SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Licitação e procedimento: 2.1 Princípio da obrigatoriedade de licitação e seu caráter pétreo, 2.2 Princípio da necessidade de contratação, 2.3 Distinções necessárias, 2.4 Síntese das definições – 3. Modalidades licitatórias: licitação em sentido estrito – 4. Inadequação sintática do art. 24: 4.1 procedimento licitatório simplificado, 4.2 contratação direta – 5. Conclusão – 6. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
A atual dogmática jurídica do Direito Administrativo brasileiro adota o entendimento de que a contratação direta constitui verdadeira exceção ao princípio constitucional da obrigatoriedade de prévio procedimento licitatório nas contratações realizadas pelo Poder Público. A Carta Magna adotou a obrigatoriedade de licitação no sentido de princípio condicionado ao dispor que o conhecimento de tal fenômeno jurídico, num caso concreto, depende da inexistência de previsão legal que especifique hipóteses onde a sua realização não é devida, é o que prescreve o art. 37, XXI, in verbis:
Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
A lei 8.666/93, Lei de Licitações e Contratos Administrativos (LLC), especifica as situações em que a Administração Pública está autorizada a não realizar a licitação, seja em decorrência de sua inviabilidade (os casos de licitação dispensada – art. 17, I e II e licitação dispensável art. 24 e incisos)[1] ou por não existir possibilidade de competição (inexigibilidade de licitação – art. 26). Porém, o Estatuto Licitatório não contemplou a disposição constante do seu diploma antecessor, o Decreto-Lei 2.300/86, o qual estabelecia expressamente hipótese em que a licitação era vedada.
O instituto jurídico da contratação direta, por sua vez, é tido como a súmula que engloba os casos em que a lei prescreve a dispensabilidade ou inexigibilidade de licitação. Convém ratificar que essas hipóteses configuram uma excepcionalidade a uma regra (obrigatoriedade de licitação). Com isso, a boa hermenêutica jurídica impõe que tais normas devem ser interpretadas restritivamente.
Todavia, a LLC demonstra visível atecnia ao dispor acerca da dispensabilidade a que o art. 24 faz menção. Ao utilizar-se indiscriminadamente do termo “licitação”, o uso do instituto tornou-se motivo de incerteza e ambigüidade na prática administrativa. Ocorre, na verdade, uma inadequação sintática[2], isto é, sobre a mesma rubrica de “dispensa de licitação” encontram-se hipóteses de contratação indireta, quer dizer, mediante licitação prévia e obrigatória.
Dessa maneira, o presente trabalho realiza uma abordagem principiológica da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, analisando o atual entendimento jurisprudencial e doutrinário a respeito do instituto jurídico da contratação direta, delimitando-o com a finalidade de fornecer sua correta aplicação.
2. Licitação e procedimento licitatório
Etimologicamente, o termo “licitação” advém da construção latina “licitatio onis”, venda em leilão, como referência ao modo mais vantajoso de realizar um certame, abrindo-se ao público a possibilidade de ofertar propostas.
A lei de licitações e contratos (LLC) traz um conceito finalístico do instituto ao definir que:
Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Não obstante a esta definição trazida pela LLC, é certo que a licitação, em sua natureza jurídica, é o procedimento pelo qual a Administração Pública e os entes por ela controlados selecionam, dentre as ofertadas, a proposta que melhor agracie o interesse público. Em síntese, licitar é o meio para obter a melhor proposta.
Entrena Cuesta elucida o caráter instrumental da licitação, a qual seria a motivação de que a contratação realizada operou-se da maneira mais vantajosa possível para Administração, segundo ele o procedimento licitatório consiste num:
Conjunto ordenado de documentos e atuações que servem de antecedente e fundamento a uma decisão administrativa, assim como às providências necessárias para executá-la.[3]
Ademais, não há de confundir o conceito licitação com as suas modalidades. Esta é forma procedimental criada por lei para atender determinadas hipóteses (p.ex.: concorrência, tomada de preços, etc.), enquanto aquela é o procedimento de obtenção da proposta mais vantajosa. O conceito de licitação engloba o de suas modalidades. O procedimento licitatório não tem como pressuposto uma de suas modalidades e sim a demonstração de vantajosidade[4] na escolha da proposta, é o entendimento preconizado na prática jurídica administrativista e consolidado pelo egrégio Tribunal de Contas da União:
O processo administrativo pelo qual a Administração Pública – sem escolher uma das modalidades de licitação previstas no art. 22 da Lei n° 8.666/93 – realiza pesquisa de preços no mercado é também um procedimento licitatório, pois objetiva a contratação da empresa que oferecer a melhor proposta.[5]
Tal entendimento leva em consideração que o princípio da obrigatoriedade de licitação é, antes de tudo, um mandamento de otimização. Isto é, sua maior ou menor incidência dependerá do contexto fático. Sobre o tema Alexy nos ensina que princípios são:
normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.[6]
Destes entendimentos extraímos o postulado para o desenvolvimento deste trabalho. A licitação, no direito administrativo brasileiro, pode ser realizada por procedimentos típicos: concorrência, tomada de preços, pregão, e demais modalidades do art. 22. E também poderá ser realizada por um procedimento atípico, onde a Administração, agindo discricionariamente, realiza procedimento com a finalidade de contratar da forma mais vantajosa possível. A este procedimento atípico é cabível a nominação de procedimento licitatório simplificado.[7]
Ocorre que, por vezes, a LLC utiliza o vocábulo “licitação” num sentido mais estrito, fazendo referência às suas modalidades e, outrora, denotando meio de obtenção da proposta mais vantajosa de forma mais ampla. Em atenção a isso, o anteprojeto da nova lei de licitações e contratos é titulado de “Lei Geral de Contratações da Administração Pública” e não faz mais referência, em nenhuma linha de seu texto, ao termo licitação, e sim ao “procedimento de contratação”.[8]
Assim, julgamos prudente, para os devidos fins deste trabalho, estabelecer que o termo comporta dois níveis de significação: um amplo e outro estrito.
