Resumo
Tendo em vista o afã arrecadatório da Fazenda Pública, em satisfazer a qualquer custo o seu crédito tributário, grande parte das vezes irregularmente exigido, tem se verificado, com certa freqüência, requerimentos formulados em sede de execução fiscal, para que se determine a penhora dos dividendos das pessoas jurídicas constituídas na forma de sociedade anônima de capital aberto, violando completamente a natureza jurídica desse instituto, não sendo admissível, portanto, o deferimento de tal medida.
Palavras-Chave: Dividendos – Natureza Jurídica - Execução Fiscal – Penhora – Impossibilidade.
1. Introdução.
Em vista da grande quantidade de execuções fiscais que tramitam atualmente no Poder Judiciário, as quais decorrem, muitas vezes, de crédito tributário indevidamente constituído, mas que, não obstante isso permanecem em curso no afã de satisfazer a voracidade arrecadatória do Estado, verifica-se que as medidas expropriatórias de bens adotadas pelos entes tributantes e, quase sempre deferidas pelos magistrados, em alguns casos extrapolam os limites da legalidade e constitucionalidade.
Nesse contexto, em algumas situações, ao invés de esgotar as possibilidades de localização de bens pertencentes à parte Executada, verifica-se que a Fazenda Pública tem requerido, precipitadamente, a penhora dos dividendos pertencentes aos acionistas das pessoas jurídicas constituídas na forma de sociedade anônima.
De tal forma, considerando a natureza jurídica obrigacional dos dividendos, bem como a inexistência de previsão legal para que seja autorizada a sua penhora, não seria possível o deferimento de tal medida.
Com efeito, importa explicitar as razões jurídicas que impedem a penhora dos dividendos da pessoa jurídica constituída na forma de sociedade anônima, conforme exposto a seguir.
1. Da natureza dos dividendos e a obrigatoriedade de seu pagamento pela pessoa jurídica constituída na forma de sociedade anônima de capital aberto, como parte do exercício de sua atividade econômica.
Inicialmente, para que possa verificar a impossibilidade de penhorar os dividendos pagos pelas companhias de capital aberto aos seus acionistas, importa analisar a natureza jurídica desse instituto, conforme delineado a seguir.
Com efeito, o artigo 202 da Lei 6.404/76 – Lei das S.A. – obriga as empresas constituídas na forma de sociedade anônima de capital aberto, a distribuírem dividendos nos seguintes termos:
“Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas:
I - metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores:
a) importância destinada à constituição da reserva legal (art. 193); e
b) importância destinada à formação da reserva para contingências (art. 195) e reversão da mesma reserva formada em exercícios anteriores;
II - o pagamento do dividendo determinado nos termos do inciso I poderá ser limitado ao montante do lucro líquido do exercício que tiver sido realizado, desde que a diferença seja registrada como reserva de lucros a realizar (art. 197);
III - os lucros registrados na reserva de lucros a realizar, quando realizados e se não tiverem sido absorvidos por prejuízos em exercícios subseqüentes, deverão ser acrescidos ao primeiro dividendo declarado após a realização.
§ 1º O estatuto poderá estabelecer o dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo, desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria.
§ 2o Quando o estatuto for omisso e a assembléia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado nos termos do inciso I deste artigo.
§ 3o A assembléia-geral pode, desde que não haja oposição de qualquer acionista presente, deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório, nos termos deste artigo, ou a retenção de todo o lucro líquido, nas seguintes sociedades:
I - companhias abertas exclusivamente para a captação de recursos por debêntures não conversíveis em ações;
II - companhias fechadas, exceto nas controladas por companhias abertas que não se enquadrem na condição prevista no inciso I.
§ 4º O dividendo previsto neste artigo não será obrigatório no exercício social em que os órgãos da administração informarem à assembléia-geral ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da companhia. O conselho fiscal, se em funcionamento, deverá dar parecer sobre essa informação e, na companhia aberta, seus administradores encaminharão à Comissão de Valores Mobiliários, dentro de 5 (cinco) dias da realização da assembléia-geral, exposição justificativa da informação transmitida à assembléia.
§ 5º Os lucros que deixarem de ser distribuídos nos termos do § 4º serão registrados como reserva especial e, se não absorvidos por prejuízos em exercícios subseqüentes, deverão ser pagos como dividendo assim que o permitir a situação financeira da companhia.
