Notas Introdutórias
O funcionalismo penal ampliou sua notoriedade em virtude da insurgência da teoria da imputação objetiva, maior vitrine de suas concepções teóricas, no sentido da funcionalização dos institutos para a subsistência de todo o sistema.
Nesta esteira, o funcionalismo refletido no Direito Penal culminou no abrandamento de conceitos puramente causais e de finalidade, trazendo à lume a busca pela funcionalidade dos elementos do sistema social, interdependentes e autopoiéticos na medida do contato com os traços de realidade correlatos à estrutura extra-sistêmica.
Estes fundamentos de origem funcionalista se arraigaram na concepção da imputação objetiva, porém, decorrem de ramo científico diverso do Direito, qual seja, a sociologia, adjacente às perspectivas jurídicas, sobretudo na constituição de institutos de doutrina.
O panorama sociológico com repercussão na imputação objetiva traz-nos como lastro teórico os ensinamentos de Niklas Luhmann e Talcott Parsons, que contribuíram de forma percuciente com as idealizações doutrinárias de Günther Jakobs e Claus Roxin. Nesta direção, cabe lacônica análise a respeito das bases teoréticas dos sociólogos mencionados adaptado ao reflexo no funcionalismo penal da imputação objetiva.
O funcionalismo de Niklas Luhmann: reflexo na imputação objetiva jacobiana
O funcionalismo sociológico de Luhmann marcado por sua índole normativista, radical e estratégica, lastreada sobretudo na identidade normativa do grupo social, centralizando a sociedade no sistema (COSTA, 2007), integrando o indivíduo à zona periférica, principalmente em sua abordagem atinente à teoria dos sistemas sociais.
Necessário ao entendimento ligado à teoria dos sistemas sociais de Luhmann, refere-se ao conceito de autopoiese, firmado como mecanismo cíclico e autoreprodutivo e eminentemente intercambiante quanto aos elementos que compõem a estrutura do sistema social.
Por meio da afetação do sistema proporciona a mudança da estrutura, através da permuta dos elementos inerentes ao sistema por novos subsídios oriundos da esfera extra-sistêmica. Desta sorte, a perturbação do sistema constitui pressuposto evolutivo do sistema, em decorrência da reação proporcionada no sentido de manutenção do equilíbrio estrutural.
Acerca desta concepção teórica de Niklas Luhmann, em suma, “temos que o sistema é uma organização autopoiética e essa contém estruturas muito diversas, dependendo do tipo de sistema, podendo reagir a irritação e estímulos provenientes do meio ou de autoirritação”(ALFERES, 2010).
Como pressuposto jurídico, as bases sociológicas de Luhmann fundamentam a teoria de imputação objetiva de Jakobs, mormente na criação doutrinária dos papéis sociais, naturalmente originário do âmbito externo do sistema, sendo por ele absorvido, bem como atrelado ao aparato organicista.
Desse modo, a frustração das expectativas que defluem do contexto do papel social configuram a agressão a todo o sistema, que reagem por meio da reprimenda penal, como também representando mecanismo de reafirmação da própria normativização social, definidora da competência de cada indivíduo na composição da sociedade.
O caráter de sistema social atribuído aos papéis, bem como a interconexão de elementos, sintomática da teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhman, decorre principalmente da conceituação dada por Jakobs, definindo o papel como “[...]um sistema de posições definidas de modo normativo, ocupado por indivíduos intercambiáveis[...]”(JAKOBS, 2007, p.22).
Afiguram-se inscritos na órbita dos papéis sociais de Jakobs todos os demais institutos de sua teoria de imputação – quase que exclusivamente imputação do comportamento – isto é, suas instituições dogmáticas, que enquadram-se como elementos do papel social, a ponto de serem reputados como corolário deste, por meio de procedimento tautológico de análise da imputação, em que tais instituições gravitam sob a mesma ideia dos papéis sociais, variando de acordo com o enfoque vislumbrado.
Esta linha de raciocínio deriva dos sistemas sociais de Luhmann, sob o qual todos os subsídios elementares sobrevivem em função do sistema, essencialmente autorregulador e auto-afirmativo, sendo esta característica exibida a partir da ocorrência de violações que possam vir a ser atentadas contra a estrutura sistêmica. Neste ponto, verifica-se o principal liame sociológico que respalda a composição teórica de imputação de Jakobs, no intuito da preservação do todo.
