Resumo
As contratações eletrônicas são meios de conclusões contratuais de grande utilização corrente, dentre as quais se destacam os contratos eletrônicos praticados no comércio eletrônico, embora careçam de doutrina e legislação aprofundadas. Por isto, este artigo pretende formular uma interpretação dos contratos eletrônicos praticados no e-commerce e dos contratos realizados mediante as chamadas “compras coletivas”, haja vista a atualidade do tema, à luz da nova hermenêutica contratual, que se baseia no direito civil-constitucional.
Palavras-chave: Contratos eletrônicos. Comércio eletrônico. Compras coletivas. Interpretação contratual.
Sumário: 1. Introdução. 2. Breves considerações sobre o direito civil-constitucional. 3. Contratos eletrônicos e comércio eletrônico. 3.1 C2C 3.2 B2C 3.3 B2B 3.4 G2B 3.5 A novidade as compras coletivas 4.Conclusão 5. Referências Bibliográficas
1. Introdução
A contratação eletrônica é uma realidade dos tempos atuais, embora ainda não haja uma regulação jurídica própria. Então, existem ainda muitas dúvidas acerca, por exemplo, de qual regime jurídico adotado para os contratos eletrônicos, se é possível utilizar o direito do consumidos nestas relações, em que medida o direito civil é o regramento necessário ou meramente subsidiário, entre outras questões.
Com a nova concepção do direito civil, de um sistema jurídico privado comandado pelo sistema constitucional, com a consequente preponderância dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, a relativização dos princípios clássicos, como a autonomia da vontade, e, principalmente, com o reconhecimento da existência de microssistemas jurídicos na seara civil, que vem para colmatar regramentos específicos, não regulados suficientemente pelo direito civil, é forçoso convir que o estudo e a interpretação dos contratos eletrônicos devem ter por base esta nova ideia do direito privado.
Portanto, consideramos serem os contratos eletrônicos um microssistema jurídico-privado, e, como tal, devem ter por norte um direito civil determinado por um sistema constitucional (o direito civil-constitucional). Então, o objetivo deste trabalho é mostrar as normas que devem ser aplicadas para os contratos eletrônicos, compreendendo seus limites interpretativos.
Por fim, nem todas as formas de contratos eletrônicos serão analisadas. O limite epistemológico do trabalho abrange apenas os contratos eletrônicos realizados no comércio eletrônico, isto é, os contratos formados a partir das relações comerciais em meios eletrônicos de comunicação. Esta distinção é importante porque existem contratos eletrônicos não realizados no comércio virtual, como hipóteses de depósitos, mandatos, doações etc. Ou seja, as modalidades de contratos eletrônicos abarcam outras contratações além daquelas realizadas no comércio eletrônico.
2. Breves considerações sobre o direito civil-constitucional
Como a introdução já deixou antever, este estudo parte do pressuposto de uma concepção do direito civil à luz do direito constitucional. Mas como se deu esse processe? Quais suas consequências?
O Código Civil de 1916 (CC/16) tinha por principais caracteres o patrimonialismo e o individualismo, de modo que era tratado como código liberal, distanciado e distinguido do direito público. Assim, direito privado e direito público eram duas representações diversas do direito, que não tinham como serem vistas conjuntamente.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 (CF/88), a Constituição Cidadã, trouxe como valores fundamentais da ordem jurídica nacional a dignidade da pessoa humana, além de valores sociais e democráticos. Ainda, a Constituição de 1988 inseriu o direito civil no Estado social, com a previsão de normas e princípios referentes ao direito privado.
Portanto, esta ruptura constitucional revelou entre a CF/88 e o CC/16 uma incompatibilidade axiológica. Isto é, os valores elencados como fundamentais pela CF/88 não eram previstos, ou eram escanteados, pelo CC/16, de modo que o ordenamento jurídico brasileiro necessitava de uma nova ordem civilista, pois o CC/16 não correspondia aos ditames constitucionais.
