O objeto do presente estudo jurídico consiste na abordagem de um aspecto bastante relevante do Sistema de Registro de Preços. Intentou-se, por ora, evitar digressões delongadas acerca das noções introdutórias da sistemática, posto que tema já bastante explorado pela doutrina e jurisprudência e sobre a qual já não pairam controvérsias. De qualquer modo, e para não fugir da praxe de se “começar pelo começo”, considera-se válido deixar registrado, com brevidade, algumas ideias iniciais acerca do SRP, que servem de fundamento para o foco do tema abordado.
O Sistema de Registro de Preços foi inicialmente previsto pela Lei nº 8.666/93, que dispõe do seguinte modo:
Art. 15 As compras, sempre que possível, deverão:
(...)
II - ser processadas através de sistema de registro de preços;
(...)
§ 1o O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
§ 2o Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.
§ 3o O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:
I - seleção feita mediante concorrência;
II - estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;
III - validade do registro não superior a um ano.
§ 4o A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições
(...)
A primeira norma regulamentadora foi o Decreto nº 2.743/1998, tendo sido sucedido pelo de nº 3.931/2001, que fornecendo todas as diretrizes daquela sistemática, definiu-a como “conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras”.
O SRP revela-se em sistema auxiliar, pelo qual a Administração utiliza para suas contratações (sejam as frequentes, as que ensejem entregas parceladas, seja para atender a mais de um órgão ou entidade, ou quando não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado), por meio da qual ficam anotados ou cadastrados os preços de bens ou serviços e seus correspondentes fornecedores, contratados via licitação (concorrência ou pregão), para eventual e posterior contratação, desde que o preço ofertado ainda seja o mais vantajoso para a Administração. Os cadastros dos preços e fornecedores ficam registrados em Ata própria, que tem validade máxima de 1 (um) ano e que pode ser utilizada por outros entes (os denominados “caronas”), que não aquele gerenciador da condução dos procedimentos
Tomadas essa premissas iniciais, passa-se a seguir para o estudo sobre a obrigatoriedade ou não de utilização, pelo administrador público, do Sistema de Registro de Preços nos casos em houver essa possibilidade.
Para iniciar a análise, é válido se atentar para duas previsões normativas:
a) o já reproduzido artigo 15, caput, da Lei nº 8.666/93, dispõe que as compras, “sempre que possível”, deverão ser processadas pelo SRP.
b) já o artigo 2º, caput, do Decreto nº 3.931/01 estabelece que o SRP será adotado “preferencialmente” nas hipóteses descritas em seus incisos.
Para alguns, os termos “sempre” e “preferencialmente” traduzem ideia vinculante, impositiva, obrigatória, devendo o SRP consistir na primeira opção quando a Administração intentar realizar alguma contratação (desde que dentro de certos moldes, é claro). Logo, via de regra, o Estado seria compelido a utilizar aquele Sistema, sempre que isso fosse possível.
Sob essa ótica, restaria afastada a discricionariedade administrativa quanto à possibilidade de adoção do SRP, se configuradas as hipóteses legais, ou seja, quando presentes as condições fixadas pelas normas, a utilização do SRP seria compulsória para o gestor público.
Partilhando dessa compreensão, Benedicto de Tolosa Filho1 assevera:
A correta interpretação do texto em exame [art.15, inciso II da Lei nº 8.666/93], ao contrário, revela a determinação do legislador em estabelecer o sistema de registro de preços como regra exigível, e, em casos excepcionais, a adoção de outras formas legalmente estatuídas, mediante justificativa plausível, a ser inserida no processo administrativo correspondente.
Assim, o sistema de registro de preços é a regra para a aquisição de uso freqüente. As aquisições de bens de uso freqüente, mesmo que precedidas de licitação, devem ser encaradas como exceção. (grifo acrescido)
No mesmo sentido, é a lição de J.C Escobar (sem destaque no original), para quem2:
A adoção do sistema de registro de preços para as compras públicas em âmbito federal é, em princípio, obrigatória, porque federal é a Lei nº. 8666/93. Somente quando inviável a sua prática, quando não for possível implementá-lo é que a Administração federal estará dispensada de usar o mecanismo. Com efeito, diante do preceito legal que diz deverem as compras, sempre que possível, ser processadas através de sistema de registro de preços, é forçoso concluir que somente quando a pessoa pública não conte com os recursos necessários à operacionalização satisfatória do sistema é que estará desobrigada de observá-lo. Isso porque, segundo as palavras da lei, sempre que possível, as compras deverão processar-se pelo sistema de registro de preços.
Em sentido contrário, sustentando a facultatividade da utilização do SRP, professa Bandeira de Mello3:
68. O registro de Preços é um procedimento que a Administração pode adotar perante compras rotineiras de bens padronizados ou mesmo na obtenção de serviços.
69. A Lei 8.666 refere-se ao registro de preços apenas para compras e o trata muito sumariamente, apesar de recomendá-lo no art. 15, II.
Anote-se que o Tribunal de Contas da União (TCU), embora salientasse a agilidade e eficiência do SRP, adotava um posicionamento não muito bem definido quanto a esta questão, de modo a recomendar sua utilização quando existentes uma das condições previstas na norma. Veja-se teor do voto do Ministro Relator do Acórdão nº 1.365/2003-Plenário/TCU:
22. Ademais, trata-se de um procedimento pertinente com o serviço de sinalização, ao contrário da contratação com fundamento em natureza continuada. A teor do próprio decreto que regulamenta o registro de preços, o sistema se presta a “contratações futuras” de “prestação de serviços” (art. 1º, inciso I) e “será adotado, preferencialmente”, “quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações freqüentes” ou “quando pela natureza do objeto não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração” (art. 2º, incisos I e IV). Também a Lei nº 8.666/93, ao dispor sobre o sistema, fala que ele deverá ser utilizado “sempre que possível” (art. 15), e sua possibilidade no caso dos serviços de sinalização é manifesta.