Licitação em sentido amplo é o procedimento de contratação para obter-se a proposta mais vantajosa, seja por meio típico (art. 22) ou procedimento licitatório simplificado. Em sentido estrito, por sua vez, seria o procedimento cujas etapas são definidas em lei e que visa à obtenção da proposta mais vantajosa, são as modalidades licitatórias presentes no art. 22 e o Pregão, instituído pela Lei 10.520/02.
Releva notar que a obrigatoriedade tratada no Texto Maior é de prévia licitação em sentido amplo. Destarte, não há de falar que viola diretamente a Constituição a utilização de certa modalidade quando a lei prescreve o uso obrigatório de outra.
Por fim, cabe ressaltar que o início de todo procedimento licitatório é marcado por um ato administrativo que tem como suporte fático a necessidade de realizar a contratação, vale dizer: não há que se contratar o que não é necessário ou em quantidade desnecessária. Usualmente a necessidade ou demanda por determinado bem, obra ou serviço é exteriorizada mediante representação contendo justificativa, vulto da contratação e modalidade procedimental que será adotada, projeto básico e projeto executivo nos casos de contratação de obras. Em seguida, encaminha-se à autoridade superior do órgão, a qual, ratificando-a, autorizará o início do procedimento, este é o ato administrativo inicial da licitação.
2.1. O princípio obrigatoriedade de prévia licitação e seu caráter pétreo.
Como dito anteriormente, é de cunho constitucional o princípio da obrigatoriedade de prévia licitação. A realização de procedimento licitatório tem o condão de prevenir, ao menos em tese, possíveis inobservâncias aos princípios norteadores da atividade administrativa: moralidade, legalidade, publicidade, etc. Marçal Justen Filho corrobora o entendimento ao afirmar que:
A Constituição acolheu a presunção (absoluta) de que prévia licitação produz a melhor contratação – entendida como aquela que assegura a maior vantagem possível à Administração Pública, com observância do princípio da isonomia.[9]
A obrigatoriedade de licitação reflete, antes de tudo, a preocupação do Estado de Direito com a gestão e a transparência dos gastos públicos. Por isso, adotamos o entendimento que defende o caráter pétreo da obrigatoriedade da licitação, o qual deriva do fato dela ter como um dos seus principais escopos o princípio da isonomia, conforme esclarecedora lição de Alexandre de Moraes:
Ora, o administrador público deve pautar-se em suas condutas na Constituição e nas leis, para garantir o princípio da legalidade e o da igualdade de possibilidades de contratar com o Poder Público. Dessa forma, exigível sempre é a realização do procedimento licitatório, com o fim de afastar o arbítrio e o favorecimento... Consoante esta interpretação, em regra, qualquer contratação, sem prévia e necessária licitação, não só desrespeita o princípio da legalidade, como vai mais além, pois demonstra favoritismo do Poder Público em contratar com determinada empresa, em detrimento de todas as demais, que nem ao menos tiveram oportunidade de oferecimento de propostas e verificação de condições, em frontal desrespeito ao princípio constitucional da igualdade (art. 5°, caput e inciso I, da Constituição Federal)[10]
No que tange a sua excepcionalidade, a própria Constituição põe a salvo os casos os casos especificados em lei. O verbo “especificar” significa indicar com precisão, descrever pormenorizadamente, dar instruções minuciosas e precisas capazes de impedir qualquer juízo ampliativo do sentido de algo.
Sobre o tema, Toshio Mukai ensina que:
Verifica-se que a Constituição de 1988 somente exige a observância do princípio da isonomia quando houver licitação; nos casos em que está for dispensável, não há falar neste princípio (“ressalvados os casos na legislação”, vem antes de “que assegure igualdade de condições...”, que, por sua vez, vem depois de “processo de licitação”).[11]
Data vênia, discordamos do entendimento do eminente doutor por duas razões. Primeiramente, é necessário levar em consideração o momento de produção da norma: o legislador constituinte a redigiu em conformidade com o sistema licitatório vigente à época (o Decreto-lei 2.300/86 – o qual prescrevia hipótese em que a licitação era proibida.), de tal forma, a “especificação” mencionada é relativa à vedação do procedimento licitatório e não à sua dispensabilidade. A segunda é que a ordem dos termos não é de grande relevância para tal exegese, a moderna interpretação das normas constitucionais é guiada por princípios de ordem instrumental (o da supremacia da constituição, o da presunção de constitucionalidade das normas e dos atos do Poder Público, interpretação conforme a Constituição, o da unidade, o da razoabilidade e o da efetividade)[12] e não apenas pela ordem das expressões textuais (interpretação gramatical).