Neste sentido, nasceu o Código Civil de 2002 (CC/02), após mais de uma década de plena vigência da Constituição Federal de 1988, e, por isso, trouxe inovações no que diz respeito à proteção da dignidade da pessoa humana (por exemplo, com a inserção dos direitos da personalidade de forma mais pormenorizada em seu corpo textual) e dos valores sociais (como a previsão da função social da propriedade).
Na perspectiva contratual, os principais valores protegidos pelo CC/02 são a socialidade, prezando pela função social dos contratos, como se observa do art. 421, CC/02; a eticidade, com a inserção de valores éticos, notoriamente, a boa-fé objetiva, que tem como decorrência a lealdade, probidade e honestidade; e a operabilidade, facilitação e aproximação com o cidadão comum.
Portanto, vê-se hoje o direito civil como sistema jurídico baseado e limitado pelos ditames constitucionais, e é assim que ele deve ser interpretado e consolidado dentro do ordenamento jurídico nacional.
As consequências desta constitucionalização do direito civil, no que se referem aos contratos, precipuamente, são de duas ordens.
A primeira é a inserção de princípios constitucionais como fundantes do direito contratual-civil, como já se infere dos parágrafos anteriores. Aqui, vemos a preferência ao princípio da boa-fé objetiva e da função social do contrato, com a relativização dos princípios contratuais clássicos, a saber, a autonomia da vontade, a força obrigatória dos contratos (“pacta sunt servanda”) e a relatividade subjetiva dos contratos.
A boa-fé objetiva significa o cumprimento de obrigações de caráter ético e objetivos, independentemente da vontade das partes (e aí se relativiza a autonomia da vontade), pois que revelam, a meu ver, regras de caráter cogente.
Por sua vez, a função social do contrato compreende o caráter de desenvolvimento sócio-econômico que a conclusão do contrato, bem como sua execução, deve abarcar, sob pena de não ter existência em nossa realidade fática e em nossa ordem jurídica. Decorrente da função social do contrato é a equivalência material das prestações, “que perpassa todos os fundamentos constitucionais a ele aplicáveis. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis.” [1]
Em termos interpretativos, como o direito civil brasileiro não estabeleceu regras estanques para a interpretação dos contratos, e, nesse sentido, os princípios constitucionalizados dos contratos são considerados como base interpretativa e de colmatação, inclusive positivada, dos contratos jurídicos. Neste sentido, Pablo Stolze Gagliano, quando aduz que “toda hermenêutica contratual deve tomar, por norte, a principiologia constitucional, notadamente o já desenvolvido princípio da dignidade humana, e as limitações dos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva” [2]
Exemplo disto se dá com a interpretação dos contratos de adesão, cujas cláusulas ambíguas e contraditórias devem ser interpretadas de modo mais favorável ao aderente. Ora, o que é essa regra que não a aplicação, positivada no art. 423, CC/02, da função social do contrato e da boa-fé objetiva, com a relativização da autonomia da vontade das partes.
A outra consequência da concepção do direito civil-constitucional é a formação dos microssistemas jurídico-civilistas. Os microssistemas são regramentos normativos capazes de atender as especificidades de determinadas relações que exigiam tratamento peculiar, em contraponto a codificações que pretendiam regular todas as especificidades relacionais em um só Código. Atualmente, o de maior destaque é o direito do consumidor, que regula as relações de consumo caracterizadas pela grande disparidade entre o consumidor e o fornecedor.
A harmonização e a interpretação entre o Código “geral” (como o Código Civil) e os microssistemas jurídicos se dão através do chamado diálogo das fontes normativas, isto é, a aplicação concomitante de ambas as ordens jurídicas, de acordo com a observação das especificidades da relação in concreto, mas sem exclusão ou revogação normativa.
O contrato eletrônico, de notoriedade em nossa sociedade hodierna, deve ser inserido neste direito civil-constitucional, brevemente apresentado nas linhas acima, e, portanto, considerado um microssistema jurídico, mas cujas normas ainda não foram legisladas. Então, faz-se necessário compreender quais as regras e os princípios devem ser aplicados nos contratos eletrônicos, tendo em vista suas peculiaridades.
