SUMÁRIO: Introdução, 2. A Problemática da Hierarquização Constitucional dos Direitos de Personalidade, 3. A Constituição e o Direito Privado, 4. Os Direitos de Personalidade, 4.1 O Início dos Direitos de Personalidade, 4.2 O Fim dos Direitos de Personalidade, 5. As Teorias Sobre a Eficácia dos Direitos Fundamentais Frente aos de Personalidade, 5.1 A Teoria da Eficácia Direita e Imediata dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas, 5.2 Teoria da Eficácia Indireta Mediata dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas, 6. Considerações Finais.
PALAVRAS CHAVE: Hierarquização de Direitos; Constituição, Direitos de Personalidade; Início e Fim da Personalidade; Código Civil de 2002.
RESUMO: O presente artigo tratará de tema controverso no direito contemporâneo, qual seja, a hierarquização dos direitos de personalidade, que por natureza são indisponíveis, discorrendo acerca do início e do fim da personalidade, dos conceitos e das teorias acerca da possibilidade ou não dessa hierarquização, concluindo ao fim que a melhor opção ao julgador é a análise caso a caso do que se quer em juízo.
Introdução
Com o objetivo de ilustrar pontos de importante relevância ao tema – A Hierarquização Constitucional dos Direitos de Personalidade – exporemos prévias disposições a respeito dos direitos de personalidade, seu começo e seu fim frente ao direito brasileiro, a fim de embasar a problemática a ser exposta. Recordações expostas, passaremos para a discussão trazida pela hierarquização dos direitos de personalidade, transcrevendo assim, a inserção constitucional posta ao direito privado. Por essa via, trataremos das diferentes teorias a respeito da eficácia das normas constitucionais sobre todas as demais, visto a subordinação legal do ordenamento a um princípio maior, hoje o da dignidade da pessoa humana. Ao fim, refletiremos sobre o tema, elaborando a visão final na qual chegamos.
2. A Problemática da Hierarquização Constitucional dos Direitos de personalidade.
Poucos temas jurídicos revelam maiores dificuldades conceitual-doutrinárias, quanto a Hierarquização Constitucional dos Direitos de Personalidade, pois ao se falar em personalidade, estamos considerando direitos vindos de um fato natural, sendo conceitualmente transcritos, como um conjunto de atributos inerentes à condição humana. Entretanto, como vivemos em um país onde o Poder Judiciário, o responsável por resolver os conflitos surgidos no seio social, se divide em várias visões distintas a respeito da aplicação das leis – positivismo, pós-positivismo, jusnaturalismo – podermos perceber que a problemática desta hierarquização nos trará infindáveis discussões. Vivemos em uma sociedade democrática e de direito, desse modo, as reflexões trazidas pelos confrontos teórico-doutrinários, só nos fazem crescer como democracia. Acreditamos que a escolha de um único modo para visualizarmos a o direito, ocasionaria sua mecanização, mais por outro lado, se houvesse uma multiplicidade de condições interpretativas, não teríamos condições de segurança jurídica.
Um dos meios encontrados para resolver essa discussão a respeito de como “fazer” justiça, foi trazido pela hierarquização das normas, a ser feita no momento de suas aplicações, pois com a hierarquização, passou-se a utilizar aquela norma que se aproxima-se mais do macro princípio. Por esta nova noção de hermenêutica, o princípio escolhido como o norteador de todos os demais para nossa sociedade – uma jovem democracia que sofre com a grande desigualdade social – foi o da dignidade da pessoa humana.
