I – Introdução
O presente artigo tem por objetivo o debate quanto aos principais temas que cerceiam a matéria, como o poder normativo e o controle administrativo. Aproveitando o ensejo, a autora vem prestar homenagens àquele que mais precisamente tratou do tema, o saudoso professor Marcos Juruena Villela Souto.
II – Conceito
A preocupação em atender aos anseios da sociedade, quando do Estado do Bem Estar Social, fez com que a Administração Pública alcançasse uma enorme estrutura, o que culminou na ineficiência no atendimento do bem comum.
Passado o Estado Social, a via da regulação veio substituir a execução direta de funções do interesse público pela iniciativa privada, à luz da subsidiariedade, reduzindo-se o tamanho da máquina estatal pela via da desestatização, mas mantendo o atendimento dos fins públicos designados à Administração.
As agências reguladoras são autarquias sob regime especial, frutos da reforma administrativa do Estado, criadas com a finalidade de disciplinar e controlar atividades deixadas à iniciativa privada, tendo por características: 1) criação em lei específica; 2) independência política dos gestores; 3) independência técnico-decisional; 4) independência normativa e 5) autonomia administrativa e financeira.
A partir de decisão proferida na ADI 2.310-1, a Suprema Corte concluiu que o exercício da função de fiscalização, inerente à atividade precípua do Estado, pressupõe prerrogativas não agasalhadas pelo contrato de trabalho e, por tal razão, as atividades exclusivas do Estado, como o poder de polícia, não podem ser atribuídas a prestador de serviços submetidos ao regime celetista, mas sim pelo estatutário.
III – O poder normativo das agências
A regulação não se confunde com a função normativa, nem com regulamentação (art.84, VI da CRFB/88). A regulação apresenta um conjunto de elementos que representam uma função normativa, cujo objeto é o proferimento de normas pela própria agência, sem se confundir com o Legislativo, assim como também apresenta as funções executiva e judicante.
A agência faz normas, mas não é o Legislativo; apresenta uma função de execução da vontade da lei, sem se confundir com o Executivo e soluciona conflitos, sem ser parte do Judiciário.
À luz da doutrina de Diogo de Figueiredo, o “espaço decisório deslegalizado”, aberto pela lei para que nele sejam tomadas decisões normativas de cunho regulatório, apresenta natureza técnica complexa, ao passo que regulamentação está prevista no art.84, incisos IV e VI da Carta Magna e representa espaço decisório deixado pelo constituinte para que o Chefe do Executivo atue em determinado âmbito ou venha delegar tal atribuição.
Muitos autores não fazem distinção entre regulação e regulamentação, utilizando-se das expressões como se fossem sinônimas.
Passado este ponto, cabe ressaltar três importantes teorias acerca do poder normativo:
1Teoria da transmissão democrática – Reconhece o distanciamento do legislador em relação ao mercado que está sendo regulado. O legislador deixa a regulação para o agente que costumeiramente atua naquele mercado, desde que este atue dentro dos “standards” prefixados pela lei;
2Especialização – O legislador reconhece que o agente deve ser um notório especialista sobre o segmento regulado. Necessita da expertise do agente regulador e, portanto, abre espaço à regulação por não conseguir definir todos os parâmetros de que o mercado necessita;
3Legitimação pela participação – Num primeiro momento, não haveria possibilidade, salvo se antes de editadas, as normas regulatórias forem submetidas à consulta pública.
O professor Diogo de Figueiredo, por sua vez, empresta-lhes o caráter de “deslegalização”. Operaria uma flexibilização decisional de modo mais amplo do que fazem as técnicas de “conceito jurídico indeterminado” e “discricionariedade”.
Seria um “quadro de missão” de todo um setor confiado pela lei a um órgão, não apenas para nele realizar escolhas pontuais, mas para administrá-lo autonomamente, desempenhando uma vasta gama de decisões – normativas, executivas ou parajurisdicionais – que devam ser efetuadas para o cumprimento de uma missão legislativa.
Com base na primeira teoria, prevalece o entendimento de que os limites dos poderes regulatórios estão predefinidos na lei de criação de cada agência, para que não haja abuso ou excesso, estabelecendo-se uma ponderação entre os objetivos almejados com a criação do novo ente e a extensão dos poderes que lhe foram conferidos.
