Resumo: Analisa-se, de modo conciso e sem digressões pela doutrina e jurisprudência, pautando-se exclusivamente nas normas processuais em vigor, as várias ilegalidades contidas nas resoluções do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que disciplinam o processo eletrônico.
Sumário: 1. Introdução. 2. Acesso ininterrupto. 3. Limitação ao tamanho do arquivo digitalizado. 4. Limitação à formação de litisconsórcio. 5. Fornecimento de protocolo eletrônico. 6. Sigilo. 7. Diferenças entre o sistema da justiça comum e do juizado. 8. Petição inicial. 9. Digitalização dos processos em tramitação. 10. Extinção do processo em razão da incompetência. 11. Substabelecimento. 12. Conclusão.
Palavras chaves: processo eletrônico, legalidade, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Lei 11.419/06.
1. INTRODUÇÃO
A Lei 11.419/06 tornou o processo eletrônico uma realidade irreversível, cabendo aos advogados, promotores e juízes adaptarem-se aos novos tempos. De fato, os esforços do Poder Judiciário rumo à informatização são notáveis de norte a sul do Brasil, sendo que logo os autos físicos serão a exceção e não mais a regra em nosso sistema processual.
Neste cenário, desponta a atuação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que tem caminhado a passos largos em relação a outros tribunais do país, sendo impressionante o seu nível de informatização. Em seu âmbito, o processo eletrônico está regulamentado pelas Resoluções 17, de 26 de março de 2010, e 49, de 14 de julho de 2010.
Ocorre que, nesta ânsia pela informatização, o TRF4 acabou passando por cima de vários dispositivos da legislação federal, como se os méritos e virtudes do processo eletrônico justificassem a subversão da lei. Assim, é possível encontrar várias normas contidas nas Resoluções 17 e 49, do TRF4, que contrariam expressamente as disposições do Código de Processo Civil e da própria Lei 11.419/06.
Sabe-se que a utilidade e importância do processo eletrônico são manifestas. Este não é um artigo sobre as suas desvantagens, mas sim sobre as ilegalidades que tem sido cometidas pelo Poder Judiciário para sua implementação em prazo exíguo. Com efeito, a partir do momento que a informatização torna-se um fim único, ultrapassando os demais valores que fundamentam o ordenamento, é hora de parar com a empolgação e começar a reflexão, o que se pretende com o presente trabalho.
Logo, o objetivo deste artigo é apontar as várias ilegalidades contidas nas Resoluções 17 e 49, do TRF4, comparando estes textos normativos com as disposições do Código de Processo Civil e da Lei 11.419/06. Não serão analisadas as ofensas à Constituição Federal, pois isto implicaria um estudo maior e um trabalho substancioso, abordando, inclusive, a constitucionalidade das inovações normativas trazidas pela Lei 11.419/06. Não é este o foco. Aqui nos interessam as ilegalidades, expor ao leitor as gravíssimas falhas do TRF4. Aliás, não é a primeira nem a última vez que um ente estatal ofende a legislação pátria, o que de certa forma é até mesmo comum em nossa República. Uma cultura da ilegalidade impera no país, fruto do silêncio da doutrina, preocupada com o sexo dos anjos. Ainda, pede-se escusas aos colegas da área criminal, pois a abordagem da matéria dá-se sob a ótica do processo civil.
Enfim, o tema abordado justifica-se sob dois aspectos. Primeiramente, ao abordar as várias ilegalidades cometidas pelo TRF4, permite que os próprios juízes federais e desembargadores revejam as resoluções em análise, permitindo inclusive que os integrantes da OAB tomem as providências necessárias para cessar as violações ora apontadas. Além disso, e este talvez seja o ponto principal, serve para que outros Tribunais, que estão ingressando na informatização, não cometam os mesmos erros do TRF4.
Não se pretende esgotar a matéria e acredita-se que outros juristas possam encontrar mais ilegalidades nas referidas resoluções, que tenham passado despercebidas por este autor, e inclusive possam trabalhar melhor cada uma delas. Alerte-se o leitor de que o estudo proposto implica ausência de referências bibliográficas, pois se concentra na análise das resoluções à luz da legislação federal, e somente isso.