Em decorrência, consideramos mais abalizado o ensinamento de Jose dos Santos de Carvalho Filho:
A lei de licitatória anterior – Decr. –lei nº 2.300/86 – previa, ao lado da dispensa e da inexigibilidade, hipótese de vedação ao procedimento de licitação, quando houvesse comprometimento da segurança nacional. Resulta da norma que a Administração teria que celebrar contratação direta. O vigente Estatuto, porém, não reproduziu o preceito, criado, aliás, em outro contexto jurídico, de modo que atualmente a licitação pode ser inviável (inexigibilidade), mas não haverá hipótese de vedação.[13]
Corroboramos o entendimento de que a ressalva realizada na Constituição não tem aplicabilidade na atual LLC, uma vez que a excepcionalidade ao princípio da obrigatoriedade decorre da situação concreta. A contratação direta é fruto de atividade ponderativa entre o princípio da obrigatoriedade e os demais princípios norteadores da Administração Pública em face de uma “hipótese-limite”.
2.2. Princípio da necessidade de contratação.
Em decorrência da conjugação dos diversos princípios que regem a atividade administrativa, pode-se afirma a existência de um verdadeiro princípio-axioma norteador dos gastos públicos provenientes das aquisições de obras, bens e serviços: a real necessidade de contração. À Administração Pública é vedado contratar por mero desejo ou superstição. Toda despesa deve ser realizada quando necessária. Daí a idéia da necessidade com um verdadeiro princípio-axioma regente do procedimento licitatório.
A necessidade de contratar configura um verdadeiro juízo de demanda que precede a licitação. Este juízo ocorre com o levantamento, realizado pelo próprio órgão, das necessidades de contratação: o que precisa ser contratado e em qual quantidade/qualidade. A este respeito é consentânea a lição de Marçal Justen Filho:
A mens legis consiste precisamente em impor à Administração o dever de abster-se de licitar impensadamente, descuidadamente. Caracteriza-se infração séria aos deveres inerentes à atividade administrativa a ausência da adoção das providências indispensáveis à avaliação precisa e profunda das necessidades e das soluções que serão implementadas posteriormente.[14]
Um efetivo juízo de demanda realiza-se, antes de tudo, com a sinergia entre setor patrimonial (emissor do sinal de demanda) e setor de licitações e contratos (receptor da demanda e executor do procedimento de aquisição). Àquele incube elaborar a especificação do objeto e, nos casos de aquisição de material, das unidades e quantidades a serem adquiridas, e a este incube, posteriormente, satisfazer a demanda da forma mais vantajosa possível. O próprio TCU ressaltou a indispensabilidade dessa fase prévia da licitação:
A ausência de cumprimento da fase interna da licitação inviabiliza o conhecimento integral do objeto que se pretende contratar e as estimativas de custos a ele inerentes. A realização da fase interna da licitação é condição prévia essencial à contratação, inclusive nos casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação.[15]
A não observância desta fase[16] pode acarretar: (i) aquisição de obra, bens ou serviços desnecessários; (ii) aquisição de obra, bens ou serviços em quantidade maior do que a necessária, causando dispêndios evitáveis, e (iii) aquisição de obra, bens ou serviço em quantidade inferior à necessária, não suprindo parte da demanda, haverá necessidade de realizar outro procedimento licitatório para a aquisição do mesmo bem, o que poderá resultar em fracionamento da despesa – expediente expressamente vedado pela LLC, como já advertiu a Corte do Tribunal de Contas da União:
Realize planejamento de compras a fim de que possam ser feitas aquisições de produtos de mesma natureza de uma só vez, pela modalidade de licitação compatível com a estimativa da totalidade do valor a ser adquirido, abstendo-se de utilizar, nesses casos, o art. 24, inciso II, da Lei nº 8.666/1993 para justificar a dispensa de licitação, por se caracterizar fracionamento de despesa.[17]
Infelizmente, a realidade nos mostra casos de total inobservância do princípio em epígrafe por parte da Administração Pública. Obras paralisadas tornaram-se parte da paisagem urbana em várias regiões do país, as contratações realizadas pelo Poder Público carregam o estereótipo social de “instrumento de desvio de verba pública”.
É interessante comentar, neste momento, a recém criada Medida Provisória que se encontra em tramitação no Congresso Nacional. Ela instituiu o Regime de Contratação Diferenciado (RDC), o qual transfere a responsabilidade da confecção do projeto executivo das licitações para obras destinadas à Copa do Mundo de Futebol de 2014 para as empreiteiras, tornando o processo licitatório sigiloso já que, somente ao final da obra, a sociedade terá noção dos gastos realizados.
2.3. Distinções necessárias
É de bom alvitre realizar algumas distinções entre a obrigatoriedade de licitação e necessidade de contratar. A primeira diferença é de ordem técnico-jurídica, trata-se aquele de uma norma-princípio e este de um princípio-axioma.
