1. INTRODUÇÃO
Ao longo da história do Direito surgiram diversos modelos doutrinários que se desenvolveram enquanto paradigmas da ciência jurídica. Este trabalho busca investigar e revisitar as correntes jurídico-filosóficas do Jusnaturalismo e do Positivismo Jurídico, bem como trabalhar analiticamente o paradigma do pós-positivismo Jurídico que emergiu nas ultimas décadas.
Concomitantemente ao conhecimento desses modelos doutrinários construídos ao decorrer da história, pretende-se demonstrá-los enquanto métodos funcionais do Direito que visam atingir seu escopo fundamental – a Justiça – que varia segundo a concepção de cada uma dessas correntes, conforme será demonstrado.
Este trabalho não tem a pretensão de dizer o que é Justiça, nem mesmo o que é justo ou injusto. Deseja-se aqui, apenas desvelar de modo analítico como cada uma dessas doutrinas sistemáticas surgiu e como contribuíram para a evolução do Direito enquanto um sistema complexo que busca o controle e a paz social, bem como levar justiça aos cidadãos (sujeitos de direito).
2. BREVE INCURSÃO HISTÓRICA DO DIREITO
Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, define Direito como “uma ordenação heterônoma das relações sociais baseada numa integração normativa de fatos e valores” (DINIZ, 2008, pág. 148). Deste conceito, pode-se extrair que o Direito surge das relações sociais, ou melhor, surge dos valores e costumes de uma dada sociedade e com ela evolui.
Nas Sociedades Arcaicas ou Primitivas já existia Direito, um Direito baseado nos laços de consangüinidade, nos hábitos sociais, nas crenças e tradições, conforme explica Wolkmer (WOLKMER, 2009). Gilissen, por sua vez, afirma que os direitos arcaicos eram oriundos dos costumes – Direitos Consuetudinários – e eram marcados por algumas características em comum, verbi gratia: não eram codificados ou escritos, pois as sociedades desconheciam a escrita; variavam bastante de comunidade para comunidade e eram bastante numerosos; eram “relativamente diversificados”, ou seja, possuíam muitas diferenças e ao mesmo tempo muitas semelhanças; eram altamente impregnados de fatores e crenças religiosas; e por fim, eram “direitos em nascimento”, ou seja, distinguia-se mal o que era e o que não era jurídico (GILISSEN, 2008).
Nas Sociedades Antigas, concomitantemente ao surgimento da escrita e da evolução do Estado, nascem as primeiras codificações do Direito. Segundo Gilissen, as codificações, de cunho jurídico, mais antigas surgem cerca de 3000 a.C. nas civilizações egípcias e mesopotâmicas e posteriormente difundem-se pelas regiões limítrofes, como Elam, Fenícia, Israel, Creta e Grécia (GILISSEN, 2008). Em relação aos primeiros códigos da Antiguidade – Código de Ur-Nammu, Hammurabi, Manu, Sólon, Lei das XII Tábuas etc. – Wolkmer afirma que eram eles, uma mistura de prescrições de cunho civil, religioso e moral (WOLKMER, 2009).
Na Grécia há de se ressaltar a obra dos filósofos Platão e Aristóteles, que além de escreverem sobre política e criarem a base do Direito Publico Moderno, escreveram sobre justiça – o escopo fundamental do Direito – e criaram a base do Direito Romano. Os Romanos, durante a República e mormente na fase do Império, criaram diversas codificações e regularam as mais variadas matérias, além de criarem a Ciência do Direito (GILISSEN, 2008). Foi em Roma onde surgiram as primeiras escolas de Direito, dentre elas a Escola do ius commune, uma escola Jusnaturalista, ou seja, uma escola do jus gentium advinda das idéias de filósofos gregos, dentre eles Aristóteles, que trabalhava a justiça natural e que se contrapunha às escolas do jus civile – equivalente as escolas positivistas – conforme explica Bobbio (BOBBIO, 1999).
Durante o Período Medieval o Direito se desenvolveu através de fundamentos e objetivos de cunhos religiosos. A Igreja Católica, que dominava as mentes e os corpos dos fiéis, submeteu a todos aos seus devaneios de crueldade criando Instituições de Direito, como a Santa Inquisição, capaz de julgar, condenar e executar a qualquer cidadão que ousasse dizer que não acreditava em Deus, ou que a Santa Igreja estava errada em determinado ponto, tudo em nome de uma justiça divina que se pautava em métodos cruéis e desumanos de execução judicial, conforme demonstra Michel Foucault no início de sua obra – Vigiar e Punir – onde expõe uma típica execução Católica (FOUCAULT, 2008).
Após este longo período de escuridão, com o advento das grandes navegações, o movimento da reforma protestante, o distanciamento e posteriormente a cisão entre Igreja e Estado e por fim, com a ascensão da burguesia e sua chegada ao Poder através das grandes revoluções burguesas, o Direito passou por uma reformulação gigantesca, deixando de se pautar em motivações e fins religiosos e passando a se orientar por motivações racionais e humanas, bem como regular matérias de todos os tipos e interesses sociais, tais como: economia, comércio, tributos, política, direitos naturais – liberdade, igualdade, fraternidade etc. – matérias de direito penal, civil e outras (LOPES; DOS SANTOS, 2010).
E atualmente o que temos?