Foram identificadas dez ilegalidades. Elas não foram elencadas por gravidade ou relevância. O texto foi organizado para que o leitor possa consultar apenas os itens que lhe interessar, sem qualquer prejuízo.
2. ACESSO ININTERRUPTO
O processo eletrônico supera as limitações físicas dos órgãos do Poder Judiciário. A acessibilidade dos autos não mais fica condicionada ao horário de expediente dos serviços judiciais. Assim, é possível fazer a consulta e até mesmo peticionar nos feitos vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. É o que determina o artigo 14, da Lei 11.419/06: “Os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a sua padronização”. Ou seja, a legislação estabeleceu o princípio do acesso ininterrupto ao sistema processual eletrônico, sem estabelecer qualquer restrição ou exceção.
Não obstante, o artigo 6º, da Resolução nº 17/10, do TRF4, prevê “interrupções programadas”. A resolução admite restrições ao acesso ininterrupto, não previstas em lei. Obviamente, há aquele que defenda o teor da resolução dizendo que é uma questão técnica, de operacionalização do sistema. Aliás, este argumento da “necessidade técnica” é muito utilizado para justificar o desrespeito a lei, como será demonstrado em vários itens deste artigo. Porém, desde logo é importante deixar claro que a lei prevalece sobre a “questão técnica”. Logo, ou o Poder Judiciário assegura o acesso ininterrupto, sem qualquer interrupção programada, ou não implementa o processo eletrônico. A lei não pode sucumbir à falaciosa alegação da “necessidade técnica”.
A questão da acessibilidade é ainda mais complexa. A Lei 11.419/06 dispõe que: “Art. 10 [...] § 2º. No caso do § 1º deste artigo, se o Sistema do Poder Judiciário se tornar indisponível por motivo técnico, o prazo fica automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema”. A legislação, protegendo o cidadão, em virtude dos riscos dos primeiros passos da informatização do processo, determina que a indisponibilidade do sistema gera a prorrogação de prazo. O critério legal é apenas um: a indisponibilidade. O TRF4 pensa diferente. Nos termos do artigo 6º, §2º, da Resolução nº 17/10: “Havendo indisponibilidades superiores a 30 (trinta) minutos, ocorridas após as 13 (treze) horas, e por qualquer tempo após as 23 (vinte e três) horas do último dia do prazo, o sistema providenciará a prorrogação automática para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema, lançando-se registro da ocorrência do respectivo processo". Ou seja, nos termos da resolução, indisponibilidades no período da manhã não geram prorrogação de prazo. Indisponibilidade por período inferior a 30 minutos, se ocorrida após as 13 horas, também não gera prorrogação de prazo. A ilegalidade da resolução é manifesta, pois estabelece critérios distintos da lei, prejudicando a situação das partes.
Com efeito, a Lei 11.419/06 estabelece que a indisponibilidade por motivo técnico é suficiente para a prorrogação do prazo. Não importa se ela se dá por cinco, dez ou vinte minutos. Muito menos se ela ocorre antes ou após as 13 horas, ou depois das 23 horas. Se há oscilação no acesso ao sistema, por menor que seja, a prorrogação deve ser automática, sendo claro que a resolução ultrapassou os limites legais.
Em síntese, quanto ao princípio do acesso ininterrupto, ficou claro que o artigo 6º, da Resolução nº 17/10, viola frontalmente o disposto nos artigos 10 e 14, da Lei 11.419/06, sendo, portanto, ilegal.
3. LIMITAÇÃO AO TAMANHO DO ARQUIVO DIGITALIZADO
Como sabem todos aqueles que trabalham com o processo eletrônico na Justiça Federal da 4º Região, há uma limitação de tamanho para os arquivos admitidos pelo sistema. Esta limitação encontra respaldo na Resolução nº 17/10, em dois artigos: "Art. 8º São de exclusiva responsabilidade dos usuários: [...] IV - a confecção de petições e documentos no e-Proc em conformidade com o formato e o tamanho definidos no portal da Justiça Federal da 4ª Região" e "Art. 57. O Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região poderá limitar o tamanho e o formato dos documentos a serem anexados aos processos eletrônicos".
