1. Breve evolução histórica do imposto:
No Brasil, o imposto sobre a transmissão de propriedade é anterior à história das constituições. O imposto criado por meio do alvará número 3, de 1809, foi denominado Sisa, e estabelecia que
Todas as compras, e vendas de bens de raiz, de que se não houver pago a respectiva Siza, seram nullas, e de nenhum effeito, e vigor, e as próprias Partes contractantes, ou seus herdeiros poderão desfaze-las em qualquer tempo, e os Escrivães, ou Tabeliães, que fizerem as Escripturas, sem certidão do pagamento da Siza (...) incorrerão na pena de perdimento do Offício na forma da mesma Lei, e Regimento (7).
Posteriormente, o imposto sobre a transmissão da propriedade recebe status constitucional, sendo considerado de competência dos estados nas Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946.
Em 1961, com a emenda constitucional nº5, ocorreu a bipartição do imposto, estabelecendo aos municípios a competência para a instituição do imposto de transmissão de bens inter vivos, e aos estados a competência para a instituição do imposto de transmissão causa mortis.
Em decorrência de disputa entre a receita oriunda de tais impostos, a emenda constitucional nº 18 de 1965 veio restabelecer aos estados a competência sobre o imposto de transmissão de bens imóveis, tanto a transmissão realizada inter vivos como a causa mortis.
Com o advento da Constituição de 1988, foi prevista a criação de dois impostos de transmissão, o ITBI, imposto municipal (art. 156, II) e o ITCMD estadual (art. 155, I).
2. Competência para a instituição do imposto:
O Código Tributário Nacional (Lei nº5.172/66), nos arts. 35 a 42, trata de um único imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos.
Art. 35, O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fator gerador:
I- a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;
II- a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;
III- a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.
(...)
Aqui, é necessário analisar o contexto histórico da edição do CTN. A sua edição ocorreu em 25 de outubro de 1966, época em que estava em vigor a Constituição que atribuiu aos estados a competência plena sobre a transmissão de bens imóveis ao unificar os impostos de transmissão inter vivos e causa mortis.
A seu turno, a Constituição de 1988 em seu Título VI, art.156, estabelece:
Art. 156, Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(...)
II- transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens móveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
O ITBI – imposto sobre a transmissão de bens imóveis, conforme disciplinado na Constituição de 1988, é um imposto de competência dos municípios. Desse modo a Carta Maior elide qualquer dúvida sobre a competência para a instituição do imposto. Nesse sentido é o ensinamento de Sacha Calmon Navarro Coêlho (COELHO, 2009. pag. 543):
Aqui, diferentemente do imposto sobre heranças e doações de quaisquer bens ou direitos, o fato gerador cinge-se às transmissões entre vivos de bens imóveis e de direitos a eles relativos. A competência já não é dos estados. A transmissão, a seu turno, é só a entre vivos.
Ressalte-se que o ITBI compete ao município da situação do bem (art. 156, 2º, II). Ao Distrito Federal cabe o imposto dos imóveis ali situados, uma vez que aquele não pode ser dividido em municípios.
3. Fato gerador:
Segundo o CTN, o fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência (art. 114). Nesse sentido é a leitura que se faz do art. 35 do CTN à luz da Constituição Federal, art. 156, II, de onde se aduz que o fato gerador do ITBI é a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos e sua aquisição.
Surge, então, o fato gerador no momento em que ocorre a transmissão da propriedade imobiliária. E esta somente se efetiva com o registro do título translativo no Registro de imóveis, por força do art. 1245 do Código Civil, in verbis: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no registro de imóveis.”
4. Base de cálculo:
O artigo 38 do CTN estabelece que a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. Entende-se por valor venal do imóvel o valor de mercado do bem imóvel por natureza ou acessão física.
5. Contribuinte:
De acordo com o art.42 do CTN, o contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei. Entretanto, como esclarece Sacha Calmon (COÊLHO, 2009. pag.547), esse dispositivo não se sustenta mais em face do art. 146 da Constituição da República, que defere à lei complementar tributária definir os contribuintes dos impostos nela discriminados.
Art. 146. Cabe à lei complementar:
(...)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e as sua espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
Baseando-se na Constituição, o renomado autor considera que afronta a Carta Maior a possibilidade de se estabelecer por meio de lei ordinária o contribuinte do imposto.
Apesar das considerações, o CTN delega à lei ordinária a determinação do sujeito passivo, que em regra, tem sido assim definido o adquirente do bem ou direito.
6. Lançamento:
O lançamento do ITBI dar-se-á por declaração. A autoridade administrativa constitui o crédito tributário com base em informações prestadas pelo próprio sujeito passivo ou por terceiro. Após realizado o lançamento por declaração, cabe ao Fisco aceitar ou não o valor declarado, sendo possível ainda, efetuar lançamentos suplementares.
