RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo investigar dois dos mais relevantes princípios constitucionais do processo civil: o contraditório e a ampla defesa. Vistos não exclusivamente como normas abstratas, mas, sobretudo, enquanto garantias constitucionais de um processo justo e transparente, tutelados pelo artigo 5º de nossa Carta Maior. Inicialmente, aborda-se o Modelo Constitucional do Processo conceituando-o, descrevendo-o e apresentando-o como um modelo de processo oriundo da concepção neoconstitucionalista à luz do paradigma pós-moderno do Direito que visa, sobretudo, tornar o processo um instrumento realizador de justiça superando sua feição pretérita de mero instrumento técnico. Após esta primeira análise, trabalha-se o conceito específico de Princípios Constitucionais do Processo, bem como suas acepções, suas características, origem, e amplitude normativa passando por autores, como: Robert Alexy, Ronald Dworkin, Karl Larenz, Karl Engisch, Gomes Canotilho, Willis Santiago, Luís Roberto Barroso e outros. Após esta introdução, exibe-se o princípio do Contraditório, enquanto garantia processual do devido processo legal e até mesmo enquanto parte fundamental e inseparável do próprio conceito de Processo. Mais do que isso, demonstra-se o seu caráter isonômico, ou seja, de instrumento que visa garantir a paridade de tratamento e a bilateralidade da audiência com o escopo de dar às partes as mesmas oportunidades (de fala e de produção probatória) pondo-as em uma situação de igualdade. Passa-se então ao Princípio da Ampla Defesa, abordando-o enquanto um princípio intimamente ligado ao Contraditório, tanto que compartilham o mesmo dispositivo constitucional. Ademais, expõe-se sua tutela internacional, contida em textos de altíssima relevância, tais como: Declaração Universal dos Direito Humanos (Artigo XI) e Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (Artigo 8º), textos que inclusive são incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição Federal. Assim, apresenta-o enquanto um Princípio garantidor de direitos, que tem como essência possibilitar ao acusado todas as oportunidades legalmente possíveis de se defender, bem como de provar sua inocência a fim de se evitar um processo autoritário e inquisitorial que atente contra o Estado Democrático de Direito estabelecido pela Carta de 1988. Conclui-se reiterando a feição de “realizador de justiça” inerente ao Modelo Constitucional do Processo, bem como, reafirmando o caráter garantidor dos princípios do Contraditório e da Ampla Defesa enquanto instrumentos fundamentais deste modelo. Assim, justifica-se o presente trabalho enquanto arquétipo de um modelo que visa transpor a mera instrumentalidade do processo, bem como a feição paradigmática dos princípios considerados como normas programáticas, concebendo-se assim um modelo aberto que visa à interação entre Processo e Constituição e que tem os Princípios enquanto normas que auxiliam e possibilitam a realização da Justiça.
PALAVRAS-CHAVE: Contraditório; Ampla Defesa; Modelo Constitucional do Processo.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho consiste em uma investigação filosófico-analítica que tem por objetivo apresentar dois dos mais relevantes princípios constitucionais do processo civil: o contraditório e a ampla defesa, que mais que princípios consistem em garantias constitucionais de um processo justo e transparente, tutelados pelo artigo 5º de nossa Carta Maior.
Trabalha-se o Modelo Constitucional do Processo, enquanto modelo processual pautado no Neoconstitucionalismo, movimento que surge na segunda metade do século passado e consiste na constitucionalização das normas, ou melhor, do ordenamento jurídico como um todo e que tem como escopo buscar a justiça do caso concreto dentro dos parâmetros constitucionais. Para tanto, apresenta-se os Princípios Constitucionais enquanto instrumentos que possibilitam a eficácia deste modelo.
Por fim, abordam-se especificamente os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa enquanto garantidores de um processo que respeite a paridade de tratamento entre as partes, a bilateralidade da audiência e possibilite ao acusado todas as oportunidades legalmente possíveis de se defender, bem como de provar sua inocência a fim de se evitar um processo autoritário e inquisitorial.
2. MODELO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO
Autores da fase tardia do Pandectismo alemão proclamaram nas últimas décadas do século XIX a autonomia da ciência processual e de sua categoria fundamental, o processo, entendido como relação jurídica de caráter público, com a peculiaridade de se desenvolver numa extensão temporal com a participação dos interessados.