Ocorre que a Lei 11.419/06 não prevê limitação de tamanho para as petições e documentos do processo eletrônico. Aliás, nunca houve restrição ao protocolo de petições nos autos físicos, não havendo como impedir que a parte junte ao processo documentos importantes para a defesa de seus direitos. Mais uma vez, será levantada a desculpa da “questão técnica”. Permitir que os advogados juntassem documentos e petições com tamanho ilimitado poderia colocar em xeque todo o sistema. Ora, ninguém está discutindo aspectos técnicos do processo eletrônico, mas sim os aspectos jurídicos. Neste sentido, não é possível criar restrição a direito da parte através de resolução do Tribunal, que não encontra qualquer respaldo na legislação federal em vigor. Assim, como já dito, ou o Tribunal autoriza o protocolo de petições com qualquer tamanho, ou não implanta o processo eletrônico.
É evidente que, como a Lei 11.419/06, que disciplina o processo eletrônico, não autorizou que os órgãos jurisdicionais impusessem limites ao tamanho dos arquivos a serem protocolados, não poderia o TRF4, através de resolução, fazê-lo.
Assim, os artigos 8º, IV, e 57, da Resolução nº 17/10, não encontram amparo na legislação em vigor, o que revela a sua ilegalidade.
4. LIMITAÇÃO À FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO
Um caso concreto ilustra bem este problema. Um certo advogado ingressou com ação cautelar tendo no pólo ativo quatro pessoas. Não disse quarenta, nem quatrocentas, disse quatro. Então, determinado Juiz Federal proferiu decisão ordenando a cisão do feito, em quatro ações individuais, citando o artigo 11, da Resolução nº 17/10, como fundamento do decisum. Referido artigo dispõe que: "As ações no e-Proc, preferencialmente, evitarão a formação de litisconsórcio facultativo, sendo responsabilidade do advogado/procurador indicar a qualificação da parte autora e fornecer os dados obrigatórios no momento do envio da petição inicial, bem como fornecer os dados e elementos do réu que dispuser".
Com efeito, por trás do “preferencialmente”, encontra-se verdadeiro preceito normativo que contraria frontalmente toda a disciplina do litisconsórcio, conforme disposto nos artigos 46 e seguintes, do Código de Processo Civil. A recomendação para que não haja litisconsórcio facultativo no processo eletrônico é absolutamente ilegal, por conflitar com os princípios norteadores do processo civil, como o da economia e celeridade processual.
Destarte, o artigo 11, da Resolução nº 17/10, do TRF4, é ilegal por violar o artigo 46 e seguintes, do Código de Processo Civil.
5. FORNECIMENTO DE PROTOCOLO ELETRÔNICO
Normalmente, ao protocolar uma petição no velho processo físico, a parte sempre fica com uma cópia, por segurança, como comprovante do referido protocolo. Trata-se de direito assegurado pelo artigo 160, do Código de Processo Civil, que determina: “Poderão as partes exigir recibo de petições, arrazoados, papéis e documentos que entregarem em cartório”. De fato, a Lei 11.419/06 não descuidou desta matéria: “Art. 3º Consideram-se realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido protocolo eletrônico”. Ainda, nos termos da mesma Lei: “Art. 10. A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das petições em geral, todos em formato digital, nos autos de processo eletrônico, podem ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem necessidade da intervenção do cartório ou secretaria judicial, situação em que a autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de protocolo”. Ou seja, a legislação em vigor deixa claro que é obrigatório o fornecimento de protocolo eletrônico.
Porém, o que se tem na Resolução nº 17/10, do TRF4, é o seguinte: "Art. 14. Nas petições em geral, o simples registro diretamente no processo servirá como protocolo". Com efeito, os causídicos que atuam junto ao referido Tribunal sabem que, diferentemente do que ocorre, por exemplo, no e-STJ, o e-Proc do TRF4 não gera qualquer protocolo quando da inclusão de petição ou documento no sistema. O desrespeito aos artigos 3º e 10, da Lei 11.419/06 é, portanto, escancarado. Não obstante, o artigo 22, da Resolução nº 17/10, estabelece que: "Considera-se realizado o ato processual no dia e hora do seu envio ao e-Proc, devendo ser fornecido pelo sistema ao usuário externo comprovante do respectivo protocolo". Assim, há uma contradição na própria resolução. O artigo 22 determina que seja fornecido o protocolo, o 14 torna-o desnecessário. O que tem acontecido na prática é o não seu fornecimento.
