"O homem é o único ser capaz de fazer mal a seu semelhante pelo simples prazer de fazê-lo" (Schopenhauer)
Resumo
Este artigo trata do Direito penal especial e a lei dos crimes hediondos, envolvendo outros institutos como a violência, o crime organizado, assim como a doutrina jurídica que vislumbra tal aparato. A principal ideia é mostrar que o sistema jurídico penal brasileiro está em crise, e, que a segurança jurídica é exigência do Estado Social de Direito. Deve, portanto, o Estado corresponder aos anseios da sociedade, vislumbrando a segurança e reexame do Direito Penal brasileiro.
Palavras chave: crimes hediondos, Estado, Direito Penal Especial, sociedade, agentes
Abstract
This article discusses of the special penal law and the law of heinous crimes, involving other institutes such as violence, the organized crime, as well as the legal doctrine that glimpses such apparatus. The main idea is to show that the Brazilian criminal justice system is in crisis, and, that the legal safety is a requirement of the Welfare State. It owes, therefore, the State to correspond to the expectation of the society, seeing the safety and reexamination of the Brazilian Penal Law.
Key-words: heinous crimes, State, Special Penal Law, society, agents
1 INTRODUÇÃO
As vantagens da sociedade devem ser igualmente repartidas entre todos os seus membros e somente com boas leis se pode evitar que entre os homens reunidos, nota-se a tendência contínua de acumular no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, para só deixar à maioria miséria e fraqueza. Seria este, talvez, o momento de examinar e distinguir as diferentes espécies de delitos e a maneira de puni-los.
Mas, qual é a origem das penas, e qual o fundamento do direito de punir? Quais serão as punições aplicáveis aos diferentes crimes? Será a pena de morte verdadeiramente útil, necessária, indispensável para a segurança e a boa ordem da sociedade? Serão justos os tormentos e as torturas? Conduzirão ao fim que as leis se propõem? Quais os melhores meios de prevenir os delitos? Serão as mesmas penas igualmente úteis em todos os tempos? Que influência exercem sobre os costumes?
Para Cézar Roberto Bittencourt (2006), o Estado exerce controle social por meio do Direito Penal com o objetivo de ajustar e harmonizar a vida em sociedade. Segundo o autor, as funções da pena estão intimamente ligadas à forma de Estado adotada e variam conforme sua evolução.
Conforme Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Junior (2002), ao longo dos anos, inúmeras teorias foram desenvolvidas a fim de legitimar a intervenção penal do Estado. Essas teorias podem ser resumidas em absolutas e relativas. Enquanto as primeiras baseiam-se na justiça da punição, as segundas conferem à pena um escopo utilitário. As teorias legitimadoras se dispõem a validar a ingerência penal do Estado, atribuindo várias funções à pena, que são comumente divididas em retributivas e preventivas.
Segundo Luiz Flávio Gomes (2006), no sistema jurídico penal brasileiro nunca, até 1984, houve um posicionamento legislativo explícito sobre as finalidades a serem alcançadas pela pena. Entretanto, no âmbito dogmático, com certa tradição, nossos doutrinadores mantiveram-se filiados às teorias ecléticas, que unificam as idéias de retribuição e prevenção. O autor explica que esse posicionamento doutrinário exerceu influência no Código Penal Brasileiro vigente que, com a reforma penal de 1984, adotou a teoria mista sobre os fins da pena.
A segurança jurídica é exigência do Estado Social de Direito. Sendo assim, os princípios relativos ao Direito Penal estabelecidos na Constituição restringem o direito de punir do Estado, que deve justificar-se racionalmente, uma vez que a aplicação da pena importa em um ato de violência que atinge a liberdade de locomoção do indivíduo.
O sistema penal garantidor estabelece como foco principal o ser humano e a liberdade. Por recair sobre o direito de ir e vir da pessoa, a pena configura-se como a mais acentuada forma de intervenção do Estado nos direitos fundamentais, considerando que o crime é fonte perene de conflito entre os direitos individuais e os direitos da coletividade. Diante disso, faz-se necessário que a aplicação da pena se fundamente em um sistema isento de arbitrariedade, validando-se em princípios democráticos.
2 CRIMES COMO ESTIGMAS ETERNOS
Crimes contra a vida são crimes que, desde os tempos antigos, provocam reações diversas na sociedade, variando de uma extrema curiosidade a um medo perene da morte e da violência.
Homicídios são estigmas eternos, jamais esquecidos e sempre presentes em qualquer comunidade. Crimes que atacam a vida do ser humano são sempre cobertos de indagações, receios e inseguranças quanto à repercussão do delito, seja para o agente que o cometeu, seja para as pessoas envolvidas no fato, seja para aqueles próximos à vítima.