Passemos, agora, à análise dos contratos eletrônicos dentro desta ordem jurídica inicialmente apresentada.
3. Contratos eletrônicos e comércio eletrônico
Contratos eletrônicos são aqueles celebrados por meio de programas de computador ou aparelhos com tais programas, ou seja, são os negócios jurídicos “onde duas ou mais pessoas utilizam a internet como meio para manifestar suas vontades e concluir um contrato” [3].
Não se confundem com os contratos de informática, pois neste o objeto da contratação são coisas eletrônicas, relacionadas à informática, mas cujo meio ou instrumento de conclusão do contrato não é necessariamente a internet ou programas de computadores.
Outra noção conceitual necessária, e essencialmente relacionada aos contratos eletrônicos, é a de comércio eletrônico, comércio virtual ou e-commerce. Comércio eletrônico é, pois, qualquer transação comercial realizada por meio eletrônico, ou, mais tecnicamente, “é a atividade comercial explorada através de contrato de compra e venda com a particularidade de ser este contrato celebrado em ambiente virtual, tendo por objeto a transmissão de bens físicos ou virtuais e também serviços de qualquer natureza.” [4], muito embora este conceito limite à compra e venda o que entendo por equivocado.
Portanto, pode-se afirmar que existe uma relação de meio-fim entre e-commerce e contrato eletrônico, ou seja, os contratos eletrônicos são aqueles que utilizam o comércio virtual como instrumento para sua formação e conclusão.
É certo que nem todos os contratos eletrônicos firmar-se-ão por meio do comércio virtual, sendo a conclusão acima alcançada apenas parcialmente correta, mas necessária por dizer respeito ao corte epistemológico do presente trabalho.
Com isso quer-se dizer que será feita uma análise, no que se refere à interpretação e às normas aplicáveis, dos contratos eletrônicos formados e concluídos no comércio virtual, muito embora se saiba que existem outras formas de contratos eletrônicos, a exemplo de um depósito irregular em agência bancária feita pela internet, com a movimentação de contas correntes.
Neste intuito, os próximos tópicos apresentarão os principais tipos de contratos eletrônicos realizados no e-commerce, quais sejam C2C (consumer to consumer), B2C (business to consumer), B2B (business to business), e G2B (government to business). Por último, uma explanação sobre as chamadas “compras coletivas”, tema bastante atual, mas com pouca referência doutrinária.
Por fim, ressalte-se que os contratos formados no comércio eletrônico não são, necessariamente, de compra e venda, embora este se sobressaia frente aos demais, devido a sua larga utilização hodierna, principalmente pelo uso da rede mundial de computadores.
3.1 C2C (consumer to consumer)
Os contratos eletrônicos realizados no comércio eletrônico sob a denominação C2C, do inglês consumer to consumer, se referem às modalidades contratuais feitas entre consumidor e consumidor, sem vínculo com uma empresa, em que pese à possibilidade de existir uma intermediadora, como nos leilões virtuais a partir de domínios específicos, dentre os quais o mais conhecido é o Mercado Livre.
Atualmente, o comércio C2C tem grande aceitação, e “As principais razões para esse crescente sucesso do C2C são: a possibilidade de uma renda extra para quem vende e as ofertas a preços baixos para quem compra, fatores extremamente estimulantes em um país caracterizado cada vez mais por poucos empregos e baixa renda”[5].
Como se depreende diretamente do conceito, as relações comerciais C2C se dão entre pessoas em relação de igualdade, isto é, trata-se de contratos paritários, em que não há sobreposição de uma vontade a outra.
Por estes motivos, nestes casos devem ser aplicados os regramentos civis, naquilo em que for possível. Assim, algumas regras merecem destaque.
Em primeiro lugar, de acordo com o princípio da boa-fé objetiva, as partes contratantes devem atuar com honestidade e probidade, em todas as fases de formação do contrato. Combinado com isto tem que é um contrato em que o contratante não tem acesso direto e visual ao produto ou à qualidade do serviço fornecido.