Regulando todo o ordenamento jurídico, a abstratividade do princípio acolhido, interpela-nos inúmeras controvérsias. Uma das mais comuns se coloca pelo questionamento acerca da possibilidade que se tem de hierarquizar, através do princípio macro, também os direitos de personalidade. Visto que são inerentes a todos os seres humanos, e que guardam consigo características únicas e essências, como: serem absolutos e imprescritíveis será que os direitos de personalidade podem ser também hierarquizados? É pela tentativa de marcamos nossa visão sobre tal questionamento, que ensejaremos a posteriori visões a respeito da aplicação das Normas e Princípios Constitucionais sobre Direito Privado, apresentando as teorias mais importantes ao tema, e assim, concluiremos nossa visão a respeito desta incomensurável problemática, que mexe não somente com o direito – em sentido de lei – mais também com algo maior a nós, tal seja a busca pela verdadeira justiça.
3. A Constituição e o Direito Privado
Já não é novidade podermos afirmar que a força normativa da Constituição projeta-se todo o ordenamento jurídico, em especial nos chamados Direitos de Personalidade. As discussões primeiras sobre a possibilidade e a forma dos direitos fundamentais incidirem nas relações inter privatos ocorreram de início na Alemanha e nos E.U.A, a partir de meados do século XX – o pós segunda guerra mundial, no propósito de proteger incondicionalmente a vida, a liberdade e a dignidade das pessoas humanas. Aquém a todas essas visões, importantes setores da doutrina jurídica liberal sustentam a inviabilidade de se aplicar, mesmo sobre essas prerrogativas, os direitos fundamentais diretamente nas relações jurídicas entre privados, tendo como pretexto, a violação de também direitos fundamentais, a privacidade, a liberdade de expressão de crença, que estão diretamente ligados ao princípio da dignidade.
Por outro lado, têm-se aqueles que crêem na possibilidade dos direitos fundamentais serem invocados tanto nas relações junto ao Estado – a liberdade, a vida, etc.. – quanto nas que envolvam particulares – a vontade das partes, o livre arbítrio dessas. Por assim dizer, podemos observar que ambas as visões comportam ainda incontáveis variações teóricas, dentre as quais, exporemos algumas de mais importância, como a teoria de aplicação mediata e a teoria de aplicação imediata das Normas Constitucionais e, a teoria dos deveres de proteção[1].
4. Os Direitos de Personalidade
Os Direitos de Personalidade, um produto de construção doutrinária, deflagrada a partir de meados do século XX, podem ser percebidos como um longo processo evolutivo. Portanto, poderemos facilmente perceber, que as razões primárias destes Direitos já se encontravam em declarações históricas de Direitos, como por exemplo: Magna Carta, de 1215; o Bill of Rights, de 1689; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789; a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948; a Convenção Européia dos Direitos Humanos, de 1968[2].
A acepção da palavra personalidade poderá ser tomada sobre diferentes conceituações. Atendo-nos a duas dessas, ela nos remeterá algo técnico-jurídico, onde possui um sentido stricto senso, pois em suma, a personalidade é aquela noção de direito que exprime a aptidão física, psíquica e moral das pessoas em si, dando-as possibilidades de adquirirem direitos ou contrair deveres, portanto por essa acepção, a personalidade é a capacidade de as pessoas possuírem direitos e contrair obrigações, objetivando assim, pressuposto básico de todos os demais direitos. Por outra vertente, sua conceituação poderá denotar um conjunto de atributos humanos que não se perfazem somente com a personalidade jurídica, ao passo de ser algo natural a todos os seres humanos, o que defronta àquela conceituação. É-nos permitido dessa maneira observar que pela segunda acepção todos nós detemos conosco personalidade, ela é algo genérico e primeiro a todo ser humano, o seu sentido está posto lato senso. Já na primeira acepção, a idéia de personalidade está ligada à destinação do ordenamento, que nos dirá se temos ou não essa pré-estimativa, é uma noção jurídico-legal de personalidade.
Focando-nos na segunda acepção, poderemos demonstrar o entendimento de que os direitos de personalidade são subjetivos, pois cabem a todas as pessoas, deflagrando-se nas relações privadas como absolutos, visto que possuem a característica de serem oponíveis erga omnes. A despeito dessa visão dos direitos de personalidade é que discutiremos a aplicação das normas constitucionais frente ao caráter de oposição contra todos e absoluto dos direitos inerentes a todos nós, que são aqueles de personalidade.