Além do mais, um objetiva, precipuamente, agraciar o interesse público primário e o outra o interesse público secundário ou interesse do Estado. Dentre as diversas colocações doutrinárias acerca da divisão do interesse público em primário e secundário, citaremos a síntese elabora por Luis Roberto Barroso:
O interesse público primário é a razão de ser do Estado, e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem estar social. Estes são os interesses de toda a sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica – quer se trate da União, do Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. Em ampla medida, pode ser identificado como o interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas.[18]
Tal distinção é influência do direito administrativo italiano e foi adotado pela nossa dogmática jurídica administrativista. Vale lembrar que a LLC possui, além normas que tem como requisito de validade o interesse público primário, normas que se fundamentam no interesse público secundário. Bem adverte Alice Gonzalez Borges:
(Aliás, a propósito, lembre-se que por isso mesmo teve a Lei 8.666/93 a salutar cautela de exigir, no caso da rescisão contratual ‘por motivo de interesse público’ (art. 78, XII), e no da revogação da licitação por ‘por razões de interesse público’, que a existência de tal interesse público seja devidamente justificada, demonstrada sua pertinência, e mediante parecer jurídico favorável).[19]
A observância dos princípios que regem o procedimento licitatório configura um interesse público primário em decorrência de sua indisponibilidade e de suas características exigirem a sua promoção de modo imperioso.
A necessidade de contratar, por sua vez, fundamenta-se no interesse público secundário porque envolve o gerenciamento das necessidades e gastos do órgão, tem como finalidade evitar despesas com desperdícios resultantes da contratação de bens desnecessários ou em quantidade distinta da realmente necessária.
Na oportunidade, é conveniente ressaltar uma peculiar distinção entre a obrigatoriedade de licitação e a obrigatoriedade de modalidade de licitação (licitação em sentido estrito). A obrigatoriedade de licitação é, como visto, cláusula pétrea só podendo ser modificada por outra Constituição. Por sua vez, a obrigatoriedade de licitação em sentido estrito para determinado caso concreto tem mero amparo legal, podendo ser extinta ou alterada por lei posterior, na forma do art. 2º, §2º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro:
A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
2.4. Síntese das definições
O ordenamento jurídico brasileiro impõe a obrigatoriedade de licitação em sentido amplo, a qual poder ser realizada mediante modalidades tipificadas em lei ou por meio de procedimento não previsto em lei desde que objetive a seleção da proposta mais vantajosa. Todavia o princípio da obrigatoriedade é excepcionado pelo instituto jurídico contratação direta, o qual pode decorrer de uma imposição legal ou da lógica ponderativa em face de uma situação concreta.
Com o intuito de otimizar o entendimento acerca da temática, consideramos conveniente sistematizar, de forma sucinta, as definições acima explanadas:
Licitação em sentido amplo: é princípio constitucional consagrado no inciso XXI do art. 37 da CF/88, impõe à Administração Pública o dever selecionar a proposta mais vantajosa para a contratação de obras, bens e serviços.
Licitação em sentido estrito: são as modalidades dispostas no art. 22 da Lei 8.666/93 e na Lei do Pregão, são procedimentos vinculados em que a lei define uma hipótese – quase sempre referente ao vulto econômico da contratação – e obriga o Poder Público a fazer uso de tal modalidade.
Procedimento licitatório simplificado: é o procedimento licitatório discricionário em que a Administração, não fazendo uso de uma das modalidades previstas no art. 22 da LLC, seleciona a proposta mais vantajosa.
Contratação direta: é a exceção ao princípio da obrigatoriedade em sentido amplo, pode ocorrer por disposição legal ou mediante ponderação de princípios diante do contexto fático, quer dizer, o princípio da obrigatoriedade pode ser afastado diante das peculiaridades do caso concreto em favor de outros princípios. Estando o Decreto-lei 2.300/86 revogado, não há de falar em contratação direta por imposição legal no ordenamento jurídico pátrio.
3. Modalidades licitatórias: licitação em sentido estrito.
Como já visto, o caput do artigo 3º estabelece o objetivo da licitação ao prescrever que:
A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Evidencia-se que o fim almejado pelo instituto é principiológico. Desta forma, como preceitua os postulados da ponderação, os princípios não se excluem, convivem de forma harmoniosa entre si, estando a sua maior ou menor incidência condicionada às peculiaridades do caso concreto. Com isso, a escolha de como proceder a licitação, quer dizer, sua modalidade, irá variar de acordo com a situação de fato.
A princípio tal ponderação ocorreria no exercício do poder discricionário, como ocorre no Direito Administrativo Francês, onde a obtenção da proposta mais vantajosa ocorre discricionariamente:
A regra certa do direito público francês é que a administração elege livremente, discricionariamente, seu co-contratante. A exceção é que a competência da administração esteja travada neste assunto e que se deva proceder pelo sistema de adjudicação pública.[20]
O legislador brasileiro, de forma contrária, tomou para si parte dessa competência e resolveu estabelecer as modalidades a serem adotadas conforme certas situações predeterminadas e vedou a fusão ou criação de novas modalidades, fazendo da licitação strictu sensu um procedimento vinculado para a demonstração da maior vantagem da proposta acolhida.
Insta notar uma peculiaridade: a necessidade é sempre contraposta aos princípios arrolados no dispositivo supra. Isto é, embora haja necessidade de contratar, ela deverá ser submetida à isonomia, vantajosidade, publicidade, etc.
