I. Introdução
Este artigo tem o escopo de promover uma distinção didática entre os conceitos disseminados na doutrina jurídico-tributária de imunidade tributária e isenção tributária.
A matéria sob análise alcançou um grau de maturação em que guarda pouca controvérsia doutrinária e jurisprudencial. Entretanto, a atuação judicial no âmbito tributário revela que muitos profissionais que atuam na área fazem o uso indiscriminado dos termos isenção e imunidade, mesmo em casos em que seria recomendável maior polidez técnica.
O domínio destes conceitos de isenção e imunidade, aliado à identificação das hipóteses de não-incidência de tributo, é uma importante ferramenta para operadores de direito que atuam ou pretendam atuar na área tributária com maior excelência técnica.
II. Causas de exclusão de crédito tributário
a) Natureza jurídica das imunidades tributárias
A doutrina tradicional, para a melhor compreensão das causas de exclusão de crédito tributário, utiliza-se da distinção entre as imunidades tributárias, as isenções e as chamadas hipóteses de não-incidência.
Dentre os diversos tópicos envolvidos no estudo teórico das imunidades tributárias constitucionais, a primeira questão que se impõe diz respeito à sua natureza jurídica.
Várias correntes acerca da natureza jurídica das imunidades tributárias foram formadas pela doutrina jurídico-tributária.
Destas, se destacam as que definem as imunidades como limitação constitucional à competência de instituir tributos, como exclusão do poder de tributar, e dispositivo constitucional de impedimento de incidência tributária.
As recentes correntes doutrinárias sobre a natureza jurídica das imunidades afirmam o seu caráter estrutural na fixação de competência para a instituição de tributos pelos entes estatais. Teses menos recentes afirmaram a imunidade como limitação, exclusão ou supressão à competência tributária, ou ao poder de tributar. Certo é que as novas formulações teóricas dominantes foram construídas sobre as anteriores, buscando corrigir-lhes a técnica[1].
Destas lições é possível perceber que a maioria dos estudiosos vincula o instituto jurídico da imunidade tributária às noções de competência constitucional para a instituição de tributos.
b) Hipóteses de não incidência de tributo
A discussão de maior interesse na confecção deste artigo diz respeito à análise da imunidade tributária em relação a outras situações em que não ocorre a incidência tributária.
Inicialmente, cabe asseverar que a incidência de um tributo depende de um fato previsto em lei. Realizado tal fato, há a possibilidade concreta do surgimento do crédito tributário. Somente os fatos que se enquadrem perfeitamente na previsão legal podem gerar crédito tributário; quaisquer fatos que não se enquadrem nesta previsão não desencadeiam a relação tributária.
As hipóteses de não-incidência do tributo referem-se a fatos não-imponíveis, fatos irrelevantes para a tributação respectiva. Todo fato que não corresponde perfeitamente à previsão legal não tem o condão de induzir o surgimento de relação tributária.
Eventualmente a lei tributária expressamente esclarece que não se configura a incidência tributária para determinados casos, em que não se realiza a hipótese de incidência. A existência deste tipo de norma se justifica apenas a título exemplificativo, uma vez que em nada altera a incidência do tributo.
c) Isenção tributária x Imunidade tributária
Situação diferente ocorre quando uma lei faz ressalvas quanto ao alcance da incidência do tributo, ainda que realizada a hipótese tributária.
A própria lei que institui um tributo em razão da ocorrência de determinado fato, este de maneira ampla e irrestrita, pode excluir a incidência da exação se este fato ocorrer sob determinadas circunstâncias excepcionais. Nestes casos a hipótese tributária se realiza, mas a lei proíbe a incidência do tributo.
Os casos em que a lei infraconstitucional, ordinária ou complementar, por meio de um dispositivo específico, estabelece a exclusão da incidência do tributo em determinadas circunstâncias, caracterizam a isenção tributária.
A instituição de isenção tributária por meio de lei ordinária chegou a ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, concluiu que a instituição de isenção tributária por lei ordinária não afronta a Constituição.