Cravado àquele ramo autônomo do direito, no final dos anos sessenta e princípio da década de setenta do século passado, marcou-se o advento de uma virtual renovação dos estudos do Direito Processual, quando se passa a enfatizar a consideração da raiz constitucional dos institutos processuais básicos.
Os valores fundamentais, sob os quais se erigiram aquele ordenamento, passam a integrar esse mesmo ordenamento, ao serem inscritos no texto constitucional. Nos Estados Unidos, Robert Cover, Owen Fiss e Judith Resnik lançam em 1988 o primeiro manual tratando em conjunto o Processo Civil, Penal e Administrativo, o que chamaram de Sistema Processual Federal, atentando para a conexão deles com o Direito Constitucional.
Fruto do Neoconstitucionalismo e influenciado pelo paradigma pós-moderno do Direito (Pós-Positivismo Jurídico), o Modelo Constitucional do Processo surge não só como um modelo processual garantidor, que visa efetivar as garantias do texto constitucional, mas também, como um modelo que visa constitucionalizar o sistema processual, ou seja, tornar o Processo um instrumento Constitucional, fazendo-o transcender uma realidade pretérita de simples instrumento técnico, passando a assumir uma feição de instrumento realizador de Justiça. Nesse sentido, Antonio Carlos de Araujo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Candido Rangel Dinamarco afirmam que a Constituição incumbe-se em tornar o direito processual um “instrumento público de realização da justiça”, fazendo-o deixar de ser um “mero conjunto de regras acessórias de aplicação do direito material” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2009, pág. 86).
O Modelo Constitucional do Processo, ou Direito Processual Constitucional, conforme explicam Araujo Cintra, Ada Pellegrini e Candido Dinamarco, consiste “em uma colocação científica, de um ponto de vista metodológico e sistemático, do qual se pode examinar o processo em suas relações com a Constituição”, que por um lado abrange “a tutela constitucional dos princípios fundamentais da organização judiciária e do processo” e por outro “a jurisdição constitucional” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2009, pág. 85).
Em consonância com o parágrafo anterior, Willis Santiago Guerra Filho, em sua obra: Teoria Processual da Constituição, explica que há hoje, um duplo movimento em que por um lado visa-se realizar uma materialização constitucional do processo, e por outro visa-se atingir uma procedimentalização do Direito Constitucional a fim de por em prática a Constituição, como instrumento maior do ordenamento jurídico e da Justiça (GUERRA FILHO, 2007).
Candido Rangel Dinamarco, citado por Humberto Theodoro Júnior, em seu artigo Constituição e Processo, afirma que é “indispensável que cada processo produza os resultados substanciais que melhor atendam à justiça do caso concreto” fazendo valer os valores sociais de alta magnitude, ou seja, aqueles valores mais consagrados na consciência da coletividade, que segundo o consagrado autor, “no Estado Democrático de Direito, se confundem basicamente com as garantias e direitos fundamentais tutelados na Constituição” (THEODORO JÚNIOR, 2009, pág. 240). Nesse sentido José Roberto dos Santos Bedaque, também citado por Theodoro Júnior, afirma que é insuficiente, ou melhor, de nada serve o processo regular determinada matéria, se ele não o fizer em consonância com os princípios e valores constitucionais pelos quais é regido (THEODORO JÚNIOR, 2009).
Italo Andolina e Giuseppe Vignera, discorrendo sobre o Modelo Constitucional do Processo afirmam que “as normas e princípios constitucionais que dizem respeito ao exercício jurisdicional, permitem ao intérprete delinear um verdadeiro e adequado esquema geral do processo” que, segundo os doutrinadores italianos, possuem três características fundamentais: a expansividade, que garante a idoneidade para que a norma processual possa expandir-se para microssistemas, sempre guardando deferência ao esquema geral de processo; a variabilidade, que se traduz na possibilidade da norma processual se especificar e assumir forma diversa em função de característica específica de um determinado microssitema, sempre guardando deferência a sua base constitucional; e a perfectibilidade, que consiste na capacidade do modelo constitucional se aprimorar e criar novos institutos através do processo legislativo, sempre guardando deferência ao esquema geral (ANDOLINA, VIGNERA, 1990).
Especificadamente sobre Modelo Constitucional do Processo Civil, Cassio Scarpinella Bueno afirma que hoje já não há espaço para uma Teoria Geral do Direito Processual Civil que não tenha origem no texto constitucional, que não seja diretamente ligada, submetida e fundamentada pela Carta Maior, portanto, conclui Scarpinella, “todos os ‘temas fundamentais do direito processual civil’ só podem ser construídos a partir da Constituição” (BUENO, 2008, pág. 159).
