INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi pedido pela Profª. Marildes, que ministra as aulas de Homem, Cultura e Sociedade e pretende introduzir o leitor ao conceito antropológico de cultura, baseado no livro “Cultura: um conceito antropológico” de Roque Laraia, de onde foi extraído o conceito sobre cultura de doze antropólogos, sendo eles:
1. Edward Tylor,
2. Franz Boas,
3. Felix Keesing,
4. Alfred Louis Kroeber,
5. Roger Keesing,
6. Leslie White,
7. Marshall Sahlins,
8. Marvin Harris,
9. W. Goodenough,
10. Claude Lévi-Strauss,
11. Clifford Geertz e
12. David Schneider.
CULTURA: Um conceito antropológico
A primeira definição de cultura que foi formulada do ponto de vista antropológico pertence a Edward Tylor, no primeiro parágrafo de seu livro Primitive Culture (1871). Tylor procurou, além disto, demonstrar que cultura pode ser objeto de um estudo sistemático, pois trata-se de um fenômeno natural que possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes ele proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução.
O seu pensamento pode ser mais bem compreendido a partir da leitura deste seu trecho:
Por um lado, a uniformidade que tão largamente permeia entre as civilizações pode ser atribuída, em grande parte, a Lima uniformidade de ação de causas uniformes, enquanto, por outro lado, seus vários graus podem ser considerados como estágios de desenvolvimento ou evolução... (TYLOR, 1871 [1958, parte I, p.1]).
Buscando apoio nas ciências naturais, pois considera cultura como um fenômeno natural, Tylor escreve em seguida:
Nossos investigadores modernos nas ciências de natureza inorgânica tendem a reconhecer, dentro e fora de seu campo especial de trabalho, a unidade da natureza, a permanência de suas leis, a definida sequência de causa e efeito através da qual depende cada fato. Apóiam firmemente a doutrina pitagoriana da ordem no cosmo universal. Afirmam como Aristóteles, que a natureza não é constituída de episódios incoerentes, como uma má tragédia. Concordam com Leibniz no que ele chamou "meu axioma, que a natureza nunca age por saltos", tanto como em seu "grande princípio, comumente pouco utilizado, de que nada acontece sem suficiente razão". Nem mesmo no estudo das estruturas e hábitos das plantas e animais, ou na investigação das funções básicas do homem, são idéias desconhecidas. Mas quando falamos dos altos processos cio sentimento e da ação humana, do pensamento e linguagem, conhecimento e arte, uma mudança aparece nos tons predominantes de opinião. O mundo como um todo está fracamente preparado para aceitar o estudo geral da viela humana como um ramo ela ciência natural (...). Para muitas mentes educadas parece alguma coisa presunçosa e repulsiva o ponto de vista de que a história da humanidade é parte e parcela da história da natureza, que nossos pensamentos, desejos e ações estão em acordo com leis equivalentes àquelas que governam os ventos e as ondas, a combinação elos ácidos e das bases e o crescimento das plantas e animais. (TYLOR, 1871 [1958, parte I, p.2]).
Neste sentido, ainda na segunda metade do século XIX, Tylor se defrontava com a idéia da natureza sagrada do homem, daí as suas afirmações no final do texto acima e a sua preocupação expressa no seguinte:
Mas outros obstáculos para a investigação das leis da natureza humana surgem das considerações metafísicas e teológicas. A noção popular do livre-arbítrio humano envolve não somente a liberdade de agir de acordo com motivações, mas também o poder de quebrar a continuidade e de agir sem causa — uma combinação que pode ser grossamente ilustrada pela analogia de uma balança, algumas vezes agindo de modo usual, mas também possuindo faculdade de agir por ela própria a favor ou contra os pesos. Este ponto de vista de uma ação anômica dos desejos, que é incompatível com o argumento científico, sub-existe como opinião manifesta ou latente na mente humana, e afeta fortemente a sua visão teórica da história (...). Felizmente não é necessário adicionar mais nada à lista de dissertações sobre a intervenção sobrenatural e causação natural, sobre liberdade, predestinação e responsabilidade. Podemos rapidamente escapar das regiões da filosofia transcendental e da teologia, para iniciar uma esperançosa jornada sobre um terreno mais prático. Ninguém negará que, como cada homem conhece pelas evidências de sua própria consciência, causas naturais e definidas determinam as ações humanas. (TYLOR, 1871 [1958, parte I, p.3]).