Logo, cá está mais uma ilegalidade para o nosso rol: o artigo 14, da Resolução nº 17/10, viola diretamente o disposto nos artigos 3º e 10, da Lei 11.419/06, e 160, do Código de Processo Civil.
6. SIGILO
Espero que os leitores ainda não tenham se cansado, pois estamos apenas na metade do artigo.
Agora é hora de abordar uma das piores ilegalidades da Resolução nº 17/10, se é possível estabelecer alguma gradação entre ilegalidades, que deveriam ser repudiadas com a mesma intensidade, por óbvio. Para tanto, faz-se necessária a transcrição integral de seu artigo 20:
“Os processos do e-Proc terão os seguintes níveis de sigilo, que poderão ser atribuídos pelo juízo processante ao processo, documento ou evento:
a) Nível 0 (zero): Autos Públicos - visualização por todos os usuários internos, partes do processo e por terceiros, sendo que estes devem estar munidos da chave do processo.
b) Nível 1 (um): Segredo de Justiça - visualização somente pelos usuários internos e partes do processo.
c) Nível 2 (dois): Sigilo - visualização somente pelos usuários internos e órgãos públicos.
d) Nível 3 (três): Sigilo - visualização somente pelos usuários internos do juízo em que tramita o processo.
e) Nível 4 (quatro): Sigilo - visualização somente pelos usuários com perfil de Magistrado, Diretor de Secretaria e Oficial de Gabinete.
f) Nível 5 (cinco): Restrito ao Juiz - visualização somente pelo Magistrado ou a quem ele atribuir.
Parágrafo único. O Ministério Público Federal visualizará os processos na forma da lei"
É impossível não ficar estarrecido com o teor do referido artigo 20. Ele vai de encontro ao princípio da publicidade, criando norma contrária ao disposto no artigo 155, do Código de Processo Civil, e ao próprio artigo 11, § 6º, da Lei 11.419/06, que determina: “Os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça”. Ora, a Resolução nº 17/10, regredindo séculos no tempo, admitiu a existência de atos processuais secretos, acessíveis apenas pelos magistrados e diretores de secretaria. É possível estabelecer diferentes níveis de sigilo – diferenciação esta inexistente na legislação federal em vigor – sendo que no caso dos níveis 4 e 5 as partes e os advogados ficam impedidos de ter conhecimento e acessar o ato processual realizado. Sim, enquanto parte da doutrina processual discute a última novidade do Código de Processo Civil Norueguês, o TRF4 volta à inquisição, admitindo a prática de atos processuais secretos.
Certamente, esta ilegalidade, se estudada de forma apurada e com mais cuidado, poderia gerar todo um artigo científico. Porém, como foi explicado, o objetivo deste trabalho e enunciar todas as ilegalidades que estão sendo praticadas pelo TRF4, razão pela qual não se pode tecer maiores considerações sobre esta matéria, por apreço à concisão.
De qualquer forma, fica o grave alerta de que o artigo 20, da Resolução nº 17/10, ofende o princípio da publicidade, contrariando o disposto no artigo 155, do Código de Processo Civil, e 11, § 6º, da Lei 11.419/06.
7. DIFERENÇAS ENTRE O SISTEMA DA JUSTIÇA COMUM E DO JUIZADO
Dentro do pioneirismo do TRF4 está o fato de ter instalado, antes mesmo do advento da Lei 11.419/06, o processo eletrônico no âmbito dos juizados especiais federais. Sem qualquer fundamento legal, de forma totalmente inovadora, foi implementado o e-Proc, e os processos dos juizados começaram a tramitar apenas eletronicamente.
Pois bem, com o advento da Lei 11.419/06, agora havendo respaldo legal para o processo eletrônico, o mesmo foi ampliado e alcançou a Justiça Federal como um todo. Esta ampliação, porém, não se deu conforme estabelecido pela referida lei, pois não houve a uniformização dos sistemas. Com efeito, o artigo 14, da Lei 11.419/06, dispõe que: “Os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a sua padronização”. A palavra de ordem é, portanto, padronização. Ora, como admitir que na esfera de um mesmo tribunal existam dois sistema de processo eletrônico diferente? Fazendo vistas grossas à lei, apenas deste modo.