Conforme Scarpinella Bueno, o modelo constitucional do direito processual civil brasileiro, pode ser dividido em quatro grupos: Organização Judiciária; Funções essenciais à Justiça; Procedimentos jurisdicionais constitucionalmente identificados; e Princípios Constitucionais do Direito Processual Civil (BUENO, 2008). Neste trabalho, discorrer-se-á especificadamente sobre os Princípios Constitucionais, mormente sobre o Contraditório e a Ampla defesa.
3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO
Inicialmente há de se esclarecer que neste artigo utilizar-se-á uma visão neoconstitucionalista acerca dos Princípios, fundada nas ideias dos renomados juristas Ronald Dworkin, Gomes Canotilho, Robert Alexy, Karl Larenz, Karl Engisch, Luiz Roberto Barroso e Willis Santiago, ignorando-se assim a clássica visão positivista dos não menos renomados H.L.A. Hart e Hans Kelsen.
Gomes Canotilho agracia-nos com um excelente conceito de Princípios Constitucionais. Segundo o renomado constitucionalista, “consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional”. (CANOTILHO, 1995, pág. 171).
Nucci, por sua vez, pondera que estes princípios possuem diversas funções, tais como: Expor as valorações e motivações políticas fundamentais que levaram o legislador constituinte a elaborar a Constituição; Orientar a produção legislativa ordinária, atuar como garantia direta aos cidadãos, ou seja, servir como fonte normativa direcionada diretamente ao caso concreto; e auxiliar na interpretação e integração da legislação infraconstitucional com a Constituição (NUCCI, 2008).
Em relação à aplicação dos princípios frente aos casos concretos, ou seja, em relação à imperatividade normativa do princípio, afirma Dworkin que os princípios possuem uma dimensão que avalia o peso, a importância, a relevância frente ao caso concreto, diferentemente das normas, que se aplicam pautadas em um critério de tudo-ou-nada. Assim, quando “os princípios se intercruzam, aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força normativa de cada um” (DWORKIN, 2002, pág. 42). Nesse sentido, Willis Santiago em análise à teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy, afirma que há a necessidade de se sopesar os princípios, além da mera subsunção dos fatos às normas, principalmente quando o caso concreto necessita de uma interpretação à luz da Constituição, tudo isso dentro de um critério de proporcionalidade (GUERRA FILHO, 2007, pág. 101). Pondera ainda o consagrado autor brasileiro que...
...os princípios jurídicos fundamentais, dotados também de dimensão ética e política, apontam a direção que se deve seguir para tratar de qualquer ocorrência de acordo com o direito em vigor caso ele não contenha uma regra que a refira ou que a discipline suficientemente (GUERRA FILHO, 2007, pág. 254).
Nesse sentido, o próprio Alexy afirma que:
Princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, exigência de sopesamento, decorre da relativização em face das possibilidades jurídicas. Quando uma norma de direito fundamental com caráter de princípio colide com um princípio antagônico, a possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do princípio antagônico. Para se chegar a uma decisão é necessário um sopesamento... (ALEXY, 2008, pág. 117).
Por sua vez, Karl Larenz afirma que o direito pode se desenvolver superando o simples texto legal-positivo, ou seja, as regras jurídicas ordinárias, o que ele chama de Direito Superador da Lei, porém tal desenvolvimento tem de estar em consonância com os princípios gerais de direito e com a “ordem de valores” constitucionais, tratando-se assim “de um desenvolvimento do Direito certamente extra legem, à margem da regulação, mas intra jus, dentro do quadro da ordem jurídica global e dos princípios jurídicos que lhe servem de base” (LARENZ, 1997, pág. 588 - 590).
Em sentido semelhante, Karl Engisch, em Introdução ao Pensamento Jurídico, afirma que existem princípios de direito que não dependem de positivação para existir, pois estão acima da lei, por isso pertencem ao Direito Supralegal, verbi gratia, o princípio da igualdade, que não necessita estar posto em um texto legal para ter validade. Segundo Engisch, aquele que aplica o direito, o magistrado, tem o poder, ou até mesmo o dever, “de declarar inválida, ou então corrigir, qualquer estatuição positiva no caso de ela estar em contradição com o Direito Supralegal” (ENGISCH, 2001, pág. 326 - 327). Engisch cita, a título de exemplo, alguns destes princípios, como: princípios supremos da justiça, do bem comum, do Direito justo, da moralidade etc. A partir desses exemplos, nota-se a preocupação do autor de que o Direito deve focar-se na Justiça, ou em outras palavras, deve tê-la como escopo fundamental.
