De início cumpre destacar que a base do sistema do Código de Processo Civil Brasileiro o qual conhecemos e estamos acostumados a lidar é o tradicional procedimento individual, que atende as pretensões individuais, em que as demandas são movidas exclusivamente pelo titular do direito lesado, definida na regra do artigo 6° do CPC que disciplina “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Entretanto, o direito é suscetível de indagações, por isso, as normas existentes são renovadas por anseios de maior liberdade e avanço da sociedade; dessa maneira o processo civil tende a se mostrar alheio ao desenvolvimento e às modificações sociais.
Segundo o ilustre Ministro Teori Albino Zavascki, novos instrumentos processuais foram criados, a tal ponto que, atualmente o processo civil não se limita à prestação da tutela jurisdicional individual, ou seja, o atual sistema apresentou ao longo dos tempos inúmeras possibilidades processuais de tutela dos direitos dos grupos[1], dessa maneira, o referido autor entende que as modificações do sistema ocorreram em momentos diferentes, os quais ele classifica em duas fases. A primeira fase apresenta-se pela introdução de instrumentos destinados a dar curso a demandas de natureza coletiva, tais como a tutela de direitos e interesses transindividuais; posteriormente, entende-se por fase reformadora a segunda fase, o qual teve por objetivo aperfeiçoar tais instrumentos.
Como exemplos da primeira fase introdutória, de instrumentos de participação coletiva nas demandas, podemos citar a famosa Lei 7.347/85, que disciplinou a Ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, enfim, a bens e direitos difusos e coletivos. Posterior a tal lei, surgiram-se as leis 7.853/89 a qual disciplinou a proteção dos direitos de pessoas portadoras de deficiências; Lei 8.069/90 tutelando a proteção aos direitos transindividuais de crianças e adolescentes; Lei 8.078/90 com preservação dos interesses dos consumidores, bem como a Lei 10.741/2003 com o intuito de defender os direitos das pessoas idosas. O objetivo dessas leis acima citadas são os instrumentos de procedimento coletivo, a fim de garantir direitos cuja titularidade é indeterminada.
Ainda com o advento da Constituição Federal de 1988 operou-se de forma importantíssima para a primeira fase reformadora dos direitos de grupos, haja vista que a Carta Magna surge em um contexto pós ditadura militar, no qual direitos e garantias individuais foram cerceados dos cidadãos; dessa maneira, o novo ordenamento jurídico/político trouxe em seu bojo a previsão de um Estado democrático, com a valorização dos direitos e garantias fundamentais inclusive aos grupos.
Assim, com a criação dessas legislações, atualmente, pode-se dizer estar superada a concepção liberal clássica que sempre primou o individualismo. No atual momento histórico, deixam-se pra trás os conceitos estritamente individualistas para passar a entender o Direito, também, através de uma perspectiva transindividual, principalmente com a criação do Projeto de Lei 5.139/2009, que visa disciplinar o Processo Coletivo no Brasil.
O processo exclusivamente individualista não mais reflete a atual realidade social dos novos tempos, pois os conflitos modernos extrapolam o indivíduo, atingindo toda uma coletividade. A transindividualidade dos litígios passou a demandar novas formas de superar os "novos conflitos" apresentados ao poder jurisdicional, retratando os conflitos atuais e os modernos conflitos de massas.
Percebe-se assim que os tradicionais modelos processuais de tutela dos direitos individuais se mostram ineficazes para a proteção dos "novos direitos" de grupos ou de massa. Com a modernização das relações sociais, surgindo diversas novas complexidades, tornou-se necessária uma reestruturação do modelo processual até então vigente, que, historicamente, sempre primou pela proteção das relações eminentemente individualistas.
Nesta linha de pensamento, bem esclarece o mestre Pedro Lenza[2]:
"Pode-se dizer que os instrumentos processuais suficientes e adequados para a solução dos litígios individuais, marcantes na sociedade liberal, perdem a sua funcionalidade perante os novos e demasiadamente complicados conflitos coletivos.
Em uma sociedade de massa, industrialmente desenvolvida, é natural que, além dos conflitos individuais, existam e aflorem conflitos de massa, nunca antes imaginados, uma vez que a 'descomplexidade' social não produzia ambiente propício para a sua eclosão, nem tampouco dos conflitos difusos, transindividuais".