A Resolução nº 17/10 determinou que: “Artigo 60. Até que seja determinada a migração para o e-Proc (nova versão), os processos dos Juizados Especiais Federais continuarão a ser ajuizados e processados no sistema do e-Proc (versão 1)”. Sim, os jurisdicionados da 4ª Região contam com dois sistemas diferentes de processo eletrônico e, o mais interessante, absolutamente incompatíveis.
Em resumo, o artigo 60, da Resolução nº 17/10, não se harmoniza com o disposto no artigo 14, da Lei 11.419/06, estando aí mais uma flagrante ilegalidade cometida pelo TRF4.
8. PETIÇÃO INICIAL
Em tempos de instrumentalidade substancial e efetividade do processo, é impossível negar a relevância da chamada emenda da inicial. Nos termos do artigo 284, do Código de Processo Civil: “Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos ou irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias”.
Bom, vejamos o que diz a Resolução nº 17/10: "Art. 11. [...] § 6º No caso de juntada de documentos em desacordo com as normas da presente resolução, a petição inicial poderá ser indeferida, sem prejuízo de novo ajuizamento". Ou seja, a referida resolução simplesmente ignorou a emenda da inicial, criando um indeferimento automático, não admitido em lei.
Ainda, embora não previsto nas resoluções que disciplinam o processo eletrônico do TRF4, os causídicos que atuam junto ao referido Tribunal sabem que ao ajuizar uma nova ação é exigido que se preencha vários campos com informações não previstas nos artigos 282 e 283, do Código de Processo Civil. Com efeito, o e-Proc obriga a parte a informar o nome de sua mãe, de seu telefone, o assunto da ação dentre outros elementos que nada tem a ver com as exigências legais.
Logo, a vedação à emenda da inicial, bem como a exigência de que a parte preste inúmeras informações não previstas em lei, revelam a frontal violação cometida aos artigos 282, 283 e 284, do Código de Processo Civil, estando aqui mais uma ilegalidade.
9. DIGITALIZAÇÃO DOS PROCESSOS EM TRAMITAÇÃO
A empolgação do TRF4 com a informatização foi tamanha, que decidiram digitalizar até mesmo os processos que já estavam em curso. Primeiramente, o artigo 52, da Resolução nº 17/10, previu a possibilidade de digitalização dos processos que estão tramitando em autos físicos. Por sua vez, a Resolução nº 49/10 veio tornar isto uma realidade.
Assim, tais disposições implicam, sem dúvida alguma, a aplicação retroativa da Lei 11.419/06. Aliás, só podem ser eletrônicos os processos iniciados após a implantação do sistema respectivo, não havendo que se falar em digitalização dos processos que já se encontravam no suporte físico. A forma correta de conduzir a informatização, respeitando-se as normas em vigor, impede que os processos físicos sejam “convertidos” em virtuais, mudando-se o registro e documentação deles. De fato, ter-se-á que suportar todos os ônus desta fase de transição, na qual, ainda por muitos anos, autos físicos e eletrônicos conviverão nos Tribunais.
Destarte, a conversão dos autos físicos em virtuais ofende o disposto no artigo 1.211, do Código de Processo Civil, que estabelece a imediata aplicação da norma processual, resguardados os atos já praticados.
10. EXTINÇÃO DO PROCESSO EM RAZÃO DA INCOMPETÊNCIA
Mais um grande deslize da Resolução nº 17/10, do TRF4, está contido em seu artigo 16, que determina: "Nos casos de incompetência, a petição inicial será indeferida, extinguindo-se o feito sem resolução do mérito". Ocorre que o Código de Processo Civil é muito claro em seu artigo 113, § 2º: “Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente”. Ou seja, reconhecida a incompetência, o feito deve ser remetido ao juízo competente. Isto é o que manda a lei. A remessa ao juízo declarado competente garante a efetividade, economia e celeridade processual e não existe fundamento apto a afastar tal regra. Aliás, apenas um: a “questão técnica”. Sim, porque o processo eletrônico está fora da égide do Estado Democrático de Direito. Para ele, importa a viabilidade técnica e não o respeito à legalidade.