§ 6o Os lucros não destinados nos termos dos arts. 193 a 197 deverão ser distribuídos como dividendos.” (Grifos Postos)
Como se depreende do dispositivo legal supracitado, a companhia constituída na forma de sociedade anônima de capital aberto deverá se sujeitar as regras estipuladas pela Lei 6.404/76 que, determina a distribuição obrigatória de parte dos lucros apurados pela empresa no exercício, na forma de dividendos aos seus acionistas.
Ao dispor acerca da classificação contábil dos dividendos, o Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações, elaborado pelo FIPECAFI – Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, FEA/USP (Ed. Atlas, 7ª Edição, p.271) define que:
“No que se refere aos dividendos a pagar aos acionistas, temos:
· Dividendos a pagar, no subgrupo OUTRAS OBRIGAÇÕES;
· Dividendos propostos, no subgrupo PROVISÕES.
A conta de Dividendos a Pagar terá lançamentos pelos dividendos aprovados pela Assembléia e, muitas vezes, já creditados aos acionistas correspondentes. São valores líquidos e certos.
A conta de Dividendos Propostos será registrada pelo valor proposto pela Administração da empresa na data do Balanço, como parte da destinação proposta para os lucros. Segundo a Lei nº 6.404/76, a Administração deverá determinar sua proposição de destinação do resultado, inclusive dividendos, destinação essa que deverá ser contabilizada no próprio Balanço, no pressuposto de sua aprovação pela Assembléia.
Posteriormente, mediante sua aprovação pelos acionistas na Assembléia, tais dividendos propostos, inclusos na provisão, serão transferidos dessa conta para a de Dividendos a Pagar.” (Grifos Postos)
Nos termos das lições contidas no Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações, editado pelo FIPECAFI, os dividendos deverão ser contabilmente registrados em contas do passivo da empresa, por se constituírem como obrigações a pagar.
Com esteio nesses argumentos, bem como considerando a obrigatoriedade de distribuição dos dividendos para o caso de empresas constituídas na forma de sociedade anônima, de acordo com o estipulado pela Lei 6.404/76, resta patente que os dividendos representam para a empresa parte de seu passivo, jamais se configurando como ativo passível de garantir débitos, tanto assim é que, em seus registros contábeis, os dividendos figuram como conta do passivo e não de seu ativo.
Por esse motivo, desde logo se revela inviável a penhora de parte do passivo da pessoa jurídica, além do que, qualquer determinação judicial que impeça a distribuição dos dividendos da empresa estaria violando flagrantemente o disposto pelo artigo 202 da Lei 6.404/76.
Saliente-se também, que uma coisa seria a penhora do dinheiro da empresa por meio de penhora on-line, penhora de faturamento, etc.; outra coisa completamente diversa é a penhora dos dividendos que deverão ser pagos pela empresa, ou seja, uma obrigação da empresa perante seus acionistas.
Admitir a permanência de decisão nesse sentido seria o mesmo que permitir a penhora de uma fatura a ser paga a um fornecedor da empresa, ou seja, a penhora de um pagamento e não de um recebimento.
Não bastassem tais argumentos, importa ressaltar também que, o artigo 52, I da Lei 8.212/91, que vedava a distribuição de dividendos na pendência de débitos tributários de natureza previdenciária, foi revogado pela Lei 11.941/09.
Referido dispositivo legal estabelecia que:
“Art. 52. À empresa em débito para com a Seguridade Social é proibido:
I - distribuir bonificação ou dividendo a acionista;
II - dar ou atribuir cota ou participação nos lucros a sócio-cotista, diretor ou outro membro de órgão dirigente, fiscal ou consultivo, ainda que a título de adiantamento.
Parágrafo único. A infração do disposto neste artigo sujeita o responsável à multa de 50% (cinqüenta por cento) das quantias que tiverem sido pagas ou creditadas a partir da data do evento, atualizadas na forma prevista no art. 34.”
Com o advento da Lei 11.941/09 e a revogação do artigo 52, I da Lei 8.212/91, referido dispositivo legal passou a ter a seguinte redação:
“Art. 52. Às empresas, enquanto estiverem em débito não garantido com a União, aplica-se o disposto no art. 32 da Lei no 4.357, de 16 de julho de 1964. (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009).
I – (revogado); (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009).
II – (revogado). (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009).
Parágrafo único. (Revogado).” (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009).