Temos uma mudança estrutural que modificou a sociedade atual, a partir do final do século XX como conta Stuart Hall, transformações ocorridas que dão novas identidades pessoais, o autor fala em deslocamento ou descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmo, preferiu chamar de “crise de identidade”. (STUART HALL, 2005).
Jean-François Lyotard afirma que se vive hoje a cultura pós-moderna, palavra usada no continente americano por sociólogos e críticos que designa o estado de cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência (LYOTARD, 2006) e que, conforme explica Jürgen Habermas, pauta-se na quebra dos paradigmas das sociedades modernas e em uma determinação pós-metafísica, fundada, por sua vez, em um modelo dialógico de “ética da discussão” (HEBERMAS, 2007).
3. O JUSNATURALISMO
Norberto Bobbio define o jusnaturalismo como a corrente do Direito que tem a convicção de que “uma lei para ser lei, deve ser conforme a justiça” e completa dizendo que “a teoria do direito natural é aquela que considera poder estabelecer o que é justo de modo universalmente válido” (BOBBIO, 2007, pag. 35).
Já Ronald Dworkin, em Império do Direito, afirma que as teorias jusnaturalistas “sustentam que os juristas seguem critérios que não são inteiramente factuais, mas, pelo menos até certo ponto, morais, para decidirem que proposições jurídicas são verdadeiras” e, segundo o próprio Dworkin, as correntes mais radicais do Jusnaturalismo afirmam que Direito e Justiça são coisas idênticas (DWORKIN, 2003, p. 44).
Norberto Bobbio – em O Positivismo Jurídico – pautando-se em um critério histórico-social, divide a doutrina jusnaturalista em três fases: Jusnaturalismo Clássico, Jusnaturalismo Medieval e Jusnaturalismo Moderno (BOBBIO, 1999).
O Jusnaturalismo Clássico é aquele que se desenvolve através das idéias dos filósofos gregos, como Platão e Aristóteles que buscam uma justiça universal baseada em uma razão natural – naturalis ratio – e que posteriormente é adotado pelas escolas do ius gentium em Roma. Bobbio afirma que para Aristóteles, “o direito natural é aquele que tem em toda parte (pantachoû) a mesma eficácia” e que prescreve ações “cuja bondade é objetiva”, ou seja, trata-se de um direito justo e universal (BOBBIO, 1999, pág.17).
O Jusnaturalismo Medieval é aquele que se desenvolve no período medieval e é extremamente pautado em fundamentos religiosos e caracteriza-se por pregar um Direito Universal, geral (genérico) que tenha como escopo fundamental a busca por uma justiça dentro dos liames do cristianismo, ou melhor, da Igreja. Dentre as obras de Direito Natural desta época, destacam-se as do filósofo católico Santo Tomás de Aquino que definia a lex naturalis, como: “Partecipatio legis aeternae in retionali creatura” – aquilo a que o homem é levado a fazer pela sua natureza racional (BOBBIO, 1999, pág. 20).
Conforme explica Hugo Grócio, citado por Norberto Bobbio, Jusnaturalismo Moderno ou Racional é aquele que busca através de uma justa razão atingir os ideais de moral e justiça respeitando a natureza racional do homem (BOBBIO, 1999). Neste mesmo sentido, Luís Roberto Barroso afirma que o Jusnaturalismo Moderno é aquele que se desenvolve através das ideias dos filósofos racionalistas do século XVI e que se pauta em uma “lei ditada pela razão”, dando-se ênfase a natureza e a razão humana, o que “é um dos marcos da Idade Moderna e base de uma nova cultura laica, consolidada a partir do século XVII” (BARROSO, 2009, pág. 236).
Ainda sobre o Jusnaturalismo Racional, Lopes, Queiroz e Acca, em seu Curso de História do Direito, afirmam que “o jusnaturalismo moderno manifesta-se enquanto o sistema de justiça real é ainda operado por gente formada na escola do ius commune” (LOPES; QUEIROZ; ACCA, 2006, pág. 95). Disto decorre que o Jusnaturalismo Moderno pauta-se em um Direito Consuetudinário, embasado sob a ótica da Justiça aos olhos dos filósofos racionalistas enquanto escopo fundamental do Direito, uma justiça comum derivada dos costumes e valores da sociedade.
Miguel Reale – em Filosofia do Direito – trabalha o Jusnaturalismo sob a ótica de duas teorias: a Transcendente e a Transcendental. Segundo Reale, a Teoria Transcendente concebe o Jusnaturalismo “como um arquétipo ideal, uma realidade ontológica válida em si mesmo”, ou seja, um sistema perfeito que independe de qualquer outra coisa para existir, pois é auto-suficiente. Já a Teoria Transcendental restringe a esfera de ação do Jusnaturalismo “ao plano deontológico, em correlação e funcionalidade necessária com o plano da experiência histórica do Direito”, ou seja, restringe o Jusnaturalismo a um plano de valores sociais historicamente estabelecidos e necessariamente tutelados pelo Direito (REALE, 2002, pág. 590).
Norberto Bobbio compila, de modo geral, os principais critérios que caracterizam o Jusnaturalismo, de modo que, pode-se afirmar que os Direitos Naturais são universais, ou seja, válidos para todos e em todos os lugares; imutáveis, ou seja, válidos em qualquer tempo; de cognição racional, ou seja, conhecidos através da razão humana; produzidos pela natureza, ou pela razão humana ou ainda por Deus ou qualquer outra entidade divina; objetivamente bons, ou seja, estabelecem aquilo que é bom para a sociedade, ou melhor, aquilo que é justo; e por fim, não são indiferentes aos comportamentos regulados, ou seja, eles os valoram (BOBBIO, 1999).