Ao analisarmos superficialmente o que sejam os direitos de personalidade exprimindo a sua característica primordial – ser intrínseco a todos – mostraremos adiante o seu início e o seu fim. Temos como propósito demarcarmos um alicerce que nos permita refletir sobre a problemática levantada, ou seja, procuramos estabelecer bases para darmos nossa visão, respondendo o questionamento já levantado – se os direitos de personalidade são passíveis, mesmo possuindo características únicas[3], de também sofrerem uma hierarquização posta pelo princípio macro.
4.1 O Início da Personalidade
Configurada a Personalidade como um arcabouço de inúmeras diretrizes que são firmadas como direitos, deu-se necessidade de propor o momento em que eles efetivamente nasciam para seu titular e, também, o momento em que morriam. Assim, os romanos delimitaram o início, sendo o mesmo do nascimento com vida do feto; e o fim, com a morte da pessoa. Como o Corpus Iures Civilis é o alicerce de nosso Direito Civil, também foi acordado entre nós o mesmo termo inicial e final para a personalidade das pessoas. Passados várias legislações civis por nosso ordenamento, que não traziam referências aos direitos personalíssimos, haja vista, sua inserção primeira no rol de Direitos Constitucionais do Estado. O ordenamento jurídico civil brasileiro atual – o Código Civil de 10 de Janeiro de 2002 – diferentemente dos antigos, trouxe em seu texto dizeres a respeito da Personalidade – estritamente noções sumárias de Personalidade, como a de seu início e de seu fim, tais conceitos depurados, como exposto acima, da visão romana.
No entanto, grande dúvida ainda nos emerge, quando o Código Civil discorre sobre uma pré-personalidade. Ela aparece como uma proteção dada ao feto desde sua concepção, na busca premente de resguardo à sua futura personalidade. Presumi-se que ao nascer ele o realize com vida. A dúvida aparecerá no seguinte questionamento: seria esse resguardo o começo da personalidade, tendo em vista a tentativa de salvaguardar a essência humana daquele ser? Colocando-nos em favor do pensamento transcorrido ao código, acreditamos que a personalidade começa ao nascimento e com vida do feto, pois somente assim haverá uma configuração efetiva do Direito da Personalidade, ao passo, ser a proteção citada, uma presunção de Direito, e como tal, poderá ou não ocorrer. Não há, em nossa visão, personalidade em uma expectativa, visto seu caráter universal e sua aplicabilidade imediata às pessoas. O que pode ser percebido na conjuntura, observada no art. 5º, LXXVIII, §1º da Constituição Federal que nos diz: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Como o Direito da Personalidade abrange vários desses direitos e garantias, como: vida, nome, imagem, honra, privacidade, integridade física e psíquica, e outros; isso nos reforça o entendimento da aplicabilidade imediata e universal deste direito aos brasileiros, inserindo-nos o começo de sua existência com o nascimento – e com vida – pois antes, não há que se falar em personalidade, mas apenas meras presunções, que não objetivam concretamente um Direito líquido e certo – a personalidade.
A natureza dos Direitos da Personalidade analisar-se-á por duas correntes doutrinárias antagônicas em seus entendimentos, são elas: a positivista e a jus naturalista. Na corrente dos Positivistas, “a natureza dos Direitos da Personalidade tomará por base a idéia de que estes direitos devem ser somente aqueles reconhecidos pelo Estado, o único capaz de lhes dar força jurídica” [4]. Não aceitam a noção de inatos à condição humana, referindo-se a essa noção como aquela que configura Direitos meta jurídicos, aquém e além do texto legal. Concorrentemente, a corrente dos pensadores jusnaturalistas, “destacam que os Direitos da Personalidade, às faculdades exercitadas naturalmente pelo homem; são, a esse modo, verdadeiros atributos inerentes à condição humana” [5], pois é sabido que é da natureza de todo ser vivo: nascer, crescer, se reproduzir, envelhecer e morrer. Portanto, por esta visão, a personalidade nada mais é, do que algo inerente a todo e qualquer ser humano, desde que respeitados comandos primários, dentre os quais, estão o nascimento com vida do feto, haja vista, ser aí o começo da personalidade, tanto para os jusnaturalistas, quanto para os positivistas.
