1. Objetivo do Trabalho
O presente trabalho tem como objetivo relatar os aspectos normativos, nacionais e internacionais, relativos à proibição da importação de pneus recauchutados, bem como adentrar na legalidade ou não de tal prática, como forma de garantir a proteção da saúde e do meio ambiente.
2. Breve Relato do Caso
O caso em questão procurou abordar a proibição, por parte do Brasil, de importações de pneus recauchutados. Referida política encontra fundamento na Portaria n° 08/00 do DECEX (Departamento de Comércio Exterior) do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento.
Contudo, embora houvesse tal óbice, o Poder Judiciário vinha autorizando a entrada de pneus usados e reformados por meio de liminares, sob a alegação de que não havia uma norma legal que proibisse esse tipo de comercialização e, apenas no ano de 2005, permitiu a entrada de 10,5 milhões de pneus previamente utilizados.
É sabido que a importação de pneus recauchutados e sua posterior reutilização trazem à tona diversos problemas, que podem prejudicar o equilíbrio do meio ambiente e a proteção à saúde.
Nota-se que o comércio de pneumáticos usados torna o país centro de despejo de produtos baratos, de expectativa mínima de uso, que possibilita o acúmulo de água, contribuindo para a proliferação e procriação de insetos vetores de doenças infecto-contagiosas, como a dengue e febre amarela, e que, principalmente, possuem limitações quanto a sua destinação final, pois não podem servir de aterros, nem serem queimados, já que liberam substâncias tóxicas e cancerígenas, as quais afetam o meio ambiente e o próprio ser humano.
Diante de tanta preocupação, foram criadas normas que regulassem o modo de comercialização de produtos que causassem fortes degradações ambientais. Entre elas, destaca-se a Resolução nº 258/1999, que sofreu emenda pela Resolução nº 301, obrigando a dar devida destinação ambiental a pneus novos e remoldados.
Em 1993, houve a ratificação do Decreto Legislativo nº 875, havendo a adesão do Brasil à Convenção de Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos, reconhecendo o direito de todo Estado Soberano de proibir a entrada de resíduos perigosos estrangeiros em seu território.
Entretanto, houve divergências no MERCOSUL no que tange às medidas restritivas brasileiras na importação de pneus remoldados, levando o caso, no ano de 2001, ao Tribunal Arbitral do bloco.
Outrossim, uma Associação que representa o segmento de pneus reformados da União Européia também questionou a política adotada pelo governo brasileiro, apresentando reclamação perante a OMC (Organização Mundial do Comércio), alegando descumprimento das normas previstas no GATT (General Agreement of Tarifs and Trade).
Nesse sentido, embora o art. 170[1], da Constituição Federal, estabeleça como alicerce da ordem econômica a livre iniciativa, há controvérsias na interpretação referente ao caso, em virtude do inciso VI do referido artigo, o qual vincula a atividade econômica à defesa ao meio ambiente.
3. Caso Guerra dos Pneus no Âmbito Internacional:
- BRASIL X MERCOSUL X UNIÃO EUROPÉIA (UE)
No caso da “guerra dos pneus”, importante ponto de discussão diz respeito à relação que se estabeleceu entre o Brasil, os membros do MERCOSUL e da UE.
Desde 2004 as Comunidades Européias deram início a um procedimento de exame de obstáculos ao comércio de pneus, através de uma Reclamação trazida pelo Escritório Internacional Permanente das Associações e Vendedores de Pneus Reformados (associação de comércio internacional representantes dos interesses de fabricantes de pneus reformados dentro da União Européia).
Segundo tal associação as medidas brasileiras tomadas através da Portaria nº 8 de 25 de setembro de 2000 e o Decreto Presidencial nº 3919, de 14 de setembro de 2001 são incompatíveis com a norma estabelecida pelo GATT 1994, pois discriminam produtos similares, importados e domésticos, violando, com isso, princípios como o da Nação Mais Favorecida e Tratamento Nacional, sem estarem justificadas pelas exceções do Artigo XX do GATT 1994, que trata as exceções.
