Sumário: Introdução; A Personalidade: Os Princípios Constitucional-civis acerca dos Direitos de Personalidade, Onde Começa e Onde Termina; A Transexualidade e o Direito à Diferença; A Luta Pelo Direito a “Felicidade” dos Transexuais; O Nome: Um “Estereotipo” da Personalidade Humana Passível de Modificação?; Conclusão.
Palavras-chave: Personalidade, Princípios Constitucional-civis, Direito, Dignidade Humana, Liberdade, Honra, Intimidade, Transexualidade, Homossexualidade, Minorias, Jurisprudência, Registro Civil, Ordenamento Jurídico.
Resumo: O problema dos transexuais ganha a cada dia mais espaço nos debates em nossos Tribunais, nos bancos das universidades, o que nos proporciona enormes discussões principiológicas e normativas a respeito dos temas que envolvem a homoafetividade. Desse modo, buscamos com a discussão lançada neste artigo, uma reflexão acerca da possibilidade de alteração do registro civil dos transexuais, dos direitos, regulamentações e princípios que norteiam a vida, o respeito e a dignidade humana dessas pessoas.
INTRODUÇÃO
Em um mundo onde as diferenças do ser humano, estão cada vez mais em destaque, onde as discriminações a essas diferenças a cada dia mais são repreendidas, onde pensamentos extremamente conservadores não mais se adéquam à realidade de nossa sociedade contemporânea, a situação dos transexuais na tentativa de mudar o nome que possuem, adequando-o ao seu “ser”, é algo que necessita de respaldo e regulamentação jurídica.
Hoje em dia, o reconhecimento de relações homoafetivas, da existência do homossexualismo e da transexualidade, tornou-se, diferentemente, do que ocorria em um passado não muito remoto, algo que não assombra e nem mais amedronta a sociedade.
Desse modo, diferentemente do que ocorria em um passado não muito remoto, a sociedade contemporânea, adaptando-se as “novas”[1] formas de relacionamento entre as pessoas, dos sentimentos humanos que afloram-se a todos os momentos, passa a ver nestes casos, ao invés de anomalias genéticas, pessoas dignas de respeito, dignas de direitos, ou seja, pessoas humanas.
Assim, a busca dessas pessoas por direitos, por respeito, por confirmação de sua qualidade de pessoa humana, demonstram a garantia constitucional da igualdade entre as pessoas, disposta em nossa Constituição Federal de 1988 como sendo um Direito Individual de todos os seres humanos, resguardado sem distinção de sexo, raça ou cor.
Desta feita, para compreendermos melhor o tema em destaque, acerca da possibilidade ou não, daqueles que mudam de sexo também mudarem seu registro civil, nome, analisaremos princípios constitucionais acerca da personalidade jurídica das pessoas humanas, a legislação existente que nega, ou acolhe tal pretensão, as decisões existentes que demonstram o pensamento que existe hoje em nossos Tribunais e, por fim, o que é demonstrado por nossos doutrinadores frente a possibilidade de mudança do nome no caso dos transexuais.
1 – A PERSONALIDADE: Os Princípios Constitucional-civis acerca dos Direitos de Personalidade, onde Começa e onde Termina
A personalidade é composta por um arcabouço de direitos e princípios normativos que possibilitam a formação de uma visão acerca do ser humano, que criam uma rede de proteção, esta conferida somente aos seres humanos, fator que nos diferencia do restante dos animais.
Assim, na busca pela proteção do homem, os estudiosos da ciência do direito, definiram a personalidade humana como a aptidão genérica para adquirir direitos ou contrair deveres.[2]
O início da personalidade, em que pesem as recentes discussões acerca do começo da vida humana, está determinado pelo atual Código Civil Brasileiro (CCB), Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, em seu artigo 2º, no nascimento com vida da pessoa, ressalvando-se os direitos do nascituro.
Em contrapartida, o termo da personalidade, configura-se na morte da pessoa, ressalvando-se, contudo, os direitos do de cujus de cessar lesão ou ameaça a sua memória, que serão tomados pelo cônjuge supérstite, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau, conforme ressalva o parágrafo único do artigo 12 do CCB.
Em tratando-se dos direitos que envolvem a personalidade humana, dos princípios que norteiam essa, que é a principal característica do homo sapiens, o ordenamento jurídico vigente, correlaciona a noção de personalidade com outros inúmeros institutos jurídicos, como por exemplo: a vida, a liberdade, a intimidade, a honra, a integridade física e moral, etc..
