Introdução
A violência é um problema crescente no Brasil. Esta deixou de ser um fator preocupante apenas nas grandes cidades e invadiu, rapidamente, as cidades de médio e pequeno porte. A população está assustada e cobra do poder público atitudes mais enérgicas no sentido de combater, com eficiência a criminalidade.
Diante desse panorama o estudo da criminologia se torna ainda mais importante, porque é essa ciência a responsável por identificar elementos que, se combatidos, previnem a pratica de ações criminosas e violentas.
Entre os diversos ramos de estudo da Criminologia encontra-se o da Vitimologia. Ciência que analisa a vítima e as suas reações diante do fato criminoso (violência física ou moral) que sofreu.
O estudo da Vitimologia é de importância crucial para este trabalho, pois busca-se aqui analisar a vitima do bullying , uma vez que esta tem mostrado potencial para se tornar agente de condutas criminosas no futuro. Acontecimentos recentes no Brasil e no mundo corroboram essa tese.
1 . Criminologia
A criminologia conceitua-se, em geral, como sendo o estudo do crime e do criminoso, isto é: criminalidade. Não é uma ciência independente, mas atrelada à Sociologia, à apreciação científica da organização da sociedade humana, bem como a outras ciências, visto que tem um caráter, eminentemente, multidisciplinar.
Como exemplo de outras ciências que se intercambiam com a criminologia cita-se:
· o Direito Penal, ramo da Dogmática Jurídica que definem quais condutas tipificam crimes ou contravenções, estabelecendo as respectivas penas;
· a Medicina Legal (aí compreendida a Psiquiatria Forense);
· Psicologia Criminal, cuja matriz é a Psicologia (comum), ciência ocupada com a mente humana, seus estados e processos: a Antropologia Criminal (Ferri, Lombroso e Garofalo), que assume para si a responsabilidade de pesquisar e desenhar supostos perfis dos infratores penais, a partir de disposições anatômicas e estigmas somáticos particulares.
Vários são os ramos de trabalho da Criminologia. Esta ciência tem como objeto, não só análise do delito e do criminoso, mas também, estuda-se a vítima, suas reações diante do crime que sofreu.
2. Vitimologia
Entende-se por Vitimologia o estudo da vítima tanto no instante do crime, desde a sua ocorrência até as suas conseqüências. Esta ciência tem como objetivos evidenciar a importância da vítima, sua conduta, e medidas para reduzir o dano.
A termo vítima origina-se do latim “victimia evictus”, vencido, dominado. Sendo reconhecida na época como pessoa ou animal sacrificado aos deuses nos rituais de paganismo.Essa ideia dá origem ao atual conceito de vitima, em que, vítima é a pessoa que sofre os resultados infelizes dos próprios atos, dos de outrem ou do acaso. Com o correr do tempo o conceito de vitima acabou sendo transformado. A definição, para o campo jurídico, vitima é que sofre prejuízo ou dano pela infração penal.
A criminologia entende a vítima como sendo um sujeito de direitos que influencia, consideravelmente, para o acontecimento do fenômeno delitivo. Essa ciência faz uma análise dos pontos a serem discutidos para que se realize uma abordagem que, ao mesmo tempo, seja objetiva e profunda da vitima, tanto do ponto de vista biológico, psicológico ou sociológico como pontos fundamentais para seu desenvolvimento.
Ao longo da história a vítima representa vários fatores que a tornam importante no contexto. A vítima passou de protagonista, na época de ouro, código de Hamurabi “olho por dente por dente”, à sua neutralização. E no momento atual encontra-se em fase de redescobrimento de sua posição para o fenômeno delitivo, posição essa que é de fundamental importância, seja ela do ponto de vista de sua atuação direta quanto de sua participação indireta.
Somente a partir de meados da década de 1940 que o estudo da vitima começou a ganhar campo perante o reconhecimento da sociedade, ou seja, a vítima do delito voltou a ter um papel de destaque como sujeito de direitos, e não como objeto, para a explicação científica do fenômeno criminal.
Entretanto, os defensores da Vitimologia Moderna não pretendem um regresso à idade de ouro, e sim, uma atuação estatal mais justa e solidária à figura do deliquente e da vitima.
3. A Criminologia e o bullying
O bullying por se tratar de uma conduta, a pouco tempo conceituada, carece de estudos na área criminológica, uma vez que tal fenômeno é, geralmente, objeto de trabalhos em áreas do conhecimento como a sociologia e a pedagogia. Ocorre que essa pratica tem se mostrado desencadeadora de atos criminosos.
Como já mencionado a criminologia é um a ciência que, entre outros, tem como objeto o estudo do ato delitivo e sua vitima. É devido ao seu caráter multidisciplinar que ela se apresenta como o campo de estudo ideal para análise da prática do bullying como fato gerador de crimes e condutas violentas por suas vitimas.
