RESUMO:
O presente trabalho objetiva versar sobre a interpretação do Direito Previdenciário, este que está elencado como direito social previsto na Constituição Federal. Para tanto, irá demonstrar que suas normas devem ser operacionalizadas de modo a garantir a sua efetiva aplicabilidade, de modo que o legislador deve se conscientizar que esta relação merece sempre a efetiva tutela jurídica e o judiciário precisa atuar de forma que este direito não fique excluído da juridicidade.
PALAVRAS-CHAVE: interpretação; Direito Previdenciário; direito social.
INTRODUÇÃO
O objetivo central do presente trabalho é fazer uma análise acerca da interpretação do Direito Previdenciário, com menção a Hermenêutica Constitucional, vez que esta é de fundamental importância para construção do Estado Democrático. Interpretar o Direito é compreender o sentido e alcance das normas jurídicas, é extrair do texto mais do que as palavras parecem indicar, é extrair o espírito da norma em apreço - a compreensão diante os fatos só é possível porque primeiramente os interpretamos.
As leis, em sentido amplo, são formuladas em termos gerais, fixam regras consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla. Assim sendo, cabe ao operador do direito buscar aproximar o texto abstrato ao caso concreto, ou seja, a norma jurídica ao fato social, para que desta forma, o Direito seja aplicado.
A previdência social, enquanto, instrumento de proteção da nação, e que tem por fim perspícuo conter as necessidades sociais oriundas de eventos que eliminam e/ou diminuem a capacidade de autossustento do trabalhador e de seus dependentes deve estar rechaçada de normas que garantam a sua função frente ao Estado Democrático de Direito, ou seja, necessita da segurança jurídica, a qual requer um mínimo de racionalidade procedimental no deslinde de controvérsias pelos órgãos julgadores, para que desta forma haja a mais justa adequação dos códigos aos fatos.
Aceitar e, em especial no sistema previdenciário, a ocorrência de decisões “mecânicas”, conforme se depreende do modelo positivista, submetendo-os à indevassável “cela de ferro” da insensibilidade jurisdicional, contraria todos os ideais de justiça buscados pela comunidade pós-moderna.
1 NOÇÕES ACERCA DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO
O Direito Previdenciário é um ramo do direito público surgido da conquista dos direitos sociais no fim do século XIX e início do século XX. No Brasil, os primeiros vestígios acerca do direito previdenciário surgiram com a instituição das santas casas, em 1543. A partir de então, este ramo do direito público desenvolveu-se, encontrando o seu ápice com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Em linhas gerais, a Previdência Social pode ser definida como um seguro social, que garante amparo ao trabalhador e aos seus dependentes, quando eventualmente, venha a ocorrer à perda, permanente ou temporária, em decorrência dos riscos que àquele se obriga a sofrer.
A Previdência Social é fruto de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade. Vê-se desta forma, que é financiada por toda a Nação. Isto se dar, em virtude da função que ela exerce em prol da coletividade. Neste sentido, o art. 201 da Constituição Federal aduz:
Art. 201: A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
V- pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no §2°.
§2° Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.
A previdência social tem por objetivo principal resguardar o trabalhador das conseqüências dos eventos que possam atingir a sua atividade laboral. Assim, qualquer episódio que venha a repercutir de forma maléfica na economia do trabalhador e, como reflexo, na de seus dependentes, deve ser objeto de proteção previdenciária. Nas palavras de Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macedo, são elementos que caracterizam este ramo do direito:
O Direito Previdenciário, em sua essência, procura a proteção (precaução contra infortúnios), diante de contingências (eventos futuros que podem atingir o ser humano), a fim de debelar necessidades (carência ou escassez do que se precisa para viver). (2010, p. 28).
A declaração universal dos direitos humanos, de 1948, em seu art. XXV, I, informa que:
Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito a segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
O art. 1° da lei 8213/91, por sua vez, aduz que:
A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.
Uma interpretação contextualizada dos citados dispositivos permite-nos concluir que a Previdência Social consolida os direitos humanos assegurados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e envolve todo e qualquer trabalhador em virtude do princípio da Universalidade de Cobertura, previsto no art. 194, I da Constituição Federal.
Eventos como doença, idade avançada, invalidez, morte, os quais são objeto de proteção da previdência repercutem negativamente na vida do trabalhador e de seus familiares, fazendo com que haja a incidência de um “estado de necessidade”. As contingências cobertas pela previdência social alcançam grande parte da população, as necessidades por elas causadas incidem em toda a sociedade.