O artigo 32 da Lei 4.357/64, a que faz referência o artigo 52 da Lei 8.212/91, por sua vez, aduz que:
“Art. 32. As pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito, não garantido, para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, por falta de recolhimento de imposto, taxa ou contribuição, no prazo legal, não poderão:
a) distribuir quaisquer bonificações a seus acionistas;
b) dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou quotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos;”
Ao tratar da aplicação do artigo 32 da Lei 4.357/64 às sociedades por ações, em seu Imposto de Renda das Empresas, Hiromi Higuchi (Ed. IR Publicações, 35ª Ed., 2010, p. 528) leciona que:
“No caso das sociedades por ações, o art. 202 da Lei nº 6.404, de 1976, determina a distribuição de dividendo obrigatório não inferior a 25% do lucro líquido ajustado nos termos daquele artigo que seria incompatível com a vedação do art. 32 da Lei nº 4.357, de 1964.” (Grifos Postos)
Por óbvio que, a revogação do disposto pelo artigo 52, I da Lei 8.212/91 teve por objetivo extirpar o conflito existente entre o referido dispositivo legal e o que estabelece o artigo 202 da Lei 6.404/76.
Como é de conhecimento notório, além de instituir o parcelamento de débitos, a Lei 11.941/09 estabeleceu uma série de regras de harmonização do sistema contábil brasileiro a fim de propiciar a compatibilização com os padrões internacionalmente adotados.
Com efeito, impedir a distribuição de dividendos nos termos do disposto pelo artigo 52, I da Lei 8.212/91, além de violar o artigo 202 da Lei 6.404/76, não se revelava compatível também, com os padrões internacionais adotados pelas sociedades anônimas.
Desse modo, considerando a revogação do disposto pelo inciso I do artigo 52 da Lei 8.212/91, que estabelecia vedação expressa à distribuição de dividendos enquanto houvessem débitos não garantidos com a Seguridade Social, atualmente, a vedação estabelecida somente se refere à vedação de distribuição de bonificações, não fazendo quaisquer referências aos dividendos.
Ao que parece a intenção do legislador foi justamente essa, vedar apenas a distribuição de bonificações, mas não de dividendos, impedindo assim, a drástica interferência do Estado no mercado de valores mobiliários e, consequentemente na atuação da iniciativa privada.
Sobre essa questão, importa ressaltar que as bonificações não se equiparam aos dividendos, tratando-se de institutos completamente distintos.
Ao definir os conceitos de bonificações e dividendos, a própria BOVESPA estabelece em seu site e (http://www.enfin.com.br/bolsa/main.php) na internet a seguinte distinção:
“bonificação em dinheiro
Distribuição aos acionistas de valor em dinheiro referente a reservas até então não incorporadas ao capital. Não confundir com dividendo. A legislação do Imposto de Renda não menciona o regime fiscal da bonificação em dinheiro.
Todavia, o Manual de IR para a Pessoa Física do ano de 2009 informa que os rendimentos obtidos por essa forma são isentos de IR, da mesma forma que o dividendo.”
“dividendo
Valor distribuído ao acionista como participação nos resultados da companhia.
O acionista tem direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto, ou, se este for omisso, metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores:
a) quota destinada à constituição da reserva legal;
b) importância destinada à formação de reservas para contingências e reversão das mesmas reservas formadas em exercícios anteriores;
c) lucros a realizar transferidos para a respectiva reserva e lucros anteriormente registrados nessa reserva que tenham sido realizados no exercício.
É distribuído aos acionistas, em dinheiro, na proporção da quantidade de ações possuídas. O estatuto da companhia pode estabelecer o pagamento de dividendo de duas formas:
a) dividendo fixo: corresponde a determinado porcentual sobre o capital social ou sobre o lucro;
b) dividendo mínimo: as ações preferenciais participam do lucro distribuído em igualdade de condições com as ações ordinárias, depois de a estas últimas ter sido pago o mínimo.
O dividendo, ainda que fixo ou cumulativo, não pode ser distribuído em prejuízo do capital social, salvo quando, em caso de liquidação da companhia, essa vantagem tiver sido expressamente assegurada.
A companhia pode atribuir ao acionista detentor de ações preferenciais a prioridade no recebimento de dividendo, significando que este acionista recebem seu dividendo antes do acionista detentor de ações ordinárias.