O Artigo XX do GATT 1994 permite aos a prática de medidas que são contrárias ao livre comércio, como a adoção de medidas necessárias para proteger a saúde humana, animal ou vegetal, também se pode aplicar medidas que são relacionadas à conservação de recursos naturais esgotáveis, se adotadas em consonância com restrições à produção e consumo doméstico. As medidas que restrinjam o comércio internacional visando à proteção ao meio ambiente devem, ainda, observar o disposto no caput do Art. XX do GATT 1994 que proibi a adoção de medidas que constituam discriminação arbitrária e não justificada.
Após reclamação trazida ao Tribunal Arbitral do MERCOSUL por parte do Uruguai, alegando a incompatibilidade da Portaria n° 8/00, da Secretaria Brasileira de Exportação, com as normas comerciais estabelecidas para o citado bloco, o Brasil foi condenado a adaptar suas práticas comerciais aos direitos dos outros membros.
Destarte, em 2007, foi elaborada a Resolução n° 38 da Câmara de Comércio Exterior, disciplinando a importação de pneus remoldados provenientes do MERCOSUL, a qual estabeleceu quotas, limitando, assim, o número de importações de pneus recauchutados para o país.
Contudo, a proibição de importação de pneus usados por parte do Brasil foi também objeto de questionamento da União Européia na Organização Mundial do Comércio, que, em 2007, decidiu que o Brasil poderia bloquear a compra desse produto alegando razões de saúde pública e defesa do meio ambiente.
O Brasil justifica as medidas proibitivas no Art. XX do GATT 1994, pois a proibição à importação trata-se de uma medida necessária para proteger a vida e a saúde humana, animal e vegetal, também o meio ambiente.
Aduz que as multas pecuniárias aplicadas a quem importa, comercializa transporta, armazena, guarda ou mantém em depósito pneu usado ou reformado, também seriam justificadas pelo Art. XX b e d do GATT 1994. Além disso, os Arts. XXVI e XX do GATT permitem que o Brasil exclua os outros países do MERCOSUL da proibição da importação e das multas pecuniárias.
Entretanto, a decisão do órgão de solução de Controvérsias da OMC condenou as exceções criadas no Brasil para a proibição - as liminares que vinham sendo concedidas pelo Poder Judiciário, permitindo a importação de pneus para aqueles que pleiteassem, e a concessão aos membros do MERCOSUL.
O entendimento que prevalecia na OMC era: ou proibia a importação de pneus de todos ou teria de abrir o mercado completamente, pois as referidas exceções constituíam uma grande contradição, já que o fundamento da proibição era a defesa à saúde pública e ao meio ambiente.
Dessa forma, tal “discriminação arbitrária” seria injustificada, devendo o governo brasileiro alterar referida política, sob pena de sofrer represálias dos países europeus, que teriam autorização da OMC para criar barreiras a produtos brasileiros em resposta pelo não-cumprimento, por parte do Brasil, das determinações do órgão de solução de controvérsias da organização.
Dentro do mesmo contexto, afirma-se que a decisão por ora tomada pela OMC, refletiu-se nas decisões dos tribunais nacionais, pois notou-se uma minimização na concessão de liminares, onde o Supremo Tribunal Federal, deu curso à cassação e suspensão de algumas dessas decisões, onde é válido destacar-se que a fundamentação das decisões supracitadas, não foram embasadas em decisões tomadas em âmbito internacional, mas no risco de lesão à saúde, bem como o interesse público.
Percebe-se, portanto, que concretização de políticas externas e internas dos países depende intimamente de uma série de fatores nacionais e internacionais, os quais, apesar de encontrarem-se em esferas diferentes estão relacionados de tal sorte que as decisões proferidas projetam impactos em ambas.
4. A Legalidade do Bloqueio de Importações com Base na Defesa à Saúde Pública e ao Meio Ambiente
Cumpre esclarecer que as exigências da OMC para que o Brasil adequasse a sua política de importação aos princípios do comércio internacional levou à propositura da ADPF 101-03, por parte do Presidente da República, que, até o momento, foi conhecida e julgada parcialmente procedente, aguardando publicação do acórdão.