Outro aspecto primordial que deve ser ressaltado acerca da previdência social gira em torno da sua identidade como sendo de seguro obrigatório. A proteção previdenciária estatal, enquanto uma das formas de amparo social do Estado assume esta característica porque exige a participação efetiva, ou seja, a contribuição do segurado protegido no financiamento das ações previdenciárias. Neste diapasão, informam Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macedo:
A previdência social tem caráter contributivo justamente pela necessidade de participação direta do protegido no seu financiamento. O só estado de necessidade advindo de uma contingência social não dá direito à proteção previdenciária. Requer-se que a pessoa atingida pela contingência social tenha a qualidade, o status de contribuinte do sistema de previdência social. (2010, p. 33).
Vêem-se pelos fatos alhures expostos que a contributividade é da essência da previdência social, assim como o seu caráter legal. Isto porque, a qualidade de segurado obrigatório, o rol de pessoas protegidas, bem como os requisitos necessários a percepção das prestações decorre por força da lei.
De modo geral, a previdência pode ser traduzida como sinônimo de técnica de proteção social que tem por objeto suprir necessidades decorrentes de fatores que diminuem ou eliminam a capacidade de autossustento do trabalhador e seus dependentes, sendo gerida pelo Estado, mediante seguro obrigatório, instituído em lei.
2 A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO
A Previdência Social exige prestações positivas do Estado, sendo, um direito assegurado constitucionalmente.
O Estado Democrático de Direito e Hermenêutica Constitucional devem participar ativamente para a melhoria de eficácia dos preceitos previdenciários, as quais estão dispostas na Carta Magna e, em sua ampla maioria, apresentam-se apenas como normas meramente programáticas.
Em verdade, a adequada atuação interpretativa é fator decisivo na concretização dos objetivos a serem alcançados pelo Estado Democrático de Direito ao instituir a Previdência Social como Direito Fundamental. Neste aspecto, enfatiza Maria Lucia Luz Leira informa:
A Hermenêutica, enquanto construção do Direito permite a manutenção do Estado Democrático de Direito, afirma-se que cabe aos detentores do poder dizer a norma a obrigação de interpretar de acordo e conforme a realidade que os rodeia . Tudo porque é da própria essência deste poder esta atribuição, que emana da soberania popular. (2001, p.29)
O Estado Democrático de Direito, pautado nos ideais do Estado Social, diferentemente do liberalismo, que é orientado por princípios de estreita legalidade e bloqueio para inovações, está imerso em ideais de aspiração para o bem-estar da comunidade.
Esta inspiração deve ser posta em relevo em quaisquer que sejam as demandas jurídicas e, em especial, quando o direito lesado ou ameaçado tiver caráter nitidamente social, assim são os direitos previdenciários, razão pela qual, a interpretação de suas normas deve ser feita de forma integrativa com os comandos infraconstitucionais e constitucionais. Carlos Maximiliano diz que:
Para atingir o escopo de todo o Direito objetivo é forçoso examinar: a norma em sua essência, conteúdo e alcance (quoetio júris, no sentido estrito), o caso concreto e suas circunstâncias (quoestio facti) e a adaptação do preceito à hipótese em apreço. (2006, p. 06).
Para que o homem possa interpretar uma lei, necessariamente, deverá ter uma compreensão acerca de seus fins sociais, para que, desta forma, possa atribuir o sentido e alcance dos seus dispositivos.
A previdência possui um caráter eminentemente econômico e alimentar, vez que visa garantir à subsistência de seus beneficiários, na hipótese de eventuais fatores que lhe atinjam a capacidade de autossustento. Assim sendo, as normas de direito previdenciário devem ser interpretadas sob a luz de que lhe cabe garantir o protecionismo aos seus beneficiários.
Por isso, por ser um dos direitos e garantias individuais previstos na Carta Magna, é que na interpretação dos direitos previdenciários deve ser levado em consideração um modelo mais amplo, não eminentemente positivista, afinal, somente partindo de uma interpretação criativa é que o Direito passa a ser avaliado criticamente e, conseqüentemente, torna-se capaz de produzir as mudanças desejadas.