4. A caracterização do bullying
O termo bullying origina-se da palavra inglesa bully que significa valentão. Refere-se a comportamentos agressivos do individuo mais forte em relação ao mais fraco.
Alguns critérios básicos foram estabelecidos pelo pesquisador Dan Olweus, da Universidade de Bergen, Noruega (1978 a 1993), para identificar as condutas de bullying e diferenciá-las de outras formas de violência e das brincadeiras próprias da idade.
Os critérios estabelecidos são caracteriscas próprias do bullying:
· ações repetitivas contra a mesma vítima num período prolongado de tempo;
· desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; ausência de motivos que justifiquem os ataques.
· Deve-se, ainda, levar em consideração os sentimentos negativos mobilizados e as seqüelas emocionais, vivenciados pelas vítimas de bullying .
Segundo Cleo Fante, o bullying é uma palavra de origem inglesa, adotada emmuitos países para definir a vontade consciente e deliberada de colocar uma outra pessoa sob tensão, maltratando-a; termo que conceitua os comportamentos agressivos e antisociais, utilizado pela literatura psicológica anglo-saxônica nos estudos sobre a violência escolar (FANTE, 2005, p. 27).
Não se refere a pequenas brincadeiras próprias da infância, mas de casos de violência que, em muitas situações, são praticados de maneira velada por agressores contra as suas vítimas. Tais praticas ocorrem, com freqüência, dentro de salas de aulas, corredores, pátios de escolas ou até nos arredores. Elas são, na maioria das vezes, realizadas de forma repetitiva e com desequilíbrio de poder.
Essas agressões morais ou até físicas podem causar danos psicológicos para a criança e o adolescente, facilitando posteriormente a entrada deles no mundo do crime.
De acordo com o estabelecido pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA), não existe uma palavra na língua portuguesa capaz de expressar todas as situações de bullying, por isso a permanência do termo em inglês.
As ações que podem estar presentes no bullying são: colocar apelidos,ofender, zoar, gozar, encarnar, sacanear, humilhar, fazer sofrer, discriminar, excluir, isolar, ignorar, intimidar, perseguir, assediar, aterrorizar, amedrontar, tiranizar, dominar, agredir, bater, chutar, empurrar, ferir, roubar e quebrar pertences.
5. Bullying e a prática de outros delitos
A observação das fases da infância e juventude é um ponto fundamental para que se compreenda alguns dos, inúmeros e diversos, fatores que podem influenciar efetivamente a prática de crimes. O que acontece na vai refletir em atitudes da vida adulta.
A Criminologia procura junto à Psicologia entender como esses fatores
podem influenciar o ser humano em formação, propiciando situações que o predisponham ao envolvimento futuro com crimes, especialmente, os delitos praticados com violência ou grave ameaça.
A pergunta que tem-se em mente, a partir de agora, é a de que ate que ponto a pratica do bullying pode ser considerada como fator responsável pelo aumento de praticas criminosas. Como já foi mencionado, o bullying ainda é um fenômeno pouco estudado pelas ciências jurídicas sendo mais comum a sua abordagem em trabalho de psicólogos, sociólogos e pedagogos que lidam com ambiente escolar.
No tocante a reprodução da violência no ambiente escolar já existem estudos na área de psicologia que comprovam que comportamentos agressivos, como os casos de bullying , influenciam no comportamento das pessoas.
Diversas experiências cientificas demonstram que as pessoas aprendem
uma variedade de reações novas só de percebê-las em outras. Isso pode causar uma certa preocupação afinal as pessoas, cada vez mais, estão expostas a cenas de violência tanto reais quanto fictícias. Já esta comprovado que os indivíduos podem reunir informações provenientes de várias
observações distintas, de maneira que novos modelos de comportamento, diferentes de qualquer outro antes estudado, podem ser desenvolvidos.
A capacidade de dar respostas novas observadas algum tempo antes, mas nunca realmente praticadas, é possível devido às habilidades cognitivas humanas. Os estímulos oferecidos pelo modelo são transformados em imagens daquilo que o modelo fez ou disse ou parecia e, ainda mais importante, são transformados em símbolos verbais que mais tarde podem ser lembrados. Essas habilidades cognitivas, simbólicas, também permitem aos indivíduos transformar aquilo que aprenderam, ou combinar o que observaram em diferentes modelos em novos padrões de comportamento. Assim, ao observar os outros, podemos desenvolver soluções novas, e não simplesmente imitações obedientes (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2000, p. 466).
Tanto as vítimas quanto os espectadores, submetidos a atos de bullying, comportamento social desaprovado que pode até ser considerado criminoso quando envolvem adultos, adquirem um novo modelo de comportamento pela observação do comportamento de outros. tal modelo de comportamento do bullying não precisa ser reiterado. As pessoas internalizam que tal conduta é “permitida”, mesmo que seja, de fato, desviante, e que tais ações de exploração do mais fraco, do diferente, do deficiente físico são válidas e fortalecedoras de seu grupo.