Refletida às visões – a respeito da natureza da personalidade – retomemos a proposta inicial, tal seja, dissertar sobre o início da Personalidade das pessoas. Diante disso, se analisarmos os argumentos predominantes na doutrina, podemos chegar a um consentimento, presente entre nossos atuais e, passados doutrinadores civilistas. Para eles, a duração da personalidade está presente nos mesmos termos – inicias e finais – da vida humana, ou seja, “ela acompanhará o ser humano enquanto ele viver; do nascimento até a morte”. [6]
Para o início da personalidade, tomamos a visão copilada pelo código. Pode-se perceber mais claramente a assimilação deste pensamento – a personalidade inicia-se com o nascimento com vida –, se observado for, os dizeres do eminente civilista Caio Mário da Silva Pereira, que expõe:
“O nascituro não é ainda uma pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos[7] que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire personalidade, integra-se na sua trilogia essencial: sujeito, objeto e relação jurídica, mas se se frustra o Direito não chega a constituir-se, e não há de falar, portanto, em reconhecimento da personalidade ao nascituro, nem admitir que antes do nascimento, ele seja sujeito de Direitos”. [8]
4.2 O Fim da Personalidade
A Morte. As próximas abordagens sobre a personalidade, abarcarão o seu fim. Pressuposto que a personalidade começa ao nascimento com vida, e se perfaz durante toda a vida da pessoa, poderemos chegar ao entendimento lógico-racional de que ela terminará com a morte da mesma. A muito para se falar sobre a personalidade e seu fim, pois ele envolve questões como: o transplante de órgãos, a imagem do defunto, o respeito a seu nome, à sua honra. No entanto, tais argüições não serão alvo de nossa explanação. Delinearemos apenas pontos relevantes ao entendimento do estudo adiante – A Hierarquização Constitucional dos Direitos da Personalidade.
Destarte, não nos aprofundaremos ao assunto, absorvendo a priori, apenas a visão terminal da personalidade, essa que se dá com a morte de seu titular. Não obstante ao término da personalidade, temos o instituto – que reforça a polêmica da concretização do fim da Personalidade – da presunção de morte. Nos ditames do código civil, em seu artigo 6º a existência das pessoas naturais terminará com a morte desta, sendo que para os casos onde a lei autorizar a abertura das sucessões: provisórias de definitivas presumir-se-á a morte da pessoa mesmo sem a absoluta certeza de que ela realmente ocorreu. No artigo 22 do mesmo código, temos a referência a essa presunção. Dispõe o supracitado que o processo de presunção de morte de uma pessoa terá início a partir do momento em que, a requerimento de qualquer interessado, ou do Ministério Público, ficar revelado ao Estado Juiz, que uma pessoa desapareceu de seu domicílio, sem dele haver notícias e, sem deixar procurador ou representante na tarefa de administrar seus bens. A morte presumida, visto todo o processo de sucessão, será declarada ao momento de abertura da sucessão definitiva do ausente.
Diferente é o fim da personalidade neste caso, pois ele não ocorrerá. A presunção de morte divaga tão somente ao patrimônio[9], não configurando, a posteriori, o real fim da personalidade do desaparecido, simplesmente porque, o regresso do ausente, o fará retomar de pleno direito sua personalidade, ficando apto novamente a exercer seus direitos e a contrair obrigações. A morte presumida, não encerrará, portanto, a personalidade, pois seu verdadeiro fim se dá somente com a morte conhecida da pessoa. Visto a exceção existente para o fim da personalidade de um indivíduo, podemos enfim chegar ao entendimento de que a regra geral é de que o começo da personalidade é o mesmo do nascimento com vida do feto, e o fim daquela, se dá com a morte de seu titular.