E estas características geram conseqüências. A responsabilidade pela coisa, e pela sua entrega, inclusive vícios redibitórios, caracteres do objeto ou do serviço estranhos ao pactuado ou forma e prazo de entrega diferente do acordado, é toda daquele que a detém inicialmente, em regra, do vendedor (pois a regra é o contrato de compra e venda), a não ser que o contratante tenha sido comunicado destes defeitos ou divergências antes do recebimento do produto ou serviço, e com eles expressamente consentiu.
Entendo que a aceitação das condições diversas deve ser antes do recebimento do produto ou serviço pelo fato de que é o recebimento a consumação do contrato, e, aceitar condições divergentes do pactuado após a consumação do pacto poderia importar em vícios, comprometendo a boa-fé quando da execução do contrato (em confronto com o art. 422, CC/02).
Além disso, a aceitação deve ser expressa, uma vez que não se pode aceitar que o silêncio do contratante importe em anuência, pois isto poderia prejudicar o aceitante. De fato, a teor do art. 111, CC/02, deve-se se entender que as circunstâncias ora referidas não autorizam o silêncio ser interpretado como anuência.
Questão relevante, também, é a de anotar que os contratos eletrônicos realizados no comércio eletrônico sob a rubrica C2C podem ser considerados entre presentes ou entre ausentes, com todas as decorrências que este fato acarreta em relação à proposta ou à oferta.
De fato, podem ser consideradas entre presentes caso a comunicação entre as partes se dê de forma instantânea, como nos chats de mensagem imediatas, como se infere da interpretação da segunda parte do inc. I art. 428, CC/02. Por outro lado, serão considerados entre ausentes quando o contato entre as partes se der mediatamente, sem instantaneidade, observando que o Código Civil de 2002 adotou a teoria da agnição, com a subteoria da receptação, sendo considerada aceita a proposta quando esta chegar ao conhecimento do proponente.
Ainda, tema que merece destaque é a exceção de contrato não cumprido, regulado pelo art. 476, CC/02, que afirma a não possibilidade de exigir o cumprimento da obrigação da outra parte antes que a sua obrigação tenha sido satisfeita.
Na prática, o que ocorre muitas vezes, notoriamente nos contratos de compra e venda e de prestação de serviços, é que o vendedor/prestador exige o pagamento da coisa/do serviço e a comprovação deste pagamento para posteriormente realizar sua obrigação, entregando a coisa ou realizando o serviço.
Estas situações são até compreensíveis pela impossibilidade fática de concomitância de realização das obrigações. No entanto, se a coisa não for entregue como combinada ou o serviço não for prestado devidamente, o comprador/tomador tem direito à restituição do valor pago, mais perdas e danos.
Destaque-se também que, se se tratar de um contrato de adesão, as cláusulas ambíguas ou contraditórias serão interpretadas de maneira mais favorável ao aderente (art. 423, CC/02).
Por fim, vale analisar os casos em que existe uma empresa intermediadora da relação contratual, como nos leilões virtuais. Entendo que a responsabilidade destas empresas, quando do inadimplemento da prestação por parte do “expositor” do produto ou serviço, ou quando do adimplemento parcial, em que sobeje algum defeito ou vício, ainda que sanável, é meramente subsidiária, e apenas quando houver agido com culpa, nos casos em que era possível detectar o defeito ou vício da coisa (vício de “fácil constatação”, para usar a nomenclatura inserta nos contratos de consumo), mediante fiscalização adequada.
Portanto, os contratos do e-commerce C2C devem ser interpretados conforme a legislação civil, nos limites de suas peculiaridades.
3.2 B2C (business to consumer)
Os contratos eletrônicos realizados no comércio eletrônico sob a rubrica B2C, do inglês business to consumer, se referem às modalidades contratuais feitas entre empresa e consumidor final.