Desse modo, quando a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, dispôs em seu artigo 5º, sobre os Direitos e Garantias Fundamentais que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza[3], tal isonomia entre as pessoas determinou, em linhas gerais, a personalidade do homem como um atributo inerente a ele, ou seja, a aptidão das pessoas de possuírem direitos ou contraírem deveres, é disponível a todos, igualitariamente.
Desta feita, outros princípios que regem as relações do homem, como a dignidade humana, a liberdade, o respeito e proteção a moral de cada um, ao fazerem parte das estruturas da personalidade humana, também são conferidos a todos, fato que torna o Brasil um país onde o Direito é Democrático.
Contudo, apesar das normatizações constitucionais, que se inserem desde o Preâmbulo e perpassam por todo enredo da Constituição Federal, dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, tido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (Art. 1º, III), que pautar as bases de um Estado que procura apagar as manchas das discriminações, da violência, do desrespeito para com as conhecida minorias (Homossexuais, Negros, Mulheres, Portadores de Necessidades Especiais), ainda sofremos com preconceitos, com a falta de amparo legal ou com o conservadorismo jurídico-cristão, que ainda permanece arraigado em nosso âmago.
Desse modo, necessitamos perceber nas novas formas da concepção humana, seja como for, hétero, homo, ou transexual, um caminho para garantirmos efetivamente os princípios e garantias do ser humano, tais como a dignidade da pessoa, sua honra, sua moral, sua liberdade, noções que ainda carecem de efetivação, principalmente no tocante àquelas pessoas que na busca pela felicidade, amoldam o sexo exterior, ao sexo interior, ou seja, transformam-se.
2 – A TRANSEXUALIDADE E O DIREITO À DIFERENÇA
Neste contexto de mundo moderno, onde a tecnologia avança sem freios, onde o ser humano alça vôos cada vez maiores, percebemos que o sexo sempre foi um fator de discriminação, seja frente a distinção entre homem e mulher, essa que esteve sempre inferiorizada àquele, seja frente a orientação sexual das pessoas, que pelos dogmas judaico-cristãos do mundo ocidental, sempre foi tida como manifestações do mal, como doenças, como pecado.
Em que pesem as discussões acerca dos direitos das mulheres frente a “elite” masculina, hoje a questão da orientação sexual, da possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, da adoção por casal homossexual, da alteração do registro de nascimento dos transexuais, é discussão que ganha a cada dia mais, relevância em nossos Tribunais.
Ademais, cabe-nos ressaltar que além das disposições constitucionais acerca da dignidade humana (Art. 1º, III, CF/88), da isonomia, mesmo que em seu aspecto formal entre as pessoas (Art. 5º, caput, da CF/88), a atual Constituição Federal, destacou no artigo 3º, IV, como um de seus objetivos fundamentais[4]: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Portanto, o ordenamento jurídico acerca da orientação sexual de todas as pessoas, brasileiros, natos ou naturalizados, ou daqueles que aqui residem, pauta-se pelo princípio do pluralismo jurídico, ou seja, as diretrizes que embasam nosso não há lei que defina como as pessoas deverão seguir sua orientação sexual.
Esse é o entendimento do emérito professor Álvaro Ricardo Souza Cruz, que em sua obra O Direito à Diferença, destaca que:
“(...) a grande novidade do paradigma do Estado Democrático de Direito é justamente a noção de pluralismo, o qual tem por pressuposto a admissão, de respeito e proteção a projetos de vida distintos daqueles considerados como padrão pela maioria da sociedade. É, pois, uma proposta de superar uma visão de mundo etnocêntrica, ao reconhecer o direito a projetos de vida alternativos.[5]”
Desse modo, além de não reprimir àqueles que se relacionam com pessoas do mesmo sexo, homossexuais[6], o direito brasileiro garante essa possibilidade, tendo em vista o caráter pluralista de seu ordenamento constitucional-civil vigente.
Problemática maior enfrentam os transexuais, pessoas que tem a convicção de pertencerem ao sexo oposto, cuja psique e a morfologia do corpo já aspiram traços do sexo oposto, naturalmente, ou por meio de cirurgias reparadoras do sexo. No transexualismo, não há dúvida para outras pessoas do sexo do transexual, pois a pessoa tem o sexo bem definido, homem ou mulher. Entretanto, o transexual acredita, psicologicamente, que não é pertencente àquele sexo, acredita ser mulher, quando homem, ou homem, quando mulher.