Diversas são as opiniões acerca do assunto. A maioria das pessoas crê que nada pode ser mais sério do que interromper o fluxo da vida, dizendo isso, muitas vezes, analisando a situação quando não fazem parte dela, e mudando seus conceitos quando são o alvo do Estado. Outras, quer pela personalidade, quer pela história de vida, aceitam o homicídio como conseqüência de algum ato falho da vítima que a levou a ser morta. De uma forma ou de outra, sempre há uma justificativa, um nexo e uma penalidade como seqüela, estatal ou moral.
Não obstante às diversas e constantes discussões acerca dos fatos, o Estado não pode permitir que acontecimentos criminosos impeçam o fluxo da vida social, sendo obrigado a intervir com o fim de evitar transtornos maiores.
Desta forma, propõe o Estado uma forma de tentar fazer as pessoas conviverem em harmonia, impondo regras gerais de aplicação a todos, sem exceção, com o intuito de que, se todos seguirem as normas, sejam elas permissivas, sejam elas proibitivas, há uma possibilidade de se evitar os conflitos que resultariam das divergentes idéias e posições que têm, todas as pessoas, individualmente, posto que o ser humano é um ser possuidor de inteligência e opiniões livres.
Com objetivos mistos, tanto para prevenir, como para reprimir os fatos criminosos, o Estado impõe ao autor do delito que resulta em perda a vida da vítima, a privação de sua liberdade, sendo essa privação limitada, temporariamente, e dependendo esse tempo, de uma série de causas previstas legalmente que tornam o crime individual e concreto, posto que o fato real deva estar tipificado na norma.
A pena privativa de liberdade é a forma encontrada pelo Estado para prevenir um suposto delinqüente quando, ao pensar em cometer o crime, ele analisa as conseqüências que advirão do seu ato e desta forma recua e desiste do seu objetivo. Ao saber que há um castigo e que ele será condenado a esse, o possível criminoso reflete acerca da relação “custo-benefício” e, por ser a privação de sua liberdade algo que o impediria de continuar a seguir a sua vida como de costume, o sujeito percebe que não vale a pena perder sua liberdade em função do seu objetivo. É essa a idéia que tem o Estado como forma de prevenção.
No que diz respeito à repressão, ela se subdivide em três motivos principais. O primeiro seria de o Estado impor o seu poder e fazer valer as suas leis. Se o Estado não sanciona aqueles que não acatam as suas exigências, jamais será respeitado. O segundo motivo diz respeito à punição ao agente, não só pelo desacato as regras estatais, bem como ao mal que provocou à vítima. Por último, visa o Estado a dar uma resposta à sociedade que exige dele providências, uma vez que ele proíbe a justiça individual. Logo, se o Estado toma para ele o dever de proteger a sociedade, deve mostrar a ela o resultado de seu serviço. Do contrário, geraria um caos, posto que há uma grande expectativa por parte das pessoas e cabe ao Estado alcançá-las.
Há ainda, dependo do criminoso, o objetivo do Estado em afastá-lo da coletividade, até que ele se torne sociável novamente e possa a ela retornar, sem implicar, por isso, em perigo.
Desta forma têm-se, para o crime contra a vida, a pena privativa de liberdade.
A grande dúvida da atualidade que aflige a todos é saber se a pena está cumprindo a sua função, especificamente no que diz respeito aos crimes contra a vida. Antes de se analisar a relação direta entre o crime a punição, deve-se analisar os motivos dos crimes para então poder ser contextualizada a sanção. A autora Ana Paula Zomer Sica (2003) afirma que são encontrados em várias pessoas distúrbios que podem explicar os homicídios causados por elas. Entretanto enquadrar uma pessoa em termos técnicos não significa necessariamente que ela pode ser uma criminosa em potencial, visto que a personalidade reflete de formas diferentes em cada pessoa, baseada também no ambiente em que vive e nas situações cotidianas. Afirma a autora:
O conceito de personalidade apresenta notáveis dificuldades, principalmente quando se tenta fazer o seu enquadramento psicopatológico. Tal tentativa leva em conta uma enorme heterogeneidade de descrições clínicas, quer da personalidade, quer das suas patologias, e é responsável por relevante discordância nosográica nas definições e nas classificações utilizadas (2003, p. 46).
A autora divide os distúrbios em vários tipos, cada um apresentando um criminoso em potencial, de formas e com motivos diversos.