Nas contratações de maior vulto econômico é necessária a maior incidência possível de todos os princípios estabelecidos no art. 3º, caput. Uma observância de tamanha amplitude importa maior complexidade do procedimento. Nesse sentido, a LLC estabelece como modalidades: concorrência, tomada de preços, convite, leilão e concurso. Sendo está duas ultimas voltadas para os casos em que a Administração visa alienar bens e contratar serviços técnicos intelectuais mediante prêmio respectivamente.
Em análise discriminada constata-se que o legislador realizou as seguintes ponderações ao elaborar as modalidades contidas no art. 22 da LLC: (i) concorrência: maior incidência possível dos princípios do art. 3º resultando em maior complexidade procedimental, obrigatoriedade de sua utilização nas compras de maior vulto econômico, a necessidade de contratar não é imediata; (ii) tomada de preços: menor incidência do princípio da isonomia (ocorre entre interessados cadastrados ou habilitados para cadastro), complexidade intermediária, prescrita para as contratações de vulto médio, necessidade de contratar não é imediata; (iii) convite: menor incidência do princípios da isonomia (ocorre entre convidados ou os já cadastrados que demonstrem interesse) e mitigação do princípio da publicidade (não há publicação em imprensa, e sim a mera fixação da carta-convite no prédio da repartição), baixa complexidade, necessidade não imediata. Corroboramos, destarte, tratar-se de questão principiológica.
Por tudo isto é que a lei estabelece que a possibilidade de utilização de modalidade de licitação mais complexa quando a lei prescreve modalidade menos complexa, e.g., concorrência no lugar de convite.
No que tange ao pregão aplica-se a mesma lógica, acrescentando-se o princípio da eficiência, inovação trazida pela emenda constitucional 19/98, o qual incidirá com preponderância em relação aos demais princípios.
4. A inadequação sintática do art. 24
Denomina-se de inadequação sintática a eventual existência de dois ou mais institutos jurídicos distintos agrupados sobre uma mesma denominação, gerando ambigüidades na interpretação e aplicação do direito.
Dispõe o caput do art. 24: “É dispensável a licitação”. Embora o dispositivo tenha uma redação simplória, a hermenêutica jurídica é capaz de nos fornecer instrumentos para trazer á tona o verdadeiro sentido da norma, o qual sintetizamos em duas constatações a seguir explanadas.
A primeira advém do próprio comando da norma, a qual confere à Administração a atuação discricionária nas hipóteses dispostas nos incisos arrolados. Sobre o tema Celso Antonio Bandeira de Mello nos ensina que:
As considerações precedentes autoriza-nos a afirmar que a discricionariedade pode decorrer:
(...)
II) do comando da norma, quando dele se houver aberto ao agente público, alternativas de conduta, seja (a) quando a expedir ou não expedir o ato, seja (b) por caber-lhe apreciar a oportunidade adequada para tanto, seja (c) por lhe conferir liberdade quanto a forma jurídica que revestirá o ato, seja (d) por lhe haver sido atribuída competência para resolver sobre qual será a medida mais satisfatória perante as circunstâncias.[21]
A segunda é que o termo “licitação” foi empregado de forma ambígua, como expomos anteriormente, gerando uma inadequação sintática. O que é dispensável afinal, a licitação em sentido amplo ou as suas modalidades (licitação em sentido estrito)? A licitação dispensável, neste caso, será a em sentido estrito, quer dizer, é dispensável o uso das modalidades contidas no art. 22. Então, não há porque denominar de contratação direta as hipóteses do dispositivo em comento, vez que tal fenômeno resulta das circunstâncias do caso concreto que poderão afastar a obrigatoriedade de licitação em atenção aos demais princípios.
Poderá ser dispensada a licitação em sentido amplo quando, já estando a licitação em sentido estrito dispensada (art. 24), a realização de procedimento simplificado revelar-se inviável, criando óbices ao fim colimado pela Administração, o que denominamos de “hipótese-limite”. Esta interpretação encontra respaldo na lição Marçal Justen Filho, ao qual passamos a palavra:
(...) existem hipóteses em que a licitação formal seria impossível ou frustraria a realização adequada das funções estatais. O procedimento licitatório normal conduziria ao sacrifício dos fins buscados pelo Estado e não asseguraria a contratação mais vantajosa. Por isso autoriza-se a Administração a adotar um outro procedimento, em que formalidades são suprimidas ou substituídas por outras.
Ao final da lição, o autor dispõe sobre as alternativas que podem insurgir do caso concreto: (i) substituição das formalidades por outras, dispensando o uso das modalidades licitatórias típicas, e licitando-se por procedimento simplificado quando da incidência de uma das hipóteses do art. 24; (ii) supressão das formalidades procedimentais, isto é, suprimir a licitação em sentido amplo e contratar diretamente.
