SUMÁRIO: Introdução. O ordenamento jurídico como uma condição essencial e indeclinável para uma convivência social harmônica. Conclusão.
Resumo
Palavras-chave: Ordenamento jurídico. Exigência social.
I – Introdução
II - O ordenamento jurídico como uma condição essencial e indeclinável para uma convivência social harmônica
Consoante entendimento esposado na doutrina contratualista, a transição do Estado Natural para o Estado de Direito surgiu do lento e gradual amadurecimento da sociedade, que entendeu ser necessária uma mudança de atitude para seu próprio sobreviver, através de um “acordo mútuo”.
Segundo leciona Norberto Bobbio:
“Um ordenamento não nasce num deserto; deixando de lado a metáfora, a sociedade civil sobre a qual se forma um ordenamento jurídico, como é, por exemplo, o do Estado, não é uma sociedade natural, completamente privada de leis, mas uma sociedade na qual vigem normas de vários gêneros, morais, sociais, religiosas, usuais, consuetudinárias, regras convencionais e assim por diante. O novo ordenamento que surge não elimina nunca completamente as estratificações normativas que o precederam: parte daquelas vêm a fazer parte, através de um conhecimento expresso ou tácito, do novo ordenamento, o qual, deste modo, surge limitado pelos ordenamentos precedentes. Quando falamos de poder originário, entendemos originário juridicamente, não historicamente. Podemos falar então de um limite externo do poder soberano.
O poder originário, uma vez constituído, cria ele mesmo, para satisfazer a necessidade de uma normatização sempre atualizada, novas centrais de produção jurídica, atribuindo a órgãos executivos o poder de estabelecer normas integradoras subordinadas às legislativas (os regulamentos); a entidades territoriais autônomas o poder de estabelecer normas adaptadas às necessidades locais (o poder normativo das regiões, das províncias, dos municípios); a cidadãos particulares o poder de regular os próprios deveres através dos negócios jurídicos (o poder de negociação). A multiplicação das fontes não deriva daqui, de uma limitação proveniente do exterior, quer dizer, do choque com uma realidade normativa pré-constituída, à qual também o poder soberano deve prestar contas, mas de uma autolimitação do poder soberano, o qual subtrai a si próprio uma parte do poder normativo para dá-lo a outros órgãos ou entidades, de alguma forma dele dependentes. Pode-se falar neste caso de limite interno do poder normativo originário.” (Norberto BOBBIO, Teoria do ordenamento jurídico, p. 42)
É interessante observar como esse duplo processo de formação de um ordenamento, através da absorção de um direito preexistente e da criação de um direito novo, e a conseqüente problemática da limitação externa e da limitação interna do poder originário, é refletido fielmente nas duas principais concepções com as quais os jusnaturalistas explicaram a passagem do estado natural ao estado civil. Conforme o pensamento jusnaturalista, o poder civil originário forma-se através de um estado de natureza a partir de procedimento próprio do contrato social, que de acordo com Thomas Hobbes, aqueles que estipulam o contrato renunciam completamente a todos os direitos do estado natural, e o poder civil nasce sem limites.
Como uma outra hipótese, a qual atribuímos o nome de lockiana, o poder civil é fundado com o objetivo de assegurar melhor o gozo dos direitos naturais, a saber, a vida, a propriedade, a liberdade e, portanto, nasce originariamente limitado por um direito preexistente.
Ainda sob o manto da doutrina do grande Bobbio, é-nos forçoso depreender que na primeira hipótese o Direito natural desaparece completamente ao dar vida ao Direito positivo; na segunda, o Direito positivo é o instrumento para a completa atuação do preexistente Direito natural.
Nesta segunda teoria, a soberania nasce limitada, vez que o Direito natural originário não é completamente suplantado pelo novo Direito positivo, mas conserva em parte sua eficácia no bojo do mesmo ordenamento positivo, como direito aceito.
Nessas duas teorias vêem-se claramente representados e racionalizados os dois processos de formação de um ordenamento jurídico e a estrutura complexa que deles deriva.