Bismael B. Moraes (s.d.) sabiamente identifica um dos grandes problemas da situação criminal atual quando diz:
Todos, em aparência, se preocupam com os crimes e seus reflexos, mas, pelo silêncio a respeito das várias formas de prevenção negligenciadas, transparecendo mesmo
uma espécie de omissão deliberada, quase chegando à figura do dolo eventual, é como se estivéssemos a construir hospitais bem aparelhados e a fabricar remédios sofisticados, como o dispêndio de cifras fabulosas, para tentar a cura de males já irremediavelmente instalados. Esquecemo-nos de prevenir a doença antes da sua manifestação!
Por muitas vezes as pessoas julgam os agentes cometedores dos delitos com as poucas informações que possuem, sem se preocupar com os detalhes da situação. As indagações acerca dos efeitos da privação de liberdade envolvem todos os aspectos, quer sobre a pena em si e como ela tem atuado na população carcerária, quer, e assim deve ser, primeiramente, como tal pena afetaria uma pessoa que, talvez por motivos internos ou distúrbios advindos do seu psicológico, cometeu um crime.
Como efeitos psicológicos do agente dentro da prisão, Cezar Roberto Bittencourt afirma que:
A prisão, com sua disciplina necessária, mas nem sempre bem empregada, cria uma delinqüência capaz de aprofundar no recluso suas tendências criminosas. Sob o ponto de vista social, a vida que se desenvolve em uma instituição total facilita a aparição de uma consciência coletiva que, no caso da prisão, supõe a estruturação definitiva do amadurecimento criminoso.
É uma conseqüência nata um efeito retroativo no detento devido ao meio em que ele se encontra, ao contrário muitas vezes do que deveria acontecer, ou seja, impor ao agente um medo significativo em se ver limitado e, portanto, não mais delinqüir.
Não obstante, não são somente os efeitos psicológicos que afetam uma pessoa e a levam a cometer o delito. Vários são os motivos, podendo ser eles de tipos material, social, entre outros, e todos devem ser analisados. O que não se pode é descartar o afetamento mental, em primeiro plano de análise, o que poderá até mesmo poupar o inquérito de maiores detalhes que talvez nada resolvam casos concretos.
Um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que ele se convenceu de ter violado as condições com as quais estivera de acordo. O direito da força só pode, pois, autorizar um juiz a infligir uma pena a um cidadão quando ainda se duvida se ele é inocente ou culpado.
Eis uma proposição bem simples: ou o delito é certo, ou é incerto. Se for certo, só deve ser punido com a pena fixada pela lei, e a tortura é inútil, pois já não se tem necessidade das confissões do acusado. Se o delito é incerto, não é hediondo atormentar um inocente? Com efeito, perante as leis, é inocente aquele cujo delito não se provou.
O culpado, ao contrário, tem por si um conjunto favorável: será absolvido se suportar a tortura com firmeza, e evitará os suplícios de que foi ameaçado, sofrendo uma pena muito mais leve. Assim, o inocente tem tudo que perder, o culpado só pode ganhar.
Quando o delito é constatado e as provas são certas, é justo conceder ao acusado o tempo e os meios de justificar-se, se lhe for possível; é preciso, porém, que esse tempo seja bastante curto para não retardar demais o castigo que deve seguir de perto o crime, se se quiser que o mesmo seja um freio útil contra os celerados.
Mas, o tempo que se emprega na investigação das provas e o que fixa a prescrição não devem ser prolongados em razão da gravidade do crime que se persegue, porque, enquanto um crime não está provado, quanto mais atroz, menos verossímil é ele.
3 CRIMES HEDIONDOS
Os crimes atrozes que começa pelo homicídio compreendem toda a progressão dos mais horríveis assassínios. Dentre os crimes atrozes um dos mais elucidados crimes tipificados no Direito Penal denomina-se crime hediondo.
Para Washington de Barros (2008) o crime hediondo é aquele cometido com crueldade e perversidade, crimes depravados, sórdidos, viciosos, torpes e imundos, sendo que não pode existir para tal crime a garantia do benefício ressocializador, pois sempre o regime será fechado. Para Mirabete (2000), a hediondez é todo ato que inflige intencionalmente dor, angústia, amargura, ou sofrimentos graves, sejam físicos ou mentais.
Simone Moraes dos Santos (2003, p. 129) elucida que
O tema "crimes hediondos" foi uma novidade apresentada pela Constituição Federal de 1988, já que até então nenhuma das Constituições anteriores havia feito qualquer menção acerca de tal tema. Mas a Carta Magna de 1988 não trouxe uma definição para o que seria crime hediondo, apenas determinou que o legislador ordinário o fizesse. Foi então, que, em 1990, ao criar a Lei dos Crimes Hediondos que o legislador deu resposta ao mandamento constitucional.
