1. INTRODUÇÃO
No passado, não muito remoto, a idéia de interesse juridicamente salvaguardado estava diretamente relacionada a alguma lesão patrimonial, pois apenas recentemente é que se pode perceber a pessoa humana não só no seu aspecto geradora de riquezas, mas, também, como dotada de direito inerentes a sua existência.
O fato de se entender que a agressão ao ser humano pode-se dar não só na dimensão material, mas também na dimensão espiritual deu margem ao desenvolvimento dos estudos acerca da responsabilidade civil decorrente da reparação por um dano moral.
Sob o entendimento de que não é possível ignorar a necessidade de se reparar a lesão promovida pelo dano moral é que se desenvolve atualmente, em sua plenitude, a doutrina acerca da teoria da responsabilidade civil no âmbito do direito pátrio.
2. A EVOLUÇÃO DO DANO MORAL NO DIREITO BRASILEIRO
O dano moral sofreu muita resistência para ser admitido no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse mesmo sentido assevera Stoco (2007, p. 1679), in verbis:
A teoria do dano moral será, talvez, a que maior resistência sofreu desde a sua concepção, que remonta à Índia lendária e a fabulosa Babilônia (Código de Manu e Hammurabi), passando pelo Direito Romano e frutificando e se desenvolvendo na França. Paulatinamente a teoria foi se desenvolvendo e sedimentando, evoluindo através de um trabalho de criação de poucos doutrinadores, com a resistência insistente de tantos outros.
Contudo, com a Constituição Federal de 1988 a aceitação da reparação do dano moral foi plena, até porque a Carta Magna trouxe no seu corpo expressamente a possibilidade da reparação do dano moral. Essa manifestação está prevista no art. 5º, incisos V e X, da CF/88.
O auge do dano moral no nosso ordenamento jurídico se deu, realmente, quando a Constituição Federal de 1988 elegeu a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Sendo assim, para se ter efetivado tal princípio há a necessidade de um instrumento eficaz, que garanta isso. Eis que esse é o papel crucial da reparação civil quando se pensa em dano moral.
Um pouco depois, mais precisamente, em 2002, o Código Civil nos seus art. 186 e 927 consagrou definitivamente a reparação civil por dano moral, em consonância com a Constituição Federal de 1988 e com os inúmeros movimentos internacionais que apontavam também nessa direção, como por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem que traz vários dispositivos contemplando a reparação do dano moral.
O artigo 186 do Código Civil de 2002 dispõe: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Desta forma, fica explícito que nossa legislação assimilou o princípio constitucional da reparação civil.
A introdução da reparação do dano moral nas relações jurídicas, em especial no âmbito privado, foi de tal relevância que em inúmeros outros ramos do direito se pode perceber a presença da reparabilidade do dano moral. Como por exemplo, tem-se o Código de Defesa do Consumidor que traz a possibilidade do reparo do dano moral na seara das relações de consumo.
Vale lembrar que, antes da CF/88 ter posto um fim na discussão acerca do dano moral, no Brasil já existiam algumas orientações sobre a reparação por dano moral. Por exemplo, o Código Civil de 1916, com alguns ensinamentos isolados, o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62), etc. Todavia todas essas regras eram programáticas e estagnadas. Sendo assim, o grande avanço se deu profundamente apenas com a CF/88.
3. Conceito de Dano Moral
O dano moral compreende fundamentalmente valores espirituais ou morais e estão diretamente relacionados aos direitos da personalidade. A honra, a privacidade, o nome, a tranqüilidade de espírito são exemplos de valores que se transgredidos podem resultar numa indenização por dano moral.
Segundo Diniz (2009, p.90/92), o dano moral se conceitua:
O dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais, de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo. Qualquer lesão que alguém sofra no objeto do seu direito repercutirá, necessariamente, no seu interesse; por isso, quando se distingue o dano patrimonial do moral, o critério da distinção não poderá ater-se à natureza ou índole do direito, ou ao efeito da lesão jurídica, isto é, ao caráter de sua repercussão ao lesado, pois somente desse modo se poderia falar em dano moral, oriundo de uma ofensa a um bem material, ou em dano patrimonial indireto, que decorre de eventos que lesa direito extrapatrimonial.
O nobre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.359) define dano moral:
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.
A preleção do ilustre professor Bittar, (1993, p.41) sobre o conceito de dano moral faz-se percuciente:
Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou de plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em vive e atua (o da reputação ou da consideração social).
Desta forma, o designado dano moral ou dano extrapatrimonial seria aquela lesão gerada a um bem juridicamente tutelado sendo que esse bem é de ordem interna ou anímica, ou seja, é lesão ou prejuízo de direito cujo conteúdo não é pecuniário, pelo menos não de imediato.
Acrescenta-se que o dano moral é a lesão aos direitos da personalidade, como á vida, honra, à intimidade, á integridade física, enfim, todos os direitos inerentes da personalidade.
