Sumário: Introdução; O nome e algumas considerações filosóficas, O nome de direito e de fato.Conclusão.
Palavras-chave: Filosofia do Direito, Justiça, nome, Personalidade, Transexualidade, Princípios Constitucional-civis, Direito, Dignidade Humana, Liberdade, Honra, Intimidade, Homossexualidade, Minorias, Jurisprudência, Registro Civil, Ordenamento Jurídico.
Resumo: O nome é um dos mecanismos mais sutis para designar o gênero do individuo, apesar da existência de nomes unissex como “Waldir”, “Juraci” e outros, que tanto designa homem quanto mulher, a filigrana complexa na qual se desenvolve a questão dos transexuais parece caminhar em passos firmes que demonstram o desejo de enfrentar a questão quando traz à tona posicionamentos que contemplam o tema numa esfera sócio-jurídica e avança ganhando espaço nos debates, nos Tribunais, na esfera acadêmica, esta é local mister para a maturação das discussões principiológicas e normativas a respeito dos temas que envolvem gênero e a homoafetividade. Destarte, nossa explanação propõe enfrentar o de forma reflexiva a realidade que já se apresenta: - o nome e sua função, a alteração do registro civil dos transexuais, dos direitos, regulamentações e princípios que norteiam a vida, o respeito e a dignidade humana dessas pessoas.
Estranha Forma de Vida
Alfredo Duarte Marceneiro
Foi por vontade de Deus
Que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda minha a saudade.
Foi por vontade de Deus.
Que estranha forma de vida
Tem este meu coração:
Vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.
Coração independente,
Coração que não comando:
Vive perdido entre a gente,
Teimosamente sangrando,
Coração independente.
Eu não te acompanho mais:
Pára, deixa de bater.
Se não sabes onde vais,
Porque teimas em correr,
Eu não te acompanho mais.
INTRODUÇÃO.
Desde sempre as diferenças entre os seres humanos funcionou como uma forma de propiciar conhecimento, o gênero, a incidência de melanina, a raça, o tipo do cabelo são elementos endógenos do sujeito, pois nascemos com ele mediante uma herança – a herança genética – contudo estas diferenças são poucas para determinar a individualidade do sujeito, assim criamos critérios artificiais para individualizar os sujeitos, uma das formas mais bem sucedidas de individuação é o NOME, esta sim é uma forma de individuação arbitrada pelo grupo via de regra no momento do nascimento.
Seguindo a esteira do pensamento de Giambatista Vico[1] acerca da vida em sociedade, podemos dizer que três são os costumes desenvolvidos e praticados pelos homens em sociedade, a saber: celebrar os nascimentos, casamentos e os funerais; vamos nos ater ao primeiro - o nascimento, nele o grupo vai fazer integrar o novo membro por intermédio do nome que lhe será conferido, portanto ato continuo a nascer, sobrevém a designação de um nome para dizer o sujeito, é por este nome que doravante ele será chamado; quando o grupo de torna muito populoso ocorre o surgimento do sobrenome, que designa o clã ao qual indivíduo pertence e deste pertencimento decorre a herança e também a transmissão da pena relativa a crimes praticados por antepassados – ainda bem que não mais realizamos este tipo de prática! - posto que, infelizmente os segredos de família que transcendem da esfera privada acabam por constituir uma pecha para o indivíduo que não deu contributo algum para esta marca.
Em tempo hodierno, o nome tem sido o combustível que alimenta uma das discussões mais reflexivas e instigantes sobre a questão que gravita ao redor do binômio gênero-transexual, posto que, a inamovibilidade do nome é motivo de constrangimentos na esfera pública ao transexuais. O tema provocava uma celeuma onde as discriminações à diferenças de gênero a cada dia mais são rechaçadas, onde pensamentos destoantes à pluralidade não mais se alinham à realidade de nossa sociedade contemporânea.