Em sua Teoria Geral do Direito, Norberto Bobbio critica veementemente o Jusnaturalismo, pois, para ele, não existe um direito que seja válido em todos os lugares e em todos os tempos, pois as concepções sociais são mutáveis, de modo que, o que é bom e justo hoje não era ontem e não será amanha, bem como, o que é justo para uma sociedade de cultura oriental pode não ser para uma sociedade de cultura ocidental etc. Critica também, afirmando que é impossível existir um ordenamento jurídico completamente justo, ou seja, que não contenha regras injustas e, nesse mesmo sentido, afirma que na ceara jurídica “vale como direito também o direito injusto” (BOBBIO, 2007, pág. 36).
Na linha evolutiva da História, após a cisão entre Igreja e Estado e a ascensão dos Soberanos, na prática, pouca coisa mudou, os comerciantes continuaram a se submeter de forma extremada aos governantes, as atrocidades contra o ser humano não diminuíram, os nobres e o clero continuaram a ter privilégios, em suma, a realidade social se quedou inerte. Tudo isso despertou movimentos revolucionários, principalmente da classe burguesa, que com o apoio do iluminismo, se organizou em busca de poder político, liberdade (comercial), igualdade (legal) e de muitos outros direitos defendidos pelos jusnaturalistas (LOPES; DOS SANTOS, 2010).
Nesse sentido, conforme afirma Luís Roberto Barroso, “a Revolução Francesa e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e, anteriormente, a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) estão impregnadas de idéias jusnaturalistas” (BARROSO, 2009, pág. 237).
Ainda segundo Barroso, os iluministas e os jusnaturalistas estiveram juntos no movimento de codificação do Direito, durante o século XVIII, “cuja maior realização foi o Código Civil Francês – o Código Napoleônico”. Entretanto, conclusa a Revolução Francesa, com a codificação dos direitos em diversos países da Europa, o Jusnaturalismo se viu – conforme explica José Reinaldo de Lima Lopes, citado por Barroso – “domesticado e ensinado dogmaticamente”, ou seja, a codificação, grosso modo, “cortou as pernas” do Jusnaturalismo limitando-o e impedindo-o de se desenvolver livremente como até então se desenvolvia e, por fim, o “substituiu” por uma nova doutrina – o Positivismo Jurídico (BARROSO, 2009, pág. 238).
Norberto Bobbio, Matteucci e Pasquino, citados por Luís Roberto Barroso, afirmam que
O advento do Estado Liberal, a consolidação dos ideais constitucionais em textos escritos e o êxito do movimento de codificação simbolizaram a vitória do direito natural, o seu apogeu. Paradoxalmente, representaram, também, a sua superação histórica (BARROSO, 2009, pág. 238).
Nessa mesma linha de raciocínio, Tercio Sampaio Ferraz Junior, pautando-se nas ideias de Nicolas Luhmann, afirma que a constitucionalização dos Direito Naturais, ou ainda, dos Direitos Fundamentais, não só “os positivou”, mas provocou gradativamente sua trivialização, o que, conseqüentemente, gerou uma indiferença em relação as suas próprias diferenças (FERRAZ JR., 2003).
4. O POSITIVISMO JURÍDICO
Inspirado nas idéias do positivismo filosófico de Auguste Comte, o Positivismo Jurídico é a corrente do Direito que reduz o direito a norma jurídica, ou seja, que acredita que não há direito além do texto normativo e que aquilo que nele está escrito é justo, pois a justiça para o Positivismo Jurídico consiste no preenchimento do Dever Ser. Assim, toda vez que a conduta humana (Ser) está de acordo com a prescrição legal (Dever Ser), esta conduta é boa e é justa, entretanto, quando esta conduta está em desacordo com a prescrição legal, ou seja, quando ela contraria a lei, ela é uma conduta má e injusta (LOPES; DOS SANTOS, 2010).
Nesse sentido, conforme explica Hans Kelsen:
o juízo segundo o qual uma determinada conduta humana é boa traduz que ela corresponde a uma norma objetivamente válida, e o juízo segundo o qual uma determinada conduta humana é má traduz que tal conduta contraria uma norma objetivamente válida, o valor “bom” e o desvalor “mal” valem em relação às pessoas cuja conduta assim é apreciada ou julgada, e até em relação a todas as pessoas cuja conduta é determinada como devida (devendo ser) pela norma objetivamente válida, independente do fato de elas desejarem ou quererem essa conduta ou a conduta oposta (KELSEN, 2003, pág. 22).
Norberto Bobbio, em Teoria Geral do Direito, conceitua o Direito Positivo como “a doutrina que reduz a justiça a validade” afirmando que para esta corrente do Direito “só é justo o que é comandado, e pelo fato de ser comandado” (BOBBIO, 2007, pág. 38 - 39). Já em O Positivismo Jurídico, Bobbio afirma que o Direito Positivo esteve presente em diversos períodos da história das sociedades, como se apresenta a seguir.