4. Configuração do Dano Moral
Vale frisar que, não é todo e qualquer aborrecimento que resultará na configuração do dano moral. É preciso analisar cada caso de forma única e específica. Desta forma, não se deve levar em consideração a reação psíquica daquela pessoa que é extremamente sensível e nem o psiquismo daquela que é muito rigorosa, insensível.
O posicionamento acima mencionado é de suma importância, pois evita que inúmeras pessoas se dirijam ao poder judiciário com o intuito de obterem o enriquecimento sem causa ou causar a decadência daquele que foi submetido a tal situação.
Ratificando esse entendimento, Cavalieri Filho (2009, p.89) aduz:
[...] só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.
Enfim, vale destacar que, a responsabilização por dano moral é aquela resultante de uma lesão ao direito a personalidade. E não propriamente a mensuração da dor, do sofrimento, da depressão que alguém sentiu ao sofrer um ato ilícito causado por outrem.
Enfatiza o douto Yussef Said Cahali (2005, p.22-23):
Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.
Nesse sentido Cahali (2005, p.58-59), acrescenta ainda:
Em realidade, os casos enunciados nos texto legais, indicados na doutrina ou examinados pela jurisprudência, resolvem-se, em substância, na proteção dos chamados direitos de personalidade, eis que de sua violação resulta o dano moral reparável. Por essa razão, os autores tendem a classificar as danos morais segundo a espécie do direito da personalidade agravado,[...].
Quanto aos direitos da personalidade pode-se citar o nome, a intimidade, a imagem, etc. Não há uma taxatividade quanto ao seu número, pois alguns desses direitos já nascem com todos nós, mas outros são adquiridos no desenvolver da vida. Como, por exemplo, o direito autoral sob a feitura de determinada obra. Esse direito é um direito da personalidade, contudo nem todas as pessoas poderão em algum momento da sua vida poder suscitá-lo.
Vejamos um julgado acerca do dano moral entre os cônjuges, como exemplo, demonstrando o posicionamento adotado em alguns tribunais brasileiros. Esse julgado é do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
DIREITO DE FAMÍLIA E RESPONSABILIDADE CIVIL. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DO CASAMENTO. INFIDELIDADE CONJUGAL. ADULTÉRIO. DANO MORAL. 1) A celebração do matrimônio gera para os cônjuges deveres inerentes à relação conjugal, não só de natureza jurídica, como, também, de natureza moral, valendo notar que a violação destes deveres pode resultar, inclusive, em justa causa para a dissolução da sociedade conjugal. 2) O direito à indenização decorre de mandamento constitucional expresso, que declara a inviolabilidade da honra da pessoa, assegurando o direito à respectiva compensação pecuniária quando maculada (art. 5º, X, da Constituição da República). 3) A traição, no caso, dupla (da esposa e do ex-amigo), gera angústia, dor e sofrimento, sentimentos que abalam a pessoa traída, sendo perfeitamente cabível o recurso ao Poder Judiciário, assegurando-se ao cônjuge/amigo lesado o direito à reparação do dano sofrido. 4) A infidelidade, ademais, configura violação dos deveres do casamento (dever de fidelidade recíproca, dever de respeito e consideração mútuos etc - art. 1.566, Código Civil) e, como tal, serve de fundamento ao pedido de separação judicial por culpa, desde que a violação desses deveres torne a vida conjugal insuportável (art. 1.572 e 1573, Código Civil). 5) Recurso conhecido. Sentença reformada, para condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais, arbitrada em R$ 50.000,00.
( TJ-RJ, Apelação n° 2007.001.4220, décima segunda câmara cível, Des. Werson Rego, 18/09/2007).
Esse comportamento novel é de extrema relevância, pois o matrimônio não pode ser considerado uma espécie de blindagem a responsabilização daquele que gerou um dano a outrem, ainda que, este outrem seja seu parente ou cônjuge.
Desta forma, estando configurado o dano moral há inegavelmente o dever do Estado de impor a reparação do dano sofrido pela vítima.
5. CONCLUSÃO
Enfim, hoje se pode dizer que o dano moral está bastante consolidado no ordenamento jurídico, pois como já foi explanado ele apresenta-se tanto na Carta Política quanto no Código Civil, sem se falar em outras normas infraconstitucionais.
Mas, é bom destacar que, a reparação por danos morais não é instituto novel na ordem jurídica, o que é recente na doutrina é a aceitação pacífica por grande parte das legislações contemporâneas.
Desta forma, depois de sair de um período longo de obscuridade, evidenciado pela falta de declaração expressa no amparo e defesa da reparabilidade de dano moral, a aceitação inteiramente da admissibilidade desse instituto foi uma das grandes vitórias da civilização.
Nesse contexto, com a norma constitucional, da mais alta hierarquia, é inquestionável a concepção de que a reparação do dano moral na ordem jurídica brasileira é princípio de natureza cogente.
REFERÊNCIAS
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Advogada: OAB:10215; Formada pela Universidade Federal do Maranhão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Karolyne Moraes. A evolução e os aspectos atuais do dano moral no direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2011, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25875/a-evolucao-e-os-aspectos-atuais-do-dano-moral-no-direito-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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