A busca dos transexuais na tentativa de mudar o nome que lhe designaram ao nascer e que se atem apenas a aspectos biológicos, agora tem por meta uma nova nomeação que tenha por fim adequá-lo ao seu “ser”, e isto é algo que necessita de respaldo e regulamentação jurídica.
O reconhecimento de relações homoafetivas, da existência da homoafetividade e da transexualidade desprovidos de uma designação de “doença” ou “desvio de conduta”, é uma visão anacrônica do que ocorria em um passado não muito remoto, e que agora é apontado como diversidade, e riqueza cultural, pois não mais se exclui, ora inclui os sujeitos que “nasceram no corpo errado” ou como eles se auto-designam “nasceram na embalagem inapropriada para a consecução da sua realização pessoal”.
Há que se ressaltar que como antes não existia um entendimento multidisciplinar sobre o tema “o homoafetivo/ transsexuais”, estes ficava à margem da sociedade, pois o emprego, a vida social e mesmo familiar era comprometida pelo grau de diferença que ele portava e que destoava dos normais, do homem médio.
Ocorre que, a CF/88[2] trata com rigor e clareza o tema da dignidade da pessoa humana e neste sentido, a busca dessas pessoas por direitos, por respeito, por confirmação de sua qualidade de pessoa humana, demonstram a garantia constitucional da igualdade entre as pessoas, como sendo um Direito Individual de todos os seres humanos, resguardado que seja sem distinção de sexo, raça ou cor ou orientação sexual.
A mudança de sexo quando é uma opção do transexual também exige a mudança de seu registro civil, do seu nome, para que se estabeleça o preconizado no texto constitucional. A análise dos princípios constitucionais acerca da personalidade jurídica das pessoas humanas, a legislação existente que nega, ou acolhe tal pretensão, as decisões existentes que enfatizam o pensamento que existe hoje em nossos Tribunais e, por fim, o que é demonstrado por nossos doutrinadores frente a possibilidade de mudança do nome no caso dos transexuais nos interessa na esfera acadêmica por entrelaçar a ciência e realidade social.
O NOME E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FILOSÓFICAS.
O nome enquanto dispositivo de individuação do sujeito foi abordado com maestria ao longo da historiada filosofia, no texto Crátilo [3] de Platão sem necessariamente ater-se ao nome da pessoa, no referido texto, o nome é estabelecido por arbitramento emanado da razão e necessariamente tem que dizer a essência da coisa, ou seja, deve revelar a coisa ou a pessoa ipsi literis, na visão de Santo Agostinho em seu texto De Magistro[4], a palavra e assim estendamos o argumento ao entendimento ao nome, preconiza que quem diz o nome, quer que a função significante se materialize em um misto de ensino-aprendizagem e que teria por finalidade realizar a relembrança, logo, eu que nomeio relembro pelo nome quem é o sujeito a que chamo, daí ser absurdo conservar um nome que não diz nem relembra a coisa. Santo Agostinho coloca tal exercício de nomear como uma troca dotada de intersubjetividade, quando não ocorre esta troca, o alijamento sucede a ruptura entre os indivíduos.
Em Aristóteles em sua obra Organon[5], o sujeito capitaneia o argumento e se faz acompanhar de um predicado para que a premissa faça sentido e possa ser válida.
O NOME DE DIREITO E DE FATO
Alguns institutos do mundo jurídico, especialmente o da personalidade (e que trás a reboque temas como: vida, a liberdade, a intimidade, a honra, a integridade física e moral) tem sua extensão alterada quando da discussão em torno da mudança do nome para pelo transexual, ampliando assim nossa compreensão de ser humano.
A personalidade humana é definida como a aptidão genérica para adquirir direitos ou contrair deveres, e se inicia com o nascimento com vida, conforme o nosso Código Civil de 2002[6], em seu artigo 2º e seu termo (fim) ocorre com o evento morte, mas a esta sobrevive a memória que se torna patrimônio a cargo dos herdeiros na função de preservá-la.
Portanto a mudança do nome plenifica a personalidade, garante uma perpetuação da memória por uma historia que será escrita pelo sujeito que de fato dela erige e se este direito lhe é sonegado o danos transcendem a sua existência pois ele cairá no esquecimento ou terá sua história construída à sua revelia.
