Resumo
Trata o presente artigo do nascimento da Criminologia enquanto ciência organizada, fazendo um apanhado histórico do seu desenvolvimento gradativo, sob o enfoque principal de um dos seus elementos: o crime.
Palavras-Chave: Criminologia e Direito Penal; Crime.
Introdução
Segundo Luiz Flávio Gomes, citando o mestre espanhol Antonio García-Pablos de Molina, a Criminologia é uma ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime, contemplado este como problema individual e como problema social, assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem delinqüente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito[1].
Consiste em uma ciência moderna, cuja primeira menção ao termo que a conhecemos reporta-se à segunda metade do século XIX, mais precisamente em 1880, empregada pelo médico e antropólogo francês Paul Topinard e posteriormente aplicada de forma abrangente pelo jurista italiano Rafael Garofalo, em sua obra “Criminologia”, de 1885. Entretanto, os primeiros trabalhos na área, datam de 1876, com a publicação do médico e cientista italiano Cesare Lombroso da sua “Frenologia – O Homem delinqüente”.
A Criminologia por seu objeto, qual seja o enfoque específico nos agentes – vítima e criminoso – e ainda por se preocupar em explicar o fenômeno de crime - que repercute em variadas esferas sociais - possui desde a sua gênese íntima ligação com diversas áreas do conhecimento humano tais quais o Direito Penal, Direito Processual Penal, Antropologia, Sociologia, Psicologia, Biologia, Vitimologia e Criminalística, utilizando-se e oferecendo métodos e subsídios interdisciplinares para a exploração do seu objeto.
Assim como toda ciência, a Criminologia é produto de construções típicas do momento histórico do seu nascimento, ou seja, surge fortemente influenciada pelas idéias em voga na Europa do século XIX, especialmente o Positivismo de Augusto Comte e o Determinismo. Em conseqüência da complexidade e da transformação das relações sociais, oriundas da Revolução Industrial, a expansão desenfreada das cidades européias foi acompanhada do agravamento de questões de ordem pública como a criminalidade, o que explica o fato da maioria dos códigos penais dos países europeus terem sido promulgados no final do século. Com isso, o crime ganha especial relevo e um novo olhar em função da intensidade das novas produções literárias, sobretudo no campo das Ciências naturais e humanas. O desafio da ciência que dava os seus primeiros passos era entender o seu próprio objeto – o crime.
A Criminologia e o Crime
O crime é tão antigo quanto a própria humanidade. Desde os primórdios, acompanha o ser humano, seja proveniente da discórdia, disputas de poder ou simplesmente impelido por questões de menor relevo social. O fato é, que sempre existiu e dificilmente será extirpado, vez que as próprias relações humanas são dotadas de falibilidade, porque assim é da natureza dos seus agentes e a sociedade ideal é utopia.
Apesar de sempre ter coexistido com o crime, a humanidade com o decorrer da sua evolução, criou medidas cada vez mais eficazes visando não a coibir a prática do crime, que como exposto é algo que se encontra em plano utópico, mas sim a proteger a vítima e oferecer meios idôneos para se tornar possível a vida e a convivência social. Primitivamente, nas sociedades mais simples, vigorava o método de solução de conflito da autotutela – em que era legítimo ao mais forte ou ao seu grupo sujeitar a vontade dos mais fracos às suas. Não existia a figura do Estado e a imposição de comportamentos operava-se exclusivamente pela força. Com o desenvolvimento da vida social, verificou-se o surgimento das primeiras atividades legiferantes, ainda que simples e as condutas sociais censuráveis passaram a ser previstas em ordenamentos e a transgressão da paz social seria cominada de uma sanção.
