo inválido desde a sua constituição, negando-se até os efeitos que foram produzidos até decretação da nulidade.
Outrossim, parte da doutrina defende a tese do não reconhecimento de vínculo jurídico entre as partes no contrato de trabalho ilícito, não tendo o trabalhador direito a pleitear qualquer direito e tutela trabalhista decorrendo da prestação ilícita de serviço que executou.
A jurisprudência dominante também se posiciona contrária ao pagamento de qualquer indenização quando da extinção da avença laboral ilícita, bem como de qualquer outro tipo de tutela concessória, sendo assegurado ao obreiro apenas o saldo de salário.
Contudo, deve-se asseverar que apesar da atividade prestada ilícita contaminar todo o contrato de trabalho, o obreiro despendeu esforço e tempo para realizar as tarefas, sendo impossível restituir as partes ao status quo ante, de modo que não assegurar o mínimo de direitos ao trabalhador, será permitir o enriquecimento ilícito do empregador.
É nesse sentido a lição dos doutrinadores Orlando Gomes e Elson Gottschalk:
A questão da ineficácia do contrato de trabalho seria resolvida em termos tão simples se fora possível aplicar ao mesmo, com todo rigor, a teoria civilista das nulidades. Mas a natureza especial da relação de emprego não se compadece com a retroatividade dos efeitos da declaração da nulidade. O princípio, segundo o qual o que é nulo nenhum efeito produz, não pode ser aplicado ao contrato de trabalho. É impossível aceitá-lo em face da natureza da prestação devida pelo empregado. Consistindo em força-trabalho, que implica em dispêndio de energia física e intelectual, é por isso mesmo, insuscetível de restituição. Se a nulidade absoluta tem efeito retroativo, se repõe os contraentes no estado em que se encontravam ao estipular o contrato nulo, como se não fora celebrado, nenhuma parte tem o direito de exigir da outra o cumprimento da obrigação. Donde se segue que o empregado não tem o direito de cobrar o salário ajustado. Esta seria a conseqüência inelutável do princípio da retroatividade da nulidade de pleno direito.
Mas, é conseqüência evidentemente absurda, ainda mesmo se admitindo que o trabalhador possa exigir a remuneração com o fundamento na regra que proíbe o enriquecimento ilícito. Porque a verdade é que a retroatividade só terá cabimento se o empregador puder devolver ao empregado a energia que este gastou no trabalho. Mas, como isso não é possível, os efeitos da retroatividade seriam unilaterais, isto é, beneficiariam exclusivamente ao empregador, como pondera De La Cueva, ao criticar a opinião de Hneck Nipperday. Deve-se admitir em toda extensão o princípio segundo o qual trabalho feito é salário ganho. Pouco importa que a prestação do serviço tenha por fundamento uma convenção nula. Em Direito do Trabalho, a regra geral há de ser a irretroatividade das nulidades. O contrato nulo produz efeitos até a data em que for decretada a nulidade. Subverte-se, desse modo, um dos princípios cardeais da teoria civilista da nulidade. A distinção entre os efeitos do ato nulo e do ato anulável, se permanece para alguns, não subsiste em relação a este contrato. [9]
Outrossim, é importante considerar a função primordial do Direito do Trabalho no sentido de proteger o trabalhador hipossuficiente e preservar a dignidade do obreiro.
O não reconhecimento do vínculo de trabalho, e a negação total de tutela ao prestador de serviços ilícitos pode causas profundos danos de ordem econômica e social à sociedade, haja vista que em relação ao empregador se torna bastante vantajoso usar de mão-de-obra em trabalho ilícito, visto que nesse caso estará desonerado de cumprir quase todos os encargos trabalhistas.
Não é de bom alvitre buscar apenas punir a prestação de trabalho ilícita, deixando de observar os escopos social e tutelar do Direito Laboral.
Ademais, em relação ao apontador do jogo do bicho, a doutrina e a jurisprudência pátrias vêm alterando substancialmente seus entendimentos, no sentido de reconhecerem o liame empregatício entre o cambista e o bicheiro, até porque a prática do jogo do bicho já vem a um bom tempo sendo tolerada pela sociedade e pelo Estado.