A carta magna é explicita em seu Art. 5º, quando dispõe sobre os Direitos e Garantias Fundamentais de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e este artigo materializa a preocupação do constituinte em afirmar a isonomia entre as pessoas e a personalidade do homem como um atributo inerente a ele, ou seja, a aptidão das pessoas de possuírem direitos ou contraírem deveres, é disponível a todos, igualitariamente, bem como a liberdade, o respeito e proteção à moral de cada um, ao fazerem parte das estruturas da personalidade humana, também são conferidos a todos, fato este que torna o Brasil um país onde o Direito é Democrático.
Contudo o preconizado em lei nem sempre foi observado, e nesta via os relatos das entidades que preservam os interesses GLBT’s são prenhes ao enunciar inúmeras situações de violência física, verbal contra o transexual e aqueles que seguem uma orientação sexual diversa daquela clássica, e que contudo, é tão somente apenas uma das possibilidades de expressão no caleidoscópio da sexualidade humana.
Neste sentido, o Direito contribui para a discussão quando enfrenta com vigor o tema da orientação sexual aliado aos textos do nosso ordenamento jurídico que manifestam interesse em preservar a pessoa e seu primeiro bem adquirido quando do seu nascimento, o seu NOME para que o individuo não seja transformado em Golem.
O nome, portanto deve corresponder à verdade do sujeito, deve expressar sua essência, deve dizê-lo integralmente, deve ir além da sua existência física sob forma de memória a ser preservada por seus herdeiros, o nome deve guardar simetria com o sujeito que o carrega, que o empunha como estandarte de sua conformação físico-psicológica e deve ser identitário ao seu modo de vida, não pode ser objeto de uma arbitrariedade que divida seu corpo de sua alma, que escamoteie a sua felicidade, sua liberdade, sua honra e sua moral, enfim, que lhe proíba de ser um ser, pois é desta visão tacanha que o transexual é empurrado para uma existência de 2ª classe, com poucas ou mesmo nenhuma oportunidade de acesso ao trabalho, a educação e a uma vida social saudável, é nisto que reside o direito à diferença salvaguardado pelo pluralismo jurídico e que caracteriza a sociedade hodierna, tão multifacetária e rica em diversidade, onde o termo médio desta lógica é a tolerância e a ponderação.
A busca pela adequação do registro civil, para aqueles que fazem a troca do sexo tem sido acatada pelos tribunais desde que o sujeito seja acompanhado pelo Estado nesta empreitada de adaptação do corpo à mente e uma das formas de materialização disto se dá por intermédio do nome, que tem papel fundamental neste processo.
Neste sentido é benfazeja a citação de Maria de Fátima Freire Sá, em seu livro A Redesignação do Estado Sexual, onde a autora corrobora na perspectiva doutrinaria de como os operadores do direito devem se posicionar, quando ela nos diz que:
“O que vem ao caso é, sim, o profundo sofrimento de jovens e adultos, tolhidos de serem felizes ao seu modo, por uma aparente imposição sócio-jurídica. Ao deparar-se com situações que envolvam a transexualidade, o que realmente importa ao operador do direito é procurar buscar soluções que privilegiem o ser humano, garantindo-lhe a dignidade e o livre desenvolvimento de sua personalidade, deixando a cargo de cada um a construção da própria identidade sexual.”[7]
Os anos dedicados à magistratura, sem divida que, oferecem uma visão privilegiada sobre o tema e neste sentido a professora Maria Berenice Dias, em sua obra Manual de Direito das Famílias, posiciona seu entendimento a favor da possibilidade de alteração do nome e na mesma esteira a consequente retificação do registro civil dos transexuais, o que desaguará até um possível casamento, pois:
“Ao menos é de ser admitido como existente e válido o casamento de transexual. Independentemente da redesignação dos órgãos genitais, obtida, na justiça, a alteração do nome e a retificação da identidade do sexo, tais pessoas não estão impedidas de casar.”[8]
É nítido que a sexualidade é elemento mais significativo que integra a identidade humana desde o nascimento, em todas as culturas e em todos os tempos a sexualidade é fonte de poder, de dominação e, principalmente, de discriminação e por ser fonte de poder tende a ser petrificada em sua conceituação e entendimento alijando sujeitos ou apenas integrando-os em apenas alguns aspectos da vida de modo a mantê-los na margem.