Parcela da doutrina, porém, traz o entendimento de que a colocação de uma hipótese no art. 24 é pressuposto suficiente para se dispensar a licitação em sentido amplo. É o que leciona Jessé Torres Pereira Júnior e outros:
As hipóteses de dispensabilidade do art. 24 constituem rol taxativo, isto é, a Administração somente poderá dispensar-se de realizar a competição se ocorrente uma das situações previstas na lei federal.[22]
Com a devida vênia, entendemos que a mera inserção de uma hipótese no rol do art. 24 não enseja a dispensa da concorrência (competição), uma vez que esta pode ser realizada de forma simplificada. Vale observar que há casos do art. 24 que jamais comportariam dispensa da licitação em sentido amplo, isto é contratação direta. Essa assertiva é tão verdadeira que o anteprojeto da Lei de Contratação na Administração Pública, ao arrolar os casos em que se reputa inviável ou impossível a licitação em sentido amplo, não faz menção a diversas hipóteses existentes do art. 24[23]:
Para exemplificar o dito, utilizaremos um exemplo prático. O inciso I do art. 24 preceitua a “dispensabilidade de licitação” nas contratações de serviços de obras e engenharia de valor não superior à R$ 15.000,00. O vulto econômico reduzido do objeto em contraposição ao custo da realização da licitação em sentido estrito (modalidades) torna esta dispensável. Porém não há argumento que justifique a dispensa da licitação em sentido amplo neste caso. Mesmo que o valor seja pequeno, é poder-dever da Administração realizar uma concorrência simplificada e de baixo custo, proporcional ao valor do objeto a ser contratado, com o fim de proceder da maneira mais vantajosa.
Quando se trata de utilização do dinheiro público, mesmo sendo em valor ínfimo, o fim colimado deve ser sempre a sua economicidade. Portanto, nunca haverá contratação direta na hipótese deste inciso uma vez que, dispensando-se o uso de uma das modalidades, realizar-se-á concorrência simplificada em atendimento ao princípio da obrigatoriedade de licitação em sentido amplo.
4.1. procedimento licitatório simplificado
Diz-se simplificado o procedimento licitatório quando a lei não vincula a Administração a procedimentos preestabelecidos, sendo que a contratação fica condicionada à cláusula geral da escolha da proposta mais vantajosa. Vale dizer, a lei estabelece que a licitação em sentido estrito (suas modalidades) é dispensável, mas a Administração ainda tem o dever de agir à luz do princípio da obrigatoriedade de licitação em sentido amplo, por isso é obrigada a realizar procedimento simplificado em que o custo e a complexidade de sua operação sejam proporcionais à necessidade averiguada no caso concreto.
Embora se trate de procedimento discricionário, a jurisprudência e a doutrina vêm solidificando as bases da então chamada concorrência simplificada. Acerca do tema, Marçal Justen Filho assevera que:
Não se trata de uma efetiva concorrência, mas de um procedimento administrativo de seleção de interessados, em que as formalidades são fixadas segundo a competência discricionária da administração.
A jurisprudência do TCU também traça regras a serem seguidas nos casos de concorrência simplificada:
Realize pesquisa de preços e inclua os resultados nos processos de contratação por dispensa de licitação, em atendimento ao disposto no art. 26, parágrafo único, inciso III, da Lei n° 8.666/1993.[24]
Proceda, quando da realização de licitação, dispensa ou inexigibilidade, à consulta de preços correntes no mercado, ou fixados por órgão oficial competente ou, ainda, constantes do sistema de registro de preços, em cumprimento ao disposto nos artigos 26, parágrafo único, inciso III, e 43, inciso IV, da Lei n. 8.666/1993, consubstanciando a pesquisa no mercado em, pelo menos, três orçamentos de fornecedores distintos, os quais devem ser anexados ao procedimento licitatório.[25]
Observa-se, na prática, que o procedimento simplificado é executado em constância nos casos estabelecidos no inciso I e II: contratação de obras e serviços de engenharia até R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e contratação de compras e outros serviços até R$ 8.000,00 (oito mil reais) respectivamente[26].
As etapas deste procedimento podem ser sintetizadas dessa forma: (i) habilitação; (ii) convite-orçamento; (iii) julgamento e (iv) adjudicação.
No procedimento simplificado é comum que a habilitação ocorra prematuramente. Explica-se o fato. Nas modalidades complexas da LLC (concorrência, tomada de preços, etc.), a fase de habilitação ocorre após a divulgação do certame e precede a abertura dos envelopes das propostas. Tal procedimento ocasiona certa demora, vez que muito dos candidatos passam da fase da habilitação e, em seguida, apresentam propostas acima do preço máximo ou até mesmo inexeqüíveis, tornando todo o trabalho de verificação de sua regularidade inútil. Em consequência disso, criou-se o Pregão, o qual inverte as fases de habilitação e abertura das propostas, o que demonstrou grande avanço na celeridade do certame. No procedimento simplificado, não há, em regra, divulgação do certame, então a Administração analisa se as possíveis interessadas em com ela contratar estão habilitadas, para só então enviar o convite-orçamento.
O convite-orçamento[27] é o meio pelo qual a Administração informa ao possível concorrente a existência de concorrência simplifica, detalhando suas regras procedimentais e a exposição detalhada do objeto a ser contrato mediante plano de trabalho, e solicita, caso se mostre interessado em participar, a elaboração do orçamento do objeto descrito.
O julgamento ocorre da forma que preceitua a LLC, ou seja, levar-se-á em consideração os objetivos definidos no ato convocatório (convite-orçamento), os quais não devem contrariar o estabelecido na lei.
4.2. Contratação direta
Em algumas situações a necessidade imediata impera sobre os demais princípios, quer dizer, situações em que a vantajosidade da proposta é irrelevante diante da iminente necessidade de contratar determinada obra, bem ou serviço. São hipóteses-limite em que a delonga resultante de licitação, ainda que simplificada, ocasionaria lesão ao interesse público.