O operador da ciência jurídica necessita dirigir-se ao mundo no qual o texto será aplicado, para que deste modo, o ideal da justiça social seja alcançado. Neste sentido, prolaciona Maria Lúcia Luz Leira:
Diante do preceito constitucional da decisão fundamentada, o aplicador da lei, o julgador do caso concreto provocado pelas partes não pode, sem o auxílio de todos os meios de interpretação, todas as fórmulas, todos os métodos, dizer da solução do litígio, dizer o que está conforme a norma jurídica posta, sem o esforço dialético, sem a busca dos axiomas que levam à decisão justa, e tudo isto deve estar fundamentado. (2001, p.105)
Percebe-se, pois, que o homem interpreta o Direito para que possa aplicá-lo ao caso concreto e, desta forma, solucionar a lide em questão. Ressalta-se ainda que os acontecimentos históricos e corriqueiros influenciam na maneira como interpretamos as normas jurídicas, isto porque a compreensão do Direito é obtida de forma constitutiva. A interpretação deve ser operacionalizada de maneira holística, para que deste modo, refute o que é acessório, temporário e capte o que é permanente e fundamental.
O art. 6° da Constituição Federal informa que a previdência social constitui um direito social. Sendo um direito social, têm por objetivo garantir aos indivíduos condições materiais tidas como imprescindíveis para o pleno gozo dos seus direitos. José Afonso da Silva define os Direitos Socais como sendo:
Dimensão dos direitos fundamentais do homem são prestações positivas proporcionadas pelo Estado, direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. (2006, p. 286/287).
Diante disto, mister se faz que os operadores jurídicos tenham a técnica e a ciência aliadas ao conhecimento da realidade e dos princípios inspiradores das causas que forem postas a julgamento, para que se tornem capazes de fazer a Justiça Social.
Para tanto, o operador do Direito não pode estar imerso no formalismo dogmático, da forma pela forma, conforme enfatiza Maria Lúcia Luz Leira:
Não mais se pode negar direitos, enquanto direitos sociais, porque não atendidos simples atos procedimentais – atos estes que não se voltam ao princípio maior do processo, como instrumento capaz de conferir direitos, e dar efetividade as decisões dele emanadas. (2001, p. 178).
A interpretação do Direito envolve um processo construtivo, insere o Direito a realidade social, vai do universal ao singular, opera a inserção das leis ao mundo do ser, mundo da vida. O magistrado deve ter uma visão do conjunto dimensionado pelo ambiente social, dando de fato efetividade ao direito previdenciário – direito social, para que deste modo, os ideais do Estado Democrático de Direito se mantenham.
A lide que verse sobre direitos dos beneficiários da previdência social, deve ser solucionada de acordo com princípios constitucionais, para que se extraiam destes, o verdadeiro significado do texto, adequando-o ao caso concreto.
CONCLUSÃO
Face o exposto, a conclusão a que se chega é no sentido de que as normas jurídicas e, em especial as previdenciárias, devem ser interpretadas de modo holístico. O magistrado, enquanto detentor do poder decisório, não pode ser mais visto como mero reprodutor de normas. Deve posicionar-se como um intérprete construtor e se utilizar da principiologia constitucional para construir a devida norma diante o caso posto a sua solução.
O Estado Democrático de Direito carece de uma adequada interpretação no sentido de atender efetivamente os direitos e deveres fundamentais da sociedade, os quais são assegurados na Carta Marga. Não é mais admissível que tenhamos um Judiciário alheio a realidade social, econômica, política e científica, pois, se o operador do Direito fica adstrito ao positivismo não será possível que tenhamos decisões justas, efetiva e eficaz. O Direito deve acompanhar o momento social, não pode ignorar a realidade social subjacente.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n° 8213/91, 24 jul. 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefício da Previdência Social e dá outras providências. In: Vade Mecum. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
_________. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). In: Vade Mecum. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
_________. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). In: Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
DIAS, Eduardo Rocha. MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Curso de Direito Previdenciário. 2. ed. São Paulo: Método, 2010.
LEIRIA, Maria Lúcia Luz. Direito Previdenciário e o Estado Democrático de Direito: uma (re) discussão à luz da hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2006
Estagiária do Ministério Público de Cicero Dantas/BA (2ª Promotoria) vara criminal.Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Ages.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Ana Helena Santos dos. A interpretação do Direito Previdenciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 set 2011, 09:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25501/a-interpretacao-do-direito-previdenciario. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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