Assim, com o decorrer do tempo, surgiram estatutos, como o Código de Hamurabi (por volta de 1.700 a.C.), cuja marca principal era a adoção da lei de Talião (olho por olho, dente por dente), Código de Manu (por volta de 1500 a.C.), até as Leis das Doze Tábuas romanas (por volta de 449 a.C.) e o Corpus Iuris Civilis de Justiniano (por volta de 530 d.C.). Esses códigos normatizaram a realidade de cada sociedade e quase todos permitiam a imposição de morte ao agente que ferisse a paz pública. Na idade média, cada Estado novo contava com o seu ordenamento jurídico e visavam, sobretudo a proteção dos interesses da Monarquia e das classes que a apoiavam, como a Nobreza.Hodiernamente, com a configuração moderna dos Estados Modernos, cada qual conta com legislação própria para o combate à criminalidade e a atribuição de valor social a cada bem jurídico, varia de cultura para cultura, processo oriundo de longo processo de evolução de cada povo.
Por mais que o crime tenha sempre existido, o interesse em aprofundar nos estudos das suas causas é relativamente recente, datando conforme já mencionado de fim do século XIX. Esse período de importante crescimento científico da humanidade, pós Revolução Francesa, marcou a transição da ideologia absolutista e teocêntrica para a antropocêntrica, começando o ser humano a se focar no estudo dos fenômenos em que figura diretamente. Foi nesse contexto que surgiu a Criminologia como ciência interdisciplinar, dotada de princípios e objetos bem específicos, visando, sobretudo a compreender o crime, sob os aspectos de seus agentes e da sociedade.
O conceito de crime não é fechado e sua compreensão passa pelo estudo de diversas áreas do conhecimento humano, mas pelo enfoque do presente artigo, restringiremos às suas definições jurídicas. Para Pimentel[2], crime é uma conduta (ação ou omissão contrária ao Direito, a que a lei atribui uma pena. Para Petrocelli[3] é l´azione vietata dal diritto con la minacia della pena. Duas expressivas correntes doutrinárias no direito brasileiro buscam definir crime: a causalista e a finalista. Para a primeira crime é todo fato típico, antijurídico e culpável e para a segunda a culpabilidade não é elemento do crime, mas sim pressuposto para a aplicação da pena.
A Criminologia Clássica surgiu com o intuito de explicar as causas do crime. Abarcava três escolas: a Escola Clássica, a Positivista e a Sociologia Criminal[4]. Para a primeira corrente o crime é produto de uma escolha racional e deliberada do agente que, avaliando os riscos da sua atividade, os assume para si e pratica a conduta delituosa. Nesse contexto, a pena teria caráter punitivo e necessário para a repressão da criminalidade. Tem como principal defensor Beccaria. A principal crítica que se faz atualmente a essa teoria é que a erradicação das causas do crime não leva a sua extinção, como o fato de se extinguir maternidades não impede a natalidade de crescer.
Para a segunda corrente (Escola Positivista), que tem como principal divulgador Lombroso, o comportamento humano criminoso não é fruto de livre-arbítrio ou escolha deliberada e premeditada, mas sim de características inatas a própria pessoa do criminoso. Assim, o estudo do crime deveria se pautar na figura do criminoso, estudando-o para se chegar a uma solução definitiva para a criminalidade. Para seus adeptos, a aplicação de pena seria inócua, vez que a atividade criminosa é uma doença e como tal deveria ser tratada. Essa corrente é bastante estudada atualmente, sobretudo sob o prisma de três vertentes: a vertente Bioantropológica, que condiciona o comportamento criminoso do agente à sua predisposição, estrutura orgânica; a vertente Psicodinâmica, que sugere que o comportamento criminoso tem o seu nascedouro em desvios no processo de socialização e de aprendizado do agente e por fim a vertente Psico-Sociológica, que enfoca o estudo do comportamento social do agente.
A Sociologia Criminal, por seu turno, busca explicar as causas do crime no próprio seio social. Para os seus adeptos a própria sociedade cria condições favoráveis ao surgimento do crime e somente uma mudança em seu germe seria útil ao controle da criminalidade. Atualmente o enfoque a essa corrente se faz pelo estudo de três teorias: a Teoria da Desorganização Social, que sustenta que a criminalidade é oriunda da própria ruptura dos mecanismos sociais de controle ao crime, como os valores familiares; a Teoria da Subcultura Delinqüente, que estabelece que a criminalidade germina a partir da conscientização moral que torna imperativa a conduta delituosa e por fim a Teoria da Anomia que descreve o crime como algo normal e intrínseco ao funcionamento do sistema.