O que fazer então nestes casos, onde a pessoa está registrada civilmente com um nome, masculino ou feminino, mais acredita não ser do sexo que foi estipulado em seu nascimento? É questão que assombra o Judiciário Brasileiro, pois impõe quebras de alguns entendimentos enraizados em pré-conceitos[7], de noções acerca do tratamento que devemos dar a pessoas que são diferentes da grande maioria da população.
A busca pela modificação do registro civil, ou seja, da alteração do nome nestes casos, tem enfrentado inúmeros posicionamentos de nossos Tribunais Superiores, alguns entendo até pela impossibilidade jurídica do pedido[8].
Contudo, esse entendimento já vem sendo modificado pelos Tribunais Estaduais, em especial o do Rio Grande do Sul, no sentido de que ao momento que um transexual faz a opção pela modificação de seu sexo, já possui, previamente, a noção de que não poderá ter filhos, que a modificação do sexo, é basicamente, uma adaptação do seu corpo à sua mente[9].
Portanto, devemos conceber a essas pessoas que já sofrem tanto consigo mesmas, pois a disposição de aceitar-se como homossexual, e posteriormente, nos casos supramencionados, buscar a alteração de seu sexo, é algo que consome o ser humano muito profundamente, a ponto de muitos preferirem o suicídio, a tais conclusões.
Sobre tais argumentos, a ilustre professora Maria de Fátima Freire Sá, em sua obra A Redesignação do Estado Sexual, assevera entendimento que demonstra o que devemos fazer, como operadores do direito, no que tange a situação dos transexuais, dispondo que:
“O que vem ao caso é, sim, o profundo sofrimento de jovens e adultos, tolhidos de serem felizes ao seu modo, por uma aparente imposição sociojurídica. Ao deparar-se com situações que envolvam a transexualidade, o que realmente importa ao operador do direito é procurar buscar soluções que privilegiem o ser humano, garantindo-lhe a dignidade e o livre desenvolvimento de sua personalidade, deixando a cargo de cada um a construção da própria identidade sexual.[10]”
3 – A LUTA PELO DIREITO À FELICIDADE DOS TRANSEXUAIS
Na busca pelo reconhecimento de sua concepção de vida, de felicidade, os transexuais começam a enfrentar nossos Tribunais na tentativa de, em primeiro lugar, conseguirem legalmente a possibilidade de alteração de sexo, o que já vem ganhando espaço e reconhecimento por todo o país, em especial no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que sempre se coloca à frente dos demais quanto aos assuntos mais polêmicos e controvertidos do país, demonstrando-se um afastamento daquelas concepções tradicionalistas e conservadoras.[11]
A esse respeito à professora Maria Berenice Dias, em sua obra Manual de Direito das Famílias, assevera seu entendimento acerca da possibilidade de alteração do nome e consequente retificação do registro civil dos transexuais, o que possibilitaria, para a emérita professora, até o seu casamento, senão vejamos:
“Ao menos é de ser admitido como existente e válido o casamento de transexual. Independentemente da redesignação dos órgãos genitais, obtida, na justiça, a alteração do nome e a retificação da identidade do sexo, tais pessoas não estão impedidas de casar.”[12]
Assim, vemos que a sexualidade é elemento que integra a identidade humana desde suas primeiras concepções, das mais primitivas ordenações até os tempos modernos, a sexualidade é fonte de poder, de dominação e, principalmente, de discriminação.
Neste diapasão, não podemos aceitar que na esfera da vida privada, da intimidade das pessoas, o Estado se sobreponha, impedindo a alteração do sexo físico dos transexuais, e consequentemente, a correção de seu registro civil, fato que faria afronta ao princípio da Liberdade, de qual todos nós, independentemente de nossa orientação sexual, ou de nosso sexo, gozamos.[13]
Desta feita, A luta pelo direito, que é título de uma das maiores obras literárias acerca do direito como um fato sócio-cultural, que necessita ser protegido, ser conquistado, de Rudolf Von Ihering,[14] é fato que deve ser buscado a cada instante por essas pessoas, que não querem nada mais do que ser felizes, sem preconceitos por serem como são, e sem limitações em seus direitos.