Também nessa linha de pensamento, a digníssima professora Ada Pellegrini Grinover comenta que a Constituição Federal de 1988 veio universalizar a proteção coletiva dos interesses ou direitos transindividuais, sem qualquer limitação em relação ao objeto do processo.[3] Afirma a nobre doutrinadora quando da elaboração do artigo que, 20 anos de experiência de aplicação da Lei de Ação Civil Pública e 15 anos do Código de Defesa do Consumidor, numerosos estudos doutrinários sobre a matéria, cursos universitários de graduação e pós-graduação, sobre processos coletivos, inúmeros eventos sobre o tema, tudo autoriza o Brasil a dar uma novo passo rumo à elaboração de uma Teoria Geral dos Processos Coletivos, que observa princípios próprios, distintos dos princípios e institutos do direito processual individual. Quase 05 anos depois da elaboração do artigo, se cumpriu o alertado pela nobre doutrinadora, que foi com a elaboração do Projeto de Lei nº 5.139/2009.
Tal projeto de lei visa criar e regulamentar mecanismos de facilitação de acesso à justiça através de ações coletivas, haja vista a necessidade atual de se ter um código que discipline a matéria, face a dificuldade que existe em se ter admitida uma demanda coletiva, pois tantas são as restrições criadas no plano da legitimidade, do interesse processual, da possibilidade jurídica do pedido, da gama de direitos suscetíveis de proteção, da tramitação do processo, da forma de provimento admissível e da sua efetivação.
Segundo o festejado Sérgio Cruz Arenhart, o paradoxo dessa situação atual está em que muitas dessas restrições são criações da jurisprudência, originária dos mesmos órgãos que reclamam do acúmulo de feitos para julgamento, da contradição de decisões (a respeito do mesmo assunto) e da multiplicação de causas semelhantes. O Poder Judiciário, que luta contra a morosidade, contra o excessivo volume de demandas (muitas vezes sobre um só tema) e contra a divergência de opiniões presentes em seus escalões, é exatamente o maior responsável pelo insucesso da tutela coletiva, especialmente para a tutela de massa.[4]
Ante o exposto, concordo com o posicionamento dos nobres juristas citados acima, segundo o qual entendo haver uma extrema necessidade de um Código de Processo Civil Coletivo, a fim de não só facilitar o acesso à justiça, mas de haver uma verdadeira facilitação na defesa de direitos difusos e coletivos, solucionando-se os conflitos de grupos e de massa com a devida segurança jurídica que merecem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENHART, Sérgio Cruz. A Tutela de Direitos Individuais Homogêneos e as Demandas Ressarcitórias em Pecúnia. Material da 2ª aula da disciplina O Processo Civil da Atualidade, ministrada no curso de Pós-Graduação Latu Sensu Televirtual em Direito Processual Civil – Uniderp/IBDP/Rede LFG.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito Processual Coletivo. Acesso em 05 de outubro de 2011. Disponível em: http://www.ufrnet.br/~tl/otherauthorsworks/grinover_direito_processual_coletivo_principios.pdf
LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
[1] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 2ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.18.
[2] LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pág. 76.
[3] GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito Processual Coletivo. Acesso em 05 de outubro de 2011. Disponível em: http://www.ufrnet.br/~tl/otherauthorsworks/grinover_direito_processual_coletivo_principios.pdf
[4] ARENHART, Sérgio Cruz. A Tutela de Direitos Individuais Homogêneos e as Demandas Ressarcitórias em Pecúnia. Material da 2ª aula da disciplina O Processo Civil da Atualidade, ministrada no curso de Pós-Graduação Latu Sensu Televirtual em Direito Processual Civil – Uniderp/IBDP/Rede LFG.
Advogado Processualista Cível, Criminal, Consumidor, Previdenciário e Trabalhista. Graduado pela Universidade Camilo Castelo Branco - Campus: Fernandópolis/SP. Pós- graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera afiliada à Rede LFG.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ESTEVES, Welton. Nosso sistema jurídico precisa de um Código de Processo Civil Coletivo? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2011, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25678/nosso-sistema-juridico-precisa-de-um-codigo-de-processo-civil-coletivo. Acesso em: 23 dez 2024.
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