Resumo: discute a aplicação de responsabilidade objetiva a clubes e dirigentes por atos de desordem provocados por torcedores dentro de campo, integrantes ou não de torcidas organizadas e questiona as punições por ausência de policiamento.
Palavras-chave: invasão – praça de desporto – torcida – desordem – arremesso de objetos – torcida organizada – segurança pública – polícia – prevenção – controle – requisição – vida – integridade física – saúde – liberdade individual – obrigação solidária – munus público.
Fato não incomum, infelizmente, que envolve o espetáculo esportivo são as violações ao curso normal da partida, em atitudes de desordem do tipo invasão de campo.
Torcedores mais apaixonados, no sentido positivo da expressão, transpõem os obstáculos físicos de proteção de campo e nele penetram para reverenciar, abraçar e externar seu sentimento pelo time ou por um atleta em especial.
No sentido negativo da paixão, ocorre também a invasão para agredir um integrante da equipe de arbitragem, treinador, jogador do time adversário ou até da mesma torcida.
O ato de agressividade, às vezes, se efetiva com lançamento de objetos – rádio - telefone celular – pequenas baterias eletrônicas – peças de calçado etc - que podem efetivamente lesar a integridade corporal do atleta, parte mais visada nesses casos. Outros arremessos são feitos com finalidade de provocar dano moral, como bananas, em atitude que possui, inclusive, conteúdo de preconceito racial ou de cor[1].
Indubitavelmente os acontecimentos descritos e outros similares são profundamente lamentáveis, em todos os sentidos, seja porque provocam solução de continuidade do jogo ou porque ofendem física e moralmente os seus alvos.
As regras, porém, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva[2], que devem regular e reprimir tais condutas antissociais, se afiguram excessivamente rigorosas e inadequadas, posto que atribuem aos clubes responsabilidade objetiva por ato individual de qualquer torcedor, da seguinte forma:
Art. 213 – Deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir:
I – desordens em sua praça de desporto;
II – invasão de campo ou local da disputa do evento desportivo;
III – lançamento de objetos no campo ou local da disputa do evento desportivo.
Pena: multa de R$100,00 (cem Reais) a R$ 100.000,00 (cem mil Reais).
§ 1º Quando a desordem, invasão ou lançamento de objeto for de elevada gravidade ou causar prejuízo ao andamento do evento desportivo, a entidade de prática poderá ser punida com a perda do mando de campo de uma a dez partidas, provas ou equivalentes, quando participante da competição oficial.
Ora, num estádio, em qualquer jogo, em qualquer situação, com bilheteria esgotada ou não, com algumas centenas ou muitos milhares de torcedores, a obrigação de promover a ordem, como em qualquer outro ambiente em que se aglomerem pessoas, para indistinta finalidade, é do Estado. Em outras palavras, é a Polícia que tem que cuidar de atos que interfiram na chamada Segurança Pública, ou em local onde possa haver ocorrência de atitudes que violem as normas de convivência social e que agridam bens jurídicos protegidos pela Lei Penal.
Se tais condutas advierem de integrantes de Torcidas Organizadas, bem definidas como tal, pelos logotipos, pelas marcas, pelas bandeiras, pelos uniformes, pelo lugar onde estejam, somente se poderá cobrar responsabilidade da direção dessas instituições, já que se constituem em pessoa jurídica de direito privado, com diretoria, estatuto social, rol minucioso e completo de seus sócios etc. Deverão, além de desestimular tais condutas, no mínimo, indicar às Autoridades Policiais e Desportivas o nome e qualificação do malfeitor, para as necessárias providências administrativas e penais que a situação requerer.
Por acaso, o Clube mantém cadastro do universo de seus torcedores? Costumam ser centenas, milhares em campo ou milhões em todo o Estado e ao longo do país. Que espécie de controle pode exercer sobre essa massa, que não se limite às campanhas publicitárias incentivadoras da paz e do respeito aos adversários?
Soa como destoante absurdo fático, político e jurídico, que se penalize a entidade esportiva mandante por ato de desatino de qualquer pessoa que esteja no estádio para assistir o espetáculo esportivo.