Em uma importante passagem da referida obra, Ihering diz como as pessoas devem e portar frente à busca por seus direitos, ou a proteção daqueles que já lhes são garantidos. O mencionado autor, narrando um possível questionamento interior da pessoa, sobre “brigar” ou não por seu direito, assenta o seguinte entendimento:
“Diz-lhe uma voz interior que não deve recuar, que se trata para ele, não de qualquer ninharia sem valor, mais de sua personalidade, de sua honra, de seu sentimento do direito, do respeito a si próprio; em resumo, o processo deixa de ser para ele uma simples questão de interesse, para se transformar numa questão de dignidade e de caráter: a afirmação ou o abandono de sua personalidade.”[15]
Portanto, a luta pela “felicidade” dos transexuais, deve ser pautada pelo reconhecimento das garantias constitucionais que prezam, acima de tudo, pela dignidade da pessoa humana, ponto chave para resolver todas as questões atinentes a possibilidade de alteração do registro civil daqueles. Será com o reconhecimento do direito legislado, que protegem as pessoas de qualquer tipo de discriminação, é que a luta pelo direito ganhará contornos de vitória, de democracia e, principalmente, de justiça.
4 – O NOME: Um “Estereotipo” da Personalidade Humana Passível de Modificação?
Primeiramente cabe-nos ressaltar o porquê da concepção do nome, como sendo um estereotipo da personalidade humana. A palavra estereotipo, em si, possui um sentido cultural de algo que impõe, a determinada coisa, uma característica, boa ou ruim. Na mais é, então, do que uma forma de qualificar algo, dizer se é, ou não é, o que é, ou o que não é.
Assim, o nome que as pessoas ganham ao nascerem, é seu estereotipo, é aquilo que guiará seus passos como homem ou mulher, é o que determinará sua conduta frente às demais pessoas, ou seja, é o meio pelo qual todos te conhecerão e re-conhecerão.[16]
A Lei 6.015/73, (Lei de Registros Públicos [LRP]) ao tratar do nome das pessoas, de seu registro civil, em seu artigo 58, caput, assevera a imutabilidade do nome (prenome)[17], pois este será definitivo. A referida legislação ressalva, no parágrafo único do citado artigo, a possibilidade de sua alteração por apelidos públicos notórios, ou em casos onde a pessoa corra grave ameaça em decorrência de ajuda para apuração de crimes.
Desse modo, como percebemos, a legislação acerca dos registros públicos vigente não reconhece a possibilidade de alteração do nome no caso dos transexuais, estes que, pela referida lei, devem permanecer como a designação lhes dada ao nascimento, mesmo que esta (nome/estereotipo), lhe proporcione constrangimentos tais, que acabe por desconhecer a esta pessoa, a dignidade humana de que tem direito.
Entretanto, devemos ter uma noção histórica acerca das disposições trazidas por essa lei. Conforme se depreende, é uma legislação trazida ao ordenamento jurídico no ano de 1973, ou seja, quinze anos antes da promulgação da atual Constituição Federal, e imersa em um país tomado pelos dogmas da Ditadura, por onde o reconhecimento das garantias fundamentais dos seres humanos não era concretizado.
Assim, devemos adequar as disposições trazidas pela referida lei, aos princípios que norteiam nossa Carta Magna, que impõem ao Estado e à Sociedade o respeito às diferenças, às minorias, essas que necessitam ser tratadas diferentemente, mais na medida de suas diferenças.
Com relação à alteração do sexo das pessoas que não reconhecem em seu corpo compatibilidade com a mente, entendemos, assim como o professor Álvaro Ricardo Souza Cruz[18], que a própria Constituição Federal em seu artigo 199, §4º, assegura tal possibilidade, ao dispor sobre a possibilidade da remoção de órgãos para fins de tratamento.
Por outro lado, com relação à possibilidade de alteração do registro civil dos transexuais, ou seja, a alteração de seus nomes, adaptando-os à sua realidade psíquica, percebemos que o tratamento normativo vai além das disposições imperativas da Lei de Registros Públicos e do Código Civil Brasileiro, que não regulam a situação dos transexuais.
O nome, como visto no decorrer de nossa discussão, está para as pessoas como um estereotipo, como uma qualificação, ou seja, é algo apenas de nos possibilita ter o conhecimento das demais pessoas a respeito de nossa personalidade.
O nome, portanto, não pode ser algo que delimita pura e simplesmente a nossa sexualidade, pois é sabido que existem vários casos, em que o nome da pessoa lhe causa constrangimento, por expressar situações de ambigüidade, como por exemplo: Lucimar, que poderá designar um homem, ou uma mulher.