“No âmbito do Direito Brasileiro, ainda não encontramos uma legislação específica, que venha as disciplinar o "business to consumer", assim entendemos que as relações jurídicas perfectibilizadas através da rede mundial de computadores, seguem os ditames previstos no Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990), especialmente no que pertine ao disposto nos Incisos I a XIII, artigo 39, que em linhas gerais, onde são caracterizados os aspectos considerados como formas de práticas abusivas, que podem causar prejuízos incomensuráveis aos consumidores “[6].
Como se percebe, nesta situação tem certamente uma forma progressista de relação de consumo, sendo marcante a hipossuficiência do consumidor final em face da empresa fornecedora de bens ou serviços. Conseguintemente, a interpretação destes contratos eletrônicos deve ser feita conforme o direito do consumidor, positivado no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (lei 8078/90 – CDC). A existência de um microssistema jurídico como o direito do consumidor é reflexo imediato da concepção do direito civil-constitucional, que abriu possibilidade para o diálogo das fontes normativas.
Por esta aplicabilidade do CDC, a responsabilidade do fornecedor (o “business”) é objetiva e solidária, ou seja, não depende de culpa, sendo necessário apenas o nexo causal entre o prejuízo do consumidor e o fornecimento do produto ou serviço, e contratual, decorrente do inadimplemento das obrigações contratuais, ou extracontratual, por desrespeito às normas de natureza cogente de proteção ao consumidor.
Assim, a responsabilidade por erro sobre o produto ou serviço, sobre seus modos de transporte ou prazos, apenas para citar os mais comuns, são de fácil identificação, sendo necessária somente a comprovação de prejuízo ao consumidor e o nexo causal deste prejuízo com o (mal) fornecimento do produto ou serviço.
A regra interpretativa mais importante no direito consumeirista é a expressa no art. 47, CDC, estabelecendo o princípio da interpretação mais favorável ao consumidor, o que mostra a consonância com a responsabilidade objetiva, solidária e extracontratual (a responsabilidade contratual existe em todo e qualquer contrato).
Questão interessante é a da responsabilidade pré-contratual, isto é, antes da formação do contrato, prevista no art. 48 do CDC, vinculando o fornecedor às declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo. Nos contratos eletrônicos realizados no comércio virtual, esta norma ganha destaque e aplicabilidade, uma vez que as ofertas ao público, no domínio específico da empresa ou em domínio públicos de propaganda (hoje, grande parte das redes sociais fazem propagandas, por exemplo), vinculam o fornecedor, pois são entendidas como pré-contratos, servindo como meio de prova o registro salvo da página virtual.
Ponto relevante é também o direito de arrependimento, previsto no art. 49, CDC, verbis: “O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.”
Nos contratos eletrônicos, por certo, a contratação ocorre fora do estabelecimento comercial, em situação análoga ao telefone ou a domicílio. No entanto, não há possibilidade da assinatura, sendo o contrato realizado, na maioria das vezes, mediante cadastro/registro no domínio e comprovação de cumprimento da obrigação. Então, o chamado prazo de reflexão de sete dias será contado a partir do recebimento do produto ou serviço, protegendo o consumidor de relações contratuais realizadas insatisfatoriamente.
O direito de arrependimento é “irrestrito e incondicionado, pois independe da existência de qualquer motivo que o justifique, ou seja, no íntimo o consumidor pode até ter suas razões para desistir, mas elas não precisam ficar evidenciadas nem tampouco explicitadas” [7], até porque se trata de norma cogente ou de ordem pública, e não uma estipulação contratual.
Merece destaque a análise dos vícios redibitórios em relações de consumo provenientes de contratos eletrônicos. O vício abrangido pelo CDC, notadamente pelos arts. 18 a 20, não é apenas o vício oculto, mas também os aparentes e os de fácil constatação, inclusive com prazo decadencial diferenciado, de 30 dias para coisa duráveis ou 90 dias para coisas não duráveis, contando-se a partir do recebimento da coisa ou término da execução dos serviços, ou, no caso de vício oculto, a partir do momento em que este for detectado, de acordo com o art. 26 e §§ da lei 8078/90.