Segundo o renomado autor, o Direito Positivo já se encontrava no pensamento clássico e foi motivo de muita discussão, principalmente na Grécia e em Roma. Para sustentar essa colocação, Bobbio cita um trecho da obra de Aristóteles Ética a Nicômaco, onde o filosofo grego diz que uma parte da justiça é fundada na lei, o chamado direito legal (nomikón díkaion) que corresponde ao Direito Positivo. Para Aristóteles, conforme explica Bobbio, o Direito Positivo caracterizava-se por ter eficácia somente nas comunidades políticas em que era posto, e também, por ser de cumprimento obrigatório, ou seja, aquelas atividades reguladas por ele deviam ser desempenhas de acordo com o que prescrevia a lei (BOBBIO, 1999).
Já na Roma Antiga, o Direito Positivo, lá chamado de jus civile, referia-se as estatuições do populus, ou seja, do povo, dos cidadãos e caracterizava-se por ser limitado e posto por um determinado povo, não necessariamente o mesmo, já que Roma dominava outros povos, alem disso, para os romanos, o Direito Positivo era sujeito à mudanças, ab-rogações e derrogações, pois estabelecia aquilo que era útil, podendo uma lei ser útil hoje e não mais amanha (BOBBIO, 1999).
Em relação ao pensamento medieval, Bobbio afirma que o Direito Positivo fora discutido por diversos escritores medievais, tais como teólogos, filósofos e canonistas. Nesse sentido, Abelardo, citado por Bobbio, afirma que a característica fundamental do Direito Positivo é a de ser posto pelos homens, o que ele chama de Lex humana (BOBBIO, 1999).
Dentre os pensadores modernos, Glück, citado por Bobbio, afirma que “chama-se direito positivo, o conjunto daquelas leis que se fundam apenas na vontade declarada de um legislador e que, por aquela declaração, vêm a ser conhecidas” (BOBBIO, 1999, pág. 21).
Já em sua Teoria Geral do Direito, Bobbio discorre sobre o Positivismo Jurídico de Thomas Hobbes e afirma que segundo o Contratualista “não existe outro critério do justo e do injusto fora da lei positiva, vale dizer, fora do comando do soberano”. Afirma ainda que, para Hobbes, “não existe justo por natureza, mas apenas um justo por convenção” e que “a justiça e a injustiça nascem juntamente com o direito positivo” e diz ainda que “onde há justiça significa que há um sistema constituído de direito positivo” (BOBBIO, 2007, pág. 39 - 41).
As leis são as regras do justo e do injusto, não havendo nada que seja reputado injusto sem ser contrário a alguma lei. Ninguém pode fazer as leis, a não ser o Estado, pois estamos sujeitos unicamente ao Estado; e as ordens devem estar expressas por sinais suficientes, pois, de outro modo, ninguém saberia como obedecer a elas (HOBBES, 2009, pág.188).
Dentre as escolas positivistas dos últimos séculos, a de mais destaque é a Escola de Exegese, escola doutrinária do século XIX, seguida, principalmente, na França por diversos autores de renome, tais como: Melville, Blondeau, Bugnet, Delvincourt, Huc e outros (LOPES; DOS SANTOS, 2010). A cerca da doutrina da Escola de Exegese, Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, afirma tratar-se de uma doutrina:
... que identificava a totalidade do direito positivo com a lei escrita, entendendo que a função específica do jurista e do julgador era ater-se com rigor absoluto ao texto legal e revelar seu sentido, aplicando-o, mecanicamente, mediante a lógica dedutiva. Essa doutrina ultralegalista proclamou que a lei deve ser a única fonte das decisões jurídicas; logo, toda solução jurídica não podia ser mais do que a conclusão de um silogismo, em que a premissa maior é a lei e a menor, o enunciado de um fato concreto (DINIZ, 2008, pág. 400).
A doutrina da Escola de Exegese possui diversas características, dentre as a quais, destacam-se o fato de focar-se exclusivamente na lei; possuir uma concepção estritamente estatal do direito; e interpretar a lei baseando-se na intenção do legislador (LOPES; DOS SANTOS, 2010).
Dentre os autores do Positivismo, Hans kelsen é, sem dúvidas, o que possui mais destaque no mundo jurídico – jurista austríaco, mudou-se para os Estados Unidos em razão da Segunda Guerra Mundial. Segundo Haradja Leite Torrens, Kelsen foi um dos principais expoentes da doutrina sistemática e formalista do direito, doutrina esta “que conduz à visualização do Direito como uma pirâmide, ou seja, estrutura hierárquica de normas jurídicas, sistema apto a solucionar o caso concreto sem a ingerência de outros elementos”, ou seja, sem a influência, ou interferência de outras instituições e, ou ciências, como: a filosofia, a sociologia, a psicologia, a política etc. (TORRENS, 2004).
Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, afirma que o Direito exige uma teoria pura, uma teoria positiva do direito, que se proponha a garantir um conhecimento exclusivamente dirigido ao direito, um conhecimento puro, que exclua “tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito”, ou seja, um conhecimento que exclua todos os outros, tais como a sociologia, a filosofia, a ética, a psicologia, a teoria política, para que com estas não se confunda, nem se misture (KELSEN, 2003, pág. 1).