5. As Teorias Sobre a Eficácia dos Direitos Fundamentais Frente aos de Personalidade
Conforme disposto anteriormente houve no cenário do pós guerra, a necessidade de ampliação da jurisdição dos direitos fundamentais, possibilitando-os um alcance maior frente as demandas do dia-a-dia, inclusive sobre aquelas onde eram os poderes advindos dos direitos de personalidade dos sujeitos da relação jurídica privada, que provocavam no desenrolar dos fatos, vulnerações aos bens jurídicos, tutelados constitucionalmente como garantias de toda e qualquer pessoa. Demonstração cabível à explanação da ampliação dos direitos fundamentais frente às demandas existentes, mesmo àquelas advindas exclusivamente dos direitos de personalidade das pessoas, é um caso registrado em uma recente experiência francesa.
O prefeito da cidade de Morsang-Sur-Orge, revestido pelo poder de polícia e, valendo-se deste, resolveu interditar um espetáculo em cartaz em uma discoteca da cidade. O espetáculo constituía-se sob um arremesso de um homem de pequena estatura – um anão. A intitulação do espetáculo era expressa pelos seguintes dizeres: “arremesso de anão”. O personagem principal do espetáculo, o anão, era arremessado pelos clientes da discoteca de um lado para o outro do recinto, sobre a perspectiva do entretenimento das pessoas que ali estavam.
Com base na imaginada humilhação perpassada a todos os demais anões, o prefeito intentou uma ação contra a discoteca, com o objetivo de acabar com o espetáculo. Fundamentando-se o pedido do prefeito na defesa dos direitos dos homens, visto o eminente desrespeito a dignidade da pessoa humana do anão, o prefeito então obtém êxito. Contudo, um dos personagens do espetáculo – um anão – em listisconsórcio com a discoteca em que trabalhava, recorreu ao Tribunal Administrativo, com o argumento que a atividade por ele realizada, não ofendia sua dignidade. Mais pelo contrário, era o único meio de ter alguma, ao passo, de o mercado de trabalho fechar as portas para pessoas intituladas pela sociedade de diferentes, como era o seu caso. O recurso, vitorioso no primeiro grau de apelação, foi levado a apreciação do Conselho de Estado – última instância de recurso naquele país – onde fora reformado, pois no entendimento do Conselho, o respeito a dignidade da pessoa humana é uma das bases da direito, não podendo assim ser violado.[10]
Ao analisarmos o caso exposto, ensejaremos adiante, as teorias para a aplicação dos direitos fundamentais sobre as relações jurídicas, objetivando a essa questão, os problemas encontrados na feitura de uma hierarquização dos direitos de personalidade a partir de princípios macros, e inatingíveis, como é o caso da dignidade da pessoa humana. Na apreciação das teorias criadas a respeito do tema, levantaremos mais alguns casos onde poder-se-á observar a questão posta mais detalhadamente.
5.1 A Teoria da Eficácia Direita e Imediata dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas
A teoria da eficácia direita e imediata dos direitos fundamentais nas relações jurídicas – em sentido lato senso – teve sua primeira ilustração no direito alemão, a partir do início da década de cinqüenta. Com o discurso de que alguns direitos fundamentais vinculam somente o Estado, e outros, por suas características, nos passam a visão dessa possibilidade também frente às relações jurídicas, ao passo de não dependerem de qualquer interferência Estatal – exaltada expressamente no texto da lei pelo legislador. Por possuir características únicas e essenciais, esses direitos em exposição, serão confirmados em suas aplicações como erga omnes.[11]
A abrangência dos poderes de aplicação dos direitos fundamentais tem como escopo a visão posta por nossa sociedade contemporânea, acerca de princípios de destinação absoluta às pessoas, como é o caso da dignidade da pessoa humana. Pela noção moderna de Estado, onde o Estado Social deu lugar à conceituação Democrática e de Direito – um conceito firmado como base para as nossas leis – veio desconstituir a imagem paternalista, enrustida por vários anos em nosso ordenamento jurídico. Desta feita, princípios como o referido acima, poderiam gozar de proteção por todas as pessoas. Seus destinatários, mais em especial, seus protetores.