Esta hipótese é válida quando não houver lucro suficiente a ser distribuído a todos os acionistas da companhia.
As ações adquiridas para permanência em tesouraria ou cancelamento, enquanto mantidas nestas situações, não terão direito a dividendo nem a voto.
Não incide imposto de renda sobre os dividendos recebidos (art. 10 da Lei 9.249/95).”
Conforme se depreende das definições estabelecidas pela BOVESPA em seu site, para distinguir os conceitos de bonificações e dividendos, não há que se falar em identidade entre os dois institutos, o que impede a extensão da vedação veiculada pelos artigos 52 da Lei 8.212/91 e 32 da Lei 4.357/64 aos dividendos.
Portanto, de acordo com o exposto, resta patente a completa impossibilidade de que a penhora recaia sobre os dividendos que deverão ser pagos pela pessoa jurídica aos seus acionistas, tendo em vista que não há vedação legal para que a distribuição de dividendos ocorra e, pelo contrário, a determinação legal existente é no sentido de obrigar a empresa a pagar os dividendos aos seus acionistas.
2. Das autuações lavradas pela Comissão de Valores Imobiliários – CVM – para determinar o pagamento dos dividendos.
Corroborando com o que até aqui foi exposto, que comprova a obrigatoriedade de distribuição dos dividendos e a impossibilidade de sua penhora, importa registrar que, como é de conhecimento notório, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM – vem autuando empresas por não terem distribuído os dividendos nos termos do que determina o artigo 202 da Lei 6.404/76.
Ou seja, se a Lei 6.404/76 obriga as companhias de capital aberto a distribuírem dividendos aos seus acionistas e; se os dividendos representam parte do passivo da pessoa jurídica e; considerando que a Comissão de Valores Mobiliários tem autuado as empresas que não pagam os dividendos, resta patente a impossibilidade de sua penhora.
Com efeito, representaria total incongruência qualquer determinação no sentido de impedir a pessoa jurídica de pagar os dividendos obrigatórios, especialmente em razão do que estipula a lei, bem como pela atuação da CVM junto às companhias de capital aberto para obrigá-las a efetuar o pagamento dos dividendos aos seus acionistas.
Nesse contexto, as companhias de capital aberto são compelidas, por um lado, a efetuar o pagamento dos dividendos de acordo com o que determina a legislação vigente e, em razão da atuação exercida pela CVM, enquanto que, por outro lado, estão sujeitas à eventual determinação judicial que as impeçam de efetuar o pagamento dos dividendos.
De tal sorte, resta patente a impossibilidade de que tal situação seja admitida, em vista dos prejuízos que poderão ser ocasionados ao exercício da atividade econômica exercida pela pessoa jurídica sujeita ao pagamento dos dividendos.
3. Da violação aos princípios do direito à propriedade e da livre iniciativa econômica.
Além das disposições legais que obrigam as sociedades anônimas, no exercício regular de suas funções institucionais, a pagarem os dividendos aos seus acionistas, não havendo qualquer vedação para que tal pagamento ocorra mesmo na vigência de débitos fiscais, importa ressaltar, ainda que, a determinação de penhora dos dividendos implica em violação ao livre exercício da atividade econômica da empresa e constrição do patrimônio dos acionistas, conforme explicitado a seguir.
Ora, se a legislação que rege as sociedades anônimas de capital aberto determina que deva ocorrer a distribuição de dividendos aos acionistas e, se já houve deliberação da empresa acerca do pagamento dos valores, resta patente que o montante destinado a esse fim já figura como passivo da empresa, não havendo que se falar na penhora de uma dívida da pessoa jurídica.
Nesse cenário, importante salientar uma vez mais que, os dividendos não representam capital da empresa, ou seu patrimônio, mas sim um débito, ou seja, um compromisso da empresa perante seus acionistas, não havendo que se falar em priorizar o pagamento dos débitos fiscais aos acionistas da empresa, sob pena de violação da atividade econômica exercida pela companhia.
Ao garantir o livre exercício da atividade econômica, o artigo 170 da Constituição Federal estabelece que:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” (Grifos Postos)
As companhias de capital aberto, além do exercício de sua atividade econômica, atuam também no mercado de capitais, por meio da compra e venda de suas ações, pagamento de dividendos aos acionistas, etc., de modo que, impedir o pagamento dos dividendos aos acionistas da empresa seria gravemente prejudicial à sua permanência no mercado de capitais.