A Lei 6.015/73, (Lei de Registros Públicos) ao versar sobre o nome das pessoas, de seu registro civil, em seu artigo 58, caput, afirma a imutabilidade do nome (prenome), pois este será definitivo. A única ressalva dar-se-á por apelidos públicos notórios, ou em casos onde a pessoa esteja inclusa nos programas de proteção as testemunhas, não existe, portanto previsão legal para os transexuais cabe ao operador do Direito o papel de aproximar a lei do caso concreto e neste aspecto o contributo da Sociologia, da Filosofia, da Psicologia é de suma importância para que e alargue a compreensão do operador do Direito quanto ao tema.
CONCLUSÃO
Ainda há muito por falar sobre o tema, a sua importância repousa na idéia de que uma sociedade justa é aquela que opta pela liberdade, pela felicidade, pela igualdade e pela justiça, cremos que a exposição deste tema tem por finalidade fazer a sociedade verter para si própria seus preconceitos de forma sóbria e responsável de modo a contemplá-los de forma integral, quiçá um dia não estejamos mais a debatê-lo por estar tão somente pacificado.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA/RECOMENDADA
SILVA, Heleno Florindo da. Nome: um "esteriótipo" para toda a vida?. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 fev. 2011. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.31284&seo=1>. Acesso em: 16 fev. 2011.
CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao Próprio Corpo: Intersexualidade, Transexualidade, Transplante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. O Direito à Diferença: As Ações Afirmativas como Mecanismo de Inclusão Social de Mulheres, Negros, homossexuais e Portadores de Deficiência. 2ªed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
DIAS, Maira Berenice. Manual de Direito da Famílias. 5ªed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
MORAES, Maria Celina Bodin de. A Tutela do Nome da Pessoa Humana. in. Revista Forense. vol. 364.
SÁ, Maria de Fátima Freire. Da Redesignação do Estado Sexual. SÁ, Maria de Fátima
[1] VICO, Giambattista, A ciência nova. São Paulo. Nova Cultural.1998.
[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1988.
[3] PLATÃO. Crátilo. Lisboa. Instituto Piaget. 2002
[4] SANTO AGOSTINHO. De Magistro.in Palavra e verdade na filosofia antiga e na psicanálise. GARCIA DROZA, Luis Alfredo. São Paulo. JZE.2000
[5] ARISTOTELES. Organon. Col Pensadores. Nova cultural.1999.
[6] Codigo Civil Brasileiro. São Paulo. Editora Saraiva. 2002
[7]) SÁ, Maria de Fátima Freire. Da Redesignação do Estado Sexual. SÁ, Maria de Fátima Freire; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.). Bioética, Biodireito e o Novo Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
[8]) DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito da Família. 5ªed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
[9]) SILVA, Heleno Florindo da. Nome: um "esteriótipo" para toda a vida?. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 fev. 2011. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.31284&seo=1>. Acesso em: 16 fev. 2011.
Graduada em Filosofia (UFBA, 1990) e Direito (Faculdade Ruy Barbosa,2008), Mestre em Comunicação e Cutura Contemporâneas (UFBA, 1996) e doutoranda em Familia e Sociedade Contemporênea (UCSAL, 2010), é professora da Faculdade Maurício de Nassau, Universidade Católica do Salvador e Faculdade Social da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAGA, Ana Lívia Carvalho Figueiredo. Marcado na alma por uma palavra: o nome Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2011, 06:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23646/marcado-na-alma-por-uma-palavra-o-nome. Acesso em: 23 dez 2024.
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