Portanto, os contratos eletrônicos no e-commerce B2C são regidos e interpretados conforme o direito do consumidor, e, consequentemente, com as disposições constantes do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, nos limites de suas peculiaridades.
Por último, importa salientar a existência da modalidade reversa do B2C, que é o C2B, “a negociação eletrônica entre consumidores e empresas. É o reverso do B2C, também chamado de leilão reverso. Acontece quando consumidores vendem para empresas” [8]. Aqui, muito embora haja uma relação entre consumidor e empresa, não se aplicam as disposições relativas ao direito consumeirista, mas sim as concernentes ao direito civilista, tendo em vista que o receptor de bens ou serviços não é hipossuficiente em face do fornecedor de fato.
3.3 B2B (business to business)
Os contratos eletrônicos formados no comércio virtual com a denominação B2B, business to business, dizem respeito aos contratos realizados entre duas pessoas jurídicas (empresas) distintas, na qual uma estará sendo a fornecedora dos produtos ou serviços e a outra a receptora dos mesmos.
Segundo a doutrina majoritária[9], a esta relação comercial se aplicam as regras relativas ao direito civil, observando as peculiaridades já vistas no tópico 3.1, tendo em vista que, por termos duas pessoas jurídicas, consideradas empresárias, existem uma relação de igualdade entre elas.
Entretanto, essa ideia não pode ser absoluta. Muitos casos existem em que na relação entre duas empresas há o contraste característico da hipossuficiência, a exemplo de uma relação comercial entre uma transnacional e uma microempresa ou empresa de pequeno porte. Nestes casos especiais o direito do consumidor pode (e deve) ser aplicado, para proteger o consumidor, no caso uma empresa pequena, em face de uma grande empresa.
Então, nas relações B2B, temos o seguinte quadro: se as empresas estiverem em pé de igualdade, interpreta-se conforme o direito civil, nos limites de suas peculiaridades; se houver hipossuficiência entre as empresas, tendo em vista seu poderio econômico, aplica-se o direito do consumidor, naquilo que couber (as peculiaridades já forma analisadas no tópico 3.2).
3.4 G2B (government to business)
O contrato eletrônico G2B, government to business, “é a relação de negócios pela internet entre governo e empresas. Por exemplo, as compras pelo Estado através da internet por meio de pregões e licitações, tomada de preços” [10].
O fundamento para uma relação comercial entre empresa e governo deve ser a primazia do interesse público e a necessidade de recorrer ao âmbito privado. Por isto, nos contratos eletrônicos no e-commerce entre governo e empresas, a interpretação deve se dar conforme o direito público, notadamente o direito administrativo, pois mexe com o interesse estatal, público, e não entre particulares.
Como o objetivo do trabalho é uma análise da interação entre as normas do direito civil e do direito do consumidor na interpretação dos contratos eletrônicos realizado no comércio virtual, não cabe aqui pormenorizar as regras que regem as relações entre governo e empresas, pois isto cabe ao direito administrativo.
3.5 A novidade das compras coletivas
Nos dias de hoje existe uma febre relacionada às compras coletivas. E este trabalho, por pretender ser atual, dedica breves apontamentos acerca do conceito, da interpretação e da responsabilidade nos casos de compras coletivas.
As compras coletivas são contratos eletrônicos de compra e venda, formadas no e-commerce, no qual uma empresa, proprietária da página virtual, oferece produtos ou serviços de outras empresas, proprietárias fáticas destes produtos ou serviços, aos consumidores, sob a condição suspensiva da necessidade de serem realizados determinado número de compras, previamente estabelecidos (daí seu caráter coletivo). Ou seja, a compra do consumidor só terá eficácia caso um determinado número de consumidores também realize aquela compra.
“Este modelo de negócio foi criado nos Estados Unidos por Andrew Mason, quando lançou o primeiro site do gênero em novembro de 2008, o Groupon. Aqui no Brasil o pioneiro foi o Peixe Urbano, iniciando suas atividades em março de 2010. Desde então, a Compra Coletiva se consolidou entre os brasileiros, beneficiando tanto as empresas que podem vender suas mercadorias em maior volume por conta de seu baixo preço, assim como os consumidores, que poderão adquirir bens com generosos descontos por estarem realizando uma Compra Coletiva”[11].