A visão que nos é colocada pela superação da “paternal” noção de Estado – Social – é de que, além deste, os direitos fundamentais devem ser resguardados também pelo poder que se emana do povo, que faz desse, o maior responsável pelo bem estar do ordenamento legal. Portanto, a sociedade, pela demonstração da teoria hora estudada, deveria se colocar em defesa de seus direitos fundamentais, mesmo como conseqüência a diminuição do livre arbítrio das pessoas. O que rebaixaria para segundo plano, os não mais absolutos, direitos de personalidade. Uma explicação plausível para esse resguardo todo aos direitos fundamentais, se produz pelo fato de serem eles os representantes do coletivo, já que os direitos de personalidade têm como preponderância, a atuação e a destinação apenas às partes da relação – uma análise sobre o aspecto de uma relação jurídica privada, frente a toda sociedade.
Visto as disposições concernentes as evoluções ocorridas para a aplicação imediata e direita dos direitos fundamentais nas relações jurídicas, poderemos perceber, a procura por proteção daquilo que se tem como essencial a estrutura se uma sociedade política. É pela proteção dos direitos fundamentais de todo um povo, que alcançaremos a tão sonhada ordem social. Onde as essências sociais – liberdade, igualdade, vida, dignidade – sejam realmente postas em prática. No entanto, onde colocamos a autonomia privada? A vontade das partes? O direito de personalidade? São questionamentos levantados, que se demonstram respondidos por uma palavra: ponderação. Não cremos que o melhor caminho seja realmente ponderar princípios. Estabelecer aquele que vale mais, é valorar. Tornar os princípios – direitos – fundamentais, algo já abstrato, em valores, através de um a ponderação, e acabar de vez com a concretude desses estimados princípios.
Mesmo que doutrinas se coloquem em favor desta teoria, ela apresenta-se como algo de difícil compreensão, que traria uma enorme insegurança jurídica, ao passo, da dificuldade de escolha e de definição pelo princípio que valerá mais dentro de uma relação. Tarefa árdua para nossos magistrados. A teoria da aplicação imediata e direta, como o próprio nome já expõe, nos denota uma superioridade a ser respeitada dentro do ordenamento. Não que o seja, pois o próprio Poder Constituinte Originário assim os definiu – as normas constitucionais estão no ápice de nosso ordenamento jurídico. No entanto, o problema se coloca na rebeldia desta teoria. Aplicar direta e imediatamente os direitos fundamentais em todas as relações onde há interesses representados por diferentes direitos, é expurgar do ordenamento jurídico o Direito Privado, e desse a vontade das partes – manifestada a priori no começo do negócio jurídico –, ou seja, é destruir a autonomia da relação privada e com ela os direitos de personalidade. Desconsiderar a relação privada, direta e imediatamente, é retornar as diretrizes paternais do Estado Social, onde as pessoas não possuíam voz frente ao ordenamento jurídico. [12]
5.2. Teoria da Eficácia Indireta Mediata dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas
Do mesmo nascedouro da teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais, a teoria supracitada refere-se a uma constatação intermediária da eficácia e da aplicação desses direitos. Trata-se de uma teoria que nega a vinculação incondicional das pessoas presentes na relação jurídica aos direitos fundamentais, mais que por outro lado, sustenta a incidência direta daqueles direitos no âmbito privado. A noção de ambigüidade presente em uma primeira análise desta teoria, traduz-se por sua posição intermediária, ora condizendo em aplicar imediatamente os direitos fundamentais, ora defendendo a autonomia privada.