7. Aspecto pessoal, temporal, material e espacial:
7.1. Aspecto pessoal:
A Constituição Federal, em seu art. 156, II estabelece que compete aos municípios a instituição do ITBI.
Como já mencionado, o art. 42 do CTN delega à lei ordinária a determinação do sujeito passivo, que via de regra, é o adquirente do bem ou direito.
7.2. Aspecto temporal
Quando da análise do fato gerador do imposto, observou-se que o aspecto temporal do imposto sobre transmissão de imóveis é apurado no momento em que ocorre a transmissão da propriedade imobiliária através do instrumento translativo no Registro de Imóveis. Nessa oportunidade é que seria exigível o tributo. Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITBI. FATO GERADOR. CTN, ART. 35 E CÓDIGO CIVIL, ARTS. 530, I, E 860, PARÁGRAFO ÚNICO. REGISTRO IMOBILIÁRIO.
1. O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade da Lei Civil, com o registro no cartório imobiliário.
2. A cobrança do ITBI sem obediência dessa formalidade ofende o ordenamento jurídico em vigor.
3. Recurso ordinário conhecido e provido
7.3. Aspecto espacial:
O aspecto espacial compreende a superfície territorial do município da situação dos bens imóveis e direitos a eles relativos, objetos da translação de domínio, visto que o imposto cabe ao município da situação do bem (art. 156, § 2º, II).
7.4. Aspecto material:
O imposto tem como hipótese de incidência a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, excluindo-se os de garantia e os decorrentes de sucessão que serão objeto do ITCMD. Desse modo nascerá a obrigação tributária quando o sujeito passivo praticar a conduta que se enquadre na hipótese de incidência do imposto.
Sobre o aspecto material algumas questões têm sido discutidas. A primeira delas se refere às separações entre casais regidos pelo regime de comunhão de bens ou pelo de separação parcial. Nesses casos somente incidirá o tributo se efetivamente houver a transmissão, como por exemplo, no excesso de meação a título oneroso.
Em se tratando de usucapião, já se manifestou a jurisprudência no sentido de que não há a transmissão de bens, visto que, a aquisição é originária, hipótese em que será indevida a incidência do imposto (TJMG - AI 17.162 - 1ª C. - rel. Des. Paulo Tinôco, in RJ 110/104).
8. Imunidades:
Depreende-se da análise do art. 156, II, supra, que a transmissão dos direitos de garantia, bem como a cessão de direitos e sua aquisição foram excetuados da área de incidência do ITBI, visto que o que se dá em garantia não se transmite.
Além disso, com o intuito de incentivar a capitalização e o crescimento das empresas o legislador estatuiu a regra imunizante para as transferências de imóveis decorrentes de transformações das sociedades mercantis e pessoas jurídicas de direito civil, conforme se vê pela transcrição que se segue:
Art.156 (...)
(...)
§2º. O imposto previsto no inciso II:
I – não incidirá sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens imóveis ou arrendamento mercantil;
A partir deste artigo observa-se que não são abrangidas pela regra imunizante as sociedades que desenvolverem atividades preponderantemente imobiliárias, locações de bens móveis ou arrendamento mercantil. Verificada a preponderância, tornar-se-á devido o imposto (art. 37, §3º CTN).
9. Alíquotas:
As alíquotas do ITBI são fonte de grande discussão no que tange à possibilidade de aplicação de alíquotas progressivas.
Para os que defendem a progressividade da alíquota, fundamentam-se no princípio da capacidade contributiva decorrente do §1º do art145 da Constituição Federal, in verbis:
§ 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Sustenta essa corrente que é desnecessária a previsão expressa como se estabelece no caso do IPTU.
Em sentido contrário, está o entendimento sumulado pelo STF:
Súmula 656 do STF – É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel.
10. Conclusão:
A Constituição Federal de 1988 atribuiu aos municípios a competência para a instituição do imposto de transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como de cessão de direitos a sua aquisição.
Essa atribuição é precisa, tendo em vista que se operou a bipartição dos impostos de transmissão de bens imóveis e eliminou os conflitos entre estados e municípios, de modo que se a transmissão se der causa mortis incidirá o ITCMD, de competência dos estados; se a transmissão se der inter vivos, verificar-se-á se operou por ato oneroso ou a título gratuito, incidindo sobre o primeiro o ITBI e sobre o último o ITCMD.
Quanto ao CTN, no que toca à previsão unificada do imposto, cabe aos operadores do Direito identificar quando se trata de um ou outro imposto.
11. Referências:
BRASIL. Constituição (1988). São Paulo: Saraiva, 2008
BRASIL. Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2008
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 10. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009.
Acadêmica do Curso de Direito - Unimontes
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, Erika Cristina Batista. Imposto sobre a transmissão inter vivos de bens imóveis a título oneroso - ITBI Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2011, 00:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25245/imposto-sobre-a-transmissao-inter-vivos-de-bens-imoveis-a-titulo-oneroso-itbi. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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