Observam-se, com isso, três relações jurídicas distintas: a primeira entre a empresa proprietária do domínio (chamada adiante de empresa virtual) e a empresa proprietária dos produtos ou serviços (doravante empresa real; a segunda entre a empresa virtual e os consumidores; e, por fim, entre a empresa real e os consumidores.
O contrato realizado entre as empresas virtual e real tem caráter eminentemente civil, sendo regido e interpretado pelas normas do Código Civil, normalmente sob a rubrica de prestação de serviços (o serviço aqui é o de propaganda e fornecimento direto de seu produto), pois há uma relação paritária, entre iguais, e não caracterizada pela hipossuficiência.
Por sua vez, o contrato realizado entre a empresa virtual e o consumidor, o único dentre os três que pode ser considerado como contrato eletrônico de fato, deve ser interpretado como relação de consumo, além de ser necessariamente um contrato de adesão, já que o consumidor está em desvantagem econômica em face da empresa virtual e não tem a possibilidade de discutir as ofertas.
Como contrato de consumo, as normas do contrato são regidas pelo princípio da interpretação mais favorável ao consumidor. No entanto, as compras coletivas revelam vantagens significantes aos consumidores, principalmente o desconto elevado no preço dos produtos ou serviços, e, devido a isto, a oferta deve ser interpretada de modo restritivo, e não extensivo.
Um exemplo vai ilustrar o falado no parágrafo anterior. Sabemos que as redes de lanchonetes (Mac Donald’s, Burger King, Bob’s etc) oferecem combos aos consumidores, isto é, não apenas um produto, mas um conjunto deles, para satisfação das necessidades em um ato. O mais normal dos combos é unir refrigerante, batata frita e hambúrguer. Agora, imaginemos que o domínio da compra coletiva ofereça ao consumidor apenas o hambúrguer por um preço descontado. Neste caso, o consumidor não poderá interpretar extensivamente, pensando que o oferecido foi o combo, mas restritivamente, sabendo que tem direito apenas ao hambúrguer. Por outro lado, dada a omissão da informação, o consumidor tem direito ao hambúrguer completo, sem restrições.
Ainda neste contrato, vale salientar que, ao contrário das empresas virtuais intermediadoras de relações comerciais vistas no 3.1, as empresas virtuais de compras coletivas não são intermediadoras. O contrato é realizado diretamente com elas. Portanto, o inadimplemento contratual, inclusive sua execução imperfeita, gera para ela responsabilidade civil objetiva, independente de culpa, e de forma solidária com a empresa real.
O último contrato se dá entre a empresa real e o consumidor. Certamente, temos uma relação de consumo, posto que indireta, pois a negociação é feita diretamente com a empresa virtual.
A relação de consumo, aqui, se caracteriza pela clássica dinâmica bilateral entre fornecedor e consumidor, e deve ser interpretada, obviamente pelas normas e princípios do direito do consumidor.
Pelo princípio da boa-fé objetiva, o consumidor tem direito a receber, da empresa real, o produto ou serviço, na mesma qualidade em que ele é prestado em condições normais, sem a compra pelo domínio de compras coletivas, ou seja, o produto ou serviço é devido na mesma qualidade e quantidade. Ainda, não pode a empresa virtual aumentar o preço dos outros produtos ou serviços adjacentes, por violação à boa-fé objetiva e à função social do contrato, inclusive contrato consumeirista.
A responsabilidade da empresa real é subjetiva, depende de culpa, e solidária com a empresa virtual. Esta solidariedade não subsiste, entretanto, quando a responsabilidade ocorrer devido a não prestação em iguais condições (qualidade e quantidade) do produto ou serviços, nos termos anotados nas linhas acima.