Entendemos que, sendo a licitação o procedimento que media a necessidade e a contração, diz-se direta a contratação na qual a necessidade urgente da aquisição de determinada obra, bem ou serviço derroga a obrigatoriedade de elaboração de procedimento licitatório, ainda que seja na forma simplificada.
Nota-se que a motivação para a contratação direta sempre dependerá do caso concreto. Mais uma vez nos acudiremos à hermenêutica jurídica para comprovar o que foi dito. Já observamos que as hipóteses do art. 24 não precedem, obrigatoriamente, das modalidades de licitação elencadas no art. 22 (temos uma regra jurídica sendo excepcionada por outra). Ademais, embora facultada o uso de licitação em sentido estrito, dever-se-á observar o princípio constitucional da obrigatoriedade de prévia licitação, o qual impõe a realização, ao menos, de procedimento simplificado. Então, jamais poderia se afirmar que uma regra jurídica instituidora de uma hipótese teria o condão de afastar um princípio. O que poderia derrogá-lo é, sem dúvidas, outros princípios, frente a determinada situação concreta. Para exemplificar o dito, analisemos uma das hipóteses do referido rol:
XVIII - nas compras ou contratações de serviços para o abastecimento de navios, embarcações, unidades aéreas ou tropas e seus meios de deslocamento quando em estada eventual de curta duração em portos, aeroportos ou localidades diferentes de suas sedes, por motivo de movimentação operacional ou de adestramento, quando a exiguidade dos prazos legais puder comprometer a normalidade e os propósitos das operações e desde que seu valor não exceda ao limite previsto na alínea "a" do incico II do art. 23 desta Lei.
Imaginemos a situação descrita no dispositivo. A lei presume que em uma estada eventual de curta duração seria inviável a realização de licitação em sentido estrito (modalidades licitatórias), então torna dispensável a sua utilização. Posto isto, a contratação in casu, deverá ocorrer por vias de procedimento simplificado (habilitação dos possíveis interessados, convite-orçamento ou cotação eletrônica, julgamento e, por fim, adjudicação). Porém, caso seja constatado, em concreto, que esta “curta duração” é capaz de inviabilizar até mesmo a realização da concorrência simplificada, realiza-se a contratação direta.
Releva notar que a Constituição “deseja” que se realize a licitação em sentido amplo, mas diante da necessidade iminente ela não pode ser realizada. A contratação direta, assim, deve ser entendida como ultima instância para a aquisição da obra, bem ou serviço.
Assim, a contratação direta tem como pressupostos: (i) situação em que a lei autorize a dispensa de licitação em sentido estrito (ii) comprovação de que a realização de procedimento licitatório é inviável ou prejudicial em face da hipótese-limite.
Outro caso bastante interessante é o da contratação em caráter emergencial disposta no inciso III do artigo em comento:
Nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos.
Embora caracterizada a emergência, é necessário, primeiramente, verificar o seu grau, quer dizer, se comportaria ou não a realização de concorrência simplificada. Se cabível, opera-se a concorrência simplificada. Comprovando-se, contudo, que demora na realização do procedimento simplificado acarretaria danos ao interesse da Administração, realiza-se a contratação direta.
Com peculiar atenção, o anteprojeto já comentado criou a modalidade de procedimento para contratação denominada Seleção Emergencial, a qual consiste numa espécie de procedimento simplificado para o atendimento de necessidade emergencial, convocam-se, no mínimo, três pessoas para apresentação de propostas, verificando-se suas qualificações. No entanto, o mesmo diploma, ratificando tudo o que já foi dito neste trabalho, estabelece no §1º do art. 27 do anteprojeto que:
A disputa somente é inviável em decorrência de situação especial de emergência se a adoção do procedimento de Seleção Emergencial previsto no art. 15, impossibilitar o atendimento do interesse público perseguido.
5. Conclusão
Este trabalho estabeleceu como premissa o fato de que todo procedimento em que a Administração realiza concorrência pública para a obtenção da proposta mais vantajosa também é licitação mesmo não selecionando uma das modalidades contidas no art. 22 da Lei 8.666/93.
Destarte, impõe-se um reexame da lei de licitações e contratos administrativos, precipuamente no que diz respeito à dispensabilidade de licitação disposta no art. 24 do referido diploma, a qual, segundo parte da doutrina, configura espécie de contratação direta.
Constatou-se, todavia, que a dispensabilidade não enseja a contratação direta. Esta é fenômeno jurídico proveniente de uma hipótese-limite, a qual possui o condão de afastar o princípio da obrigatoriedade de prévia licitação em favor de outros princípios. A dispensabilidade prescrita em lei é, sim, da licitação em sentido estrito, isto é, das modalidades licitatórias enumeradas no art. 22 da LCC e do Pregão.
Por fim, releva notar que a obrigatoriedade mencionada pela Constituição é a de licitação em sentido amplo. Tal assertiva reflete o dever da Administração em sempre realizar as despesas públicas com a maior prudência, eficiência e transparência possível.
