Libre de la metáfora y del mitolabra un arduo cristal: el infinito mapa de Aquel que es todas Sus estrellas. (“Spinoza” de Jorge Luis Borges, 1964)
A “testemunha de auditu” ou referencial é aquela que tem conhecimento de um fato por dele ouvir dizer, mas que nada viu ou ouviu sobre o fato em si. Seria tal elemento um indício, uma prova indiciária?
Indício é um fato. Prova indiciária é aquela prova que se destina a provar alguma coisa. Ambas as situações indicam probabilidade, presunção, incerteza (signum demonstrativum delicti), o que impossibilita uma condenação.
No caso do “ouvi dizer”, há simples reprodução de algo referenciado e é, por isso, um perigo terrível: de tanto ser reproduzido, pode-se transformar em uma “verdade”, em um rótulo. Esse rótulo cola e massacra uma série de vidas (labeling
approach). Nada obstante, essa questão acaba sendo vista como um acidente e esquece-se de se buscar uma suficiente mínima probabilidade de veracidade (Überwiegensprinzip).
Como é fácil perceber, a busca de uma verdade através do "ouvir dizer" corresponde à uma busca errônea por sua volátil sugestibilidade. Os conhecimentos decorrentes deste particular são sujeitos a conjecturas e suposições excepcionalmente
maiores do que qualquer outro mecanismo probatório. Aqui vale mesmo a análoga advertência de Espinosa quando recomenda que façamos uma cuidadosa distinção entre as várias formas de conhecimento e confiemos apenas nas melhores1.
É claro que é dado ao Juiz a livre convicção, mas isso é diferente do julgar livremente, ao arrepio das provas. Como ressaltava Eduardo Espínola Filho2,“a livre apreciação da prova (...) nunca legitima uma decisão apenas de consciência.” A convicção do julgador deve-se apoiar em dados objetivos indiscutíveis, sob pena de transformar-se o livre convencimento em arbítrio judicial. Não se deve confundir livre convencimento com o julgamento por convicção íntima, que atinge as fronteiras do puro arbítrio. A liberdade que se confere ao juiz deve ser consoante aos elementos dos autos, às provas produzidas em contraditório judicial3 e a testemunha de “ouvi dizer” reporta a fatos não declarados em juízo, quer dizer, fora do manto do contraditório4. Por isso mesmo, a testemunha de “ouvi dizer” é uma prova ilícita no plano do direito processual (art. 5º., LVI, CF) porque é evidente que “a norma constitucional proibiu a busca da verdade mediante a violação de direitos”5.
Desta forma, a testemunha de “auditu” é simples indício incapaz de produzir qualquer condenação. Seja porque não é prova tecnicamente falando, pois sua existência é fora do processo - sem o amparo do contraditório -, seja porque o que a testemunha de “ouvi dizer” comprova é – tão somente – que ouviu terceiro dizer algo, mas não que esse algo seja verdadeiro ou tenha, de fato, existido. A solução mais correta é a absolvição com fundamento no art. VII do art. 386, CPP6 porque a prova que condena é a prova que imprime certeza, objetividade, clareza, de forma que alegar e não provar são situações idênticas, como diz o aforismo: “quod gratis assertur, gratis negatur”.
1 Ver Teixeira, Lívio. A doutrina dos modos de percepção e o conceito de abstração na filosofia de Espinosa. São Paulo: Unesp, vol. 2, 2001.
2 Código de Processo Penal Brasileiro anotado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, vol. 2, p. 445.
3 Dispõe a Carta em seu artigo 5º., inciso LVIII, que “aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa” e no artigo 155 do Código de Processo Penal é expresso:“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial (...)”.
4 STF – 2ª. T. – HC 77.987-4 – MG – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 02.02.1999 – DJU 10.09.1999 e RT 770/497.
5 Marinoni, Luiz Guilherme. Arenhart, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: RT, 2009, p. 249.
6 “Art. 386 - O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...) VII - não existir prova suficiente para a condenação.”
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