RESUMO
Este artigo tem como fim perspícuo analisar como o formalismo no Processo Civil pode refletir para a efetivação e/ou negação da Justiça. Para tanto, partirá do pressuposto de que é necessário que existam regras que norteiem o processo, mas que este não pode ser visto como um fim em si mesmo, e sim como um instrumento para que o Estado preste a jurisdição, sob pena de ser realizado à custa dos princípios e garantias fundamentais do cidadão.
PALAVRAS-CHAVE: formalismo no processo civil; justiça; jurisdição e princípios e garantias fundamentais.
INTRODUÇÃO
O convício social é uma das necessidades humanas mais profundas, de forma que à medida que essa relação se estreita, maior fica a interdependência entre os seres. Como conseqüência, se tem a Invasão do Direito, nas mais diversas esferas para regulamentar as relações humanas. Buscam-se meios, atitudes que gerem o progresso e bem estar.
A instituição de leis existe em detrimento da ocorrência de conflitos na sociedade. O homem, enquanto ser social apresenta interesses intersubjetivos que, com freqüência divergem com o de seu semelhante. As desigualdades culturais, sociais, políticas e econômicas propiciam a instauração de um permanente estado conflituoso – o poder gera conflitos. Para saná-los, o ordenamento impõe regras a serem seguidas pela coletividade.
A exteriorização de conflitos exigiu a normatização das condutas humanas como uma estratégia de solucionar as divergências. Percebe-se, desta forma, o instrumento lúdico e negocial do Direito. Um ordenamento coerente faz com que o homem alcance com profundidade à compreensão dos fatos e interprete de modo sistêmico os fenômenos díspares que convergem na sociedade.
Como meio de solucionar os conflitos na esfera privada, surge o Processo Civil, que torna efetivo o direito material pretendido pela parte, haja vista que nem sempre o direito individual é respeitado pelos demais membros da sociedade.
Tecidas as considerações acima, as quais justificam a existência do Processo Civil, será defendida adiante a idéia de que o processo não é um fim em si mesmo, mas o meio pelo qual se busca a efetivação do direito substancial e que, portanto, desde que a lei não preveja a sua nulidade, devem ser válidos os atos que, embora realizados de outra forma, alcancem a sua finalidade, pois, o formalismo exacerbado constitui negação à justiça.
1 O FORMALISMO NO PROCESSO CIVIL VERSUS A JUSTIÇA
A idéia do que venha a ser o formalismo processual, está relacionada a existência de determinados trâmites/formas a serem observados ao longo do desenvolvimento do processo, e que são fundamentais, pois, delimitam os poderes, faculdades e deveres dos sujeitos da lide, coordenam o procedimento e organização do processo, pois, somente com observância moderada ao respeito à ordem dos atos e a distribuição de poderes entre sujeitos é que se pode ser atingida a justiça do provimento judicial.
O processo existe em decorrência de suposta violação ao direito material, deve transcorrer conforme os princípios fundamentais, de acordo com os ditames das leis infraconstitucionais e da Carta Magna. Dentre estes princípios temos a imparcialidade do julgador, a ampla defesa e o contraditório como parâmetros a serem observados para efetiva tutela jurisdicional.
Não há como se negar que o formalismo exerce papel fundamental no exercício da tutela jurisdicional, pois estabelece requisitos processuais intrínsecos ao processo, delimita as fronteiras para o seu início e término, dita as matérias que poderão ser alegadas pelas partes, enfim, presta previsibilidade ao procedimento para que o bem da vida seja alcançado. Neste aspecto Fredie Didier Júnior ressalta:
Pode-se dizer que o formalismo responde às perguntas: como funciona (o processo) e quais são as regras do jogo. Trata-se – em linguagem simples – do regulamento da disputa. O cerne do formalismo processual está no procedimento.- espinha dorsal do processo. (2008, p. 220).
Ocorre que, com freqüência, deparamo-nos com julgadores excessivamente apegos ao formalismo, e que em prol deste, suprimem valores supra-individuais das partes litigantes, e afrontam, em especial, a dignidade dos sujeitos envolvidos na relação processual, em total discrepância com a Constituição Federal.
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira cita alguns exemplos que ratificam a existência de juristas eminentemente positivistas, apegados as dogmáticas, que não têm a sensibilidade de entender que estão lhe dando com vidas e que vêem o processo como um fim em si mesmo, para tanto, vejamos:
São formalismo excessivos: a) o não-recebimento de manifestação recursal posta no correio no último dia do prazo e recebida pela autoridade judiciária a destempo; b) o não-recebimento de recurso interposto por pessoa sem procuração escrita; c) a não admissão de perícia de sangue, revelada depois a sua importância para o desate da controvérsia; d) o não-recebimento de recurso desacompanhado de cópia certificada da decisão impugnada. ( 2009, p.227).
A negação ao excessivo rigor as formas, aqui defendida, não deve ser vista como sinônimo de apego ao informalismo, pois o processo não pode recusar um mínimo de organização, sob pena de se retroceder à época em que o poder discricionário do juiz era tido como válido e legítimo. O que se defende é que o informalismo seja adotado quando atenda a finalidade jurídica de realização do direito material e preserve os direitos e garantias das partes, vez que a ordem pela ordem não tez significado, razão de existir.