Após esta breve análise dos textos de Engisch e Larenz, nota-se que os princípios a que eles se referem, comumente, estão presentes nas Constituições, pois se tratam dos mais elevados e valorados princípios do Direito, que já se consagraram há muito tempo, entretanto não possuíam efetividade factiva, que é o que se pretende atingir com as suas teorias (LOPES, DOS SANTOS, 2010).
Por fim, vale ressaltar, como nos ensina Barroso, que os princípios possuem um status muito maior do que o de meras disposições axiológicas, éticas, sem aplicabilidade jurisdicional. Para ele os princípios possuem status de norma jurídica, e entre os princípios e as regras jurídicas não há hierarquia. Para Barroso, os valores sociais mais relevantes “materializam-se em princípios, que passam a ser abrigados na Constituição, explicita ou implicitamente”. Em sua evolução histórica, alguns já constavam na Carta Maior, porém, também, evoluíram e em alguns casos “sofreram releituras e revelaram novas sutilezas, como a separação dos Poderes e o Estado democrático de direito”. Há também, os novos princípios, que foram incorporados recentemente, ou pelo menos, “passaram a ter uma nova dimensão, como o da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da solidariedade e da reserva de justiça” (BARROSO, 2001, pág. 20).
Nesse sentido percebe-se que, no Pós-Positivismo, a norma anteriormente enquadrada apenas nas regras, cede espaço agora também para os princípios. Nessa nova maneira de ver o Direito a norma passou a ser gênero, do qual são espécies: princípios e regras. Princípios têm força atual de comando, deixando de ser apenas um objetivo político ou um instrumento informador. Assim, estudar-se-á, a partir deste momento, dois dos principais Princípios do Processo Civil à luz da Constituição brasileira: o Contraditório e a Ampla Defesa.
4. O CONTRADITÓRIO
Na Constituição brasileira o Princípio do Contraditório é tutelado no inciso LV, de seu Art. 5º., que traz o seguinte dispositivo: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são garantidos o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
O Princípio do Contraditório, também identificado como o Princípio da Paridade de Tratamento ou Princípio da Bilateralidade da Audiência, conforme explicam Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, consiste na garantia constitucional de que é necessário dar-se a parte ré a possibilidade de conhecimento do pedido que corre em juízo em seu desfavor, bem como, “dar ciência dos atos processuais subseqüentes” a ambas as partes, aos terceiros interessados e aos assistentes e, também, “garantir possíveis reações contra decisões, sempre que desfavoráveis” (WAMBIER; TALAMINI, 2008, pág. 82). Ponderam ainda, que este princípio está intimamente ligado ao Princípio da Ampla Defesa e ao Princípio do Duplo Grau de Jurisdição.
Francesco Carnelutti por sua vez, afirma que o Contraditório é o instrumento processual que possibilita o aparecimento da verdade, pois é ele que instiga “as partes combaterem uma com a outra, batendo as pedras, de modo que termina por fazer com que solte a centelha da verdade” (CARNELUTTI, 2002, pág. 67).
Em análise ao Contraditório, o constitucionalista José Afonso da Silva afirma que, tal princípio é “pressuposto indeclinável de realização de um processo justo”, sem o qual a apreciação judicial é ausente de valor. Pondera ainda, que a natureza processual do Contraditório, encontra-se na regra: audiat altera pars. Segundo tal regra, deve-se dar ciência a cada litigante “dos atos praticados pelo contendor, para serem contrariados e refutados” (SILVA, 2009, pág. 154).
O processualista Edílson Mougenot Bonfim afirma ser o contraditório “uma garantia conferida às partes de que elas efetivamente participaram da formação da convicção do juiz”, ou seja, não basta dar ciência às partes de cada ato praticado, faz-se necessário que elas tenham participação ativa em cada um desses atos no decorrer do processo. Assim, é primordial que o juiz de igual oportunidade às partes de se manifestarem, para que então, ele possa proferir uma decisão. Mougenot pondera ainda que em respeito ao princípio da igualdade, deve-se assegurar as partes não só a igual oportunidade de se manifestarem, mas também, “iguais direitos de participar da produção da prova e de se manifestar sobre os documentos juntados e argumentos apresentados pelo ex adversu ou pelo juiz” (BONFIM, 2010, pág. 73-74).