Desta feita, considerando-se que a forma de constituição da empresa impõe a distribuição obrigatória dos dividendos, a sua vedação importaria em violação ao princípio da livre iniciativa econômica, estampado no artigo 170 da Constituição Federal, pois, restringiria sobremaneira a atuação da empresa no mercado de capitais, além de prejudicar drasticamente sua imagem perante seus acionistas e possíveis investidores.
Tratando da origem histórica dos dividendos, o Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações, elaborado pelo FIPECAFI – Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, FEA/USP (Ed. Atlas, 7ª Edição, p.328) dispõe que:
“(...)
O dividendo ‘mínimo’ obrigatório surgiu como um dos instrumentos de fomento à cultura de mercado de capitais que no Brasil florescia, idealizado pelos responsáveis pela elaboração da Lei nº 6.404/76 (juristas e membros do governo à época). Em carta encaminhada ao Presidente da República, datada de 24-6-1976, o então Ministro da Fazenda, Sr. Mario Henrique Simonsem, ao discorrer sobre Exposição de Motivos nº 196/76, asseverou em determinada passagem do documento:
‘4. O Projeto visa basicamente a criar a estrutura jurídica necessária ao fortalecimento do mercado de capitais de risco no País, imprescindível à sobrevivência da empresa privada na fase atual da economia brasileira. A mobilização da poupança popular e o seu encaminhamento voluntário para o setor empresarial exigem, contudo, o estabelecimento de uma sistemática que assegure ao acionista minoritário o respeito a regras definidas e equitativas, as quais, sem imobilizar o empresário em suas iniciativas, ofereçam atrativos suficientes de segurança e rentabilidade’” (Grifos Nossos).
Na esteira da doutrina supracitada, resta patente a necessidade de se preservar o pagamento dos dividendos devidos pela empresa, como parte integrante da sua atividade econômica de acordo com o seu tipo societário.
Note-se que, tal conseqüência deveria, inclusive, ser evitada pela própria Fazenda Pública, a fim de permitir a melhora na imagem da empresa perante o mercado, possibilitando o aumento no nível de sua atividade empresarial e o conseqüente aumento na arrecadação dos tributos correntes, além do pagamento de seus débitos.
Não obstante a violação ao livre exercício da atividade econômica da empresa, a penhora de dividendos representa, também, flagrante infringência à garantia constitucional do direito à propriedade, estampada no artigo 5º, XXII da Carta Maior que assim dispõe:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;” (Grifos Postos)
Por certo, no caso vertente, tem-se a patente violação ao direito a propriedade de terceiros, representados pelos acionistas da empresa que detém o direito de recebimento dos dividendos, não havendo qualquer possibilidade de responsabilizá-los pelos débitos fiscais da pessoa jurídica.
Com base no exposto, uma vez mais, resta patente a impossibilidade de se determinar a penhora dos dividendos que deverão ser pagos pela empresa aos seus acionistas.
4. Da necessidade de verificação da existência de outros bens passíveis de garantia do juízo e a violação ao artigo 620 do Código de Processo Civil.
Conforme explicitado acima, a Fazenda Pública tem requerido a penhora sobre os dividendos devidos por empresas constituídas na forma de sociedade anônima, muitas vezes de forma precipitada e sem esgotar os meios possíveis para a localização de outros bens.
Entretanto, não há na Lei 6.830/80 – Lei das Execuções Fiscais - qualquer disposição que autorize a penhora dos dividendos que deverão ser pagos aos acionistas da empresa executada.
Com efeito, ao elencar a ordem de preferência dos bens passíveis de penhora, o artigo 11 da Lei 6.830/80 estabelece o seguinte:
“Art. 11 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:
I - dinheiro;
II - título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;
III - pedras e metais preciosos;
IV - imóveis;
V - navios e aeronaves;
VI - veículos;
VII - móveis ou semoventes; e
VIII - direitos e ações.”
Como se depreende do dispositivo legal supracitado, inexiste qualquer previsão legal que autorize a penhora dos dividendos, lembrando-se que, representam obrigação da sociedade anônima perante seus acionistas.
Entretanto, ignorando completamente a inexistência de previsão legal para que tal medida seja adotada, a Fazenda Pública tem optado pela adoção da medida mais gravosa, ou seja, a penhora dos dividendos devidos aos acionistas, implicando em flagrante violação ao preceito estampado no artigo 620 do Código de Processo Civil, in verbis:
“Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.”