Hodiernamente, o estudo da natureza e das causas do crime é multi, inter e transdisciplinar, envolvendo desde aspectos sociais, até a própria conduta da vítima, que de acordo com a Vitimologia, ciência com grande afinidade com a Criminologia, algumas pessoas ou grupos, como os homossexuais e as prostitutas estão mais predispostos a serem vítimas de crimes do que outros, em razão da sua condição e o seu comportamento pode favorecer a atuação de criminosos. Grande volume de pesquisas, ainda, se concentra em aspectos genéticos, buscando explicar que o comportamento criminoso é resultado da manifestação de sua estrutura genética e ainda merece atenção o tartamento social conferido ao crime, sobretudo à pena, que na maior parte das legislações hoje é vista não como uma sanção, mas meio de ressocialiazação do agente, preparando-o o Estado para reintegrá-lo ao seio social.
Conclusão – Crime: Acepção e Paradigmas
Conclui-se do exposto, que a Criminologia como ciência com campo de atuação delimitado, estruturada e sistematizada é um fenômeno novo, com ampla ligação com vários ramos do conhecimento humano e que ainda hoje sofre intensas mudanças, vez que seu próprio objeto tem cerne e abordagens em diversos aspectos e está muito longe de haver um consenso quanto a sua causa e efeito. O crime hoje assola desenfreadamente a população mundial e por isso seu estudo cada vez mais ganha relevância e destaque. A mudança dos paradigmas no seu conceito é objeto da evolução histórica humana, daí a conclusão de Sykes[5]: “Ao estudar o crime devemos ter consciência de que as descobertas científicas, normalmente consideradas como impessoais e objetivas, trazem invariavelmente consigo a marca do tempo e do lugar.”
Embora a maioria das definições possua o inconveniente de não apreender todos os elementos que cercam o seu objeto e constantemente pecam pela omissão ou pela rápida perda da sua eficácia pelo dinamismo tão comum às ciências modernas, propomos aqui, modestamente, baseado em estudos de grandes doutrinadores e pelo exposto, uma acepção jurídica quase unanimemente aceita para crime: toda conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva, contrária a lei, dirigida a uma finalidade ou com inobservância do dever objetivo de cuidado, capaz de, por si ou por meio de elementos conexos, violar um bem tutelado pelo direito, causando dano a terceiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
· CALHAU, Lélio Braga. Resumo de Criminologia.Ed.6. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, 158 p.
· DE MOLINA, Antonio García-Pablos e GOMES, Luis Flávio. Criminologia. Ed.7. São Paulo: RT, 2010, 510 p.
· JUNIOR, Edison Miguel da Silva. Teorias Criminológicas sobre o Problema do Crime. Texto Publicado na Revista do Ministério Público do Estado de Goiás, ano 9, nº 12, p-59-62, abr.2006.
· MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. Volume 1.Ed.5 Revista e Ampliada. São Paulo: Atlas S.A, 1990.
· MACHADO, Luiz Alberto. Direito Criminal: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.
[1] Tratado de Criminologia, 1999, p.43 e ss.
[2] Mirabete, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. Volume 1. 5ª Edição Revista e Ampliada. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1990. Pág. 96.
[3] Machado, Luiz Alberto. Direito Criminal: Parte Geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. Pág. 78.
[4] Edison Miguel da Silva Jr. Procurador de Justiça o Ministério Público do Estado de Goiás. Sítio na internet: www.juspuniendi.net. Texto publicado na REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS. Goiânia, ano 9, nº 12, p. 59-62, abr. 2006.
[5] Citado por Edison Miguel da Silva Jr. Procurador de Justiça o Ministério Público do Estado de Goiás, em seu artigo Teorias Criminológicas sobre o Problema do Crime.
Acadêmico do curso de direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BASTOS, Gabriel Caetano. A Evolução Histórica da Criminologia e a Acepção Moderna de Crime Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 maio 2011, 00:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24300/a-evolucao-historica-da-criminologia-e-a-acepcao-moderna-de-crime. Acesso em: 23 dez 2024.
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