Nesse sentido ponderam Araujo Cintra, Ada Pellegrini e Candido Dinamarco que o contraditório é composto por dois elementos essenciais: a informação e a reação. Para os consagrados processualistas, o juiz só pode proferir uma sentença através de um processo dialético, formando ele sua síntese através da “soma da parcialidade das partes (uma representando a tese e a outra a antítese)”, devendo ser consideradas inconstitucionais as normas que não respeitem o contraditório (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2009, pág. 61-63).
Em sua Teoria Processual da Constituição, Willis Santiago lembra-nos que a mais moderna doutrina italiana, representada principalmente pelos professores Picardi e E. Fazzalari, da Universidade de Roma N., em relação à natureza jurídica do processo, afirma que “o processo nada mais seria que um procedimento caracterizado pela presença do contraditório”, através do qual deve-se sempre “buscar a participação daqueles, cuja esfera jurídica pode vir a ser atingida pelo ato final desse procedimento”, portanto, conclui Santiago, “não há processo sem respeito efetivo ao contraditório” (GUERRA FILHO, 2007, pág. 28-29). No mesmo sentido, Alexandre Freitas câmara afirma que o Contraditório integra o conceito de processo, sendo que “não existe processo, onde não existir contraditório” (CÂMARA, 2004, pág. 55).
Humberto Theodoro – em seu artigo Constituição e Processo - é extremamente incisivo ao discorrer a respeito do Contraditório, afirmando que a concepção moderna do processo é “dominada pela participação ativa de seus sujeitos” e não permite que o juiz decida sem chamar com antecedência as partes para se manifestarem sobre a questão em litígio e sem conceder a elas um prazo razoável para prepararem suas alegações. Pondera ainda que não se admite a decisão de surpresa, ou seja, fora do contraditório, pois a decisão tem de ser fruto do debate entre as partes, tendo o juiz de motivar sua decisão com base nos argumentos dessas, seja em favor ou em desfavor das mesmas (THEODORO JÚNIOR, 2009, pág. 253)
Já em seu Curso de Direito Processual Civil, Theodoro Júnior afirma que é através do contraditório que se realiza “o principal consectário do tratamento igualitário das partes”, não podendo haver privilégios a nenhuma das partes. Segundo Theodoro o Contraditório é absoluto, devendo “sempre ser observado, sob pena de nulidade do processo”, porém isso não implica em uma “supremacia absoluta e plena do contraditório sobre todos os demais princípios”. Há vezes em que o contraditório tem de ceder momentaneamente a algumas medidas para que se possa dar efetividade ao processo justo, o que ocorre com as medidas cautelares ou antecipatórias, pelas quais a medida judicial é deferida em favor de uma das partes antes de a outra se manifestar. Porém isso não anula o contraditório, “mas apenas se protela um pouco o momento de seu exercício”, a fim de se garantir o acesso a justiça (THEODORO JÚNIOR, 2009, pág. 27-29).
Em consonância com Theodoro, Edílson Mougenot afirma que existem duas espécies de contraditório, sendo uma de execução imediata, que ele chama de Contraditório Real e uma de execução posterior ao momento da argumentação ou exposição probatória da parte contrária ou do juiz, que ele chama de Contraditório Diferido, entretanto há de se preencher requisitos mínimos para que o contraditório possa ser protelado. Nesse sentido, seria, por exemplo, a antecipação dos efeitos da tutela do artigo 273 do Código de Processo Civil, um caso em que se apresenta o Contraditório Diferido (BONFIM, 2010).
No mesmo sentido, Misael Montenegro Filho afirma que só se concede liminares em medidas cautelares e antecipações dos efeitos da tutela, quando o autor preenche os requisitos específicos do instituto em questão “(fumus boni juris e piriculum in mora, na cautelar, e prova inequívoca da verossimilhança da alegação e periculum in mora ou manifesto propósito protelatório do réu, na antecipação da tutela)” (MONTENEGRO FILHO, 2010, pág. 33).