Para Kelsen “o juízo segundo o qual uma conduta real é tal como deve ser, de acordo com uma norma objetivamente válida, é um juízo de valor, e, neste caso, um juízo de valor positivo”, que implica em dizer que a conduta real (fática) é “boa”. Já “o juízo, segundo o qual uma conduta real não é tal como, de acordo com uma norma válida, deveria ser, porque é o contrário de uma conduta que corresponde à norma, é um juízo de valor negativo”, o que implica em dizer que a conduta real é “má” (KELSEN, 2003, pág. 19). Nesse sentido, Kelsen afirma que “uma norma não é verdadeira ou falsa, mas apenas válida ou inválida” (KELSEN, 2003, pág. 21).
Por fim vale ressaltar que Kelsen acreditava que o Positivismo jurídico conduzia ao bem, à justiça, àquilo que era bom, pois para ele “bom” era o Ser fático que estava em conformidade com o Dever Ser jurídico, como se verifica na seguinte afirmação:
...o conceito de “bom” não pode ser determinado senão como “o que deve ser”, o que corresponde a uma norma, Ora, se definimos Direito como norma, isto implica que o que é conforme-ao-Direito (das Rechtmässige) é um bem (KELSEN, 2003, pág. 75).
Vale ressaltar, também, a importante contribuição do professor Herbert Hart para a doutrina do Direito Positivo, mormente para seu desenvolvimento no sistema common Law. Hart elaborou uma teoria positivista “moderada”, ou nas palavras do autor “soft positivism”, que atribui ao magistrado certa discricionariedade para desviar-se do texto legal e decidir com base em princípios morais, entretanto, estes princípios devem, anteriormente, ser incorporados ao ordenamento jurídico (HART, 2001). Nada obstante, Ronald Dworkin afirma que o positivismo desenvolvido por Hart, não se difere essencialmente do positivismo tradicional e, muito menos, consegue superar seus problemas (DWORKIN, 2003).
Luís Roberto Barroso observa que, apesar de algumas variações, o Positivismo Jurídico teve seu ápice no normativismo de Hans Kelsen. Barroso assinala, de modo simplificado, algumas das características principais do Positivismo Jurídico, sendo elas: “a aproximação quase plena entre Direito e norma”; a fixação da estatalidade do Direito, ou seja, de uma ordem jurídica advinda do Estado; a auto-suficiência do ordenamento jurídico, que contém definições conceituais e elementos satisfatórios e adequados para a resolução de todos os casos concretos, fáticos, inexistindo qualquer lacuna; o formalismo, que submete o Direito a sua formação, ou seja, ao legislador, sem vinculá-lo a qualquer conteúdo; e por fim “o dogma da subsunção, herdado do formalismo alemão” (BARROSO, 2009, pág. 241).
Barroso critica incisivamente o Positivismo Jurídico por diversos motivos, dentre eles, por acreditar que os ideais positivistas de objetividade e neutralidade são impossíveis de se materializarem, ou seja, de se tronarem efetivos e reais. Mais do que isso, Barroso lembra que foi justamente o Positivismo jurídico que legitimou os regimes ditatoriais mais cruéis do último século, dentre eles a ditadura fascista italiana e a nazista alemã. Segundo o renomado Constitucionalista, esses regimes promoveram e propagaram a barbárie e a crueldade em nome da lei. Afirma ainda que, “até mesmo a segregação da comunidade judaica, na Alemanha, teve início com as chamas leis raciais, regularmente editadas e publicadas”. Por fim, conclui afirmando que, sem excluir os movimentos filosófico-jurídicos que dele divergiam, “a decadência do positivismo jurídico é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha” (BARROSO, 2009, pág. 241 - 242).
Crítica semelhante faz Haradja Torrens. A jurista afirma que o paradigma positivista enfrenta sua crise em detrimento de não encontrar soluções para determinados problemas jurídicos de alta relevância, principalmente em relação aos julgamentos das crueldades realizadas pelo Estado Alemão que foram levadas ao Tribunal de Nuremberg logo após o fim da Segunda Guerra. A autora critica também, a incapacidade do legislador acompanhar de forma célere e eficiente a velocidade da evolução técnico-científica nas ultimas décadas, principalmente nas sociedades “pós-industriais”, ou “pós-modernas” (TORRENS, 2004).
Apesar das árduas críticas ao modelo positivista, é consenso que, por causa do positivismo, o Direito avançou muito enquanto Ciência e, justamente, a partir da moldura de Hans Kelsen é que se pôde pensar nas complexas noções de sistema jurídico e entender que neste mundo existe uma linguagem que não pode ser desprezada pelo intérprete ou operador do Direito (LOPES; DOS SANTOS, 2010).
Nesse sentido, encaixa-se perfeitamente a lição de Tercio Sampaio Ferraz Junior, que encerra seu artigo “por que ler Kelsen hoje” da seguinte maneira:
A obra de Kelsen ainda o mantém vivo, suas implicações para a ciência jurídica, para a lógica da norma, para a aplicação do direito são tão fecundas, que, por mais que o critiquemos, não deixam de desvendar novos ângulos, novos encaminhamentos. Seu sistema cerrado não está isento de objeções. Estas, contudo, se postas seriamente, nos mostram como o seu pensamento é capaz de nos empurrar para diante, evitando o parasitismo das concepções feitas. Ao contrário do que se supõe, seu espírito polêmico nunca revelou um obstinado, tanto que, em diversas ocasiões e até mesmo no fim da vida, não teve medo de enfrentar suas próprias convicções, mudando-as quando as percebia insustentáveis racionalmente (FERRAZ JR, 1981).
