Notas Introdutórias
A teoria da imputação objetiva surgiu no seio doutrinário como alternativa viável à superação das imperfeições pragmáticas decorrentes do mecanismo de causalidade transplantado de ciências da natureza para o Direito Penal
pela teoria da conditio sine qua non.
Em contraponto à corrente clássica-causal que propugna o cotejo de causas para verificar o nexo objetivo de causalidade, o segmento doutrinário teleológico-funcional relativo à imputação objetiva versa a respeito da criação de riscos deflagrados contra bens jurídicos sob a tutela penal.
Cabe aduzir que a teoria da imputação objetiva apresenta sua concepção teórica dividida conforme dois doutrinadores alemães, Claus Roxin e Günther Jakobs. Contudo, a ideia de risco constitui elemento fundamental em ambas as construções doutrinárias.
Neste ponto, fulcra-se a abordagem deste estudo, sobretudo no risco permitido, presente nestas teorias de imputação objetiva, na análise da criação de um risco juridicamente relevante e proibido, quanto à Roxin e na verificação da imputação do comportamento, no que respeita à Jakobs.
O Risco Permitido
O risco permitido, no âmbito da imputação objetiva, afigura-se como instituto de eliminação da atribuição normativa naqueles casos em que o comportamento do agente se restringe ao que for reputado como socialmente tolerável.
Esta conotação atribuída ao risco, quanto à sua permissividade, oriunda de generalizada condescendência social, na dicção de Günther Jakobs decorre do fato de que “[...] um sociedade sem riscos não é possível e que ninguém se propõe seriamente a renunciar à sociedade, uma garantia normativa que implique a total ausência de riscos não é factível.” Ademais, completa que “pelo contrário, o risco inerente à configuração social deve ser irremediavelmente tolerado como risco permitido” (JAKOBS, 2007, p.37).
Destarte, o instituto do risco permitido carreia para o âmbito da imputação objetiva característica intercomunicante com a realidade social, fazendo com que a adequação das bases teóricas eminentemente abstratas se articule com o consenso pragmático proposto pela sociedade.
É observável como o risco permitido define os limites entre o que é aceito e o que é proibido. Deste modo, afigura-se inerente às próprias construções sociais, a fim de restringir tudo aquilo que desvirtua os objetivos de prosperidade e crescimento salutar, tal como a proibição de trafegar na contra-mão de uma pista de rolamento de duplo sentido, pois resultaria em constantes acidentes, desencadeando inúmeros problemas que afetam a própria estrutura jurídico-social.
Por outro lado, o tráfego normal de veículos se apresenta perfeitamente aceito pela sociedade, embora venha a resultar previsíveis lesões aos bens jurídicos protegidos. Nesta senda, Roxin assevera que atividades tidas como normais, ainda que possam vir a ensejar acidentes, os riscos mínimos socialmente adequados resultantes não são levados em conta pelo Direito, de modo que a ocorrência do resultado por eles deflagrada não é adrede imputável (ROXIN, 2002, p.315).
As balizas do atributo permissivo variam conforme as perspectivas sociais de cada período histórico, bem como em razão da localidade e características culturais peculiares de cada região a oscilar conforme à apreensão de práticas reiteradas e costumes arraigados nos diversos grupamentos, sobretudo originado de ascendentes e até mesmo ancestrais, que transmitem esta lógica própria, imanente às suas tradições.
Exemplo que reflete esta realidade diz respeito às práticas islâmicas de poligamia que são permitidas consoante às razões sustentadas pelo povo islâmico. Entretanto, no Brasil, a referida prática é passível de reprimenda penal, cominada pena de 2 (dois) a 6 (seis) anos (vide art.235 do Código Penal Brasileiro). Por outro lado, enquanto o adultério foi descriminalizado no Brasil pela Lei 11.106/05, tornando-se irrelevante penal, no mundo islã o adultério de mulher prevê pena de morte por apedrejamento.