4. Conclusão
Os contratos eletrônicos fazem parte de nossa realidade social, sendo realizados normalmente no chamado comércio eletrônico, mas ainda não tem legislação específica. No entanto, não podemos nos escusar de interpretá-los e compreender qual regime jurídico a eles são aplicados.
Em nossa ordem jurídica atual, os contratos devem ser analisados sob a ótica de um direito civil-constitucional, isto é, com a visão da constitucionalização do direito privado, de íntima relação entre direito público e privado. As consequências desta nova visão, nas relações contratuais, são a inserção de princípios paradigmáticos como norte da teoria geral do contrato, a saber, a boa-fé objetiva e a função social do contrato; e a abertura para microssistemas jurídicos, regimes nos quais o direito privado é interpretado de acordo com as especificidades de suas relações.
Existem vários tipos de contratos realizados no comércio eletrônico, mas os principais foram aqui esboçados, chegando às seguintes conclusões esquemáticas: os contratos C2C, realizados entre consumidores, são interpretados conforme a lei civil; os contratos B2C, feitos entre empresas e consumidores, são caracterizados pela hipossuficiência deste em relação àquele, e por isso são regulados pelas leis consumeiristas; os contratos B2B, entre duas empresas, são regidos, via de regra, pelo direito civil, tendo em vista a igualdade de poderio. Mas, se esta igualdade não existir, podem ser usadas as normas do direito do consumidor; por fim, os contratos G2B, entre governo e empresas, são regulados conforme o direito administrativo, dada a sujeição ao interesse público. Sempre observando a responsabilidade decorrente desta adequação interpretativa e regulamentadora.
Por fim, numa abordagem introdutória sobre as compras coletivas, nova modalidade de contrato eletrônico em alta na sociedade, além de uma tentativa conceitual, chegou-se a conclusão de que existem três contratos: entre as empresas virtuais e reais, regidas pelo direito civil; entre o consumidor e a empresa virtual, relação de consumo direta; e entre o consumidor e a empresa real, relação de consumo indireta; estas últimas reguladas pelo direito do consumidor e sempre observando as responsabilidades daí decorrentes.
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[1] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Retirado de: http://jus.uol.com.br/revista/texto/507/constitucionalizacao-do-direito-civil/2. Acesso em: 24/06/2011
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[3] SOUZA, Ysis Lorena Cruz. Os contratos etrônicos e o ordenamento jurídico brasileiro. Retirado em: http://monografias.brasilescola.com/direito/os-contratos-eletronicos-ordenamento-juridico-brasileiro.htm. Acesso em: 24/06/2011
[4]CATANA, Luciana Laura Treza Oliveira. Retirado de: http://www.advogado.adv.br/artigos/2006/lucianalauraterezaoliveiracatana/comercioeletronico.htm. Acesso em: 24/06/2011.
[5] FELLIPINI, Dailton. O comércio eletrônico C2C. Retirado de: http://www.e-commerce.org.br/artigos/comercioeletronico_C2C.php. Acesso em: 24/06/2011.
[7] NOGUEIRA. Bruno do Santos Caruta. Direito de arrependimento à luz do código de defesa do consumidor. Retirado em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/5626/direito-de-arrependimento-a-luz-do-codigo-de-defesa-do-consumidor. Acesso em: 25/06/2011
[8] Retirado em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAA9iEAK/comercio-eletronico. Acesso em: 25/06/2011
[9] COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial, 18ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo, 2007.
[10] Retirado em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAA9iEAK/comercio-eletronico. Acesso em: 25/06/2011.
[11] GAVIOLI, Guilherme. Compra coletiva. Retirado de: http://ecommercenews.com.br/glossario/o-que-e-compra-coletiva. Acesso em: 26/06/2011.
Bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, João Batista Coêlho de Araújo. A interpretação e regulamentação dos contratos eletrônicos à luz do direito civil-constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 out 2011, 10:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25747/a-interpretacao-e-regulamentacao-dos-contratos-eletronicos-a-luz-do-direito-civil-constitucional. Acesso em: 23 dez 2024.
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