De fato, prevê o Estatuto dos Torcedores[3], no seu artigo primeiro, que a responsabilidade pela segurança dos jogos é obrigação solidária do poder público, da confederação, das federações, das ligas, dos clubes, das associações esportivas, mas a mesma lei[4] especifica que o dever do clube, nesse compromisso conjunto, se restringe, pela mais elementar interpretação lógica, ao anúncio do evento e solicitação do policiamento, dessa forma:
Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts 12 a 14 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão:
I - Solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais localidades de realização de eventos esportivos. (destaque nosso).
É óbvio, também, que segurança é uma função complexa, perigosa, que exige preparo tático, uso de equipamentos diversos de proteção, defesa e contenção, que deve ser exercida por quem detenha competência legal e técnica como a Polícia. Aliás, propositadamente se usa o termo Polícia sem adjetivos, podendo englobar suas mais diversas acepções de Federal, Militar, Civil e até a Guarda Municipal, posto que todos integram o texto constitucional, no artigo 144[5], que trata de segurança pública.
A Polícia, sim, como agência estatal, tem obrigação indelegável de promover a segurança e manter a ordem em qualquer lugar, em qualquer situação onde exista probabilidade de dano aos bens jurídicos mais importantes do cidadão como a vida, saúde, integridade corporal, liberdade individual, patrimônio, garantidos, na formatação do Estado Democrático de Direito, pela nossa Carta Magna[6]. Incumbe-lhe, do mesmo modo, o dever de investigar e apontar autoria das infrações acontecidas no interior das arenas esportivas, como se discute.
Do Estado, em verdade e cabalmente, é que se devem cobrar as ações efetivas no sentido de assegurar a paz social e manutenção da ordem, susceptível, Ele, sim de responsabilização objetiva, independente de dolo ou culpa, pelos desvios de conduta de seus agentes.
Afinal, quem deve lidar com as câmeras de filmagem que por determinação legal[7] têm que existir dentro e no entorno dos estádios? Quem vai proceder busca e revista pessoal nos torcedores que acessam a praça de esportes? Quem vai conter os conflitos físicos que podem ocorrer entre integrantes de torcidas? Quem vai prevenir e reprimir a utilização indevida de fogos de artifício e engenhos pirotécnicos, pelo risco que proporcionam, nos locais das disputas? Ninguém mais que a Polícia...
Forçoso convir, por isso, que as atividades que se caracterizem como de segurança pública, são papel institucional da Polícia, não podendo, em sua essência, serem cobradas, em qualquer hipótese, dos clubes ou de seus dirigentes, que devem exercer a sua parte exclusivamente no que tange à comunicação do evento e solicitação da cobertura policial, pelo que, em face de sua omissão poderão ser responsabilizados se vierem a ocorrer invasão de campo, arremesso de objetos ou qualquer outra espécie de desordem.
É sabido, também, que a Polícia, até ela, por vezes alega indisponibilidade ou insuficiência de efetivo para atendimento à demanda esportiva, justificando sua ausência ao local da partida, pelo que os Tribunais não podem e nem devem punir os clubes que, certamente, cumpriram a tarefa de requisitar a segurança ou, até, indo mais longe, convocam e recebem a Guarda Municipal para incumbência desse papel.
Punir indiscriminadamente as entidades esportivas e seus gestores, por atuações que refogem à sua competência institucional, além de não se afigurar como exercício do bom direito se apresenta como um fragoroso desvio de finalidade da prestação jurisdicional.
*LOPES, João. Delegado de Polícia (apos) – Mestre em Administração Pública/FJP - Especialista em Criminologia, em Direito Penal e Processual Penal – Professor do Centro Universitário Metodista de Minas.
[1] BRASIL, Código Penal Brasileiro – artigo 140, § 3º
[2] BRASIL, Resolução/CNE nº 29, de31 de dezembro de 2009.
[3] BRASIL, Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003.- Estatuto do Torcedor
[4] BRASIL, Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003 – Estatuto do Torcedor
[5] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil
[6] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º.
[7] BRASIL, Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003 – Estatuto do Torcedor, artigo 18.
Delegado de Polícia (apos). Mestre em Administração Pública/FJP - Especialista em Criminologia, Direito Penal e Processual Penal - Professor do Centro Universitário Metodista de Minas - Assessor Jurídico da Polícia Civil. Auditor do TJD/MG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, João. Justiça Desportiva: Invasão de Campo - Arremesso de Objetos - Desordem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2011, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24801/justica-desportiva-invasao-de-campo-arremesso-de-objetos-desordem. Acesso em: 23 dez 2024.
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