Nestes casos, o ordenamento jurídico possibilita a alteração do nome, por via judicial, para acabar com o constrangimento ocasionado pela duplicidade do entendimento acerca daquele. Bastará a pessoa, no ano, após completado a maioridade, buscar a alteração de seu nome administrativamente, ou, após tal prazo, buscar o judiciário para alteração do nome através de um processo judicial.
Assim, temos uma contradição, pois se a pessoa heterossexual se sente constrangida com o nome que possui, poderá buscar a sua alteração, e retificar seu registro civil. Entretanto, se a mesma pessoa humana, igual em direitos, for homossexual ou transexual, não poderá, pela legislação existente acerca dos registros públicos, alterar seu nome, mesmo que lhe esteja causando graves constrangimentos.
Será então que existe em nosso Estado Democrático de Direito o verdadeiro tratamento igualitário, sem distinção de qualquer natureza frente às pessoas humanas? Será que os transexuais não são merecedores da concretização das garantias fundamentais dos seres humanos?
A resposta acerca de tais questionamentos, não pode ser outra senão aquela, mesmo a legislação não se amoldando à realidade dessas pessoas, adequa a visão democrática acerca da dignidade, da liberdade, da honra, da intimidade e da personalidade humana, aos casos onde, a alteração do sexo, e consequentemente, do registro civil, é a única forma de resguardar tais bases constitucionais.
Não há lei específica que regula a transgenitalização, mudança de sexo, em nosso ordenamento. O Conselho Federal de Medicina, através do projeto de Lei 70-B, tenta regulamentar tais situações, para amenizar a falta proteção jurídica para as pessoas que necessitam de tais intervenções cirúrgicas.
Portanto, pela falta de legislação ordinária sobre tais situações, mas, consubstanciado-nos nas diretrizes do paradigma do Estado Democrático de Direito, não há alternativa, senão adequar a situação da transexualidade aos princípios constitucionais que resguardam a intimidade, a liberdade de orientação sexual das pessoas, a dignidade da pessoa humana, protegendo os transexuais no seu direito de alterar o registro civil para terem a oportunidade de viver uma vida regrada pela normalidade, sem o cometimento de constrangimentos, de impossibilidade, de discriminações.
Assim, como a dignidade da pessoa humana, é o princípio fundamental que informa o Direito da Personalidade, amparado pela proteção internacional dos Direitos Humanos (Corte Internacional de Direitos Humanos – CIDH), caberá a sua concretização, para que vivamos em uma sociedade plural, nos termos de nossa Constituição Federal, o que abre as portas para a retificação do registro civil dos transexuais, alterando seus nomes para adequarem-se ao sexo psicológico da pessoa.
CONCLUSÃO
Observados as discussões principiológicas, normativas e jurídicas, acerca da problemática dos Transexuais e da possibilidade de alterarem seus registros civis, modificando seus nomes de origem para adequarem ao sexo psicológico que possuem, resta-nos delinearmos alguns questionamentos finais sobre o tema em debate.
Assim, em uma ordem constitucional como a nossa, onde predomina o entendimento pluralista e aberto frente às varais visões de mundo, a obediência aos princípios que baseiam nosso ordenamento jurídico, é imprescindível para os operadores do direito na busca pela justiça de suas decisões.
Neste diapasão, não há como negar a força dos princípios que regem as relações humanas, como a proteção da vida, da liberdade, da intimidade, da dignidade humana, frente às discussões que aparecem a todos os momentos no cenário legislativo e jurisdicional de nossa sociedade.
Tolher seres humanos da tentativa de serem felizes, de buscarem o resguardo do Direito para as suas angustias, é fato que não pode nortear o senso dos operadores do direito, estes, os responsáveis por dar a cada um o que é seu, sem pautar-se pelo menosprezo, pela discriminação em decorrência de uma qualidade, característica ou entendimento social que a pessoa venha a ter.
Reconhecer o direito que os Transexuais possuem de terem seus registros civis alterados, seus nomes modificados, é o que deve ser tido como regra, pois vivemos em um País onde a liberdade de orientação sexual é assegurada às pessoas, onde a honra e a intimidade de cada são protegidas pelo Estado, e onde, a dignidade humana é o que deve reger as relações entre as pessoas e os seus direitos.
Por fim, para que a questão sócio-cultural da alteração do nome dos transexuais possa ter uma visão menos conservadora, que paute-se pelo respeito ao homem ou a mulher que encontra-se nesta situação, devemos, além de respeitar os dogmas constitucionais da proteção aos direitos da pessoa humana, promover o advento de novas legislações, adequadas à realidade do século XXI, e, acima de tudo, investir em educação, pois será a partir de uma sociedade “educada” que as diferenças sociais se amenizarão, nos possibilitando uma igualdade de direitos e, principalmente, de felicidades.