Mais do que preocupado com a diversidade cultural, Tylor a seu modo preocupa-se com a igualdade existente na humanidade. A diversidade é explicada por ele como o resultado da desigualdade de estágios existentes no processo de evolução. Assim, uma das tarefas da antropologia seria a de "estabelecer, grosso modo, uma escala de civilização", simplesmente colocando as nações européias em um dos extremos da série e em outro as tribos selvagens, dispondo o resto da humanidade entre dois limites. Mercier mostra que Tylor pensava as "instituições humanas tão distintamente estratificadas quanto a terra sobre a qual o homem vive. Elas se sucedem em séries substancialmente uniformes por todo o globo, independentemente de raça e linguagem — diferenças essas que são comparativamente superficiais —, mas moduladas por uma natureza humana semelhante, atuando através das condições sucessivamente mutáveis da vida selvagem, bárbara e civilizada".
Para entender Tylor, é necessário compreender a época em que viveu e conseqüentemente o seu background intelectual. O seu livro foi produzido nos anos em que a Europa sofria o impacto da Origem das espécies, de Charles Darwin, e que a nascente antropologia foi dominada pela estreita perspectiva do evolucionismo unilinear.
A década de 60 do século XIX foi rica em trabalhos desta orientação. Uma série de estudiosos tentou analisar, sob esse prisma, o desenvolvimento das instituições sociais, buscando no passado as explicações para os procedimentos sociais da atualidade.
A principal reação ao evolucionismo, então denominado método comparativo, inicia-se com Franz Boas (1858-1949), nascido em Westfália (Alemanha) e inicialmente um estudante de física e geografia em Heidelberg e Bonn. Uma expedição geográfica a Baffin Land (1883-1884), que o colocou em contato com os esquimós, mudou o curso de sua vida, transformando-o em antropólogo. Tal fato provocou, também, a sua mudança para os Estados Unidos, onde foi responsável pela formação de toda uma geração de antropólogos. Aposentou-se, em 1936, pela Universidade de Columbia, da cadeira que hoje tem o seu nome.
A sua critica ao evolucionismo está, principalmente, contida em seu artigo "The Limitation of the Comparative Method of Anthropology", no qual atribuiu a antropologia a execução de duas tarefas:
a) a reconstrução da história de povos ou regiões particulares;
b) a comparação da vida social de diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis.
Além disto, insistiu na necessidade de ser comprovada, antes de tudo, a possibilidade de os dados serem comparados. E propôs, em lugar do método comparativo puro e simples, a comparação dos resultados obtidos através dos estudos históricos das culturas simples e da compreensão dos efeitos das condições psicológicas e dos meios ambientes.
São as investigações históricas — reafirma Boas— o que convém para descobrir a origem deste ou daquele traço cultural e para interpretar a maneira pela qual toma lugar num dado conjunto sociocultural. Em outras palavras, Boas desenvolveu o particularismo histórico (ou a chamada Escola Cultural Americana), segundo a qual cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. A partir daí a explicação evolucionista da cultura só tem sentido quando ocorre em termos de uma abordagem multilinear.
Segundo Felix Keesing (1961, p.184-5.), "não existe correlação significativa entre a distribuição dos caracteres genéticos e a distribuição dos comportamentos culturais. Qualquer criança humana normal pode ser educada em qualquer cultura, se for colocada desde o início em situação conveniente de aprendizado". Em outras palavras, se transportarmos para o Brasil, logo após o seu nascimento, uma criança sueca e a colocarmos sob os cuidados de uma família sertaneja, ela crescerá como tal e não se diferenciará mentalmente em nada de seu irmãos de criação.