23. Embora tenha fundamentadamente defendido o seu posicionamento contrário à caracterização do serviço de sinalização como de natureza continuada, a Secob alvitrou que no momento o Tribunal somente recomendasse ao DNIT a adoção do sistema de registro de preços nas contratações dessa espécie. Uma decisão concludente acerca da inadequação da natureza continuada do serviço de sinalização ficaria para ser tomada no processo TC 013.559/1999-0, que discute sobre contratações desse tipo.
24. Sem embargo, vejo que o mencionado processo não cuidou do tema agora em questão (Acórdão 105/2001-Plenário, objeto de recurso). Por outro lado, penso que temos aqui elementos suficientes para determinar ao DNIT desde logo que se abstenha de contratar serviços de sinalização sob o fundamento da natureza continuada, recomendando-lhe a adoção do sistema de registro de preços nessas contratações, na forma do Decreto nº 3.931/2001.
Por fim, no mesmo julgado, os Ministros acordaram em:
9.1 - determinar ao Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT) que:
(...)
9.1.3 - se abstenha de contratar serviços de sinalização rodoviária sob o fundamento da natureza continuada, recomendando-lhe a adoção do sistema de registro de preços nessas contratações, na forma do Decreto nº 3.931/2001; (Tornado sem efeito pelo Acórdão 1805/2004 Plenário - Ata 44. Serviços de sinalização rodoviária podem ser considerados como de natureza contínua). sem grifo no original
Atualmente, esta compreensão vem sendo mitigada, já que recentemente, pelo Acórdão de nº 3493/2010-1ª Câmara, o Ministro Relator assentou que:
Quanto à segunda determinação recorrida (subitem 1.6.2.2. do acórdão), depreendo do Regulamento de Licitações e Contratos do Serviço Social do Comércio - SESC (Resolução nº 1.102/2006) a seguinte disposição normativa:
"Art. 33. O registro de preço, sempre precedido de concorrência ou de pregão, poderá ser utilizado nas seguintes hipóteses:
I - quando for mais conveniente que a aquisição demande entrega ou fornecimento parcelado;
II - quando, pelas características do bem ou do serviço, houver necessidade de aquisições frequentes;
III - quando não for possível estabelecer, previamente, o quantitativo exato para o atendimento das necessidades." (os grifos são meus)
A tese esposada pelo defendente no sentido de o regulamento do SESC não impor a obrigatoriedade de utilização do registro de preços, mesmo quando estão presentes as condições para a adoção do referido sistema, assenta-se, basicamente, numa interpretação estrita e literal da norma interna. A meu ver, tal exegese limitativa contraria, além da finalidade da própria norma interna do Serviço Social do Comércio, o princípio da eficiência contido no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988.
Fere o sentido telelógico da referida norma interna, além de contrariar o senso comum do administrador médio, dispensar a utilização de um sistema de aquisição de bens e serviços que se revela mais econômico e eficiente para o Sistema "S" quando estão presentes os requisitos estabelecidos nos incisos I, II e III, da Resolução Sesc nº 1.102/2006.
A melhor interpretação que se pode emprestar ao sentido da palavra "poderá", inscrita no caput do art. 33 do referido regulamento, é a de "poder-dever" de molde a harmonizar a finalidade da norma com os parâmetros diretores da Administração Pública, a reclamar uma atuação cada vez mais eficiente dos entes de colaboração. (negrito acrescido)
Isto posto, considerando-se a coexistência de entendimentos conflitantes de doutrinadores e até mesmo pela falta de consolidação do posicionamento da Corte de Contas, sendo uns defensores da obrigatoriedade, outros, da facultatividade da utilização do SRP, vislumbra-se que o mesmo é procedimento do qual se testemunha, lado a lado, experiências de sucesso e de questionamentos, haja vista a presença de pontos positivos, como a eficiência, economicidade e agilidade nas contratações intentadas pela Administração Pública, e também de aspectos ainda duvidosos, como se vê da instituição da figura do carona como ente que pode, aderindo a uma Ata pré existente, firmar uma contratação sem atender ao comando legal basilar de que as obras, serviços, compras e alienações da Administração Pública, sejam necessariamente precedidas de licitação, ressalvados os casos excepcionais (artigo 2º da Lei nº 8.666/93).
Assim sendo, mesmo que se entenda pela obrigatoriedade da adoção do SRP, como parece ser tendência na atualidade, é imprescindível que o Poder Público adote políticas eficazes para o saneamento das fragilidades apresentadas pela sistemática (existência de ações globalizadas da Administração Púbica e não isoladas, como ocorre; necessidade de maior controle da participação do carona ou saneamento de dificuldades na execução de algumas etapas, como gerenciamento dos preços e da Ata), em vista do seu grande potencial como instrumento menos burocrático e mais eficaz para o real atendimento das necessidades públicas.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Público UNb/CEAD/AGU.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Fernanda Cunha. Afinal, é obrigatória ou facultativa a utilização do sistema de registro de preços pela administração pública? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jul 2011, 09:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24902/afinal-e-obrigatoria-ou-facultativa-a-utilizacao-do-sistema-de-registro-de-precos-pela-administracao-publica. Acesso em: 22 dez 2024.
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