Referida propositura questionou essencialmente as conseqüências ambientais e à saúde, geradas pela importação de bens de consumo usados, dando ênfase às diretrizes constitucionais constantes no art. 170, incs. I e VI e parágrafo único, que versa pelo princípio da livre concorrência e da livre iniciativa, havendo preponderância à proteção das atuais e futuras gerações, bem como violação dos arts. 196 e 225, da CF, como garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Além disso, apregoa-se ao princípio da precaução, já que a pretensão de comercialização de pneus remoldados resultaria em mais uma preocupação ambiental futura, trazendo dejetos de outros países.
Quanto às medidas restritivas aos atos de comércio, questionou-se também a sua legalidade, em virtude de só haver validade se for feita por meio de leis e não por atos regulamentares. Tal argumentação não é cabível, pois o princípio da legalidade encaixa-se perfeitamente às normas editadas pelo DECEX, órgão competente pelo monitoramento e fiscalização do comércio exterior, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, as quais possuem aplicação imediata, principalmente, em razão do preceito contido no art. 237[2], CF.
No que tange aos aspectos internacionais, argumentou-se que a União Européia teria se aproveitado das brechas na legislação para descartar lixo ambiental, com aparato na OMC, obrigando o Brasil a recebê-lo.
Estudos comprovam que o reaproveitamento de pneumáticos usados é ínfimo e a decomposição, armazenamento e incineração exposta desses bens geram graves doenças ao ser humano e grandes riscos para o meio ambiente.
Dessa forma, com base no art. 170, inciso VI da Constituição Federal, o qual limita a atividade econômica a práticas que não prejudiquem o meio ambiente, é permitido ao Brasil proibir a importação de pneus recauchutados, tendo em vista os sérios prejuízos causados por esses bens, prevalecendo a ideia de proteção à saúde e ao meio ambiente em detrimento da livre comercialização.
5. Conclusão
No caso em tela, tem-se o conflito entre a livre iniciativa e a proteção ao meio ambiente. Ambos são garantidos tanto pela legislação doméstica quanto por regramentos internacionais, devendo-se, então, averiguar qual deve prevalecer no caso concreto.
A livre iniciativa é pressuposto de qualquer intenção de estabelecer um mercado comercial justo, sem discriminação, e é um dos Fundamentos da República (Artigo 1º da Constituição Federal) e um dos Fundamentos da Ordem Econômica (Artigo 170 da Constituição Federal).
Já o direito ao meio ambiente saudável é garantido tanto na Constituição Brasileira, como em diversos tratados internacionais, tendo em vista o alcance global dessa preocupação. No que tange aos Estados, esses têm o dever de prevenção e proteção do meio ambiente.
Destarte, ressalta-se que a proibição de importação de pneus remoldados é uma decisão que não afeta somente o mercado interno brasileiro, pelo contrário, atinge diretamente a economia dos outros países com os quais o Brasil estabelece relações comerciais.
Sendo assim, referida prática deve encontrar guarida tanto na legislação interna quanto na externa. Por isso, a proibição de importação de pneus não deve abrir exceções, em respeito aos princípios internacionais da nação mais favorecida e do tratamento nacional.
Portanto, conclui-se que a proibição de importação de pneus recauchutados sob a justificativa de proteção à saúde e ao meio ambiente é revestida de legalidade, desde que não crie exceções, tendo em vista a função limitadora da atividade econômica atribuída ao inciso VI, do art.170 da Constituição Federal, bem como as normas internacionais que garantem o Direito Internacional do Meio Ambiente.
[1] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
[2] Art. 237. A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.
Formado pelo Centro Universitário do Pará - Cesupa/2010. ós-Graduado (Especialista) em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Assessor de Juiz, Vinculado à 7a Vara de Família da Capital no Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Twitter: http://twitter.com/@Nando_Vianna09 . blog: http://veritas-descomplicandoavida.blogspot.com/ <br>e-mail: [email protected]<br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Fernando José Vianna. Direito internacional: caso da guerra dos pneus e ADPF 101-03 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jul 2011, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24880/direito-internacional-caso-da-guerra-dos-pneus-e-adpf-101-03. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
Precisa estar logado para fazer comentários.