Existem no Direito Brasileiro várias formas de aquisição, para bens móveis, o Código Civil relata oito formas principais: usucapião, ocupação, do achado tesouro, tradição, especificação, confusão, comistão e adjunção. Já na aquisição de propriedade imóvel temos três espécies de aquisição, a aquisição pelo registro, pela acessão e pela usucapião (existente tanto para propriedade de bens móveis como para bens imóveis).
Focaremos neste artigo apenas a aquisição de bens imóveis pela Usucapião. A Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, entrou em vigor em 11 de Janeiro de 2003, trouxe significativas modificações no sistema jurídico a respeito de tal matéria.
A expressão “usucapião” deriva do latim usucapio, de usucapere, ou seja, tomar ou adquirir algo pelo uso. Pode ser usada no gênero masculino, como o faz o Código Civil de 1916, ou no gênero feminino como no Código Civil de 2002, sendo autorizadas as duas formas do vocábulo.
A aquisição da propriedade se dá de forma originária e derivada; se diz originária a aquisição quando a propriedade é adquirida sem vínculo com o dono anterior, de modo que o proprietário sempre vai adquirir propriedade plena, sem nenhuma restrição, faz seu o bem sem que tenha sido transferido por alguém (usucapião e acessão); a aquisição derivada decorre do relacionamento entre pessoas e o novo dono vai adquirir nas mesmas condições que o antigo dono, neste caso houve transmissibilidade de domínio por ato causa mortis ou inter vivos, ou seja, a posse foi repassada a outrem por ato ou negócio bilateral entre o antigo possuidor e o novo, ou quando a lei dispuser dessa forma, sabendo-se que ninguém pode transferir mais direitos do que tem.
Portanto, usucapião é modo originário de aquisição de propriedade; é propriedade de um bem de posse não reclamada. Assim, a posse deve ser mansa e pacífica, por um determinado tempo, preenchendo as exigências previstas na lei.
Segundo Maria Helena Diniz, professora titular de direito civil da PUC-SP:
“A posse é o fato objetivo, e o tempo, a força que opera a transformação do fato em direito... O fundamento desse instituto é garantir a estabilidade e segurança da propriedade, fixando um prazo, além do qual não se podem mais levantar dúvidas ou contestações a respeito e sanar a ausência de título do possuidor, bem como os vícios intrínsecos do título que esse mesmo possuidor, porventura, tiver" (Maria Helena Diniz, "Curso de Direito Civil Brasileiro", 17ª edição, São Paulo: Saraiva, 2002, vol. 4, pág. 144).
A propriedade deve cumprir sua função social, exigível na Constituição Federal de 1988. A função social da propriedade em geral constitui um dos princípios que orientam a ordem econômica do país, sendo ela instituição pertencente do Direito Público.
A Carta Magda traz, inovando a legislação, o artigo 182, §2º, que relata sobre a função social da propriedade urbana:
Art. 182, § 2.º: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”
Em complemento ao parágrafo citado, expõe-se o § 4º do referido artigo:
“§ 4.º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”.
O proprietário do imóvel urbano tem sempre uma obrigação de fazer, para que assim, o deu direito cumpra a função social.
No tocante à função social da propriedade rural, diz o artigo 186, da Constituição Federal:
“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
O artigo, cito à cima, relata claramente que a função social da propriedade rural caracteriza-se, quando houver aproveitamento e utilização dos recursos naturais, preservação do meio ambiente etc.
O intuito da usucapião é beneficiar quem faz bom proveito do bem, protegendo, o ordenamento, esse indivíduo que passou um período da sua vida utilizando dessa propriedade de maneira que atendesse a tão citada função social, enquanto o “legítimo” proprietário ficou inerte e nem o pôs para outra pessoa utilizá-lo.