Nessa linha de raciocínio, Norberto Bobbio dedicou uma obra inteira somente para reexaminar a obra de Kelsen à luz das críticas que lhe eram e são feitas. Bobbio comunga da ideia de que Kelsen foi um dos mais significantes contribuidores do direito, em muitas de suas áreas, tais como, Teoria do Direito, Direito Constitucional e Direito Internacional e, por isso, não pode ser ignorado ou “crucificado”, como se sua obra se resumisse apenas à sua Teoria Pura e, pior, como se sua Teoria Pura fosse a fonte dos problemas da humanidade, ou a legitimadora das leis nazistas, o que não é uma verdade (BOBBIO, 2008).
O Positivismo jurídico, assim como o Jusnaturalismo, não deixou de existir, entretanto, nas ultimas décadas, vive uma decadência teórico-científica, uma progressiva superação por uma nova doutrina, o pós-positivismo jurídico, paradigma pós-moderno do direito, que ascende aproximando Direito, Justiça e Moral.
A partir da segunda metade do século passado, inicia-se um movimento de “superação” do Positivismo Jurídico, movimento este que busca incorporar ao ordenamento jurídico, valores morais, princípios políticos, fundamentos sociológicos, filosóficos, em suma, que visa incorporar ao Direito tudo aquilo que se entende como importante para se avaliar as relações sociais e principalmente as relações jurídicas, de modo que se possa garantir “Justiça” ao caso concreto. Este movimento recebe o nome de Pós-positivismo Jurídico (LOPES; DOS SANTOS, 2010).
Nas palavras de Luís Roberto Barroso, o pós-positivismo “inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade” (BARROSO, 2001, pág.19), ou seja, uma reaproximação do Direito com os valores, com a Ética, visando o escopo fundamental do Direito, que é a Justiça.
Existem diversas nomenclaturas e até mesmo “correntes doutrinárias” deste novo sistema, dentre elas destacando-se: Direito pautado em Princípios Fundamentais e Constitucionais; Direito Superador da Lei; Direito extra legem, Direito contra legem, Direito conforme a Natureza das Coisas; e Direito Supra legal. Contudo, insta destacar que todas elas possuem um ponto em comum, que é a busca da valoração do Direito, busca da Justiça, pois para esta corrente, o ordenamento jurídico possui lacunas, possui falhas e pode conter disposições que criem situações fáticas injustas e é justamente quando isso acontece que o intérprete deve utilizar-se desses métodos para conseguir atingir a justiça (LOPES; DOS SANTOS, 2010).
Subentende-se que Barroso é adepto da corrente principiológica do pós-positivismo, ou seja, acredita que os princípios possuem um status muito maior do que meras disposições axiológicas, éticas, sem aplicabilidade jurisdicional. Para ele, os princípios possuem status de norma jurídica, e entre os princípios e as regras jurídicas não há hierarquia (BARROSO, 2001).
Segundo Barroso, os valores sociais mais relevantes “materializam-se em princípios, que passam a ser abrigados na Constituição, explicita ou implicitamente”. Em sua evolução histórica, alguns já constavam na Carta Maior, entretanto, também evoluíram e, em alguns casos, “sofreram releituras e revelaram novas sutilezas, como a separação dos Poderes e o Estado democrático de direito”. Há também, os novos princípios, que foram incorporados recentemente, ou pelo menos, “passaram a ter uma nova dimensão, como o da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da solidariedade e da reserva de justiça” (BARROSO, 2001, pág. 20).
Conforme explica Barroso, com a superação do positivismo, a Constituição deixa de ser vista como o ápice de uma pirâmide normativa sistemática e formalista e passa a ser vista como o ápice de um sistema jurídico aberto de princípios e regras, que se recheia de valores jurídicos extralegais que visam atingir a justiça e por em prática os direitos fundamentais (BARROSO, 2001). Uma idéia herdada de Ronald Dworkin, que afirmava que uma proposição jurídica decorre de forma direta dos valores e princípios e que deveriam buscar a melhor justificação moral possível, conforme explica Haradja Torrens (TORRENS, 2004).
Como demonstra Barroso, há casos em que estes princípios constitucionais colidem. Nestes casos, o interprete deve buscar harmonizá-los, “deve, à vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir um resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição” (BARROSO, 2001, pág. 22). Esta harmonização (ponderação de princípios) pauta-se no princípio da razoabilidade e na máxima preservação dos princípios em conflito, naquilo que for possível (BARROSO, 2001).
Ainda nessa linha de raciocínio, Barroso destaca o princípio da dignidade da pessoa humana, que, conforme ele explica, assegura a todos uma integridade moral mínima, tanto em termos de liberdade, igualdade e valores individuais, como condições materiais mínimas de sobrevivência digna, verbi gratia: renda mínima, saneamento básico, saúde (médica e odontológica), educação, condições de trabalho, acesso à justiça, acesso à cultura, moradia, alimentação saudável, etc. Tudo isso, segundo barroso, forma um “mínimo existencial” para que o ser humano desfrute da própria liberdade, de forma plena e que deve ser considerado pelo intérprete em suas decisões (BARROSO, 2001).