O vocábulo hediondo significa repelente, repulsivo, horrendo. Daí pode-se chegar à errada conclusão de que todo crime que causa repulsa é hediondo. Portanto, a verdade é que crimes hediondos são somente os relacionados, em rol fechado, no artigo 1º da Lei n. 8.072/90, quais sejam:
a)Homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (artigo 121, § 2º, I, II, III, IV, e V, do CP);
b)Latrocínio (artigo 157, § 3º, in fine, do CP);
c)Extorsão qualificada pela morte (artigo 158, § 2º, do CP);
d)Extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (artigo 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º, do CP) e)Estupro, simples e qualificado (artigo 213 c/c 223, caput e parágrafo único, do CP);f)Atentado violento ao pudor, simples e qualificado (artigo 214 c/c 223, caput e parágrafo único, do CP);
g)Epidemia com resultado morte (artigo 267, § 1º, do CP);
h)Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (artigo 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B, do CP);
i)Genocídio, tentado ou consumado (Lei n. 2.889/56, artigos 1º, 2º e 3º).
(Disponível em: SANTOS, Simone Moraes dos. A coerção penal no âmbito da Lei dos Crimes Hediondos . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 177, 30 dez. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4690>. Acesso em: 14 mar. 2010).
A Câmara dos Deputados classifica a lei de crimes hediondos da seguinte maneira:
A Lei 8072/90 considera hediondos os seguintes crimes, consumados ou tentados: homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente; homicídio qualificado; latrocínio; extorsão qualificada pela morte; extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada; estupro; atentado violento ao pudor; epidemia com resultado morte; falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais; e genocídio.
Segundo a Constituição, os crimes hediondos são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, assim como a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem .(Disponível em: http://www2.camara.gov.br Acesso; 13 mar 2010)
Israel Domingos Jorio (2006), advogado e professor de Direito Penal, ao posicionar o Estado diante da realidade penal brasileira, no que tange crimes hediondos, preleciona que:
Já que se faz necessário uma resposta penal mais severa para os delinqüentes contumazes, é preciso que, para que ela possa ser legitimamente instituída, restem estabelecidos critérios claros e confiáveis. Muito mais confiáveis do que a obrigatória agravação da pena, pura e simplesmente. Em primeiro lugar, há que se definir quais serão os alvos dessa resposta mais severa (a questão do quem); em segundo, de que forma se dará essa severização (a questão do como).
Sobre a questão do quem, destarte, urge ressaltar que não é toda pessoa que voltou a delinqüir após haver recebido uma condenação penal que deverá ser alvejada pelo enrijecimento da repressão estatal. Que se reserve a reação mais drástica para os casos mais graves. A reincidência específica, mormente em se tratando de delitos dolosos, e a renovação da prática de crimes hediondos ou afins [grifos nossos], por exemplo, podem ser consideradas como fortes indícios da necessidade de uma repressão penal mais severa. Em tais casos, havendo sido constatada a insuficiência da medida penal - tendo em vista a reiteração das ofensas de alta gravidade - mostra-se imperativa providência mais rigorosa. Repita-se: providência direcionada não a todo e qualquer reincidente, indiscriminada e indistintamente; mas aos que insistem em perpetrar as condutas mais censuráveis, renovando ataques a bens jurídicos essenciais por intermédio de comportamentos particularmente desvaliosos.
Segundo Emmanuel José Peres Netto Guterres Soares (2009), Promotor/MA, Professor de Processo Penal da Faculdade de Direito do UNICEUMA, sob a égide do chamado Movimento Lei e Ordem, decorrente do exasperamento da criminalidade que se verificou no Brasil (assim como em todo o mundo) a partir de meados da década de 80, tendo como consequência a massificação da exposição de crimes na imprensa, principalmente a de cunho sensacionalista, que passou a exibir a todo momento em sua programação, da manhã a noite, cenas de crimes chocantes, de cadáveres, tiroteios, sendo incontáveis os programas unicamente destinados a este fim, em praticamente todas as emissoras, a sensação de insegurança e o temor público passaram a ser levados diuturnamente para dentro de nossas casas.
Ainda para o mesmo autor, nesse contexto é que surgiram em nosso país as leis dos crimes hediondos, do crime organizado, a prisão temporária, entre outros institutos que com o objetivo de reduzir a criminalidade, visaram incutir o medo, premiando a delação e restringindo algumas garantias outrora concedidas.