Por fim, é importante ponderar, como nos alerta Montenegro Filho, que o princípio do contraditório não pode ser adotado de forma literal e irrestrita, pois se isso ocorresse poderia se dizer que as partes teriam direito a recursos e a atos de fala ilimitados o que implicaria em uma perpetuação do processo (MONTENEGRO FILHO, 2010).
5. A AMPLA DEFESA
Na Constituição brasileira o Princípio da Ampla Defesa está tutelado no mesmo dispositivo que o Contraditório, devido a sua essência, que os torna intimamente ligados e dependentes. Não obstante, a Ampla Defesa é tutelada especificadamente também na Declaração Universal dos Direito Humanos, em seu Artigo XI, e na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em seu Artigo 8º que trata das garantias judiciais. Como se sabe, em nosso país, por força do § 2º. do Art. 5º. da própria Constituição Federal, os Tratados e Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário complementam a legislação federal, além de que aqueles que versem sobre direito humanos, que forem aprovados no Congresso Nacional por um processo similar ao da Emenda à Constituição, serão equivalentes a elas, conforme o § 3º, do art. 5º, da nossa Carta Magna. Assim, vejamos o que dizem os artigos supracitados.
Artigo XI, da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. (grifo nosso).
Artigo 8º - Garantias Judiciais, da Convenção Americana de Direitos Humanos:
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.
3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça (grifos nosso).
Apesar de predominantemente assegurarem uma defesa de ímpeto penal, pode-se extrair de algumas disposições diversas garantias que se aplicam também ao Processo civil, como por exemplo: “a concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa”, prevista na alínea “c” do inciso 2 do Art. 8º da Convenção Americana, que garante um lapso temporal mínimo ao acusado para que prepare sua defesa. Outro dispositivo que também abrange o Processo Civil está contido na alínea “f” do artigo já mencionado, que garante ao acusado o direito de inquirir testemunhas e tê-las presentes no tribunal, bem como peritos, a fim de elucidar o caso.
Em análise ao Direito de Defesa do réu no Processo Civil, Wambier e Talamini, afirmam que o réu tem “direito de pleitear um provimento jurisdicional” que obste as pretensões do autor, sendo através da defesa que, via de regra, o réu buscará o indeferimento da ação proposta em seu desfavor. Não obstante, ressaltam que o réu não é obrigado a se defender, podendo ficar inerte ao processo, porém correrá o risco de sofrer os efeitos da revelia, que poderão ser aplicados pelo magistrado, ou seja, correrá o risco de que os fatos trazidos pelo autor sejam presumidos verdadeiros (WAMBIER; TALAMINI, 2008).
Segundo Edílson Mougenot o Princípio da Ampla Defesa consiste no direito do réu, dentro dos limites legais, oferecer argumentos em seu favor, bem como constituir prova para demonstrá-los. Mougenot pondera que tal princípio não supõe “uma infinitude de produção defensiva a qualquer tempo”, pois essa produção deve realizar-se “pelos meios e elementos totais de alegações e provas no tempo processual oportunizado pela lei” (BONFIM, 2010, pág. 75).
No mesmo sentido, Vicente Greco Filho afirma que “a lei estabelece os termos, os prazos e os recursos suficientes, de forma que a eficácia, ou não, da defesa dependa da atividade do réu, e não das limitações legais” (GRECO FILHO, 2003, pág. 56), ou seja, a lei estabelece os parâmetros para a defesa, devendo o réu, dentro desses parâmetros, produzir sua defesa, bem como as provas inerentes a ela, sendo que o resultado (condenação ou absolvição) será conseqüência única e exclusivamente de sua atividade.
Fernando da Costa Tourinho Filho afirma que em respeito ao Contraditório e mais especificamente em respeito à Ampla Defesa, deve o réu falar por último, o que não exclui a fala do autor, sempre que o réu trouxer fatos, provas, ou qualquer elemento novo ao processo (TOURINHO FILHO, 2009). Em consonância com o processualista brasileiro, Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam que o princípio do contraditório, que abrange a ampla defesa, implica no
direito de o réu intervir no processo e se pronunciar e contraditar os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o ultimo a intervir no processo (CANOTILHO; MOREIRA, 2003, pág. 206).