Atente-se a isso a noção da humanização do processo, ou seja, da necessidade de um serviço judicial efetivo, rápido, eficiente, econômico, democrático e acessível a todos, necessidades estas que são violadas quando se é eminentemente apego a forma. Corroborando com esta idéia, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, aduz que:
Impõe-se afastar o formalismo oco e vazio, incapaz de servir às finalidades essenciais do processo – relativizada assim qualquer invalidade daí decorrente -, mormente quando atente contra os princípios e valores imperantes no meio ambiente processual, a exemplo da efetividade, da segurança, da boa-fé e lealdade e do princípio do processo justo. O que importa, ao fim e ao cabo, é o formalismo-valorativo. (2009, p.247).
Em prol da busca da realização da justiça material, o bom direito não pode sucumbir em face da exigência puramente de caráter instrumental. Nesse aspecto, ressalta-se que o ordenamento jurídico brasileiro garante ao magistrado a possibilidade de apreciar com liberdade a causa posta em discussão. O que se vislumbra é o excesso mais por parte do aplicador da lei do que pelo sistema processual, uma vez que este, muitas vezes não se vale da instrumentalidade das formas, prevista no Código de Processo Civil, em especial nos arts. 244 e 255.
Isto é reflexo do sistema eminentemente positivista, que não permite ao magistrado perceber que o Direito é vivo, que esta para muito além da lei e só existe se em íntima relação com as demais instâncias da vida. Os magistrados, em sua maioria, tornaram-se pessoas que conhecem a lei, mas não sabem o DIREITO, porque este é produto social. A solução dada ao processo judicial não pode ser mecânica, pois as normas são insuficientes e frágeis para resolução dos conflitos entre os homens, afinal, a sociedade é dinâmica e o Direito é estático.
Vivencia-se, pois, o paradoxo, uma vez que embora legítima a instrumentalidade das formas, bem como dos princípios da convalidação, da conservação, da causalidade, do interesse e da economia processual, os quais têm por escopo legitimar ou atenuar as conseqüências do ato inválido, constantemente se vê juízes que fazem com que o instrumento processual venha a sucumbir em virtude de erros de forma, em expressa violação a Carta Magna e leis infraconstitucionais. Neste aspecto, Luiz Guilherme Marinoni ressalta:
A leitura dos chamados “pressupostos processuais” à luz dos interesses das partes, assim como dos seus direitos fundamentais processuais e do dever estatal de prestação da adequada tutela jurisdicional, impõe o afastamento da neutralidade ínsita à teoria da relação jurídica processual e transforma em dogma a idéia de que os pressupostos são requisitos para a constituição, para a validade ou para a simples apreciação do mérito. A preocupação com as partes e com os direitos fundamentais obriga a pensar os “pressupostos processuais” apenas como requisitos de um “processo justo” ou como requisitos de um processo conforme os direitos fundamentais e o Estado constitucional. (2010, p. 489).
A realidade que se observa é que muitas vezes o poder organizador, ordenador e disciplinador do formalismo, em vez de servir a efetiva realização do direito, contribui para desvirtuá-lo, gera um retardamento irrazoável para solução da controvérsia jurídica, propicia a extinção do processo sem julgamento do mérito, impedindo que o instrumento atinja a sua finalidade essencial.
Ressalta-se ainda que o órgão julgador deve ter um papel ativo na direção da instrumento processual e na busca da verdade fática, para satisfação efetiva dos interesses das partes, isto porque, o processo não se presta somente para a elaboração de uma decisão, e esta não se legitima só por ter sido imposta segundo as observâncias dos ritos processuais, mas também por ter feito justiça – o rigor do formalismo deve resultar temperado pelas necessidades da vida.
2 CONCLUSÃO
A conclusão a que se chega é a de que não podemos entender o processo como um amontoado de regras técnicas que se destinam apenas a traçar os requisitos de constituição e validade do processo, destituídos de valores e funções. A ausência de um pressuposto processual – forma, só deve ter relevância quando constatada em momento processual em que o magistrado não tenha condições de definir a procedência ou improcedência do pedido da parte, uma vez que é este o momento de por fim ao processo.
Acima da forma, o juiz deve buscar meios que garantam a efetiva aplicação dos direitos fundamentais à tutela jurisdicional efetiva e a duração razoável do processo, para que desse modo a tutela material e a paz social sejam alcançadas.
REFERÊNCIAS
________. Código de Processo Civil (1973). In: Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Revisa dos Tribunais, 2011.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
JUNIOR, Fredie Didier. Curso de direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 9. ed. Salvador: Jus Podivm, 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no Processo Civil – proposta de um formalismo valorativo. ed. São Paulo: Saraiva,2009.
Estagiária do Ministério Público de Cicero Dantas/BA (2ª Promotoria) vara criminal.Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Ages.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Ana Helena Santos dos. O formalismo no Processo Civil e a Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 set 2011, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25518/o-formalismo-no-processo-civil-e-a-justica. Acesso em: 23 dez 2024.
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