Alfred Kroeber (1876-1960), antropólogo americano, em seu artigo "O superorgânico" mostrou como a cultura atua sobre o homem, ao mesmo tempo em que se preocupou com a discussão de uma série de pontos controvertidos, pois suas explicações contrariam um conjunto de crenças populares. Iniciou, como o titulo ele seu trabalho indica, com a demonstração de que graças à cultura a humanidade distanciou-se do mundo animal. Mais do que isto, o homem passou a ser considerado um ser que está acima de suas limitações orgânicas.
Tem sido modo de pensamento característico de nossa civilização ocidental uma formulação de antíteses complementares, um equilíbrio de contrários que se excluem. Um desses pares ele idéias com que o nosso mundo vem lidando há cerca de dois mil anos se exprime nas palavras corpo e alma. Outro par que já teve a sua utilidade, irias de que a ciência está agora muitas vezes se esforçando por descartar-se, pelo menos em certos aspectos, é a distinção entre o físico e o mental.
Há uma terceira discriminação que é entre o vital e o social, ou em outras palavras, entre o orgânico e o cultural.
O reconhecimento implícito da diferença entre qualidades e processos orgânicos e qualidades e processos sociais vem de longa data. Contudo, a distinção formal é recente. De fato, pode dizer-se que o pleno alcance da importância da antítese está apenas raiando sobre o mundo. Para cada ocasião em que alguma mente humana separa nitidamente as forças orgânicas e sociais, há dezenas de outras vezes em que não se cogita da diferença entre elas, ou em que ocorre uma real confusão de duas idéias.(KROEBER, 1949, p.234).
O otimismo de Kroeber que, em 1950, escreveu que "a maior realização da Antropologia na primeira metade do século XX foi a ampliação e a clarificação do conceito de cultura" ("Anthropology", in Scientific American, 183). Em 1917, Kroeber acabou de romper todos os laços entre o cultural e o biológico, postulando a supremacia do primeiro em detrimento do segundo em seu artigo, hoje clássico, "O Superorgânico" (in American Anthropologist, vol.XIX, n° 2, 1917).
Resumindo, a contribuição de Kroeber para a ampliação do conceito de cultura pode ser relacionada nos seguintes pontos:
1. A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações.
2. O homem age de acordo com os seus padrões culturais. Os seus instintos foram parcialmente anulados pelo longo processo evolutivo por que passou.
3. A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. Em vez de modificar para isto o seu aparato biológico, o homem modifica o seu equipamento superorgânico.
4. Em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais e transformar toda a terra em seu hábitat.
5. Adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente determinadas.
6. Como já era do conhecimento da humanidade, desde o Iluminismo, é este processo de aprendizagem (socialização ou endoculturação, não importa o termo) que determina o seu comportamento e a sua capacidade artística ou profissional.
7. A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo.
8. Os gênios são indivíduos altamente inteligentes que têm a oportunidade de utilizar o conhecimento existente ao seu dispor, construído pelos participantes vivos e mortos de seu sistema cultural, e criar um novo objeto ou uma nova técnica. Nesta classificação podem ser incluídos os indivíduos que fizeram as primeiras invenções, tais como o primeiro homem que produziu o fogo através do atrito da madeira seca; ou o primeiro homem que fabricou a primeira máquina capaz de ampliar a força muscular, o arco e a flecha etc. São eles gênios da mesma grandeza de Santos Dumont e Einstein. Sem as suas primeiras invenções ou descobertas, hoje consideradas modestas, não teriam ocorrido as demais. E pior do que isto, talvez nem mesmo a espécie humana teria chegado ao que é hoje.
Roger Keesing em seu artigo "Theories of Culture", no qual classifica as tentativas modernas de obter uma precisão conceitual. Keesing refere-se, inicialmente, às teorias que consideram a cultura como um sistema adaptativo. Difundida por neo-evolucionistas como Leslie White, esta posição foi reformulada criativamente por Marshall Sahlins, Marvin Harris, e outros que, apesar das fortes divergências que apresentam entre si, concordam que:
1. "Culturas são sistemas (de padrões de comportamento socialmente transmitidos) que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento social e organização política, crenças e práticas religiosas, e assim por diante."
