SUMÁRIO: Introdução. A negação do jusnaturalismo na doutrina de Kelsen. Conclusão.
Resumo: O presente artigo objetiva realizar uma análise aprofundada na doutrina de Hans Kelsen, mais especificamente em seu ponto fundamental: a negativa, pelo mestre da existência do direito natural, bem como suas conseqüências na Ciência do Direito.
Palavras-chave: Jusnaturalismo. Direito positivo.
I – Introdução
II - A negação do jusnaturalismo na doutrina de Kelsen
O mestre vienense, em sua doutrina de mais de seis décadas, nega a vertente social do Direito, assumindo que este não é uma criação oriunda das relações sociais. Segundo Kelsen, o mundo jurídico não seria uma criação social. Desta forma, o mesmo acaba por afirmar que antes de existir o Direito positivo não havia relações entre os indivíduos com o fim de pacificação e regulamentação social, negando o Direito natural.
Kelsen nega em sua “Teoria Pura do Direito” a valoração do Direito positivo, como se este não fosse uma Ciência Humana, tudo isto em nome da neutralidade objetiva que sempre buscou. Contudo, o mesmo, rendendo-se à verdade, acaba por afirmar que sua Norma Hipotética Fundamental era uma norma fictícia, o que acaba por destruir o pilar de sustentação daquilo que defendeu por mais de sessenta anos.
Consoante Arnaldo Vasconcelos:
“Todavia, afirmar meramente tratar-se de uma teoria do Direito positivo constitui, para Kelsen, um pleonasmo, porquanto para ele, ‘o Direito é sempre positivo.’ Ou, como sublinhara já no prefácio da 2ª edição dos ‘Problemas Fundamentais’: ‘Il fatto che la dottrina del diritto possa essere solo uma teoria de diritto positivo viene in generale presupposto come ovvio.’ Ficava descartado, de maneira decisiva, o chamado Direito natural. Estava firmada a opção, que Kelsen jamais renegaria: sua visão de mundo jurídico seria decisivamente positivista.
Para ele, positivista e realista. Entende Kelsen que um conceito implica o outro. Ficou isso claro ao declarar que sua teoria se limita à análise do Direito positivo como sendo a realidade jurídica. Mas,outra vez aqui, do Direito positivo segundo a visão positivista. Como se lê adiante, na mesma obra: ‘Nesse sentido, é uma teoria do Direito radicalmente realista, isto é, uma teoria do positivismo jurídico.’ Ser positivista é, pois, ser realista. A partir daí, torna-se difícil entender como se pretende realista uma Ciência que, a fim de preservar sua pureza, ‘deve ser distinguida (...) da Sociologia, ou cognição da realidade social.’ Um realismo fora da realidade social.
Já se vê que a realidade, a que se refere Kelsen, não é a realidade existencial ou social, por sua condição natural de despurificadora do Direito. Trata-se, antes, da realidade de conhecimento ou teórica.
Kelsen afirma ser a teoria pura ‘radicalmente realista’, isto é, uma teoria do positivismo jurídico. Acrescenta: ‘Recusa-se a valorar o Direito positivo.’ E nega-se a fazê-lo em nome da neutralidade objetiva. Não via Kelsen que, assim agindo, estava apenas valorando o oposto do que desejava desvalorar, a saber, a neutralidade científica. No mundo dos valores, entidades bipolares, tudo passa justamente desse modo: a negação de um valor importa a afirmação do valor contrário.
O preço desta neutralidade científica foi o aparecimento de mais uma antinomia interna na sua construção teórica. Acabamos de ver como Kelsen adotou o conceito neokantiano da realidade-pensada ou ideal, fundada no princípio que o mundo é criação do pensamento. É de indagar-se, então: como criar o mundo de improviso, como fazê-lo com ausência de critérios, como construí-lo sem valoração? Nietzsche, bem próximo a Kelsen, com antecedência já desvendara o processo: ‘nada que possua valor neste mundo o possui por si mesmo, segundo sua natureza – a nós que os demos, nós, os atribuidores! Nós criamos o mundo que interessa ao homem!’
Mais importante do que tudo isso, porém, foi o fato de Kelsen, ao afirmar de modo surpreendente, que sua norma fundamental era uma norma fictícia, ter destruído o ponto axial de sustentação de sua teoria, e, com ele, o próprio conceito de validade, que constituía, sem dúvida, sua essência ou seiva vital. A ausência dessa norma deixa o sistema desmobilizado e desfigurado a tal ponto, que já não se poderia mais fazer a distinção entre a ordem legal de um agente público e o grito de um assaltante que, de arma em punho, exige a carteira de alguém.
Depois de haver condenado o uso da ficção em ciência, por representar ‘uma mentira e um ultraje à vida’, Kelsen a utiliza para a definição problemática norma básica, ponto axial e fecho de seu sistema. Esta, subscreve, ‘não é norma positiva, (...) senão uma norma pressuposta no pensamento do cristão, quer dizer, uma norma fictícia.’” (Arnaldo VASCONCELOS, Teoria Pura do Direito: Repasse Crítico de seus Principais Fundamentos, pp. 4-5, 7,9)
Contudo, ridícula veleidade seria a de quem pensasse em amesquinhar a autoridade de Hans Kelsen, vulto descomunal da Ciência Jurídica, que dedicou toda uma vida a uma causa intelectual honorável, a saber, a criação de uma Ciência do Direito autônoma. Mas esta situação excepcional, a despeito de toda a sua superioridade, não o eleva acima da crítica.
III - Conclusão
À luz do exposto, concluímos que a Teoria Pura do Direito, não obstante haver assinalado época, e beneficiado a História como um vigoroso estímulo a grandes trabalhos no tocante à autonomia e independência da Ciência do Direito, mormente acerca da natureza da norma jurídica, confere a Kelsen o mérito de haver fixado as premissas lógico-formais do tema, mas o fato de negar o caráter criador de Direito das relações sociais, por meio de sua abstração chamada Norma Hipotética Fundamental, e a esta conferindo o caráter positivo e postulado fundamental de toda a sua teoria e após mais de sessenta anos de defesa disto, a negar como norma positiva, sendo vencido o mestre – a vida toda antijusnaturalista – pela entrada de um mínimo de metafísica e de Direito natural em sua teoria, através da revisão da doutrina da NHF. Isto evidencia a rendição do mestre ao caráter social do Direito, o qual é um corolário lógico das relações humanas, do qual o ordenamento jurídico é a sua mais fiel fonte de expressão.
Conforme Platão:
“É forçoso que haja tantas espécies de caracteres de homens como forma de conduta. Ou julgas que elas nasceram do carvalho e da rocha, então dos costumes civis, que arrastam tudo para o lado que pendem?” (PLATÃO, A República, p. 240)
Ainda Homero:
“Mas diz-me qual a tua raça, de onde ela vem, pois não deriva do lendário carvalho, nem da rocha.” (HOMERO, Odisséia, pp. 162-163)
- Referências bibliográficas
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Advogado. Professor do Curso de Direito da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA/CE; Especialista em Direito Tributário pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá/RJ;<br>Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Diego Sabóia e. Kelsen estava errado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 nov 2011, 14:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25830/kelsen-estava-errado. Acesso em: 23 dez 2024.
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