6. Referências Bibliográficas
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MUKAI, Toshio. Licitações e Contratos Públicos. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
[1] Em ambos os casos, o legislador autoriza contratação direta. Essa autorização legislativa não é vinculante para o administrador, ou seja, cabe ao administrador escolher entre realizar ou não a licitação. Essa competência administrativa existe não apenas nos casos do art. 24. Aliás e se não fosse assim, o art. 17 conteria hipótese de vedação de licitação. Significa reconhecer que é perfeitamente possível realizar licitação nas hipóteses do art. 17, desde que o administrador repute presentes os requisitos para tanto. MARÇAL JUSTEN FILHO, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos - 10ª Ed. - p. 234.
[2] As teorias jurídicas passam a padecer de inadequação sintática, na medida em que utilizam termos iguais para explicar fenômenos desiguais, instalando, na ciência do Direito, o germe da ambigüidade. HUMBERTO ÁVILA, Repensando o Princípio da “Supremacia do Interesse Público”, p. 4.
[3] RAFAEL ENTRUENA CUESTA, Derecho Administrativo, vol. 1, p. 249.
[4] Embora a expressão não exista em bom vernáculo, este neologismo é de grande utilidade ao se tratar do tema em epígrafe.
[5] Acórdão nº 100/2003, plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer.
[6] ROBERT ALEXY, Teoria dos Direitos Fundamentais – p. 90.
[7] O insigne Marçal Justen Filho sugere, para o caso, a expressão “modalidade anômala de licitação”.
[8] Data vênia, pareceu-nos exagerada tal decisão. A denotação jurídica do termo “licitação” é objeta e inequívoca, a atual confusão que se instaurou na ciência do direito é decorrente de sua má utilização por parte do legislador no momento da elaboração da Lei 8.666/93.
[9] MARÇAL JUSTEN FILHO, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos - 10ª Ed. - p.48
[10] ALEXANDRE DE MORAIS, Curso de Direito Constitucional, 2001, p. 327.
[11] THOSHIO MUKAI, Licitações e Contratos Públicos. Ed.8, p 80.
[12] LUIS ROBERTO BARROSO, Neoconstitucionalismo e Constitucionalização tardia (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil), p. 8.
[13] JOSÉ DOS SANTOS DE CARVALHO FILHO, Manual de Direito Administrativo. Ed. 22, p. 239.
[14] MARÇAL JUSTEN FILHO, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos - 10ª Ed. - p.109.
[15] Acórdão 2684/2008 Plenário (Sumário).
[16] Também denominada de planejamento de compras. Alguns a denominam, também, de fase interna da licitação. Entendemos ser equívoca tal expressão, vez que a licitação só comporta uma fase externa, existe sim, uma fase pré-licitatória.
[17] Acórdão 367/2010 Segunda Câmara (Relação).
[18] LUIS ROBERTO BARROSO, Interesses Públicos x Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público, fragmento extraído do prefácio da obra.
[19] ALICE GONZALEZ BORGES, Princípio da Supremacia do Interesse Público: desconstrução ou construção – Revista Diálogo Jurídico nº15 de 2007, p. 8.
[20] GASTON JÈZE, Principios generales Del derecho administrativo, Ed. 4, p. 76.
[21] CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, Discricionariedade e Controle Jurisdicional. Ed. 2 – p. 19.
[22] Citado por LEILA TINOCO DA CUNHA LIMA ALMEIDA, Dispensabilidade e Inexigibilidade: os casos mais usados.
[23] Art. 27. A disputa é inviável quando:
I - apenas um interessado for apto a contratar com o Poder Público;
II - houver situação especial de emergência, em que a contratação deva ocorrer imediatamente;
III - houver aquisição de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou Ente que integre a mesma esfera política da contratante, e que tenha sido criado para esse fim específico, segundo avaliação prévia;
IV - a disputa for frustrada, por não acudirem interessados, observadas as condições de contratação definidas no procedimento original;
V - a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o abastecimento;
VI - o procedimento de disputa inviabilizar uma específica operação da Administração, necessária ao regular exercício de suas atribuições;
VII - o sigilo for imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional;
VIII - a contratação envolver pessoa que desfrute de notoriedade perante a opinião pública ou a crítica especializada, para palestras, campanhas publicitárias e institucionais e espetáculos artísticos; e
IX - a despesa for realizada em regime de adiantamento, nos termos da legislação específica.
[24] Acórdão 291/2009 Segunda Câmara (Relação).
[25] Acórdão 367/2010 Segunda Câmara (Relação).
[26] Advertimos que nos casos de contratação efetuada por consórcio público, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundações qualificadas como agências executivas, dobram-se os respectivos valores-limite.
[27] Na atualidade, torna-se comum o uso da cotação eletrônica em substituição do convite-orçamento nos casos de procedimento simplificado fundamento no inciso II da Lei de Licitações e Contratos.
Acadêmico do curso de ciências jurídicas da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Estagiário da Receita Federal do Brasil atuante com ênfase no setor de Licitações e Contratos Administrativos. Estagiário do escritório Abreu & Batista advocacia e consultoria jurídica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BATISTA, Leonardo Silva. Dispensa de Licitação: uma exegese principiológica do instituto da contratação direta Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jul 2011, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24936/dispensa-de-licitacao-uma-exegese-principiologica-do-instituto-da-contratacao-direta. Acesso em: 23 dez 2024.
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