2. "Mudança cultural é primariamente um processo de adaptação equivalente à seleção natural." ("O homem é um animal e, como todos animais, deve manter uma relação adaptativa com o meio circundante para sobreviver. Embora ele consiga esta adaptação através da cultura, o processo é dirigido pelas mesmas regras de seleção natural que governam a adaptação biológica." B. Meggers, 1977)
3. "A tecnologia, a economia de subsistência e os elementos da organização social diretamente ligada à produção constituem o domínio mais adaptativo da cultura. É neste domínio que usualmente começam as mudanças adaptativas que depois se ramificam. Existem, entretanto, divergências sobre como opera este processo. Estas divergências podem ser notadas nas posições do materialismo cultural, desenvolvido por Marvin Harris, na dialética social dos marxistas, no evolucionismo cultural de Elman Service e entre os ecologistas culturais, como Steward."
4. "Os componentes ideológicos dos sistemas culturais podem ter conseqüências adaptativas no controle da população, da subsistência, da manutenção do ecossistema etc."
Em segundo lugar, Roger refere-se às teorias idealistas de cultura, que subdivide em três diferentes abordagens. A primeira delas é a dos que consideram cultura como sistema cognitivo, produto dos chamados "novos etnógrafos". Esta abordagem antropológica tem se distinguido pelo estudo dos sistemas de classificação de folk (Chamamos de sistemas de classificação de folk àqueles que são desenvolvidos pelos próprios membros da comunidade. Um exemplo disso entre nós é a classificação popular de alimentos fortes e fracos.), isto é, a analise dos modelos construídos pelos membros da comunidade a respeito de seu próprio universo. Assim, para W. Goodenough, cultura é um sistema de conhecimento: "consiste em tudo aquilo que alguém tem de conhecer ou acreditar para operar de maneira aceitável dentro de sua sociedade." Keesing comenta que se cultura for assim concebida ela fica situada epistemologicamente no mesmo domínio da linguagem, como um evento observável. Daí o fato de que a antropologia cognitiva (a praticada pelos "novos etnógrafos") tem se apropriado dos métodos linguísticos, como por exemplo, a análise componencial.
A segunda abordagem é aquela que considera cultura como sistemas estruturais, ou seja, a perspectiva desenvolvida por Claude Lévi-Strauss, "que define cultura como um sistema simbólico que é uma criação acumulativa da mente humana. O seu trabalho tem sido o de descobrir na estruturação dos domínios culturais — mito, arte, parentesco e linguagem — os princípios da mente que geram essas elaborações culturais."
Keesing é muito sucinto na análise desta abordagem, que em um dado momento teve uma grande aceitação no meio acadêmico brasileiro. Lévi-Strauss, a seu modo, for-mula uma nova teoria da unidade psíquica da humanidade. Assim, os paralelismos culturais são por ele explicados pelo fato de que o pensamento humano está submetido a regras inconscientes, ou seja, um conjunto de princípios — tais como a lógica de contrastes binários, de relações e transformações — que controlam as manifestações empíricas de um dado grupo.
A última das três abordagens, entre as teorias idealistas, é a que considera cultura como sistemas simbólicos. Esta posição foi desenvolvida nos Estados Unidos principalmente por dois antropólogos: o já conhecido Clifford Geertz e David Schneider.
O primeiro deles busca uma definição de homem baseada na definição de cultura. Para isto, refuta a idéia de uma forma ideal de homem, decorrente do iluminismo e da antropologia clássica, perto (Ia qual as demais eram distorções ou aproximações, e tenta resolver o paradoxo de uma imensa variedade cultural que contrasta com a unidade da espécie humana. Para isto, a cultura deve ser considerada "não um complexo de comportamentos concretos, mas um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas, regras, instruções (que os técnicos de computadores chamam programa) para governar o comportamento". Assim, para Geertz, todos os homens são geneticamente aptos para receber um programa, e este programa é o que chamamos de cultura. E esta formulação — que consideramos uma nova maneira de encarar a unidade da espécie — permitiu a Geertz afirmar que "um dos mais significativos fatos sobre nós pode ser finalmente a constatação de que todos nascemos com um equipamento para viver mil vidas, mas terminamos no fim tendo vivido uma só!" Em outras palavras, a criança está apta ao nascer a ser socializada em qualquer cultura existente. Esta amplitude de possibilidades, entretanto, será limitada pelo contexto real e específico onde de fato ela crescer.