Desta feita, pela teoria da eficácia indireta e mediata dos referidos transpostos direitos, aqueles de personalidade, constitucionalmente aceitos como a base de toda a autonomia privada das partes, é o que nos permite entender, que no exercício regular de seus personalíssimos direitos – liberdade, privacidade – poderão renunciar, na abrangência de suas relações, aos direitos fundamentais. O que por outra verificação, trata-se da prevalência do, também direito fundamental, disposto pelo princípio da autonomia privada das partes, excluindo-se desta, qualquer interferência estatal no que tange à sua supressão.
Permitindo-nos caminhar nesta explanação referente a uma das posições teórico-doutrinária a respeito da teoria discutida, poderemos vislumbrar outro ponto de relevância à nossa explicação. Por se tratar de uma teoria intermediária, como já dito, a eficácia mediata e indireta – também conhecida como horizontal – dos direitos fundamentais poderá, a priori, desvelar a noção ligada a autonomia privada das partes. Contudo, ela também poderá ligar-se a demonstração de uma Constituição delineada por ordens de valores, sendo assim, concretizada pelos direitos fundamentais, dentre os quais, se destaca com maior valoração, o princípio da dignidade da pessoa humana – já exposto em outras abordagens.
Pelas elucidações trazidas por essa teoria – aplicação indireta dos direitos fundamentais – nos é permitido o entendimento central da mesma, ou seja, o seu termo intermediário. A colocação indeterminada, sem firmar um cerne jurisdicional norteador para as soluções dos conflitos surgidos na sociedade, vem empobrecer essa teoria. A dificuldade em adotar um único caminho que resguardasse tanto a eficácia direta, quanto à indireta dos direitos fundamentais, é aquilo que diminui essa teoria. Outra constatação se faz por seu silêncio frente a perguntas como: o que é dignidade da pessoa? Porque ela é a mais importante dentro do ordenamento? Também diminui a sua presteza ao assunto – a hierarquização constitucional dos direitos de personalidade.
Perceber que não podemos renegar totalmente nossos direitos fundamentais frente à autonomia privada, ou essa frente aqueles, é algo relevante da teoria. Mas seu silêncio por melhores apontamentos no que diz respeito aos momentos em que será preciso renunciar um direito à noção de outro; como isso deverá ocorrer dentro do processo; quem será o responsável por firmar essa contraposição ao escolher um dos direitos a ser aplicado – o judiciário ou o legislativo – produzirá a essa teoria uma sensação de “utópica” aos direitos modernos, prementes por objetividade e competência em seus conceitos. Portanto, estabelecer a não aplicação imediata dos princípios fundamentais dentro das relações privadas, é sua maior colaboração ao tema, vez que, valorar princípios traz risco ao direito. Julgar por valor, é destroçar com o devido processo legal, pois desde já, as sentenças estariam colocadas, impedindo o contraditório e a ampla defesa dentro do processo, cujo início se deu pela autonomia personalíssima das partes, mais que no fim, não percebeu a intenção primeira nela consubstanciada, a vontade de seres humanos que também fazem parte da soberania Estatal, e por vez, possuem – democraticamente – o direito ser respeitadas em suas relações.
6. CONCLUSÃO
Destacada a divergência doutrinária referente à natureza dos Direitos – legal, corrente positivista; inerente ao ser, jus naturalista – da Personalidade, nos fica claro que, apesar de haver tais visões, temos de perceber o que realmente é relevante ao entendimento de nosso corpo legal e jurisdicional.