“A criação de imunidade tributária é matéria típica do texto constitucional enquanto a de isenção é versada na lei ordinária; não há, pois, invasão da área reservada à emenda constitucional quando a lei ordinária cria isenção. O Poder Público tem legitimidade para isentar contribuições por ele instituídas, nos limites das suas atribuições (artigo 149 da Constituição).” [2]
O excerto colacionado deixa claro que, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as imunidades tributárias são versadas sempre no texto constitucional, enquanto as isenções tributárias são instituídas por normas infraconstitucionais.
É uníssono entre os doutrinadores que as imunidades tributárias constitucionais não se confundem com as isenções tributárias, instituídas no plano infraconstitucional.
O jurista Paulo de Barros Carvalho afirma que os institutos da imunidade e isenção são absolutamente díspares, não sendo possível traçar um paralelo entre eles:
“São categorias jurídicas distintas, que não se interpenetram, mantendo qualquer tipo de relacionamento no processo de derivação ou de fundamentação, a não ser em termos muito oblíquos e indiretos.” [3]
Tal afirmação se baseia no fato de que as imunidades tributárias, via de regra, estão fundamentadas em princípios constitucionais, enquanto as isenções tributárias prescindiriam deste alicerce. As imunidades tributárias têm sua origem em razões mais graves, sob o ponto de vista teórico, ao passo que as isenções se prestam a fazer ajustes de caráter concreto no sistema de tributação.
Daí se origina a tese da irrevogabilidade das imunidades tributárias estabelecidas na Constituição, tese esporadicamente sustentada por alguns juristas renomados.
Esta tese, bastante controversa, sustenta que a revogação de normas instituidoras de imunidades tributárias poderia violar o artigo 60, §4º, inciso IV da Constituição[4]. Seguindo este raciocínio, a supressão de imunidades tributárias seria inconstitucional.
Em contraponto a esta tese há o entendimento de que as imunidades seriam isenções tributárias qualificadas pela norma. Sob esta perspectiva a única diferença entre imunidades e isenções seria a hierarquia da norma instituidora, de forma que isenções estabelecidas no texto constitucional – imunidades tributárias – poderiam ser suprimidas, da mesma forma como as isenções tributárias propriamente ditas – as isenções infraconstitucionais.
Incontroverso é o fato que as normas que instituem isenções tributárias spodem ser revogadas, o que tornará o tributo imediatamente exigível.
"Revogada a isenção, o tributo torna-se imediatamente exigível. Em caso assim, não há que se observar o princípio da anterioridade, dado que o tributo já é existente." [5]
III. Conclusão
Esta breve exposição pretendeu delinear, com alguma objetividade, as principais características, semelhanças e diferenças entre os institutos da imunidade e da isenção tributárias, que tão corriqueiramente são objeto de discussão na atividade forense.
Exorta-se aos operadores de direito que evitem fazer o uso indiscriminado das expressões “imunidade tributária” e “isenção tributária” e atentem-se às características de cada um dos institutos, de modo a enriquecer e conferir maior polidez técnica ao debate no cotidiano forense.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• ATALIBA, Geraldo: Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, 1ª edição, São Paulo : RT, 1968
• BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, 11ª edição, Rio de Janeiro : Forense, 1999.
• BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 3ª edição, Rio de Janeiro : Forense, 1974.
• CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 15ª edição, São Paulo : Saraiva, 2003.
• CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributária, São Paulo : RT, 1981.
• HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário, 9ª edição, São Paulo : Atlas, 2002.
• MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 13ª edição, São Paulo : Malheiros, 1998.
• MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 17ª edição, São Paulo : Atlas, 2004.
[1] A maior parte destas teorias a respeito da natureza da imunidade tributária se baseia na teoria de que as imunidades constituem limitações constitucionais ao poder de tributar, de autoria do jurista Aliomar Baleeiro.
[2] ADI 2.006-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 24/09/99.
[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de ‘Direito Tributário, 5ª ed., 1991, p. 119.
[4] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(...)§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(...)IV - os direitos e garantias individuais.
[5] RE 204.062, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 19/12/96.
Procurador da Fazenda Nacional. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARTMANN, Fábio Lorenzon. Imunidades e isenções tributárias sob uma abordagem didática Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2011, 08:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24495/imunidades-e-isencoes-tributarias-sob-uma-abordagem-didatica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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