E, por fim, o mesmo, postula que, isso tudo dentro da noção de que com o endurecimento do sistema penal e processual no Brasil, a criminalidade seria reduzida. No entanto, os resultados práticos dessa fase são por demais conhecidos: aumento ainda maior, quase insustentável, da criminalidade. Como exemplo emblemático, mesmo após a lei do crime organizado, as quadrilhas de traficantes cresceram tanto em quantidade e força que hoje são consideradas pela imprensa como "um poder paralelo ao Estado", e infelizmente, não sem razão.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho mostrou-se relevante para fornecer um panorama geral da evolução do Direito Penal em crimes hediondos e sua doutrina ainda perene e inesgotável. Muitos estudos poderão advir desta primeira pesquisa. Na verdade, descrever a necessidade do estudo das leis que envolvem crimes hediondos, o crime organizado, a prisão temporária, entre outros institutos é dever do Estado na procura de soluções plausíveis para retratar junto à sociedade o fim da violência.
Assim, a expressão crime hediondo é puramente técnica e seu alcance é diverso do que se é referido [grifos nossos].
O fato é que, crimes hediondos continuam acontecendo em todo o aparato da sociedade, por motivos torpes e fúteis. Mesmo diante de críticas e reformas, o Estado permanece utilizando-se do sistema da privação da liberdade, em regime fechado, e se crimes hediondos continuam contumazes, é porque algo está contrário ao que se pretende ao livrar a sociedade. Provavelmente por não ter encontrado, ainda, um meio que resolva a situação de forma séria e eficaz, ou por não ter se prontificado a descobrir meios mais viáveis de se utilizar um sistema penal eficaz e até mesmo em quais casos ele deve ser cabível, não podendo restringir todos os desiguais a uma lei igual. A lei é única, mas deve ser aplicada de forma diversa a cada caso. No entanto, medidas de segurança fundamentadas na periculosidade e que tenham natureza preventiva devem ser aplicadas aos inimputáveis e semi-imputáveis até que se dê por cessada a periculosidade.
Ainda prevalece a lei do mais forte, do crime organizado, do contrabando de armas e drogas. Assim, a legitimação do direito de punir encontra-se em profunda crise, uma vez que a realidade social não se coaduna com as teorias legitimadoras, tendo em vista a falência do sistema penitenciário. Conseqüentemente, torna-se inviável a realização empírica dos fins da pena, principalmente no que tange a crimes hediondos. E é por isso que alguns doutrinadores como Eugênio Raúl Zaffaroni et al (2003) atribuem à sanção penal um conceito negativo, definindo-a como uma coerção que impõe uma privação de direitos, sem, no entanto, reparar lesões ou neutralizar perigos iminentes.
A Constituição de 1988, ao estabelecer que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, limitou implicitamente a intervenção penal, uma vez que os fins e os limites do direito de punir confundem-se, em última análise, mesmo em crimes hediondos, com os fins e os limites do próprio Estado. E isso ocorre porque o Direito Penal é um dos instrumentos de que se vale o Estado para efetivar os fins que lhe são constitucionalmente atribuídos. Fora do homem, não se concebe crime. Só ele possui a faculdade de querer. Cabe ao Estado de Direito o dever de ajudar este homem a trilhar o caminho do bem e da felicidade.
REFERÊNCIAS
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MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. v. I.19. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
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PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito penal brasileiro - Parte Geral. v. I. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: RT, 2000.
SICA, Ana Paula Zomer. Autores de homicídios e distúrbios da personalidade. São Paulo: RT, 2003.
TAVARES, Juarez Estevam Xavier. Teoria do Injusto Penal. 2. ed. São Paulo: Del Rey; 2002.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Da tentativa: doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: RT, 1998.
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INTERNET
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GOMES, Luiz Flávio. Estupro e atentado violento ao pudor simples: são crimes hediondos? Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 10, janeiro, 2002. Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 16 mar 2010
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SOARES, Emmanuel José Peres Netto Guterres. Disponível em:http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/23957> Acesso em: 02 mar. 2010 <
Bacharel Em Direito Pela Faculdade Minas Gerais. Mestra em Linguística pela UFMG e Doutora em Educação pela Ujaen-ES. MBA em Direito Educacional e Gestão Ambiental. Lato Sensu em História e Língua Portuguesa. Professora Universitária e Consultora.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARGARIDA, Silvania Mendonça Almeida. Direito Penal Especial e a Lei dos Crimes Hediondos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 abr 2011, 08:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24051/direito-penal-especial-e-a-lei-dos-crimes-hediondos. Acesso em: 23 dez 2024.
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