Referidos entendimentos encontram assento na teoria contratualista do Estado, que é a doutrina da vontade geral, e que por mais críticas que haja recebido ainda não encontrou outra teoria que a enfrentasse com êxito e a superasse com vantagem, motivo pelo qual ainda hoje desempenha fundamental papel na teoria político-jurídica do Estado democrático representativo contemporâneo.
A insegurança jurídica que pairava no Estado natural fez os particulares abdicarem de parte de suas forças individuais em proveito de alguém que as gerisse – o Estado – e lhes garantisse a segurança que tanto almejavam. Trata-se de marco fundamental na História da humanidade, uma vez que deixa de existir apenas o Direito natural e nasce o Direito positivo. Os contratualistas, através de Rousseau, em seu “Do Contrato Social”, e Kant, demonstraram com muita propriedade que esta transição havia se caracterizado pela institucionalização da sanção, esta passando a ser pública e monopólio estatal.
Conforme explanado outrora, as relações sociais mantidas com o fim de pacificação do sobreviver social – em última instância a vontade geral – preexistem ao ordenamento jurídico, ou como preferem os contratualistas, ao contrato. Por esse mesmo motivo o ordenamento apenas capta essa vontade geral. Por isso mesmo é que salta aos olhos o caráter de regulamentação social do ordenamento, sendo este o reflexo fiel dos anseios sociais.
Isto não significa que a vontade geral fique exaurida com a formação do contrato-lei. Justamente pelo fato de o ordenamento se basear em referida vontade, este se torna mutável quando assim exigir a sociedade, permanecendo, é claro, aqueles sentimentos indeléveis que norteiam o ser humano e, portanto, imutáveis. Se do contrário fosse, o ordenamento não refletiria o querer social e motivo não haveria para este existir, pois como fazer um retrato sem copiar as feições daquele que está sendo retratado?
III – Conclusão
Daí dizer-se que o ordenamento jurídico resulta da natureza das relações sociais e reflete a vontade geral, que constitui seu fundamento. Segundo Montesquieu:
“De acordo com o que nos é dado conhecer, o mundo, formado pelo movimento da matéria e destituído de inteligência, subsiste sempre; desse modo, é preciso que seus movimentos tenham leis invariáveis; e, se pudéssemos conceber um mundo diferente, este teria de possuir regras constantes, caso contrário seria destruído.
Dessa forma, a criação, que parece ser um ato arbitrário, supõe regras tão invariável quanto a fatalidade dos ateus. Seria absurdo dizer que, sem essas regras, o criador poderia governar o mundo, pois o mundo não subsistiria sem elas.
Tais regras são uma relação constantemente estabelecida. Entre dois corpos em movimento, é segundo as relações de massa e da velocidade que todos os movimentos são recebidos, aumentados, diminuídos, perdidos; cada diversidade é uniformidade, cada mudança é constância.
Os seres particulares inteligentes podem ter leis feitas por eles próprios, mas também possuem outras que não foram feitas por eles. Antes de existirem seres inteligentes, a existência desses seres já era possível; tinham, então, relações possíveis e, por conseguinte, leis possíveis. Dizer que não existe nada de justo nem de injusto senão o que as leis positivas ordenam ou proíbem, é o mesmo que afirmar que, antes de ser traçado o círculo, todos os seus raios não eram iguais. É preciso, então, reconhecer a existência de relações de eqüidade anteriores à lei positiva que as estabelece.” (MONTESQUIEU, Do Espírito das Leis, pp. 17-18)
- Referências bibliográficas
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Advogado. Professor do Curso de Direito da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA/CE; Especialista em Direito Tributário pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá/RJ;<br>Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Diego Sabóia e. Ordenamento Jurídico: manifestação necessária das relações sociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 nov 2011, 10:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25832/ordenamento-juridico-manifestacao-necessaria-das-relacoes-sociais. Acesso em: 23 dez 2024.
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