Desse modo quando estivermos diante de demandas onde a discussão gire em torno dos Direitos Personalíssimos, teremos de “compreender a dimensão cultural do Direito, como uma criação do homem para o homem, o que não nos autoriza a fazer acordos que rebaixem a nossa condição de ser humano. Deve-se conservar um conteúdo mínimo de atributos que preservem a condição humana, tendo-a como um valor a ser resguardado pelo Estado e por toda sociedade”. [13]
Portanto, a hierarquização constitucional dos direitos de personalidade não correspondem efetivamente àquilo que se espera de uma estado Democrático de Direito, tendo em vista que o simples escalonamento, poderá levar a ocorrência de injustiças, o que afronta as necessidades sociais. A análise dos direitos de personalidade deve ser tomada caso a caso, e não por meio de escalonamentos de direitos, onde àquele vale mais do que esse.
BIBLIOGRAFIA
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SARMENTO,Daniel.A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil.in:BARROSO,Luís Roberto.(org).A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas.2ªed..Rio de Janeiro:Renovar,2006.
[1] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a Aplicação das Normas de Direito Fundamental nas Relações Jurídicas entre Particulares. in: BARROSO, Luís Roberto.(org). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e as relações privadas. 2ª ed. Rio de Janeiro. Renovar, 2006. p. 119 – 192.
[2] AMARAL, Francisco. Direito Civil Brasileiro. vol. I, “Introdução”. Rio de Janeiro. Forense, 1991. p. 258.
[3] PEREIRA,Caio Mário da Silva.Instituições de Direito Civil.Parte Geral.22ªed.Rio de Janeiro. Forense,2007. p.211 e ss.
[4] GAGLIANO,Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona.Novo Curso de Direito Civil.vol.1.Saraiva.7ªed.São Paulo,2006.p.137.
[5] Idem, p.138.
[6] PEREIRA,Caio Mário da Silva.Instituições de Direito Civil.Parte Geral.22ªed.Rio de Janeiro. Forense,2007. p.216.
[7] Não concordamos com a definição adotada pelo eminente civilista, o qual denota a expressão: “direitos”, para os nascituros. Como o mesmo expõe, o nascituro ainda não é uma pessoa, não é um ser dotado de personalidade, os “direitos” a ele conferidos permanecem em estado potencial, ou seja, poderão ou não ser concretizados como direitos certos e acabados. Sendo assim, acreditamos que a colocação expressa: “direitos”, estaria melhor argumentada se fosse pré-estabelecida como uma expectativa ou presunção de direitos. O que realmente condiz com a potencialidade por ele demonstrada para os futuros – ou não – direitos do nascituro.
[8] PEREIRA,Caio Mário da Silva.Instituições de Direito Civil.Parte Geral.22ªed.Rio de Janeiro. Forense,2007. p.217.
[9]PEREIRA,Caio Mário da Silva.Instituições de Direito Civil.Parte Geral.22ªed.Rio de Janeiro. Forense,2007. p.225.
[10] GOMES, Joaquim Barbosa. O Poder de Polícia e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Jurisprudência Francesa. in: ADV-COAD. Seleções Jurídicas, 1996, nº12. p.17 e ss.
[11] SARMENTO,Daniel.A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil.in:BARROSO,Luís Roberto.(org).A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas.2ªed..Rio de Janeiro:Renovar,2006.p.200–236.
[12] Jane.
[13]GAGLIANO,Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona.Novo Curso de Direito Civil.vol.1.Saraiva.7ªed.São Paulo,2006.p.138.
Mestre em Direito - Direitos e Garantias Fundamentais - pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Membro do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais da FDV. Membro Diretor da Academia Brasileira de Direitos Humanos - ABDH. Professor no Curso de Direito da Faculdade São Geraldo - Cariacica/ES. Advogado (OAB/MG - 132.455)<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Heleno Florindo da. A Hierarquização Constitucional dos Direitos da Personalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2011, 07:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23836/a-hierarquizacao-constitucional-dos-direitos-da-personalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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