O ser humano aprende por meio da observação e imitação. Para que se aprenda uma conduta não é necessário o seu reforço bastando que se presencie o fato uma vez apenas. As crianças e também os adultos tem a capacidade de aprender comportamentos agressivos com a mera observação dos mesmos. Essa situação, no caso do bullying, se aplica a todos os envolvidos (inclusive espectadores e vítimas), que acabam internalizando esse padrão de comportamento (uso da violência) em suas vidas.
O bullying se reproduz na vida cotidiana, uma vez que é muito comum, entre os alunos de uma mesma turma, por exemplo, a existência de diversos conflitos e tensões. Há ainda inúmeras outras interações agressivas, às vezes como diversão ou como forma de auto-afirmação e para se comprovarem as relações de força que os alunos estabelecem entre si. Caso exista na classe um agressor em potencial ou vários deles, seu comportamento agressivo influenciará nas atividades dos alunos, promovendo interações ásperas, veementes e violentas.
Os outros alunos, se tornam vítimas, testemunhas e também agressores. Se não participarem do bullying, podem ser as próximas vítimas. Não denunciam e se acostumam com essa prática violenta, podendo até encará-la como normal dentro do ambiente escolar. O bullying acaba por desencadear um ciclo vicioso, arrastando os envolvidos cada vez mais para o seu centro. O ciclo pode ser rompido a partir do momento em que cada parte se torna consciente da sua contribuição, mesmo que involuntária, para a pratica do bullying.
O sofrimento emocional e moral e até, em alguns casos físico, da vítima são patentes. É comum que a vítima mantenha a lei do silêncio, pois, na maioria das vezes, as agressões são apenas morais e não deixam vestígios. Por isso faz-se necessário Compreender a dinâmica desse fenômeno como modo de controla-lo.
É importante salientar que o fenômeno bullying estimula a delinqüência e induz a outras formas de violência explícita. Da pratica do bullying originam-se cidadãos estressados, deprimidos, com baixa auto-estima e incapacidade de auto-aceitação com pouca ou nenhuma resistência à frustrações.
Estudos comprovam ser o bullying responsável pelo aparecimento, nas vitimas, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias graves. Tendo, como agravante, interferência drástica no processo de aprendizagem e de socialização, que estende suas conseqüências para o resto da vida podendo chegar a um desfecho trágico.
Em ocorrências de ataques mais violentos, contínuos e que causem graves danos emocionais, a vítima pode até cometer suicídio ou praticar atos de extrema violência.
6. Considerações finais
O estudo do fenômeno do bullying por ciências jurídicas, em especial pela criminologia, que se apresenta como a ciência mais adequada devido o seu objeto de analise, faz-se cada vez mais urgente pois tal fenômeno tem-se mostrado como um dos fatores que mais influenciam na pratica de crimes.
A vítima de bullying é acometida por diversos problemas de cunho social e psicológico, capazes de provocar reações violentas e práticas de crimes. Recentemente, esse fenômeno tem sido apontado como o principal fato gerador de tragédias em escolas de todo o mundo, inclusive no Brasil. Os agressores, responsáveis pela morte de professores e alunos, apresentam em seu perfil um ponto em comum: foram vítimas de bullying.
É preciso que se estude o bullying por diversos primas. Esse não um tema que interessa apenas a pedagogos e psicólogos, pelo contrário, está evidenciado que a prática do bullying influencia na formação emocional e moral, em especial da vítima, e portanto é determinante para seu comportamento e é por conta disso que outras ciências devem ficar atentas ao assunto, especialmente a ciência que tem como objeto o agente, a vítima e o fato delituoso como é o caso da criminologia.
7. Referências Bibliográficas
ABRAPIA – Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção á Infância e á
Adolescência. Disponível em: <http:/www.bullying.com.br/BConceituacao21.
htm#OqueE>
FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e
educar para a paz. Campinas: Verus, 2005.
FERNANDES, Antônio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros, 1995.
HALL, Calvin S; LINDZEY, Gardner; CAMPBELL, John B. Teorias da
personalidade. 4. ed. Tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre:
MARQUES, Oswaldo Henrique Fuek. A perspectiva da Vitimologia, in Atualidades Jurídicas 3. Saraiva: São Paulo, 2001.
SOARES, Orlando. Curso de Criminologia. Rio de Janeiro: Forense
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Mayara Ferraz Nepomuceno. A vítima de bullying e sua disposição para o crime Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2011, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25878/a-vitima-de-bullying-e-sua-disposicao-para-o-crime. Acesso em: 23 dez 2024.
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