Karl Larenz elabora uma Teoria do Direito Superador da Lei, que se desenvolve em consonância com os princípios gerais de direito e com a “ordem de valores” constitucionais, tratando-se assim “de um desenvolvimento do Direito certamente extra legem, à margem da regulação, mas intra jus, dentro do quadro da ordem jurídica global e dos princípios jurídicos que lhe servem de base” (LARENZ, 1997, pág. 588 - 590). Para Larenz, a jurisprudência pode e deve utilizar-se deste Direito Superador da Lei, bem como da analogia e do Direito Consuetudinário, para assegurar a garantia dos direitos fundamentais do homem e da sociedade (LARENZ, 1997).
Karl Larenz afirma que aonde a regulação legal falseie a natureza das coisas, principalmente de forma grosseira, os Tribunais devem corrigir tais regulamentações a fim de se preservar a natureza das coisas (LARENZ, 1997). Nesse sentido, Jean-Jacques Rousseau afirma, em relação às leis, que “o que é bem, e conforme à ordem, é tal pela natureza da coisas, sem dependência das convenções humanas” (ROUSSEAU, 2009, pág.44).
Segundo Larenz, o Direito Superador da Lei, também se desenvolve através dos princípios ético-jurídicos – tanto dos de escalão constitucional, como dos de escalão infraconstitucional e, até mesmo, através dos princípios que ainda não foram positivados, mas que compõem o ordenamento jurídico, bem como as novas interpretações dos princípios já existentes, destacando-se os princípios da boa-fé, da proporcionalidade e o da dignidade da pessoa humana. Segundo Larenz, o desenvolvimento do Direito Superador da Lei se dá através do que ele chama de “pensamento orientado a valores”, que consiste no desenvolvimento do direito através dos princípios axiológicos mais relevantes para a sociedade (LARENZ, 1997).
Por fim, vale dizer que, para Karl Larenz o Direito Superador da Lei possui condições limitadoras de seu uso, uma espécie de pré-requisitos para que possa ser utilizado. Segundo Larenz, em primeiro lugar, deve-se estar frente a um caso jurídico e, em segundo lugar, deve-se tratar de um caso que não se possa resolver através de uma simples interpretação da lei, nem através de um desenvolvimento do direito imanente à lei sem que se crie uma situação de evidente injustiça. Assim, sempre que se estiver frente a um caso que preencha a todos estes requisitos, o que ele chama de “autentico estado de necessidade jurídico”, o interprete deve utilizar-se das ferramentas do Direito Superador da Lei, inclusive julgando contra a lei se necessário, a fim de se buscar atingir a justiça do caso concreto (LARENZ, 1997).
Karl Engisch, em Introdução ao Pensamento Jurídico, afirma que existem regras e princípios de direito que podem ou não estar positivados no texto Constitucional ou em qualquer outro texto legal, que mesmo assim não deixam de existir, pois independem de qualquer tipo de positivação, em razão de estarem acima da lei, por isso pertencem ao Direito Supralegal, verbi gratia, o princípio da igualdade, que não necessita estar posto em um texto legal para ter validade. Segundo Engisch, aquele que aplica o direito – o magistrado – tem o poder, ou melhor, tem o dever “de declarar inválida, ou então corrigir, qualquer estatuição positiva no caso de ela estar em contradição com o Direito Supralegal” (ENGISCH, 2001, pág. 326 - 327).
Para exemplificar sua Teoria, Engisch cita alguns princípios, tais como, os princípios supremos da justiça, do bem comum, do direito justo e da moralidade, desenvolvendo, a partir desses exemplos, um direcionamento do Direito que tem como escopo fundamental a Justiça. Nesse sentido, Engisch chega a afirma que, em casos especiais, o juiz pode, ou até mesmo há de julgar contra legem (ENGISCH, 2001).
Durante o desenvolvimento de sua Teoria do Direito Supralegal, Engisch contesta o princípio positivista “fiat iustitia pereat mundus”, pois, para ele, sempre que, em decorrência da aplicação de uma lei, criarem-se situações relevantemente indesejáveis ou injustas, ou sempre que uma lei contrariar os princípios supremos da justiça, ou ofender o Direito Natural, ou a lei moral fundamental, os operadores do direito devem fazer uso da Teoria do Direito Supralegal a fim de se promover e garantir as “correções” necessárias ao corolário da Justiça (ENGISCH, 2001).
Por fim, confere-se nos dizeres de Engisch, a necessidade de se superar o puro positivismo, pois conforme explica o doutrinador
...quando a jurisprudência dos tribunais superiores se reporta por diversas maneiras ao <<direito natural>> ou a <<lei moral>> ou ainda a uma <<ordem de valores preestabelecida>> situada acima de um <<relativismo destruidor>>, quando outros vêem esta tábua de valores manifestar-se nos <<princípios jurídicos gerais>> ou, com alguma reserva, nas linhas superiores de orientação da nossa Lei Fundamental, e ainda outros pensam poder rastrear a decantada <<natureza das coisas>> na estrutura <<imanente>> à relação de vida concretamente em discussão (casamento, parentesco, cargo público, relação laboral, serviço militar, etc.), trata-se aqui certamente em todos os casos de esforços justificados, e que importam ao jurista, de superar um puro <<positivismo legalista>> e de permitir à voz do <<espírito objectivo>> ressonância no Direito (ENGISCH, 2001, pág. 387).