O funcionalismo de Talcott Parsons: base sociológica do pensamento teleológico-funcional de Roxin
Outro viés funcionalista com ressonância no âmbito penal corresponde ao funcionalismo estrutural de Talcott Parsons, caracterizado por seu aspecto teleológico, valorativo e moderado.
O estrutural-funcionalismo de Parsons parte da perspectiva do indivíduo como componente, sob o qual delega competência quanto à divisão do trabalho, no intuito da excelência e especialização, para garantia da estabilidade social. Neste sentido partia da ideia das partes em função do todo, em que, enquanto este se mantivesse estável, todos os demais componentes subsistiriam, tendo influência direta no modus operandi do sistema.
Desta feita, o respeito à esfera de atuação de cada um individualmente afigura-se essencial ao desempenho das funções. Porém, indispensável que a atuação seja carregada pela interação entre os componentes, no intuito da escorreita funcionalização.
Ademais, os elementos individuais deveriam cumprir funções internas e externas, visando o equilíbrio intra e extra-sistêmico. Para tanto, a comunicação entre tais elementos se apresenta essencial na medida em que é atribuída interdependência entre os compostos do todo.
É de salientar que,
"Parsons não acreditava em empreendimentos téoricos desligados do mundo real. Ao contrário, pretendia um jogo dialético entre os dois componentes da prática científica, com o que os frutos da pesquisa empírica deveriam reagir sobre a teoria que lhes havia servido de guia." (DOMINGUES, 2001, p.20)
Nesta vereda, repercute a concepção teórica de Parsons no cerne da teoria da imputação objetiva de Roxin, que traz para o âmago de sua estrutura a resolução de grupos de casos, que, apesar de sua apreensão pontual e haurida da casuística, apresenta incidência global no trato dos delitos objeto de apreciação. Em linhas gerais, não aparta sua teoria de imputação da realidade fática, sendo dispensado a ela a necessária atenção, pois se apresenta como pedra-base de qualquer intento arraigado de cientificismo.
Mister relevar que os aspectos de interdependência e equilíbrio da teoria de Talcott Parsons se refletem no prisma de verificação da imputação de Roxin, mormente em virtude de sua índole sistemática, em que, verbi gratia. a análise quanto à realização de um risco no resultado, traz como pressuposto que este risco seja juridicamente relevante e não permitido.
Considerações Finais
O lastro sociológico imanente à(s) teoria(s) da imputação objetiva, na abordagem de Talcott Parsons e Niklas Luhmann trazem sobretudo o aspecto de coletividade em que o indivíduo vê-se inserido, como elemento do sistema, que o âmbito individual atua no sentido de apoio à manutenção do todo estrutural.
Norteando este entendimento, a funcionalização dos elementos é medida essencial à adequada continuidade de todo o sistema, da maneira que cumprem sua função incumbida, bem como robustece a coerência com relação aos demais elementos que o compõem.
Importante mencionar que o aspecto sociológico objeto deste estudo influenciou de forma decisiva na construção funcionalista penal, de forma a orientá-los na estruturação de seus institutos, principalmente no tocante à aplicabilidade da ideia de sistema no método de análise de atribuição normativa, a fim de imputar o resultado ou eximir de responsabilidade o indivíduo que deflagra determinado comportamento.
Referências Bibliográficas
ALFERES, Eduardo Henrique. Autopoiése do Direito. Âmbito Jurídico, Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7780>. Acesso em 12/01/2011.
COSTA, Flávio Ribeiro da. Os fundamentos do funcionalismo sistêmico de Günther Jakobs. Boletim Jurídico. <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1680>. Acesso em 13/01/2011.
DOMINGUES, José Maurício. A sociologia de Talcott Parson. 2ªedição. São Paulo: Annablume, 2008.
JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no Direito Penal, tradução de André Luís Callegari, São Paulo: RT, 2007.
ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal – Tradução e Introdução de Luiz Greco. São Paulo: Renovar, 2002
Advogado Especialista e Consultor Jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Marco Túlio Rios. Bases Sociológicas do Funcionalismo Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 maio 2011, 08:51. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24248/bases-sociologicas-do-funcionalismo-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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