É difícil não ficar pasmo com a contradição manifesta entre a norma do artigo 16, da Resolução nº 17/10, do TRF4, e a norma do artigo 113, § 2º, do Código de Processo Civil.
Mas não se trata apenas de flagrante ilegalidade. Com efeito, o referido dispositivo tem trazido problemas sérios no acesso à Justiça. Este autor conhece vários casos em que o Juiz Federal do Juizado extinguiu processo declarando-se incompetente e que, posteriormente, o Juiz Federal da Justiça Comum também extinguiu o processo por considerar-se incompetente. Pergunta-se, o jurisdicionado deve propor a ação em qual juízo então? Se fosse respeitado o Código de Processo Civil, a discussão acabaria em um conflito de competência, sem qualquer prejuízo para o jurisdicionado. Porém, como a resolução se sobrepôs à lei, o que sem tem é uma flagrante violação à inafastabilidade da jurisdição.
Enfim, o importante, por ora, é evidenciar que o artigo 16, da Resolução nº 17/10, do TRF4, é ilegal por contrariar o artigo 113, § 2º, do Código de Processo Civil.
11. SUBSTABELECIMENTO
Por fim, neste grande mar de ilegalidade, aqui se tem uma de menor potencial ofensivo. O artigo 26, da Resolução nº 17/10, do TRF4, determina que: "O substabelecimento com ou sem reserva dos poderes outorgados pela parte será feito pelo substabelecente em rotina própria no e-Proc somente para advogados previamente credenciados como usuários, dispensada a juntada de qualquer documento".
O problema está nesta “rotina própria”. Não existe fundamento legal algum para que o advogado seja proibido de substabelecer a outro colega mediante simples petição. Aliás, em alguns casos, quando o patrocínio da causa se dá por uma grande banca, o número de substabelecidos é tão grande que a simples petição facilita muito o trabalho do advogado. Ao invés de ter que incluir um a um os advogados substabelecidos através da tal “rotina própria”, o simples protocolo de petição é mais produtivo para o advogado.
De qualquer forma, o artigo 26, da Resolução nº 17/10, do TRF4, estabelece obrigação ao advogado não prevista em lei, sendo certo que o Poder Judiciário não pode se negar a processar o substabelecimento que não tenha sido feito pela “rotina própria”, mas sim através de simples petição.
12. CONCLUSÃO
Na análise das resoluções do TRF4, que disciplinam o processo eletrônico, foram identificadas inúmeras ilegalidade. Com efeito, os artigos 6º, 8º, IV, 11, caput e § 6º, 14, 16, 20, 26, 52, 57 e 60, da Resolução nº 17/10, assim como a própria Resolução nº 49/10, são ilegais, por ofenderem inúmeras normas da legislação federal em vigor. Ressalte-se que as violações são manifestas e, na maioria das vezes, existem para resguardar a “viabilidade técnica” do próprio sistema eletrônico. A lei fica em segundo plano ante os sonhos da informatização.
De lado todas as questões processuais levantadas neste trabalho, não se pode esquecer que está em jogo o próprio acesso à Justiça e o respeito ao Estado Democrático de Direito, que não autoriza o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ou qualquer outro, a sobrepor seus interesses e necessidade aos ditames da lei... Assim, que fique muito claro para os demais Tribunais do país, já que a realidade do Tribunal Regional Federal da 4ª Região é avassaladora e irreversível, que a condução do processo de informatização deve ser feita nos estritos limites da lei, só havendo a implementação do sistema quando houver amplas condições técnicas de receber toda e qualquer demanda do jurisdicionado, sem a criação de subterfúgios (normas em resoluções) para escapar dos compromissos legais!
Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina.Professor da Faculdade Norte Paranaense (UNINORTE). Coordenador de Pesquisa da Faculdade Norte Paranaense (UNINORTE). Membro do IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e do BRASILCON (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor). Advogado sócio da Ferreira Pires, Ruzon e Felizardo Advogados.<br> <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RUZON, Bruno Ponich. A (i)legalidade e o processo eletrônico no Tribunal Regional Federal da 4ª Região Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 fev 2011, 00:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23544/a-i-legalidade-e-o-processo-eletronico-no-tribunal-regional-federal-da-4a-regiao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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