Para não se conferir um poder exacerbado, a ponto de desconfigurar a intentio constitucionem, a doutrina costuma arrolar como limites: 1) não pode o poder normativo inovar; 2) para alguns, não pode exceder ao poder regulamentar (sob pena de incorrer no art.49, V da CRFB/88); 3) não pode contrariar a Constituição e as leis (juridicidade); 4) deve observar os princípios constitucionais; 5) deve atender à razoabilidade; 6) não pode estabelecer políticas públicas; 7) deve atentar ao devido processo legal e 8) deve estar vinculado a regras técnicas.
IV – O controle nas agências
A regulação deve ser submetida aos controles: legislativo, social, jurisdicional e administrativo.
O primeiro encontra fundamento no art.49, inciso V da Lei Magna, ao estabelecer o controle pelo Congresso sobre atos normativos que extrapole os limites da delegação normativa, podendo sustar tais atos. Ademais, o Senado aprova a indicação do dirigente feita pelo Chefe do Executivo.
O controle social é feito, como o próprio nome está a dizer, pela sociedade, através das ouvidorias, audiências e consultas públicas e, até mesmo pelo próprio direito de petição (art.5º, inciso XXXIV, CRFB/88).
O controle jurisdicional ocorre a sobre a legalidade, legitimidade e racionalidade do ato normativo, já que o Judiciário, em regra, não pode imiscuir-se no mérito administrativo (analisar o interesse público eleito pelo administrador). O art.170 da Carta Magna elenca os princípios que regem a Ordem Econômica, servindo de parâmetro para a atuação do Judiciário, já que as agências reguladoras estão previstas, no mesmo Capítulo, ou melhor, no caput do art.174, consolidado.
Por último, o controle administrativo, em que se discute caber ou não o recurso hierárquico impróprio para decisões de agência reguladora. Em se tratando de afronta à legalidade, cabe o controle mediante direito de petição (art.5º, inc.XXXIV, CRFB/88 e Súmula 473, STF). No mérito, como regra, não cabe, dada a ausência de previsão legal (pas de tutelle sans texte).
Aduz a doutrina que a inexistência de hierarquia não afasta a possibilidade de controle quanto à anulação, dados os motivos expostos acima, já que o controle da legalidade sequer necessita de lei. Afinal, ato ilegal é inválido desde o nascimento.
Em Parecer, a AGU decidiu pela independência da agência, mas em casos excepcionais, como de conflito com algum órgão independente poderia. O parecerista opinou, inclusive, que pelo Decreto Lei 200/67, poder-se-ia cogitar de recurso hierárquico impróprio, já que permite a supervisão ministerial das reguladoras. A controvérsia, porém, ainda permanece no âmbito da academia e jurisprudência pátrias.
V – Conclusão
O tema “agências reguladoras” não é novo no país, mas as inovações trazidas ainda ensejam muitos debates, principalmente daqueles mais apegados ao ranço da legalidade estrita ou temerosos ao poder tido como exacerbado conferido às autarquias especiais.
Não se teve o intuito de exaurir o tema, mas apenas apontar a possibilidade das agências editar normas técnicas, sem afronta à legalidade e serem controladas pelo Ministério supervisor, sem interferir na sua autonomia (agências).
VI – Bibliografia
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2009.
VILLELA SOUTO, Marcos Juruena. Direito Administrativo em debate. Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004.
Procuradora Federal. Advogada. Especialista em Direito Público (UERJ). Aprovada em concursos públicos para provimento de cargos de advogado do BNDES (2013); advogado da Caixa Econômica Federal (2010); analista judiciário do TRE-RJ (2012); técnico do Ministério Público do Rio de Janeiro (2011); analista judiciário do TJRJ (2011); advogado da Companhia de Desenvolvimento de Nova Iguaçu (2010). Foi estagiária da Procuradoria Regional da República na 2ª Região (2006-2008). http://about.me/fabiana_coutinho
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COUTINHO, Fabiana de Oliveira. Agências Reguladoras: Principais discussões que cerceiam a matéria Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jun 2011, 21:02. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24625/agencias-reguladoras-principais-discussoes-que-cerceiam-a-materia. Acesso em: 23 dez 2024.
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