Mas não é tão simples assim, adquirir uma propriedade de outrem, pela usucapião. O direito brasileiro prevê, como requisitos inerentes à aquisição, capacidade do possuidor; a propriedade não pode ser coisa fora do comércio e nem bem público (res habilis); o posseiro deve agir com boa-fé, ou seja, ignorando obstáculos e vícios; deve ele também, possuir justo título; e mais dois elementos essenciais para a aquisição são: a posse e o decurso de tempo. A posse é o próprio exercício de fato, como usar, gozar e fruir, que são elementos específicos da propriedade, essa posse vem acompanhada do animus domini, ou seja, o posseiro exerce a posse como se dono fosse, devendo ela ser mansa e pacífica. O tempo é fixado em lei, para cada espécie de usucapião, onde a posse é contínua e ininterrupta.
De acordo com o tempo fixado em lei, defini-se as espécies de usucapião para bens imóveis. São elas:
Usucapião Extraordinária: o indivíduo exerce posse mansa, pacífica e ininterrupta, sem oposição do proprietário por um período de 15 anos, contendo, a posse, a animus domini, ou seja, a intenção de dono. Se o possuidor estabelecer moradia habitual no imóvel ou produzir nele, este prazo será diminuído para 10 anos. Neste caso não é necessário o justo título e a boa-fé, não sendo requisito nesta espécie. Após passado esse prazo exigido, o possuidor pode requerer em juízo o título, comprovante do direito de propriedade, sendo tal título suficiente para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Usucapião Ordinária: aqui a posse também é mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini, porém, derivada de um título, ou seja, ocorreu um negócio jurídico, onde o possuidor acreditou ser proprietário do bem. Posse, portanto, exercida de boa-fé com justo título, por um período de 10 anos. Prazo este que se subtrairá para 5 anos, se o imóvel foi adquirido onerosamente, sendo o registro no cartório base para tal alegação.
Usucapião Especial Urbana: Conhecida também como pro morada, o possuidor segue os mesmos requisitos das duas espécies anteriores (posse mansa, pacífica, ininterrupta, exercida com animus domini), sendo acrescidos outros requisitos como, não ser proprietário de imóvel urbano ou rural e utilizar a coisa como sua moradia ou de sua família. A área urbana não deve ultrapassar 250m², contendo edificação do invasor para estabelecer sua morada, tendo por prazo 5 anos. A boa-fé se presume e o justo título não é exigido.
Usucapião Especial Rural: Também chamada de pro labore, nesta modalidade de usucapião, a posse deve estar fixada em zona rural, com área não maior de 50 hectares, por 5 anos ininterruptos, sendo exigido que o invasor produza na terra (pecuária, agricultura ou agroindústria) e fixe morada para si e sua família. Não admite-se que o possuidor seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, devendo possuir como sua a coisa, através de posse mansa e pacífica; não exigi-se prova de justo título e a boa-fé é presumida.
Importantíssimo salientar que em se tratando de contagem de prazos, o possuidor, em qualquer espécie de usucapião vista à cima, pode somar a posse de seu antecessor à sua posse contanto que todas sejam contínuas e pacíficas. Os vícios da posse também se transmitem, portanto a posse anterior se for violenta, clandestina ou precária, tais vícios, entre outros se transmitem para o possuidor derivado.
AÇÃO DE USUCAPIÃO: Tem legitimidade para propor a ação o possuidor, porém não necessariamente deve ser ele, pois, pode passado o prazo, ele ter sido despojado da posse, mas nada impede de acionar o judiciário e buscar sua pretensão, o direito de propriedade.
A competência para julgar tal ação, em regra, é da Justiça Eleitoral, porém pode ocorrer casos de interesse da União, onde a competência passa a ser da Justiça Federal.
A sentença é somente para confirmar o direito do possuidor, é meramente declaratória, ela valerá para todos e não mais será possível reivindicar o bem usucapido.
Universitária do Curso de Direito da Universidade de Ribeirão Preto
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BAZAGLIA, Marcela Ferreira Calestini. Aquisição da propriedade pela usucapião Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2011, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24659/aquisicao-da-propriedade-pela-usucapiao. Acesso em: 23 dez 2024.
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