Ronald Dworkin desenvolveu sua Teoria pós-positivista pautada nos princípios jurídicos, que recebem de Dworkin um valor maior que as regas jurídicas. Para Dworkin as regras só podem ser aplicas ao modo “tudo ou nada”, ou seja, se a regra é válida e se encaixa ao fato, então se aplica a regra, caso contrário não se aplica, de modo que, em um conflito entre regras, uma delas necessariamente deverá ser considerada inválida. Já os princípios jurídicos possuem uma dimensão que avalia o peso e a importância de cada um frente ao caso concreto, o que possibilita, em um conflito entre princípios, a aplicação de um deles sem invalidar o outro, através da ponderação dos princípios, assim, “quando os princípios se intercruzam, aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força normativa de cada um” (DWORKIN, 2010, pág. 42).
Acerca das Ideias de Dworkin, dispensa-se uma análise mais detalhada da profundidade axiológica dos princípios enquanto instrumentos normativos que possibilitam a melhor decisão jurídica, visto que este tema já foi explorado quando se trabalhou a Teoria desenvolvida por Luís Roberto Barroso.
Robert Alexy desenvolve sua Teoria pós-positivista pautada nas normas de direitos fundamentais da Constituição que, segundo ele, são estrutural e semanticamente abertas, possibilitando ao interprete certa discricionariedade para decidir, tudo isso dentro de um processo dialógico argumentativo. Em sua obra, Alexy, com base na Teoria de Dworkin, notadamente amplia o conceito e o valor dos princípios em detrimento das regras Jurídicas, pautando-se no sopesamento dos princípios que lhes conferem maior flexibilidade e amplitude, enquanto as regras se atêm ao modo de aplicação “tudo ou nada” (ALEXY, 2008). Nesse sentido, José Gomes Canotilho ensina que princípios jurídicos fundamentais são “os princípios historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional” (CANOTILHO, 1995, pág. 171).
Nada obstante, como adverte Humberto Ávila, não é porque se elevou a figura dos princípios jurídicos, que se deve deixar as regras jurídicas de lado. Pelo contrário, o que se deve ter é um sistema jurídico cognitivamente aberto ao conhecimento multidisciplinar que preserve e desenvolva as normas jurídicas como um todo, ou seja, tanto os princípios quanto as regras, que possuem a mesma importância para o ordenamento (ÁVILA, 2010).
Deste modo, Humberto Ávila afirma que as regras, assim como os princípios, possuem uma dimensão de peso e que podem sim ser ponderadas em face ao caso concreto, “mediante um processo de ponderação de razões” (ÁVILA, 2010, pág. 54).
Por fim, vale dizer, como salienta Cristiano Carvalho, que a partir dessa ampliação cognitiva do Direito, passou-se a entendê-lo como um sistema complexo que necessita relacionar-se com o ambiente, enviando e recebendo informações de forma a corroborar para o melhor cumprimento de suas funções primordiais (CARVALHO, 2008).
Deste modo, pode-se concluir que o pós-positivismo consiste na superação do positivismo legalista, pois não busca a justiça da lei, mas a justiça do direito, que é muito maior do que uma prescrição legal, justamente porque não se pode separar o Direito da Justiça, bem como não se pode reduzir a justiça ao simples preenchimento de um dever ser, nem reduzir o Direito a uma simples norma jurídica.
6. CONCLUSÃO
No mundo pós-moderno, as melhores ideias surgem do confronto entre opiniões divergentes e para isso fazem-se necessárias as discussões racionais dialético-analíticas dos temas e, principalmente, dos paradigmas que regem a vida social humana, considerando todos os posicionamentos a fim de se evitar a arbitrariedade.
Mutatis mutandis, discutir sobre o modelo doutrinário ideal ou correto para uma Ciência é algo de extrema complexidade, entretanto, uma conclusão pode-se tirar de tudo o que foi demonstrado neste trabalho: Independentemente do modelo que se adote, extremá-lo significa sacrificá-lo e, mais do que isso, significa submeter a sociedade a um modelo autoritário, pois o extremo se traduz como uma das faces do autoritarismo.
O paradigma pós-positivista surge como resposta ao modelo positivista exacerbado, extremamente legalista e formalista, que excluiu do âmbito de apreciação do Direito tudo aquilo que não era essencialmente jurídico. Surge como um modelo de superação de um extremo, mas não pode desenvolver-se como outro extremo. Nesse sentido, cumpre-nos advertir que diversas são as teorias pós-positivistas e, dentre tantas, deve-se saber eleger as que realmente devem ser utilizadas e aplicadas pelo Direito, evitando-se sempre os extremos e as arbitrariedades, inclusive as judiciais.
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Graduando do último período em Direito pela ESAMC - Uberlândia. Foi membro do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais por dois anos. Cursou Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) por um ano. Atuou como Estagiário em Direito Empresarial e Tributário no escritório Ferreira & Viola Advogados. Atualmente realiza pesquisa acadêmica sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Carlos Figueira de Melo. Possui diversos artigos publicados em Congressos Acadêmicos e Revistas Jurídicas (brasileiras e estrangeiras).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Eduardo Rodrigues dos. Doutrinas paradigmáticas do Direito: uma investigação histórica do jusnaturalismo, positivismo e pós-positivismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2011, 08:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24146/doutrinas-paradigmaticas-do-direito-uma-investigacao-historica-do-jusnaturalismo-positivismo-e-pos-positivismo. Acesso em: 23 dez 2024.
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