Esse foi o entendimento exposto na ementa reproduzida abaixo:
JOGO DO BICHO - RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO PRINCÍPIOS DA PRIMAZIA DA REALIDADE E DA PROTEÇÃO Seria incompatível com os princípios da primazia da realidade e da proteção negar, por completo, eficácia jurídica ao contrato celebrado entre as partes, para coleta do jogo do bicho, em razão da ilicitude do objeto contratual. No Direito do Trabalho, a nulidade do contrato pode não acarretar negação plena dos efeitos jurídicos do ato. É o que acontece com a contratação sem concurso pela Administração Pública. Declara-se a nulidade do ato, sem prejuízo da obrigação de pagar os salários dos dias trabalhados (Orientação Jurisprudencial nº 85 da SBDI-1). Assim, a tutela jurisdicional prestada pela Justiça do Trabalho obsta o enriquecimento sem causa, valorizando a força de trabalho despendida, considerada a impossibilidade de restabelecimento do estado anterior. Recurso conhecido e desprovido.
Acórdão da 3ª Turma do TST no RR nº 24397/2002-900-06-00 de 04 Dezembro 2002.
Alguns julgados já defendem o posicionamento de que neste caso, se alguma nulidade houver, deve ser reconhecida apenas com efeito ex nunc.
8 CONCLUSÃO
O ser humano procura trabalhar para com os rendimentos do seu labor possa suprir a necessidades e desejos seus e dos entes familiares.
Normalmente, é o contrato de trabalho, espécie de negócio jurídico, o meio legal que oficializa e legaliza o vínculo entre as partes interessadas na prestação de serviços.
Tal instrumento precisa observar os ditames postos pelo ordenamento jurídico para que possa surtir todos os efeitos previstos, pois caso contrário poderá ser considerado como invalidado, sendo assim declarado nulo ou anulável.
Um dos requisitos previsto na lei que pode levar a invalidade da avença laboral é a ilicitude ou irregularidade do objeto, levando o labor a ser proibido ou ilícito.
O pacto laboral proibido produz efeitos jurídicos enquanto não é declarada sua nulidade. Via de regra, são atribuídos ao obreiro plenos direitos neste tipo de contrato de trabalho.
Já quanto o trabalho ilícito, este normalmente não gera efeitos jurídicos, pois é nulo de pleno direito, sendo aplicado a ele nulidade com efeitos retroativos, ex tunc.
Por fim, verifica-se que doutrina e jurisprudência modernas vêm entendendo que não é de sábio buscar punir apenas a prestação de trabalho ilícita, deixando de observar os escopos social e tutelar do Direito Laboral, e assim conferem nesses casos alguns direitos laborais ao obreiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, Maria Lúcia Arruda; e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1992.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho, 2 ed, São Paulo: LTR, 2003.
CARRION, Valentim. Comentários à consolidação das leis do trabalho, 34 ed, São Paulo: Saraiva, 2009.
CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo: Ltr, 1993.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho, 2 ed, São Paulo: LTR, 2003.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. V.3. São Paulo: Saraiva, 1997.
GOMES, Orlando; e GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito de Trabalho, Vols. I e II, 11 ed, Rio de Janeiro: Forense, 1990.
LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência, 2 ed, ver. E ampl., São Paulo: LTR, 1997.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho, 17 ed., São Paulo: Atlas, 2003.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho, 20 ed, São Paulo: Saraiva, 2005.
PENA, Maria Valéria J. Mulheres Trabalhadoras: Presença Feminina na Constituição do Sistema Fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho, Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2002.
[1] ARANHA, Maria Lúcia Arruda; e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1992. p.4.
[2] SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho, Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2002. p. 209
[3] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho, 17 ed., São Paulo: Atlas, 2003. p. 94.
[4] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho, 2 ed, São Paulo: LTR, 2003. p. 503
[5] PENA, Maria Valéria J. Mulheres Trabalhadoras: Presença Feminina na Constituição do Sistema Fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p. 150.
[6] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. V.3. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 27
[7] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho, 2 ed, São Paulo: LTR, 2003. p. 495
[8] LIMA, Francisco Meton Marques de. Os princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência, 2 ed, ver. E ampl., São Paulo: LTR, 1997. p.69.
[9] GOMES, Orlando; e GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito de Trabalho, Vols. I e II, 11 ed, Rio de Janeiro: Forense, 1990. p.136.
Bacharel em Direito, pósgraduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP. Técnico Judiciário do TJ/SE, exercendo no momento o cargo de Auxiliar de Juiz da 14a Vara Cível da Comarca de Aracaju/SE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TETI, Daniel Vieira. Efeitos do contrato de trabalho proibido e do contrato de trabalho ilícito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 fev 2011, 07:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23461/efeitos-do-contrato-de-trabalho-proibido-e-do-contrato-de-trabalho-ilicito. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
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Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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