Conforme esta digressão acerca dos lindes do proibido e permitido, se instituiu a ausência de um risco permitido como pressuposto a qualquer tentativa de imputar um comportamento culposo ou doloso em um resultado socialmente relevante. Desta forma, independente do dolo do agente em querer atingir agredir o bem jurídico tutelado, não poder-lhe-á ser imputado quando se não transpor os limites do risco permitido, verbi gratia, o genro que dá uma passagem só de ida para sua sogra para o Iraque, pratica uma conduta plenamente lícita, impassível de reprovação penal. Mas, se sabe que um homem-bomba irá explodir a aeronave no voo de sua sogra, a conduta a priori lícita, transmuda-se em uma conduta censurável, configurando crime de homicídio do genro contra a sogra.
Contextualização do risco permitido nas correntes doutrinárias de imputação
Na conceituação de Jakobs, a ideia de papel social por ele trabalhada, se liga intrinsecamente com o risco permitido configurado na imputação objetiva. Os papéis sociais, de certo modo, servem de estrema à delimitação do risco permitido, sobretudo em decorrência da padronização dos deveres dos indivíduos no corpo social, que define que tudo aquilo que estiver fora das expectativas sociais com relação à conduta a ser pautada, deve ser reputado como risco não permitido.
Neste diapasão, André Callegari preleciona que “quando não há norma prevendo a atividade desenvolvida pelo sujeito, o que se toma como relevante é o padrão (standart) de comportamento” (CALLEGARI, 2001, p.24). Assim, este standart afigura-se representado pelo indivíduo objetivamente considerado, servindo de modelo de confrontação à conduta in concreto a averiguar os limites do risco permitido, principalmente no modo de dizer de Jakobs.
Por outra visão, Roxin delimita o risco permitido, mormente quando há um aumento relevante na produção de um risco. Para avaliar este aumento utiliza de dispositivo denominado prognose póstuma objetiva (acerca do instituto v. artigo de minha autoria http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=.31017)
Com a utilização do risco permitido, a teoria de imputação de Roxin exclui por si só a criação de um risco juridicamente relevante e proibido, por ser reflexo imediato dos regramentos instituídos para a sobrevivência em sociedade, e, por consectário lógico, não poderá repercutir no âmbito penal.
Desta forma, conforme a idealização roxiniana para o pensamento teleológico-funcional de cumprimento dos fins do Direito Penal comunica-se com a realidade fática predisposta pelo comportamento da sociedade.
Considerações Finais
O risco permitido evidencia a intercessão das teorias de imputação objetiva de Jakobs e Roxin, ensejando a ubiqüidade deste instituto, bem como sua consolidação na análise de ocorrência de um fato que seja típico, verificando a dimanação de uma conduta reprovável socialmente.
Corroborando este entendimento, a segregação entre riscos sociais permitidos e proibidos aplaca uma visão teórica abstrata, adaptando-se à sua conotação claramente concreta, na medida em que tangencia a estruturação de teoria com a prática verificada nos casos reais apresentados.
Desta feita, o risco permitido capta a expressão mais sincera da realidade ao convergir os delineamentos sociais para a averiguação de lesão a bens jurídicos penalmente relevantes, conjugado com os fins de Direito Penal, desiderato amplo do pensamento teleológico-funcional da teoria de Roxin, como também interligação estreita com os papéis sociais insculpidos doutrinariamente por Jakobs.
Em apertada síntese, a teoria da imputação objetiva por meio do risco permitido adéqua os padrões sociais, decorrentes do conceito primitivo de proibição e permissão ao nexo objetivo inerente à concepção analítica de crime.
Referências Bibliográficas
CALLEGARI, André Luís. Imputação Objetiva: lavagem de dinheiro e outros temas do Direito Penal. 2ªed. rev ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004.
JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no Direito Penal, tradução de André Luís Callegari, São Paulo: RT, 2007.
ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal – Tradução e Introdução de Luiz Greco. São Paulo: Renovar, 2002.
Advogado Especialista e Consultor Jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Marco Túlio Rios. Risco permitido: ubiquidade nas teorias de imputação objetiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 fev 2011, 07:06. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23670/risco-permitido-ubiquidade-nas-teorias-de-imputacao-objetiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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