Voltando a Keesing, este nos mostra que Geertz considera a abordagem dos novos etnógrafos como um formalismo reducionista e espúrio, porque aceitar simplesmente os modelos conscientes de uma comunidade é admitir que os significados estão na cabeça tias pessoas. E, para Geertz, os símbolos e significados são partilhados pelos atores (os membros do sistema cultural) entre eles, mas não dentro deles. São públicos e não privados. Cada um de nós sabe o que fazer em determinadas situações, mas nem todos sabem prever o que fariam nessas situações. Estudar a cultura é, portanto estudar um código de símbolos partilhados pelos membros dessa cultura.
David Schneider tem uma abordagem distinta, embora em muitos pontos semelhante à de Geertz. O ponto de vista de Schneider sobre cultura está claramente expresso em sua introdução do seu livro American Kinship: A Cultural Account3: "Cultura é um sistema de símbolos e significados. Compreende categorias ou unidades e regras sobre relações e modos de comportamento. O status epistemológico das unidades ou `coisas' culturais não depende da sua observabilidade: mesmo fantasmas e pessoas mortas podem ser categorias culturais."
CONCLUSÃO
Edward Tylor foi o primeiro a formular o conceito de cultura. Tylor, diz Laraia, definiu cultura como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética, como diríamos hoje. Além disso, Tylor procurou demonstrar que a cultura pode ser objeto de estudo sistemático, pois se trata de um fenômeno que possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural.
Tylor afirmava também que a diversidade cultural é resultado de estágios existentes no processo de evolução, e a antropologia deveria estabelecer uma escala de civilização, pondo em um extremo as nações européias e em outro as tribos “não civilizadas”, ele estratificou, assim, as instituições humanas. Porém para entender melhor essa percepção é preciso lembra que a teoria de Tylor nasceu em uma época que a Europa sofria o impacto da Origem das espécies, de Charles Darwin, e que a antropologia nascia dominada pela estreita perspectiva do evolucionismo unilinear. Em síntese Edward Tylor tinha cultura como algo baseado no evolucionismo, a cultura evolui juntamente com o ser humano.
Franz Boas com o método comparativo iniciou a reação contra o evolucionismo. Em seu artigo “The Limitation of the Comparative Method of Anthropology” a antropologia deveria reconstruir a história de povos ou regiões particulares e comparar a vida social de diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis. Propôs, em lugar do método comparativo puro e simples, a comparação dos resultados obtidos através dos estudos históricos das culturas simples e da compreensão dos efeitos das condições psicológicas e dos meios ambientes.
Boas desenvolveu o particularismo histórico (ou chamada Escola Americana de Cultura), no qual cada cultura segue seus próprios caminhos, independente dos eventos históricos que enfrentou, ou seja, cada povo pode decidir que cultura ter. Sendo assim a teoria evolucionista só tem sentido se houver multilinearidade.
Félix Keesing e Alfred Kroeber concordam que não há correlação entre genética e cultura, ex: qualquer recém-nascido, independente de onde nasceu, vai absorver a cultura de onde crescer. Kroeber vai além e afirma que o homem só se difere dos animais graças a cultura. Para ele o homem é um ser que está acima de suas limitações orgânicas, a cultura é um processo cumulativo, ou seja, o homem acumula experiências e, sendo assim, cultura.
Em síntese Kroeber afirma que cultura e mais do que herança genética, que o homem age de acordo com seus laços culturais, a cultura é o meio de adaptação aos diferentes meios ecológicos (extremo frio ou calor, matas fechadas, litorais, etc.), e como o homem consegue se adaptar a esses meios fez de toda a terra seu habitat. Graças a cultura o homem é um ser que depende de aprendizado e é isso que faz aparecer sua capacidade artística e/ou profissional. Ele afirma também que cultura é um processo cumulativo, nossas convivências e experiências vão nos dar uma cultura.