Acerca da impossibilidade de penhora dos dividendos da empresa executada, a fim de evitar a violação ao disposto pelo artigo 620 do Código de Processo Civil, diversos Tribunais Regionais Federais do país já decidiram:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - INDEFERIMENTO DE SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA: IMPOSSIBILIDADE (NO CASO) - BEM SUFICIENTE À GARANTIA DA EF - NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO MONOCRATICAMENTE - AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Constatando-se que bem nomeado à penhora garante a EF, a substituição da constrição para que recaia sobre dividendos distribuídos aos acionistas, aparentemente mais confortável, conveniente e menos trabalhoso para a exeqüente, pode surgir como afronta ao princípio de menor onerosidade ao devedor.
2. A penhora deve harmonizar-se com o princípio do meio menos gravoso ao devedor, adequando-se com bom senso à realidade fática de cada hipótese (existência de outros bens nomeados à penhora).
3. Agravo interno não provido.
4. Peças liberadas pelo Relator, em 25/11/2008, para publicação do acórdão.”(AGTAG 200801000346177, JUIZ FEDERAL RAFAEL PAULO SOARES PINTO (CONV.), TRF1 - SÉTIMA TURMA, 05/12/2008) (Grifos Postos)
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PENHORA DE VALORES RELATIVOS AOS LUCROS E DIVIDENDOS RECEBIDOS POR POSSUIR COTAS EM EMPRESA. SUBSTITUIÇÃO POR DIREITOS DE CRÉDITO EM CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA SOBRE AUTOMÓVEL. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE.
1. A penhora sobre o lucro e dividendos recebidos - que se aproxima a salário - é medida excepcional e somente admitida, quando esgotados todos os esforços na localização de bens, livres e desembaraçados, ou seja, quando cabalmente comprovada a inexistência de qualquer outro bem que possa garantir a execução.
2. Passível de constrição judicial os direitos sobre alienação fiduciária de automóvel, deve a penhora ser substituída por estes, no caso concreto, em face do princípio da menor onerosidade, conforme dispõe o art. 620 do CPC.
3. Agravo de instrumento provido.” (AG 200404010492890, OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, TRF4 - SEGUNDA TURMA, 30/05/2007) (Grifos Postos)
Com base no dispositivo legal supracitado, bem como nos excertos jurisprudenciais colacionados acima, resta patente que a conduta adotada pela Fazenda Pública se revela a mais gravosa as empresas, especialmente diante da existência de outros bens suficientes à garantia do juízo.
Destarte, para que seja formulado o requerimento para a penhora dos dividendos da pessoa jurídica constituída na forma de sociedade anônima, o que se admite somente a título de argumentação, seria necessário, no mínimo, que a Fazenda Pública comprovasse que esgotou os meios possíveis para a localização de bens pertencentes à parte Executada, sob pena de violação ao artigo 620 do Código de Processo Civil.
5. Conclusão.
Diante de todo o exposto conclui-se que, a natureza jurídica dos dividendos, constituídos como uma obrigação da sociedade anônima perante os seus acionistas, impede que sejam penhorados em sede de execução fiscal.
No mesmo sentido, a interpretação sistemática dos dispositivos legais e constitucionais supracitados indicam para a impossibilidade de penhora dos dividendos, (i) seja por constituir-se como patrimônio de terceiros; (ii) seja pela sua natureza jurídica obrigacional; (iii) seja por configurar-se como parte da atividade econômica desenvolvida pela empresa; (iv) por representar forma extremamente gravosa de expropriação de bens ou; (v) em vista da ausência de previsão legal para que tal medida seja autorizada.
Desta feita, com base nas razões delineadas acima, resta evidente a completa impossibilidade de que seja autorizada a penhora dos dividendos pertencentes aos acionistas da pessoa jurídica constituída na forma de sociedade anônima.
Advogado e Professor Universitário e de Cursinhos Preparatórios para Carreiras Jurídicas na Disciplina de Direito Tributário e Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HORACIO, Marcelo de Almeida. Da natureza jurídica dos dividendos e a impossibilidade de sua penhora em sede de execução fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 abr 2011, 09:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23961/da-natureza-juridica-dos-dividendos-e-a-impossibilidade-de-sua-penhora-em-sede-de-execucao-fiscal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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