De forma genérica, a defesa pode ser dividida em defesa técnica e em autodefesa, conforme explica Mougenot. “A defesa técnica é aquela exercida em nome do acusado por um advogado habilitado, constituído ou nomeado” e é ela que garante a paridade de armas no processo. Já a autodefesa é aquela “exercida diretamente pelo acusado”, que se constitui pelo direito de audiência e pelo “direito de se fazer presente nos atos processuais (direito de presença)” (BONFIM, 2010, pág. 75-76).
Já Wambier e Talamini, dividem a defesa no Processo civil em: Meritória e Processual. A Defesa de Mérito consiste em uma defesa que visa atingir os fatos e/ou os direitos trazidos pelo autor, ou seja, tem como escopo “demonstrar que o autor não assiste razão naquilo que postula”, podendo ser subdividida em Direta (contestação dos fatos) e Indireta (contestação dos direitos). Já a Defesa Processual consiste em uma defesa que visa romper a relação jurídica processual, ou seja, tem o escopo de atacar o processo em si. Pode ser subdividida em Peremptória (quando visa “impedir que seja proferida decisão de mérito”) e Dilatória (quando visa “protelar o momento em que venha ser exarada” a decisão). Nesse sentido, vale ressaltar que o Processo garante as duas formas de defesa, e não só uma, ou uma em detrimento da outra. (WAMBIER; TALAMINI, 2008, pág. 384 - 385).
Inocêncio Mártires Coelho, citando Rogério Tucci, afirma que a garantia da ampla defesa, segundo a concepção moderna, compreende: “o direito a informação (nemo inauditus damnari potest); a bilateralidade da audiência (contraditoriedade); e o direito a prova legitimamente obtida ou produzida” (COELHO, 1994, pág. 107).
No caso da produção probatória, com base nos ensinamentos de Bonfim, caso o juiz vede a produção de alguma prova que seja essencial para a apuração da ocorrência de um determinado fato que seja objetivamente relevante para o processo, “configura-se o cerceamento ao exercício do direito a ampla defesa”, o que gera nulidade (BONFIM, 2010, pág. 76).
De tudo isso, pode-se afirmar que o Princípio da Ampla Defesa apresenta-se enquanto um princípio garantidor de direitos, que tem como essência evitar que ocorram condenações sem direito de defesa plausível, coerente e justa, o que implicaria necessariamente em um ato autoritário e ditatorial, ferindo o Estado Democrático de Direito e solapando a Constituição Federal.
6. CONCLUSÃO
O Processo, assim como, os mais variados ramos do Direito, nas duas ultimas décadas, está passando por um processo de constitucionalização. Este processo tem como objetivo a adequação do ordenamento infraconstitucional a Constituição, bem como levar as garantias fundamentais da Carta Maior para todo o Ordenamento Jurídico.
Nesse sentido, o Processo surge como instrumento garantidor, que tem o objetivo de levar Justiça ao caso concreto, ou seja, não se trata apenas de se adequar o Processo a Constituição, trata-se de tornar o Processo um instrumento “realizador de justiça”, sob a égide da Constituição.
Os princípios constitucionais apresentam-se enquanto instrumentos processuais que visam garantir a efetividade deste processo realizador de justiça, assim como o processo apresenta-se como o instrumento garantidor da efetividade destes princípios, ou seja, trata-se de uma relação simbiótica, onde um depende do outro.
Nesse cenário destacam-se os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, que garantem o respeito à paridade de tratamento entre as partes, a bilateralidade da audiência e possibilitam ao acusado todas as oportunidades legalmente possíveis de se defender, bem como de provar sua inocência a fim de se evitar um processo autoritário e inquisitorial que atente contra o Estado Democrático de Direito estabelecido pela Carta de 1988.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Graduando do último período em Direito pela ESAMC - Uberlândia. Foi membro do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais por dois anos. Cursou Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) por um ano. Atuou como Estagiário em Direito Empresarial e Tributário no escritório Ferreira & Viola Advogados. Atualmente realiza pesquisa acadêmica sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Carlos Figueira de Melo. Possui diversos artigos publicados em Congressos Acadêmicos e Revistas Jurídicas (brasileiras e estrangeiras).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Eduardo Rodrigues dos. O contraditório e a ampla defesa no processo civil à luz do modelo constitucional do processo enquanto "instrumento garantidor de Justiça" Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 maio 2011, 09:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24252/o-contraditorio-e-a-ampla-defesa-no-processo-civil-a-luz-do-modelo-constitucional-do-processo-enquanto-quot-instrumento-garantidor-de-justica-quot. Acesso em: 23 dez 2024.
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