Kroeber põe os gênios em um mesmo patamar, ou seja, não difere o hommo sapiens que descobriu o fogo de Albert Einstein e Santos Dumont, afirmando que sem essa descoberta que hoje é considerada modesta, não haverias as outras ou pior a espécie humana não teria chegado onde chegou.
Roger Keesing dividiu o conceito de cultura em dois, primeiramente pois cultura como um sistema adaptativo, conceito esse difundido por Leslie White e reformulado por Marshal Sahlins e Marvim Harris, que concordavam que cultura são sistemas adaptativos entre as comunidades humanas e seus embasamentos biológicos, ou seja, os agrupamentos sociais, crenças e religiões, economia, entre outros. O homem é um ser adaptativo, por ser um animal, ele se adapta através da cultura, assim como se adapta biologicamente.
O materialismo cultural, desenvolvido por Harris mostra que a tecnologia, a economia e a organização social constituem o domínio mais adaptativo da cultura, prova disto é que estamos em constantes mudanças nesses setores, nossa tecnologia a cada dia está mais avançada, devemos procurar aprender várias línguas para conseguir bons empregos e a estratificação social está em constante mutação. Vemos a cada dia que passa que a ideologia dos sistemas culturais podem ter consequências na adaptação, no controle populacional, na manutenção do meio ambiente, etc.
A segunda teoria é a idealista, que se subdivide em três, sendo elas:
- Sistema cognitivo: Desenvolvido por W. Googdenough, que acreditava que cultura era um sistema de conhecimento. Keesing comenta que se cultura for assim concebida fica no mesmo patamar da linguagem. O sistema cognitivo aprimora os métodos linguísticos.
- Sistemas estruturais: Desenvolvido por Claude Lévi-Strauss, a cultura é um sistema simbólico, ou seja, uma criação cumulativa da mente humana. Ele tenta descobrir na estruturação dos domínios culturais como: mito, arte, linguagem, etc. os paralelismos culturais são por ele explicados pelo fato de que o homem está submetido as regras.
- Sistemas simbólicos: Desenvolvida nos Estados Unidos principalmente por dois antropólogos: Clifford Geertz e David Schneider. Geertz define homem baseado na definição de cultura, ou seja, para ele a cultura dever ser considerada um conjunto de mecanismos de controle, planejar, regras, receitas, etc., para se poder governar. Ele afirma que "um dos mais significativos fatos sobre nós pode ser finalmente a constatação de que todos nós nascemos com um equipamento para viver mil vidas, mas terminamos no fim tendo vivido uma só!", ou seja, podemos nos adaptar a qualquer ambiente, basta procurarmos respeitar as regras de convivência desse lugar. Estudar cultura é em síntese estudar um sistema de símbolos. O conceito de cultura é essencialmente semiótico, que vem de encontro com o pensamento de Max Weber "que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu". Geertz concebe a cultura como uma "teia de significados" que o homem tece ao seu redor e que o amarra. Busca-se apreender os seus significados (sua densidade simbólica).
Para Schneider cultura também é um sistema de símbolos e significados, porém a cultura não depende da observação, mas do status epistemológico das unidades, mesmos fantasmas e pessoas mortas podem influenciar na cultura. Ex: nós brasileiros todo dia dois de novembro vamos ao cemitério para “celebrar” o ‘Dia de finados’, já os americanos celebram o ‘Dia de todos os santos’, ou como é mais conhecido ‘Halloween’.
BIBLIOGRAFIA
LARAIA, Roque de Barros, 1932- Cultura: um conceito antropológico — 14.ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, Ellen Cristiane Albacete de. Homem, cultura e sociedade cultura: um conceito antropológico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2011, 09:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/26076/homem-cultura-e-sociedade-cultura-um-conceito-antropologico. Acesso em: 23 dez 2024.
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