BIBLIOGRAFIA
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ªed. rev. e ampl. até EC/53, de 19 de Dezembro de 2006. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
[1] O termo “nova” está empregado no texto em decorrência das relações homoafetivas, do transexualismo, entre outros, serem tidos hoje em dia, como condutas que merecem, se não nossa admiração, ao menos nosso respeito, pois tais atitudes não ocorriam em tempos passados, onde além de não serem reconhecidos, muitas vezes como pessoas humanas, pois sofriam todos os tipos de discriminações, até aquelas de natureza física, como as intervenções de grupos como os “Skin Reds”, não tinham o merecido respeito, tanto do restante da sociedade, igual em direitos, como também do Estado, que manteve-se por muitos anos inerte a esses acontecimentos, deflagrando no seio social um enorme sentimento de repúdio a essas pessoas.
[2] BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral, §3º; GONÇALVES, Cunha, Tratado, I, pág. 29. (in) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I, 22ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. pág. 213.
[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ªed. rev. e ampl. até EC/53, de 19 de Dezembro de 2006. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
[4] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. ampl. até EC/53 de 19 de Dezembro de 2006. São Paulo: Atlas, 2007.
[5] CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. O Direito à Diferença: As Ações Afirmativas como Mecanismo de Inclusão Social de Mulheres, Negros, homossexuais e Portadores de Deficiência. 2ªed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. pág. 71.
[6] Ibdem. pág. 74.
[7] A palavra pré-conceito está empregada no texto com a referida morfologia, pois demonstra o sentido de não ser o sentimento da vontade da pessoa em si, mais àquele advindo de sua criação. Não é culpa das pessoas que hoje estão com sessenta, setenta, oitenta anos, não aceitar o relacionamento homossexual, o transexualismo, pois não foram criadas, não tiveram no decorrer de sua infância e adolescência, ensinamentos acerca de igualdade de direitos entre as pessoas, pois muitos ainda entendem que “lugar de mulher é em casa”, como poderiam entender tais “revoluções” humanas?
[8] “Uma vez que a extração de pênis e do escroto deixa intactos os órgãos internos do homem. (STF, Ag. n. 82.517-7. Rel. Min. Cordeiro Guerra. RTJ 98/193).
[9] CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao Próprio Corpo: Intersexualidade, Transexualidade, Transplante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
[10] SÁ, Maria de Fátima Freire. Da Redesignação do Estado Sexual. SÁ, Maria de Fátima Freire; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.). Bioética, Biodireito e o Novo Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. pág. 220.
[11]Julgados do Tribunal de Justiça de Estado do Rio Grande do Sul. Apelações Cíveis nº. 70014179477, 70013580055, 70021120522, 70022504849.
[12] DIAS, Maira Berenice. Manual de Direito da Famílias. 5ªed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. pág. 253.
[13] Ibdem. pág. 188.
[14] IHERING, Rudolf Von. A Luta Pelo Direito. trad. por João de Vasconcelos. São Paulo: Martin Claret, 2009.
[15] Ibdem, pág. 36.
[16] MORAES, Maria Celina Bodin de. A Tutela do Nome da Pessoa Humana. in. Revista Forense. vol. 364.
[17] Adotamos aqui a noção de “nome”, como sendo designativo do prenome, ou seja, do primeiro nome das pessoas. Não trataremos, neste sentido, do nome como sendo a união do prenome com os apelidos de família (sobrenomes), tendo em vista a sua irrelevância para a abordagem do tema discutido.
[18] CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. O Direito à Diferença: As Ações Afirmativas como Mecanismo de Inclusão Social de Mulheres, Negros, homossexuais e Portadores de Deficiência. 2ªed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. pág. 93.
Mestre em Direito - Direitos e Garantias Fundamentais - pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Membro do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais da FDV. Membro Diretor da Academia Brasileira de Direitos Humanos - ABDH. Professor no Curso de Direito da Faculdade São Geraldo - Cariacica/ES. Advogado (OAB/MG - 132.455)<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Heleno Florindo da. Nome: um "esteriótipo" para toda a vida? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 fev 2011, 07:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23609/nome-um-quot-esteriotipo-quot-para-toda-a-vida. Acesso em: 23 dez 2024.
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